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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
João Pessoa- PB
AGOSTO - 2014
O CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DOS INTELECTUAIS NA DÉCADA DE
1930 E 1940
JOÃO PESSOA – PB
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
PROFESSORES EXAMINADORES
____________________________________________ ________
Profa. Dra. Solange Pereira da Rocha (Orientadora) Nota
Departamento de História (DH/CCHLA/UFPB)
____________________________________________ ________
Prof. Dr. Elio Chaves Flores Nota
Departamento de História (DH/CCHLA/UFPB)
____________________________________________ ________
Profa. Dra. Bernardina Freire de Oliveira Nota
Departamento de Ciência da Informação (DCI/CCSA/UFPB)
JOÃO PESSOA
2014
Dedico aos juremeiros e às juremeiras, à sua história de fé, luta e resistência.
AGRADECIMENTOS
Um trabalho monográfico é construído a partir da dedicação e experiência
adquirida em longos quatro anos e meio. Sendo assim, se constitui em um trabalho
resultante da contribuição de muitas pessoas, nas quais pude contar tanto na minha vida
acadêmica, quanto na minha vida pessoal.
Agradeço também, à Profª Drª Vitória Lima, que foi quem me indicou o
Acervo Simeão Leal, apontando um norte para meus estudos. Não poderia deixar de
fazer um agradecimento especial à Profª Drª Bernardina Freire, que possibilitou meu
acesso ao arquivo referido e contagiou-me com sua vivência e trabalho com os
documentos de Simeão.
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 11
3.3 CATIMBÓ................................................................................................................... 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 65
INTRODUÇÃO
1
Trecho retirado da reportagem “Umbanda e Candomblé não são religiões, diz juiz federal”
(16/05/2014), de Fabio Brisolla, do jornal “Folha de São Paulo” disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455758-umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes-diz-juiz-
federal.shtml Acesso: 24 de jul. de 2014.
11
danças e práticas (como a bebida do vinho da jurema e o fumo do cachimbo). Os rituais
são costumeiramente realizados no interior de um terreiro ou dentro de uma mata.
12
De acordo com Vainfas (1997), a teoria Thompsiana admite uma relação entre a
cultura dominante e a cultura popular. Da mesma forma Bakthin percebe uma relação e
dinamização cultural entre os segmentos sociais. Os estudos de Bakthin inspiraram
pesquisadores como Nestor Canclini, que realizou estudos acerca da dinamização e
hibridismo entre culturas distintas.
2
Docente ligada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação.
13
Assim, por meio de mapeamento e levantamento de questões, analisaremos a
partir das fotografias tiradas por José Simeão Leal de um ritual de Catimbó-Jurema,
informações acerca daquela religiosidade, de seu espaço e de seus integrantes. Vale
salientar a importância dessas imagens tanto pela raridade da existência de um conjunto
fotográfico acerca desse ritual na Paraíba, durante a década de 1940, quanto pela
proibição em realizar fotografias dos rituais. Encontram-se no Arquivo José Simeão
Leal, quarenta e um registros fotográficos em preto e branco. Após o acesso às fontes,
as fotografias foram devidamente digitalizadas e analisadas.
Também serão consideradas fontes, estudos sobre o folclore, com foco nas
manifestações religiosas afro-indígenas, em especial, o Catimbó-jurema, produzidas
nas décadas de 1930 e 1950. Dentre os autores, pode-se destacar Gonçalves Fernandes,
com a obra “O folclore mágico do Nordeste” (1938), da coleção “Biblioteca de
Divulgação Científica”, dirigida por Arthur Ramos, em que traz aspectos tanto do
Catimbó nordestino, como da Barca ou Nau Catarineta. “O sincretismo religioso no
Brasil” (1941) foi outra produção utilizada de Fernandes.
Outro autor que fornece aporte à pesquisa é Roger Bastide. Utilizamos o livro
“Sociologia do folclore brasileiro” (1959) e o texto “Catimbó” (1945), presente no livro
“Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados”, organizado por
Reginaldo Prandi (2011), e originalmente presente no livro “Imagens do Nordeste
místico em preto e branco” (1945).
14
de Luiz Assunção, Ofélia Barros e Idalina Santiago, acerca da temática também serão
consultadas, com o intuito de subsidiar a pesquisa.
15
religiosidades, como uma forma de reprimir a intolerância religiosa, e evidenciar a
contribuição dessas religiosidades para a cultura brasileira.
16
1 Cultura popular e os estudos sobre o Catimbó no Brasil
A medida em que surge uma ideia de Nordeste, nasce o interesse pelo popular,
tanto por seu registro, com a intenção de propagar e preservar a cultura folclórica,
quanto como um mecanismo de controle e disciplina. Homens letrados e intelectuais
modernistas buscavam definir um Brasil a partir de sua heterogeneidade e localidade,
17
criticando um Brasil europeizado. Para esses intelectuais, em especial Mário de
Andrade, a cultura nordestina e, principalmente a sertaneja, torna-se a representação da
cultura brasileira, uma vez que são atribuídas a estas, a cultura própria do povo
brasileiro.
Cultura popular e folclore são dois conceitos que são muitas vezes
identificados como sinônimos, outras, são considerados complexos e confusos. O que se
pode concluir é que ambos estão diretamente relacionados. De acordo com Bastide
(1959), o folclore foi definido no primeiro Congresso Nacional do Folclore, na cidade
do Rio de Janeiro, em 1951, como um ramo da Antropologia, sendo este, o que estuda a
cultura popular em oposição à cultura erudita. A definição proposta pelo congresso é
bastante criticada, uma vez que, sabe-se pelos estudos realizados por Bakhtin (1996
[1987]), Canclini (2013 [1997]), entre outros pesquisadores, que não existe fronteiras
rígidas entre culturas de grupos pertencentes à classe distintas, não sendo, essas,
culturas opostas e homogêneas.
Por sua vez, Ferretti (2007) vai afirmar que a cultura está relacionada ao
imaterial, espiritual, à criatividade, liberdade de expressão e mudanças, acrescento,
ainda, à tradição. Diante disso, fica claro a relação entre os conceito de cultura popular e
folclore, não cabendo a nós, reconhece-las como sinônimos.
3
Atualmente o interesse pela cultura popular envolve outros fatores, a grande maioria motivados pelo
lucro. Conforme afirma Canclini (2013 [1997], as manifestações culturais e as tarefas que elas envolvem
não são mais exclusividades dos grupos étnicos ou de sujeitos pertencentes à cultura. Grupos distintos,
sejam ligados às fundações privadas, como empresas de rádio, televisão, comércio, ou ao Estado,
passaram a participar e atuar nos eventos considerados como de cultura popular.
4
Entende-se “modernistas” numa relação direta com os intelectuais da Semana de Arte Moderna, e
“moderna”, como algo avançado para a conjuntura social da época.
19
movimento renovador, ou, em arte, ficará no Morro do Castelo da antiguidade”
(AZEVEDO, 1984, p.60), ele apresenta a importância e a presença dos modernistas em
todo o Brasil. A carta suscitou uma ampla discussão de São Paulo ao Pará, alguns
intelectuais se posicionaram contra, outros a favor de Inojosa.
5
Trecho de carta enviada a Luís Câmara Cascudo por Mário de Andrade, em 1926. (MORAES, 2010,
p.85).
6
Mestres Carlos é uma entidade juremeira, de acordo com sua mitologia, ele tornou-se mestre após ter se
deitado embaixo de uma árvore, sendo transformado em mestre pelas entidades juremeiras, e não iniciado
na religiosidade, como todos (as) os (as) mestres(as) juremeiros(as).
20
Pelas três-marias... Pelos três reis magos... Pelo sete-estrelo
Eu firmo esta intenção,
Bem no fundo do coração,
E o signo-de-salomão
Ponho como selo...
Apesar de estudos folclóricos e com interesse nas práticas populares terem sido
realizados antes da Semana de Arte Moderna (1922), foi a partir dela, que se
enfatizaram estudos que buscassem retratar o brasileiro enquanto sujeitos múltiplos e
heterogêneos. Os anos 1930, durante o Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), foram
marcados pelo fortalecimento e centralização do poder do Estado, buscando, assim,
promover uma identidade nacional, cuja característica se limitava aos aspectos dos
sudeste, em especial São Paulo e Rio de janeiro. Ao mesmo tempo, esse período é
também caracterizado por uma renovação intelectual da sociedade brasileira, em que
buscava redefinir a compreensão de nacionalidade, enfatizando a pluralidade cultural e
identitária do Brasil. O tenentismo, a fundação do Partido Comunista Brasileiro – PCB e
a Semana de Arte Moderna contribuíram para transformações políticas e sociais da
década de 1920, os olhares dos intelectuais e historiadores, como Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. se voltaram para a valorização dos aspectos
sociais e culturais brasileiros.
7
O debate acerca das relações raciais no Brasil surgiu no século XIX, entre os principais autores pode-se
destacar: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Manoel Querino, Gilberto Freyre, Edison Carneiro e Roger
Bastide.
8
Autores como Peter Fry, Yvonne Maggie, Beatriz G. Dantas e Renato Ortiz buscam desconstruir as
afirmativas que elevam o candomblé e apontam a necessidade de realizar discussões que abordam as
demais religiões afro-brasileiras, uma vez que estas também ocupam um espaço na religiosidade popular.
22
No trecho citado, Bastide refere-se aos juremeiros em um tom pejorativo de
“povinho”, indicando ainda, a “pobreza geral” do ambiente. O texto do pesquisador é
todo construído a partir de uma comparação entre o Catimbó-jurema e o Candomblé
baiano, em que a jurema é sempre apresentada como um culto pobre, simples, rude,
enquanto o candomblé, como algo lúdico, complexo, belo, com vários adornos e
ornamentos. É importante salientar, que a pesquisa feita por Bastide foi realizada em
1945, período em que a Umbanda e o Candomblé não tinha se estabelecido na Paraíba.
Essa visão estereotipada é também visível na obra Meleagro (1978) e no “Dicionário do
Folclore Brasileiro” (1972 [1954]), ambos de Câmara Cascudo. Como se pode ver na
definição de Catimbó:
9
Babalorixá, pai-de-terreiro ou pai-de-santo são sinônimos, é o cargo mais alto na hierarquia do
Candomblé, líder do terreiro e pratica o jogo dos búzios. Babalaô é uma designação atribuída aos
adivinhos que praticam o jogo do Opelé, prática comum na África, principalmente no Benin e na Nigéria,
mas não no Brasil (SILVA, 2005).
23
autores se colocava no bojo de uma perspectiva evolucionista, positivista, colonialista,
ainda aos moldes oitocentistas.
10
Trata-se de sua dissertação de mestrado defendida pela UNICAMP. No mesmo ano a autora publicou
um artigo, bastante paradigmático, na revista Religião e Sociedade, intitulado “Repensando a pureza
nagô”. A dissertação foi posteriormente transformada em livro e publicada em sua primeira edição pela
Editora Graal, em 1988.
11
Esse livro é uma versão da tese de doutorado, apresentada no ano de 1999 ao Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC – SP).
24
Peixe Frito”12, buscavam, por meio de suas prosas e poesias, denunciar a perseguição
policial contra os terreiros, como também, ressaltar a importância da cultura negra para
a formação da cultura paraense, bem como, a cultura nacional. Entre os intelectuais
paraenses, Bruno de Menezes, Nunes Pereira e Dalcídio Jurandir se destacam por sua
atuação na mobilização pela liberdade religiosa no Pará. Os referidos autores não
tiveram formação acadêmica, sendo assim, autodidatas. Com exceção de Dalcídio
Jurandir, que teve o pai letrado e também político. Os outros dois autores eram negros,
oriundo de famílias pobres. (LEAL, 2011, p.35).
De acordo com Leal (2011), eram três elementos de sociabilidade comum entre
esses intelectuais: o esforço de consolidação de suas carreiras, oriundos de uma
condição social semelhante, esses intelectuais buscavam, com, muito esforço, publicar
suas obras e se estabelecerem enquanto homens de letras, apesar de muitos não ter a
formação acadêmica, e sim, autodidata; seu engajamento social na esquerda, sua luta
social, em especial para a defesa do povo de santo; e a produção intelectual, com
influências do modernismo, com interesses pela cultura popular, em especial à cultura
negra, destacando aqui, as manifestações religiosas afro-indígenas. Assim, esses
intelectuais socializavam tanto no que concerne o meio de sobrevivência, colocando o
ideal literário frente aos limites da própria subsistência, quanto no uso de suas
produções literárias como instrumentos de luta pela liberdade de culto no Pará.
13
Em 1966, é criado no estado da Paraíba, durante o governo de João Agripino, a Lei Estadual nº 3.443,
que garantia aos religiosos de matriz afro-indígena a liberdade de culto, desde que, o espaço religioso
(terreiro), tivesse uma autorização prévia da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Paraíba, que
era solicitada por meio da Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba. Assim, cabia a
Federação exercer uma representação legal dos terreiros filiadas à ela. Assim como em outros estados
brasileiros, aqui criou-se mais de uma federação que reúne as religiões negras e seus adeptos, visto que,
uma de suas atribuições é disciplinar o exercícios desses cultos, motivo que promove discordâncias e
desacordos (SALLES, 2010).
14
Estudo que resultou na dissertação de Mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE,
intitulada: “Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre a Forma Nordestina de Religião Mediúnica”.
26
2 O Catimbó-jurema e a representação da Missão de Pesquisas
Folclóricas
15
Conforme afirma Marcus Carvalho (1998), Malunguinho é a titulação dada aos líderes do Quilombo
Catucá (início do século XIX), localizado nas proximidades de Recife-PE.
27
Malnguinho me afirme um ponto
Ô Malunguinho, me abre a mesa (2x)
16
Os africanos escravizados foram classificados pelos colonizadores em dois grupos: bantos e sudaneses.
Os bantos eram africanos procedentes da África Centro-Ocidental, atuais Congo, Angola e Moçambique.
Os sudaneses provinham da África Ocidental, principalmente da Nigéria, Benin (ex-Daomé) e Togo.
Foram divididos em nações, a nação nagô (os iorubás) e a nação jeje (os fons), dentre outras. Vale
salientar que essas nações não eram formadas por apenas um grupo étnico, mas sim por vários, oriundos
de uma região (SILVA, 2005). Para saber sobre a questão, especialmente sobre os bantos menos
estudados, ver LOPES (2011).
28
Alcides Bezerra propõe em seu texto intitulado “Restos de antigos cultos na
Parahyba”, presente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no ano de
1910, apresentar antigos cultos e superstições populares presentes no estado. Para isso,
o autor recorre à ancestralidade dos cultos, nas quais distingue em cinco categorias que
são derivadas
17
A planta tomada como sagrada em Alhandra é a Mimosa tenuiflora (Willd.), mais comumente
conhecida como jurema-preta, que pertence à família das mimosaceae (SALLES, 2010, p.138).
18
Atualmente, nem todos os rituais de Jurema envolvem o consumo da bebida por todos. Muitas vezes ela
só é utilizada por ocasião da incorporação dos mestres. Apesar disso, a bebida feita a partir da Jurema está
sempre presente nos pejis, na maioria das vezes numa garrafa bem grande, que possui um sistema de
retirada semelhante ao de um filtro.
19
A defumação é realizada com o cachimbo invertido, o sopro é feito com a boca no local da queima da
erva. Essa prática é advinda dos costumes indígenas, tradicional da Jurema, é retratada pelos primeiros
autores que trabalharam com a temática, incluindo-se aqui, o vídeo etnográfico produzido por Mário de
Andrade, Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1928.
20
Incorporação ou transe, consiste no contato entre o fiel com o mundo místico, em que as entidades do
plano espiritual “entram” no corpo do religioso (BARROS, 2011).
21
Há ritos de Jurema em que as entidades Pomba-giras são também incorporadas.
30
Nos terreiros paraibanos de Jurema, realizam-se cultos para as entidades:
mestres e mestras, caboclos e caboclas, canindés, pretos velhos e pretas velhas, exús e
pombas giras, podendo encontrar também marinheiros, boiadeiros e baianos. Excedendo
os mestres e as mestras, os caboclos e as caboclas e os canindés, as demais entidades
foram incorporadas ao panteão juremeiro a partir do contato com a Umbanda22. Foi só a
partir da década de 1960, com a chegada da Umbanda, e a união desta ao Catimbó-
Jurema, que os religiosos paraibanos passaram a fundar terreiros com práticas
destinadas aos cultos de orixás e às outras entidades. No entanto, como já foi dito, a
religiosidade negra já exercia influência no Catimbó-jurema.
Os galinho da jurema
Sua sombrinha formô.
Que cobriu a Jesus Cristo
Que era nosso Sinhô23
22
A umbanda, considerada uma religião brasileira, se formou na região sudeste, principalmente do Rio de
Janeiro e São Paulo, no início do século XX. É caracterizada por sua formação ser resultado da união das
religiões negras, o catolicismo e o kardecismo.
23
“Toada”, como se fala usualmente nos terreiros, retirada da obra de Luiz Assunção (2010), p.80 e
bastante ouvida em nossas observações de campo na cidade de João Pessoa na Paraíba.
31
cidades: Jurema, Vajucá, Junça, Angico, Aroeira, Manacá e Catucá. Por cidades da
Jurema também se entende uma conotação física, um espaço sagrado com um ou mais
pés de jurema, em que são cultuados os mestres e mestras, cada mestre/a possui uma
jurema, ou seja, sua cidade. Conforme o autor, o mestre morre, para renascer na cidade
(SALLES, 2004).
24
Pode-se encontrar nessas casas oferendas feitas a partir de sacrifícios de animais, costume adotado a
partir do contato com a Umbanda. Segundo Câmara Cascudo (1978 [1951]), Gonçalves Fernandes
(1938), Roger Bastide (2011 [1945]) e René Vandezande (1975), o sacrifício de animais não era uma
prática realizada pela Jurema de mesa.
32
A Jurema de toque, a mais encontrada nos terreiros campinenses, talvez por ser
esta a que mais incorporou elementos de religiosidades afro-brasileiras, principalmente
quanto ao caráter lúdico e festivo. Seus rituais são marcados pela dança ao som dos
tambores, maracás e agogôs, “é o ritual por excelência das ocasiões de festas e
comemorações” (BARROS, 2011, p.129), em que são realizadas fartas oferendas
preparadas com animais sacrificados, muita bebida e adereços.
25
O terreiro é também chamado de casa, roça e ainda, no caso dos candomblés, Ilé.
33
intitulado “Mário de Andrade e os primeiros filmes etnográficos”, realizado pela
Cinemateca do estado de São Paulo, com a duração de 27 minutos.
Nos registros da Missão adquiridos em seis meses de viagem, encontram-se
áudios, fotografias, textos escritos de cenas de manifestações folclóricas, como também
de rituais religiosos, como o Catimbó na Paraíba, o Xangô de Pernambuco e do Tambor
de Mina Maranhense. Tais registros encontram-se disponíveis no DVD e livro: “Missão
de pesquisas folclóricas: cadernetas de campo” (2010), organizado por Vera Lúcia
Cerqueira. De acordo com Cerqueira (2010), Luíz Saia escreve à Sociedade de
Etnografia e Folclore informando que os registros só eram realizados depois que a
equipe se achava familiarizada com o assunto e com as pessoas a serem documentadas.
Em cada estado, a equipe era recepcionada e recebia o apoio de folcloristas ou
pessoas ligadas ao governo. Em Recife, o poeta Ascenso Ferreira e Waldemar de
Oliveira. Na Paraíba, Ademar Vidal, Pedro Batista, José Américo de Almeida e Silvino
Olavo contribuíram para as pesquisas no estado, Vidal destacou em correspondências, o
apoio do então interventor Argemiro Figueiredo.
No que concerne ao Catimbó, foram contatados catimbozeiros das cidades de
João Pessoa, Itabaiana e Alagoa Nova. No entanto, dois não concordaram em contribuir
com a Missão por medo de policiais, como o mestre Manuel Laurentino da Silva, em
Itabaiana e o mestre Zé Hilário, de Alagoa Nova. Foi em João Pessoa, com o mestre
Luís Gonzaga Ângelo, localizado no antigo bairro da Torrelândia, atual bairro da Torre,
que a Missão conseguiu levantar registros do Catimbó. Mestre Luís Ângelo nasceu em
1904, em Goiânia – PE, ferreiro de profissão. Nas gravações em vídeo, é relatada a
dificuldade em se encontrar um catimbozeiro que se disponibilizasse a participar da
gravação, possivelmente devido ao temor às perseguições policiais.
O registro, em formato de vídeo e trinta e quatro (34) fotografias em preto e
branco, apresenta um ritual de Catimbó de mesa26, em que os fiéis estão ao redor de
uma mesa coberta com pano branco, a exceção de uma, que se encontra sentada à frente
da mesa, em cima desta contém alguns elementos como água, imagem de crucifixo,
imagem de um santo não identificado, garrafa, algumas plantas, conforme a descrição
feita pela Missão:
26
Como já foi dito, o Catimbó ou Jurema de mesa consiste em um ritual em que as pessoas estão em volta
de uma mesa ou o chão coberto com um pano branco. O rito é acompanhado com toadas cantadas para as
entidades, utilizando velas, perfumes, água e cachimbos.
34
Nuna parte alimpada do chão colocaram uma mesinha 50 cm x 1 m
aproximadamente. Em cima desta mesa uma toalha branca, quatro
vasos com mudas de enfeita, um carbureto, um crucifixo, os
cachimbos, os arcos, uma garrafa e um copo (CARLINI apud
ASSUNÇÃO, 2010, P.91).
27
Essa observação se dá pelo fato de que hoje em dia, nos rituais afro-indígenas, em especial na Jurema,
as mulheres tem sua cabeça coberta.
35
Foto 1: Ritual de Catimbó do mestre Luís Gonzaga Ângelo (Torrelândia, 1938).
Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo.
DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.
36
Foto 2: Catimbozeiros do bairro da Torrelândia, 1938.
Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo.
DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.
Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo.
DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.
37
É registrado em vídeo, fotografia e desenho o momento de incorporação, em que
uma das catimbozeiras cai no chão, e os demais a acodem defumando o cachimbo sobre
seu corpo, fazendo-o retornar ao culto.
Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo.
DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.
. Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo.
DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.
39
informações, Gonçalves traz as letras e notas musicais das toadas e os registros
fotográficos, muitos retirados do Instituto e Médico Legal da Paraíba28.
A formação em Medicina, pela Universidade Federal de Pernambuco, atrelada a
seus conhecimentos na área da Antropologia e Folclore, fez de Fernandes um escritor e
pesquisador acerca da religiosidade popular, em especial nas discussões entre magia e
medicina popular, presente em “O folclore mágico do Nordeste” (1938).
Apesar de apresentar variadas crendices populares, como as devoções às varias
pedras consideradas sagradas, presentes em vários municípios do estado da Paraíba e as
cento e quatorze (114) crendices de “faz-mal”, Fernandes se dedica com mais afinco ao
estudo do Catimbó. Apresentando uma definição no primeiro capítulo,
28
Em “O arsenal da macumba”, Yvonne Maggie discute acerca dos acervos construídos a partir do
conjunto de objetos religiosos afro-indígenas recolhidos pelos policiais em momentos de perseguição aos
terreiros.
29
O livro Meleagro foi publicado em 1951, no entanto, a obra consultada para este trabalho pertence à
segunda edição de 1978, que consta um prefácio e um texto de Câmara Cascudo contendo indícios da
permanência de visão do autor perante o Catimbó-jurema.
30
Ao se falar de uma relação clientelista no Catimbó, faz-se referências às pessoas que não eram da
religião, mas que procuravam catimbozeiros (as) em busca da realização de algum feitiço ou trabalho, em
troca de dinheiro ou proteção. Na historiografia, tem-se indícios de que muitas dessas pessoas eram
pessoas ligadas às classes mais elevadas e ao meio político e policial.
40
como se pode ver nos elementos culturais citados no trecho seguinte, como “garrafadas
de jurema”, “cachimbo” e “crucifixo”. Presente em rituais de Catimbó em vários
municípios da Paraíba, Fernandes apresenta o cenário do espaço onde acontece o ritual,
31
No antigo catimbó-jurema, os mestres e as mestras, denominação atribuída tanto aos juremeiros/as ou
catimbozeiros/as responsáveis pela direção do culto, como também, aos espíritos dos antigos
catimbozeiros e catimbozeiras, que por meio do fumo, da bebida da jurema e do cântico, “baixam” nos
cultos. Em ambas atribuições, os mestres e mestras eram a figura principal do culto, de acordo com
Vandezande (1975), Bastide (2011) e Cascudo (1978 [1951]).
32
Sobre a perseguição policial aos cultos afro-indígenas ver: SOARES, Stênio. “Anos de Chibata”:
perseguição aos cultos afro-pessoenses e o surgimento e o surgimento das federações. CAOS – Revista
Eletrônica de Ciências Sociais. Número 14, setembro, 2009. P. 134-155.
41
p.89), e ainda continua, “a ação repressiva da polícia faz com que retraiam as reuniões”
(FERNANDES, 1938, p.89). A repressão policial era retratada na imprensa, como se vê
no noticiário do jornal “A imprensa”, de João Pessoa, em 29 de setembro de 1937,
43
3 Catimbó-jurema pela ótica de Simeão Leal
33
Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública criado em 14/11/1930 (durante o governo
provisório de Getúlio), através do decreto nº 19.420. Em 1937, com a Lei 378, torna-se Ministério da
Educação e Saúde. Transformado em Ministério da Educação e Cultura em 25/7/1953, através da Lei
nº1920.
45
Há no Rio de Janeiro atualmente um “salon” intelectual à moda dos
“salons” franceses do século passado; é a sala do Serviço de
Documentação do Ministério da Educação. Não pontifica nele
nenhuma senhora famosa e sim, o chefe do referido Serviço, Simeão
Leal. Seja como for, encontram-se lá as figuras as mais óbvias do
mundo intelectual brasileiro assim como as mais inesperadas misturas
de intelectuais visitantes. Ontem, por exemplo, além de lá
encontrarmos os Srs. José Lins do Rego e Cyro dos Anjos,
observamos a presença de um professor de Heildeberg e um jornalista
de Tóquio (Correio da Manhã apud BARROS, 20, P.121)
Em 1996, a esposa de JSL, Eloah Drummond Leal, doou o acervo, até então
situado no estado do Rio de Janeiro, para o estado da Paraíba. Aqui, o arquivo foi
tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico do Estado da Paraíba –
46
IPHAEP, e foi encaminhado para diversos espaços. As obras de sua autoria juntamente
com os livros de sua biblioteca foram enviados à Fundação José Américo, depois ao
Hotel Globo, para enfim, à Biblioteca do estado. O acervo de fotografias,
correspondências, escritos, gravações e objetos pessoais foram enviados ao Casarão de
Azulejos, no centro histórico de João Pessoa, depois, transferida novamente para o
IPHAEP, e em 2009, por questões políticas, foi encaminhado ao Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba –
NDHIR/UFPB. Parte do acervo artístico, nas quais se encontram obras de arte, entre
telas e esculturas foram encaminhas à Galeria Archidy Picado, localizada no Espaço
Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, e o Museu Assis Chateaubriant, em
Campina Grande.
Pela riqueza de seu acervo, ele já foi fonte para o desenvolvimento de
pesquisas. Em 2001, Patrício Araújo Duarte defendeu sua dissertação intitulada
“Revista Cultura: modernidade gráfica e informacional”, na qual ele busca refletir
acerca do papel e da atuação da Revista Cultura, idealizada por Simeão Leal, para o
desenvolvimento cultural do país.
Tomando como fonte principal as cartas trocadas entre Simeão Leal e seus
correspondentes, como também, dedicatórias encontradas em livros e os Cadernos de
Cultura, Bernardina Freire de Oliveira, em sua tese de doutorado, intitulada “José
Simeão Leal: escritos de uma trajetória”, defendida no ano de 2009, ao Programa de
Pós-graduação em Letras, buscou revelar uma autobiografia de Simeão Leal, em que
pôde perceber sua importância para o desenvolvimento cultural do Brasil.
Em 2012, a aluna Kelly Cristiane Barros apresentou ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), sua dissertação intitulada “Rede
humana de relações: relações de sociabilidade a partir do acervo fotográfico de José
Simeão Lea”, na qual, com base no conjunto de fotografias encontrado no arquivo José
Simeão Leal, pôde analisar as relações de sociabilidade que o paraibano mantinha.
Dentre a enorme quantidade de fontes encontradas no acervo, pode-se
enumerar um conjunto de mais de duas mil cartas trocadas entre Simeão Leal e seus
correspondentes, os Cadernos de Cultura, documentos manuscritos, fotografias, sua
produção plástica, acompanhada das críticas da imprensa, dedicatórias manuscritas,
além de um elevado número de livros. Em sua biblioteca, conta-se um vasto número de
obras voltadas para estudos sobre cultura e religiosidade popular. Dentre os autores,
47
podemos destacar a presença de Arthur Ramos, Edson Carneiro, Oneyda Avarenga,
Alceu Maynard Araújo, Nunes Pereira34, entre outros.
3.3 Catimbó
34
Intelectual maranhense, que escreveu sobre a cultura indígena na Amazônia, podendo citar: “Os índios
Maué” (1954), “Ensaio de etnologia amazônica” (1940), “Panorama da alimentação indígena” (1964),
entre outros, como também, sobre a religião afro-descendente no Maranhão “Casa das Minas: o culto dos
voduns jeje no Maranhã” (1947).
35
Dentre as cidades paraibanas visitadas pela missão, podemos citar João Pessoa, Campina Grande, Ingá,
Itabaiana, Areia, Alagoa Nova, Alagoa Grande, Guarabira, Mamanguape, Santa Rita, Pombal, Patos,
Soledade, Patos, Sousa, Cajazeiras e Coremas.
48
Catimbó, Caboclinho, os Congos, as Pastorinhas, Nau-Catarinete
de cabedelo e de Bayeux, manifestações ameríndias e a medicina
popular (DUARTE, 2001, 143)
36
Encontra-se também no AJSL, além das fotografias, um manuscrito em forma de ficha, com a pesquisa
realizada pelo intelectual, no entanto, por motivos maiores, ela não pôde ser consultada.
49
no estado da Paraíba, durante um ritual para a entidade caboclo Pena Branca37. De
acordo com Luiz Assunção, no livro “O reino dos mestres: a tradição da jurema na
umbanda nordestina” (2010), uma das definições de caboclo, formulada a partir dos
relatos de juremeiros de várias cidades do sertão nordestino, consiste em: “caboclo é
índio, forte, guerreiro, mas é antes de tudo caboclo, apontando para a possibilidade de
existência de uma multiplicidade de tipos de índios...”(ASSUNÇÃO, 2010, p.235).
Vagner Gonçalves Silva define o caboclo como “entidade que representa o índio
brasileiro ou as populações mestiças das áreas rurais” (SILVA, 2005, p.136). No verso
das fotografias não contém informações acerca do dia, nem do nome dos religiosos ali
presentes, nem da denominação atribuída ao terreiro. Uma única fotografia apresenta
um cenário semelhante a um mausoléu em um cemitério, com a presença de santos,
flores e uma ave.
Como pode-se observar nos registros fotográficos, a imagens retiradas por
Simeão indicam uma certa intimidade do pesquisador e os frequentadores de terreiro.
Conforme indica a historiografia, como também, os relatos de Luiz Saia (CERQUEIRA,
2010) e Gonçalves Fernandes (1938), o acesso aos terreiros era dificultado devido à
repressão policial. Para tanto, era necessário a indicação de alguém pertencente ao
terreiro, ou ser parente próximo, como é o caso do pesquisador Nunes Pereira que, para
escrever a obra “Casa das Minas” (1947), o referido autor fez uso da relação que
possuía com as integrantes da casa, ele era filho biológico de uma das integrantes,
Felicidade Nunes Pereira, e filho espiritual da sacerdotisa dona casa, mãe Andresa
Maria. A intimidade com a casa é visível nas fotografias de mãe Andresa, em situações
cotidianas, e em seus relatos, segundo Leal (2011).
Conforme afirma Iêda Linhares, sobrinha de Simeão Leal, seu tio frequentava
com assiduidade os espaços religiosos de matriz afro-indígena, em especial os terreiros
de Catimbó-Jurema, de modo que, percebe-se pelos registros, principalmente as
imagens fotográficas, uma relação de confiança entre os dirigentes religiosos e Leal
(OLIVEIRA, 2009, p.123-124).
37
A mitologia narra que o caboclo Pena Branca nasceu aproximadamente em 1425, na região central do
Brasil. Filho de cacique, desde novo se destacou em sua tribo por sua inteligência nas relações com
outras tribos indígenas. Em sua estadia no Nordeste, o caboclo não encontra apenas uma companheira, a
“Flor da Manhã”, mas foi um dos primeiros a avistar a chegada dos europeus, como participou,
também, da primeira missa. Outro mito atribuído ao caboclo Pena Branca é de que ele é originado dos
Estados Unidos da América (EUA). Sua saudação: Oké Caboblo! Saravá Pena Branca!
50
Diferente das imagens registradas pela Missão de Pesquisas Folclóricas e por
Gonçalves Fernandes, ambos em 1938, as fotografias tiradas por Simeão, tiradas na
primeira metade da década de 1940, apresentam uma sessão de Jurema de toque,
realizado no interior de um templo religioso. No espaço registrado, pode-se ver a
presença de simbologias e imagens que representam entidades juremeiras e santos
católicos, como o símbolo do Caboclo Pena Branca, um preto-velho, e um Sagrado
Coração de Jesus, um crucifixo e a pomba branca, que representa, segundo o
catolicismo, o Divino Espírito Santo. Tais imagens evidenciam a influência da
religiosidade afro-brasileira e do catolicismo na Jurema. Como pode-se ver nas imagens
que seguem:
Foto 6: Símbolo de Caboclo Pena Branca e Salomão no chão do terreiro.
Fonte: AJSL
38
Sobre magia europeia na Paraíba ver BEZERRA (1911).
51
redor, mulheres vestidas com saias ou vestidos, algumas descalças e outra calçada. De
todas as imagens registradas por Simeão, todas as mulheres se apresentaram com saia e
blusa ou vestido. Não é apenas uma característica da época, em que as mulheres não
usavam ou pouco usavam calças, mas, muito comum nas tradições populares, tanto
religiosas quanto culturais, como o coco de roda, as mulheres estarem vestida com uma
saia ou um vestido.
Na imagem seguinte (Foto 7), vê-se na parede ao fundo a representação do
símbolo de caboclo Pena Branca e, ao lado, a imagem de um Preto-velho. O destaque da
foto é dado à uma senhora negra, com uma vestimenta característica da religião, em
movimento de dança e canto, juntamente com as mulheres que estão ao seu lado, em
posição e roupas semelhantes. Pelo modo que elas seguram o charuto, possivelmente
elas estão sendo incorporadas por alguma entidade. Atrás da senhora negra, vê-se uma
outra mulher cobrindo o rosto com a mão. Seu penteado, acessórios, como o brinco e
relógio, e sua roupa indicam uma condição mais favorecida diante dos demais ali
presentes. Sua ação de esconder o rosto pode estar relacionado ao medo de que alguém
descubra sua presença ali. Como já foi dito, muitas pessoas não pertenciam à religião,
no entanto, visitavam os espaços em busca de trabalho e feitiços, no entanto, não se
pode afirmar que essa mulher seja uma cliente, uma vez que ela pode também, ser uma
nova adepta da religião.
Foto 7: Mulheres no terreiro.
Fonte: AJSL
52
Na foto 8, vê-se uma mesa39, com a presença de um crucifixo, a representação
do Sagrado Coração de Jesus, com várias guias em seu pescoço, e a imagem de pombas
brancas, que representam o Divino Espírito Santo, segundo o catolicismo. É interessante
perceber que o conjunto de elementos que compõe o espaço (foto 8) estão relacionados
ao catolicismo, com exceção ao pano branco do lado esquerdo, com símbolos de pontas
de flechas, que possivelmente faz referência à jurema. É comum nessas religiões,
objetos religiosos de crenças distintas compartilharem um mesmo espaço, em que se vê,
por exemplo, preto-velho ao lado de Jesus e uma santa católica ao lado de um caboclo,
caracterizando a falta de barreiras existentes entre as crenças dentro dessas
religiosidades. Além dos objetos, vê-se várias flores, muito comuns nesses espaços.
Como a imagem é cortada, não se pode definir se não há a presença de outros objetos na
mesa, ou se está se constitui um espaço mais sagrado, uma Tronqueira. Caso seja uma
Tronqueira, pode se justificar o corte da imagem, uma vez que se encontram ali
elementos sagrados.
Foto 8: Mesa com elementos cristãos.
Fonte: AJSL
39
Pelo ângulo e recorte da imagem não dá pra definir se consistem em o que se chama popularmente
chamado de altar. Na Jurema, os espaços destinados aos assentamentos das entidades, onde se colocam
flores, água, vela e oferendas, são chamados de Tronqueiras. Na Umbanda denomina-se Congá.
53
com os adornos característicos do caboclo: as penas brancas, um tipo de espada com
símbolos do caboclo e suas guias.
Uma característica importante da imagem 9 é a lâmpada ligada ao teto,
indicando assim, que esse terreiro encontra-se possivelmente em João Pessoa, visto que
os terreiros, como todas as casas existentes em Alhandra, e na maioria das cidades do
interior, não havia, nessa época, primeira metade da década de 1940, energia elétrica.
. Fonte: AJSL
54
Foto 10: Homens incorporados.
Fonte: AJSL
Fonte: AJSL
40
Pierre Verger é um fotógrafo francês que morou durante quarenta anos no Brasil, boa parte na Bahia, e
quinze na África, em Benin e Nigéria. O fotógrafo-etnólogo, como é chamado por Souty, dedicou
quarenta anos de sua vida pesquisando e registrando o negro, sua cultura e religiosidade, especialmente o
Candomblé, de modo a vivenciar a religião, tornando-se um babalaô (SOUTY, 2007). Assim como
Simeão, seus primeiros registros sobre a temática datam da década de 1940, no entanto, Verger registrou
os Candomblés baianos.
55
Foto 12: Homem incorporado.
Fonte: AJSL
Fonte: AJSL
56
Foto 14: Mulher incorporada.
Fonte: AJSL
Se tratando de uma festa para o caboclo Pena Branca, vemos, pela forma como
as pessoas são fotografadas na sequência de imagens, considerando sua expressão
facial, posição do corpo e das mãos, a incorporação de caboclos em vários religiosos.
57
Foto 15: Mulher incorporada com charuto na boca.
Fonte: AJSL
Fonte: AJS
58
Foto 17: Mulher incorporada.
Fonte: AJSL
59
notório, tanto pela fala de sua sobrinha, quando afirma que o intelectual frequentava
terreiros de jurema (OLIVEIRA, 2009), quanto pela proximidade que os registros são
adquiridos, uma certa “intimidade” com o ambiente e com os sujeitos lá encontrados, ou
seja, com o terreiro de Catimbó-jurema e com os catimbozeiros ou juremeiros.
As imagens registradas por Leal nos revelam elementos detalhado
característicos de um ritual de Catimbó-jurema. Simeão mostra-se interessado em
registrar detalhes que indicassem aspectos íntimos de um ritual, como as expressões nos
rostos das pessoas, a posição de seus corpos, sempre em movimento, os objetos
ritualísticos e os símbolos ali presentes.
Um aspecto interessante a ser notado é o direcionamento do olhar dos
fotografados, uma mulher em posição frontal, olha diretamente para a câmera, como na
foto 12, os demais olham em outra direção. Mesmo olhando para máquina fotográfica,
observa-se que a mulher retratada não se posicionou para tirar a foto, uma vez que ela se
apresenta de forma espontânea, com gestos semelhantes aos demais ali fotografados. As
outras imagens, que apresentam pessoas que não olham para a direção da câmera,
percebe-se, pela espontaneidade das expressões e das posturas, que não se incomodam
com a presença desta, o que indica, ainda, uma relação de proximidade entre o
pesquisador, José Simeão Leal e os religiosos registrados.
Assim como Souty (2007) percebeu uma aproximação entre o fotógrafo francês
Pierre Verger e os baianos, em especial, os candomblecistas, ao afirmar “não existe uma
representação da distância do outro. Ao contrário, há uma tentativa de aproximação, de
torná-lo mais próximo” (SOUTY, 2007, p. 3), percebemos também, essa tentativa de
aproximação por parte de José Simeão Leal diante dos juremeiros. Assim como Verger,
a imagem registrada por Simeão,
60
desses espaços. Contrastando, evidentemente, ao que ocorria fora dos terreiros, com a
demonização dessas religiosidades por parte do catolicismo.
Ao teorizar sobre a cultura popular, Thompson valoriza a resistência social e
luta de classe conectada às manifestações culturais. O mesmo autor vai admitir uma
relação entre as classes ditas subalternas e as dominantes, “esboçando uma noção de
inter-relações recíprocas entre os dois universos sociais” (VAINFAS, 1997, 157). Essa
resistência social é visível nas imagens, tanto pela Missão de Pesquisa Folclórica,
quanto pelas imagens tiradas por Simeão Leal, uma vez que, vemos os registros de um
grupo social subalterno, em que a grande maioria são pessoas negras, que realizava seus
rituais religiosos sob o amedrontamento da perseguição policial. A relação e o contato
estabelecidos entre o pesquisador e o objeto de pesquisa são também identificados nas
imagens de Simeão, que registrou suas fotografias a partir de uma posição inserida no
espaço ritualístico, próximo aos religiosos, e com acesso aos ambientes sagrados, como
pode-se ver nas fotos 7 e 8.
O conjunto de imagens registrado por José Simeão Leal nos faz vislumbrar o
Catimbó-jurema como um culto dinâmico, híbrido, expressivo e de uma riqueza
simbólica e mitológica. Simeão Leal capta a imagem dos indivíduos em momentos
ímpares vivenciados na religiosidade, que é a incorporação, quando um catimbozeiro
mantém uma relação direta com um mundo espiritual. Pelas lentes de Simeão, os
próprios sujeitos se apresentam.
Sendo assim, os registros encontrados no AJSL nos mostram fragmentos da
memória de um grupo subalternizado e excluído da sociedade da época, que, no entanto,
dotado de uma riqueza cultural e religiosa.
61
Considerações finais
Simeão Leal pretendia, com suas pesquisas acerca da cultura popular na década
de 1940, dar continuidade aos registros levantados pela Missão de Pesquisa Folclórica
no ano de 1938. Analisando os dois conjuntos fotográficos, podemos identificar
algumas distinções quanto à retratação da manifestação: na Missão, fica claro que o
62
objetivo da imagem é registrar o ritual de catimbó, considerando este uma manifestação
folclórica popular. Nos registros de Simeão, são os indivíduos e os símbolos que
compõem o espaço religioso que o atraem. No primeiro, algumas imagens são feitas
com os personagens posando para a foto, no segundo conjunto, o de J. Leal, todas a
imagens que constam pessoas são batidas de forma dinâmica, em movimento.
Os registros da Missão fazem-nos vislumbrar que o Catimbó é um culto de
pouca hierarquia, se comparado às demais religiosidades afro-indígenas, como os
Candomblés baianos, e com poucas exigências para sua prática e seu ritual, essa
imagem contribui para uma visão estereotipada do Catimbó-jurema, visão essa,
cristalizada na época.
Os corpos capturados pelo olhar de Simeão Leal revelam a expressividade, a
dinâmica corporal e a riqueza da simbologia vista nos adornos. Tal imagem difere dos
registros levantados pela Missão e contrapõe a mentalidade predominante da época, em
que o Catimbó é caracterizado como uma pobreza ritualística.
Os registros levantados pela Missão, como também, por Simeão Leal são
importantes por refletirem pioneiramente sobre o Catimbó-jurema, religiosidade que é
tradição ainda hoje, mesmo com as transformações ocorridas ao longo do tempo, não
apenas na Paraíba, mas em todo o Brasil. Sendo assim, fica claro a importância desses
registros.
O presente trabalho monográfico realizou, a partir das fontes consideradas,
uma análise de como o Catimbó-jurema foi visto e registrado pelos pesquisadores e
intelectuais das décadas de 1930 e 1940, bem como, a relação e interação entre grupos
oriundos de classes distintas. Ainda, apresentamos aspectos da religiosidade de pessoas
que foram excluídas da história e tiveram suas crenças, por muito tempo perseguidas.
41
De acordo com Fernandes (1938) e Cascudo (1978), as mulheres preferiam se autodenominarem de
rezadeiras, realizando seu trabalho individualmente, a receber o título de feiticeiras-catimbozeiras. Pratica
ainda vista na atualidade.
63
entre outras práticas e superstições são vestígios de culturas indígenas e negras e
contribuíram em diversos aspectos para a formação da sociedade brasileira.
64
REFERÊNCIAS
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