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Diretores do CEFAC

Irene Queiroz MARCHESAN


Jaime Luiz ZORZI

Coleção
CEFAC
Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica
Conhecimentos Essenciais Para
Atender Bem a Inter-relação

NEUROLOGIA E
FONOAUDIOLOGIA

Vicente José ASSENCIO-FERREIRA


Copyright © 2003 by Pulso Editorial Ltda. ME
Avenida Anchieta, 885 (Jardim Esplanada)
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Impresso no Brasil/Printed in Brazil, com depósito legal na Biblioteca Nacional


conforme Decreto no. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Todos os direitos reservados – É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte


desta edição, por qualquer meio, sem a expressa autorização da editora. A violação dos
direitos de autor (Lei no 5.988/73) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Editor responsável: Vicente José Assencio-Ferreira


Capa e diagramação: Lindineu Lopes Duran
Impressão e acabamento: Mirian Editora Gráfica Ltda.
Revisão ortográfica: Ruth Savastano Ferri

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)

Assencio-Ferreira, Vicente José.


Conhecimentos essenciais para atender bem a inter-relação
entre neurologia e fonoaudiologia./Vicente José Assencio-
Ferreira.– São José dos Campos: Pulso; 2003.

Referências bibliográficas
1. Neurologia 2. Fonoaudiologia 3. Acidente Vascular Cerebral
Agradecimentos

À minha esposa Tércia


e aos meus filhos Dimitri, Carolina e Fábio
Apresentação
Este livro é o resultado do desejo de transmitir os conhecimentos neuro-
lógicos coletados em 12 anos de aprendizado na Clínica de Neurologia Infantil do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos
25 anos de clínica neuropediátrica em consultório particular e nos 15 anos de cursos
de neurofisiologia administrados em todos os cantos do Brasil, junto com o CEFAC
(Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica).
É certo que não foi possível abranger todas as questões neurológicas e
nem todos os detalhes de cada uma das doenças que têm inter-relação com a Ciência
Fonoaudiológica. Entretanto, no Capítulo I é explanado como o sistema nervoso
central decodifica os estímulos que recebe e os transforma em aprendizado ou ide-
aliza uma resposta motora. Estão relatados, ainda, detalhes básicos da contração
muscular e das diferentes funções desempenhadas por cada uma das partes do cére-
bro, incluindo os sistemas piramidal e extrapiramidal.
No Capítulo II se dá destaque ao maior dos desafios do especialista em
fonoaudiologia: as afasias. Além do aspecto neuranatômico da linguagem, é dado
enfoque à classificação das diferentes formas clínicas. Para tanto, a participação da
Dra. Ana Paula Machado Goyano Mac-Kay, que tão bem conhece o assunto, foi
imprescindível.
O Acidente Vascular Encefálico (AVE) recebeu destaque especial não só
pela sua freqüência, mas também pelas múltiplas conseqüências que determina nas
estruturas envolvidas com o tratar do(a) fonoaudiólogo(a). O Capítulo III realça os
dados mais importantes que devem ser levados em consideração frente a um paci-
ente vitimado por um AVE, tanto na fase aguda como na de seqüela estabelecida.
O Capítulo IV os detalhes histológicos e topográficos dos Tumores
Encefálicos são analisados minuciosamente, sem contudo tecer considerações não
apropriadas ao vocabulário de quem tem interesse apenas em tratar das conseqüên-
cias que adveêm do tratamento médico cirúrgico ou quimioterápico.
As Doenças Desmielinizantes e as Degenerativas têm seus aspectos teóri-
cos e sinais clínicos descritos nos Capítulos V e VI, respectivamente. Houve a pre-
ocupação de citar os grupos de uma forma geral, mas dando maior ênfase às doenças
mais comuns no dia-a-dia: Esclerose Múltipla, Guilain-Barré, Parkinson, Esclerose
Lateral Amiotrófica, Alzheimer e Coréia de Huntigton.
A Criança Hiperativa não podia ficar de fora desta obra, pois é uma das
queixas mais freqüentemente referidas pelos pais e professores de crianças que ne-
cessitam do atendimento fonoaudiológico. No Capítulo VII, a preocupação maior
é esclarecer o diagnóstico diferencial entre o que é Transtorno do Déficit de Atenção
com Hiperatividade e o que é falta de limites!
Por fim, o Capítulo VIII é envolvente por trazer, não especificadamente
uma doença, mas sim um grupo de síndromes neurológicas de interesse para quem
trabalha em consultório de fonoaudiologia. São transtornos raros mas que sem
dúvida um dia estarão à sua porta pedindo orientação.
Se você leitor(a) não encontrar aqui alguns tópicos neurológicos impor-
tantes, que não deveriam ter sido esquecidos, me perdoe pela omissão, mas saiba
que nos demais títulos da Coleção CEFAC, alguns deles podem ser encontrados,
com enfoques específicos da área de fonoaudiologia.
Vicente José Assencio-Ferreira
Sumário
Capítulo I – O Sistema Nervoso Central ............................ 11
O neurônio
Neurofisiologia do movimento
O córtex cerebral
As funções e vias de associação do córtex cerebral
A química do comportamento
Referências bibliográficas

Capítulo II – Afasias ............................................................ 33


Anatomia da linguagem
Classificação das afasias (Dra. Ana Paula M. Goyano Mac-
Kay)
Bibliografia complementar

Capítulo III – Acidente Vascular Encefálico ........................ 45


Classificação do AVE
Etiologia do AVE
Fatores de risco
Locallização do AVE e suas características clínicas
Exames a serem obtidos em pacientes com AVE
Tratamento
Bibliografia complementar

Capítulo IV – Tumores Encefálicos ....................................... 55


Classificação dos tumores encefálicos primários
Classificação topográfica
Sintomatologia representativa da localização do tumor
1.Supratentorial 2. Infratentorial
Diagnóstico de tumor encefálico
Bibliografia complementar

Capítulo V – Doenças Desmielinizantes ................................ 63


Classificação das Doenças Desmielinizantes
Síndrome de Guilain-Barré ou polirradiculoneurite
Esclerose Múltipla
Bibliografia complementar
Capítulo VI – Doenças Degenerativas ................................... 69
Doença de Parkinson
Esclerose Lateral Amiotrófica
Doença de Alzheimer
Doenças Heredodegenerativas
Coréia de Huntington
Bibliografia Complementar

Capítulo VII – A Criança Hiperativa ................................... 79


Como o sistema nervoso central “impede” a hiperatividade
Compreendendo a falta de atenção e a hiperatividade
Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
Diagnóstico do TDAH
Bibliografia complementar

Capítulo VIII – ALGUMAS SÍNDROMES NEUROLÓGICAS


DE INTERESSE FONOAUDIOLÓGICO .... 87
1. Síndrome de Gilles de La Tourette
Seqüência de Möebius
Hemiatrofia Facial Progressiva (síndrome de Parry-Romberg)
Neurocisticercose
Alterações da linguagem na síndrome de Stickler
Síndrome de Sotos.
Neurofibromatose tipo 1 (NF-1): achados fonoaudiológicos
Capítulo I
O SISTEMA NERVOSO CENTRAL
O sistema nervoso coordena todas as atividades do organismo, integran-
do sensações a respostas motoras, adaptando-o às condições (internas ou externas)
vigentes no momento, permitindo melhores oportunidades de sobrevivência. Isto
só é possível graças a estruturas altamente capacitadas nas funções de excitabilidade
e condutibilidade - as células nervosas ou neurônios (Figura 1).

Figura 1. O Neurônio.
O NEURÔNIO
Os constituintes dos neurônios são:
• Corpo celular é a parte principal da célula nervosa, local onde está
situado o núcleo e as organelas (complexo de Golgi, lisossomos,
ribossomos, corpúsculos de Nissl, mitocôndrias e retículo
endoplasmático), que permitem a elaboração do estímulo elétrico ou
impulso nervoso em resposta às sensações recebidas por sua membra-
na citoplasmática e seus prolongamentos. No retículo endoplasmático
rugoso e nos ribossomos (que adquirem a cor azul com o corante de
Nissl) são produzidas substâncias químicas, os neurotransmissores
(NT), elemento ativo nas sinapses.
• Dendritos são prolongamentos citoplasmáticos curtos, ricamente
ramificados, que desempenham a função de ampliar a área de captação
da membrana neuronal dos estímulos nervosos externos à célula, para
que sejam avaliados no corpo celular. Quanto maior a quantidade de

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dendritos, maior será a coleta de informações, permitindo ao corpo celular
a elaboração de uma resposta mais completa e complexa. Podemos dizer
que a “inteligência” de um neurônio é proporcional às ramificações
(dendritos) que possui, pois quanto mais informações forem colhidas,
mais precisas serão as respostas motoras (Figura 1).
• Axônio, geralmente único, é a via de resposta, de expressão da célula
nervosa, servindo como fio condutor para que o estímulo elétrico criado
no corpo celular como resposta aos estímulos recebidos, chegue ao
destino ou órgão efetor. Para que possa desempenhar esta função de
condutibilidade deve ser recoberto por uma camada variável de
substância ricamente gordurosa denominada bainha de mielina,
produzida pelas células de Schwann. A intervalos regulares existe uma
interrupção da bainha de mielina em pontos denominados nódulos de
Ranvier, importante para a propagação saltatória do estímulo elétrico
(Figura 2). Em algumas espécies, como no homem, o axônio pode
atingir vários centímetros (às vezes até um metro!), o que pode significar
um problema. Os NT produzidos no corpo celular, têm que atingir as
sinapses situadas nas terminações distais dos axônios. Para facilitar esse
transporte existem inúmeros microtúbulos que se originam no corpo
celular e percorrem toda a extensão do axônio.

Figura 2 – Desenho esquemático do neurônio motor periférico com seu


axônio recoberto de mielina (retirado e adaptado de http://www.epub.org.br/cm/
home.htm).
• Sinapse é o local onde ocorre a transformação do estímulo elétrico
(gerado no corpo celular) em estímulo químico, mediada pelos NT.
Exemplos de NT incluem: adrenalina, noradrenalina, acetilcolina (com
ação excitadora), dopamina, ácido gama aminobutírico (GABA) (com
ação inibidora) e outros, como a serotonina, que dependendo do local
de atuação pode determinar excitação ou inibição (quadro 1).

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Quadro 1. Classificação de alguns dos conhecidos neurotransmissores (6).

GABA = ácido gama aminobutírico; NO = óxido de nitrogênio

Assim, os neurônios são responsáveis pela recepção, interpretação, produ-


ção e condução de impulsos nervosos de um sistema para outro. Existem três tipos
de neurônios que diferem, não só na função como na sua constituição:
• Neurônios sensitivos periféricos, os únicos com dois axônios
(bipolar ou pseudounipolar), transmitem informações (na forma
de seqüências de potenciais de ação – “trem de descarga”) captadas
na periferia, através de receptores especializados conectados ao
axônio distal. Após passar pelo corpo celular situado fora do siste-
ma nervoso central (no gânglio sensitivo), a sensibilidade captada
utiliza o axônio proximal (raiz dorsal da medula espinal ou raiz
sensitiva do nervo craniano) para atingir neurônios efetores,
neurônios sensitivos centrais ou neurônios de associação, situados
no Sistema Nervoso Central (SNC).
• Neurônios motores periféricos ou motoneurônios (que também
são denominados de motoneurônios alfa-fásicos ou alfa-tônicos)
são responsáveis pelo desencadeamento da contração muscular, única
via possível de provocar movimento e pelo tônus muscular
(viabilizado por motoneurônios gama). Toda resposta do sistema
nervoso se faz através dos músculos, o que motivou a denomina-
ção do neurônio motor periférico de via final comum. O corpo
celular está situado na porção anterior da substância cinzenta
medular, para aqueles que inervam músculos situados fora da cabe-
ça e no núcleo de um par craniano do tronco encefálico, para mús-
culos situados na cabeça (Figura 3).

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Figura 3. Corte transversal da medula espinhal onde se observa, no corno
anterior, o corpo celular do neurônio motor periférico (motoneurônio alfa)
inervando um músculo estriado esquelético.

• Neurônios de associação ou interneurônios são responsáveis em in-


terpretar, avaliar e decodificar os estímulos recebidos, fornecendo uma
resposta elaborada para ser efetivada pelo neurônio motor ou efetor
periférico. Seus corpos celulares estão distribuídos por todo o SNC,
não se projetam para fora dele e podem ter ação excitatória ou inibitó-
ria, dependendo do NT presente em suas conexões. No homem, existem
cerca de 20 bilhões de interneurônios, que determinam modulação na
atividade sensitiva e também na resposta motora. Mas, um determinado
interneurônio, será sempre excitador ou sempre inibidor, independen-
te do neurônio alvo, pois o que determina a sua ação é o NT que ele
produz e que libera em suas sinapses.
Estes diferentes tipos de neurônios se organizam de forma funcional e
hierárquica a fim de permitir ao SNC estabelecer sua função primordial sensiti-
vo-motor-sensitivo. Explicando melhor: nosso SN é extremamente complexo,
mas parte de um princípio básico observável em todos os seres vivos, por mais
simples que seja, por mais inferior que esteja na escala filogenética – o movimen-
to reflexo (Figura 4).
O movimento reflexo, segundo Netter (1998), depende de:
a) Uma estrutura capaz de, ao ser estimulada, transformar a excitação em
impulso elétrico – neurônio sensitivo.

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b) Um mediador capaz de realizar uma atividade elétrica de resposta de
fuga (estímulo nocivo) ou aproximação do local estimulado (estímu-
lo agradável) – neurônio motor ou motoneurônio alfa.
c) O efetor, a estrutura capaz de viabilizar o movimento – músculo.

Figura 4. Arco reflexo simples.


(retirado e adaptado de http://biologia.ifqsc.sc.usp.br/cap4/fig4.10.gif ).
Com esta estruturação reflexa podemos justificar várias atitudes que to-
mamos frente a determinados estímulos. Como exemplo, suponhamos que ao
segurarmos um pequeno objeto e ele esteja extremamente quente, sem dúvida, de
uma forma unicamente reflexa, iremos largar este objeto imediatamente, lançan-
do-o longe e provavelmente destruindo-o, não de forma consciente, mas por puro
reflexo. Mas, se por outro lado, soubermos que este mesmo objeto, é precioso,
caro e muito sensível, quebrando-se com facilidade se manipulado de forma rude,
certamente iremos depositá-lo delicamente sobre um suporte, mesmo que isso
signifique uma dor muito intensa. Suportaremos a dor e não deixaremos a atividade
reflexa se manifestar, uma vez que temos o conhecimento prévio de que ocorreria
uma perda inestimável, caso aquele objeto quente (e muito valioso) fosse lançado à
distância. O que impediu a manifestação natural de realizar um ato motor reflexo?
Certamente houve participação dos interneurônios de associação, que promoveram
uma inibição da atividade reflexa e primitiva.

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Funcionalmente, pode-se afirmar que o SN é composto por neurônios
sensoriais, motores e de associação. As informações provenientes dos receptores são
levadas ao SNC pelos neurônios sensitivos e, quando chegam ao córtex, são compa-
radas com outros estímulos já armazenados na forma de memória ou vivência anteri-
or. Utilizando neurônios de associação ou interneurônios, se estabelece, assim, um
reconhecimento (decodificação) do estímulo e, em seguida, é planejada a resposta
motora. A resposta parte do córtex motor e chega até o efetor (músculo ou glândula),
através do neurônio motor periférico ou motoneurônio alfa. Imediatamente, novas
informações sensitivas partirão em direção ao córtex cerebral, bombardeando-o e
informando-o dos resultados obtidos, após ter ocorrido a resposta motora. Em caso
de necessidade, novas correções motoras podem ser iniciadas até o completo sucesso
da missão inicial. Portanto, nosso organismo é comandado por um sistema intrincado
de circuitos neurais, que conectam áreas sensoriais e motoras, capazes de armazenar,
interpretar e emitir respostas eficientes a qualquer estímulo. É capaz, ainda, de verificar
se a resposta dada foi correta e se atingiu os objetivos propostos. É um sistema sensório-
motor-sensório. Por isso, dois terços do córtex são ocupados por atividades sensitivas
(lobo temporal, occipital e parietal) e as atividades motoras ocupam um espaço bem
inferior (lobo frontal) (7).
Apesar da enorme complexidade observada nos circuitos corticais e
subcorticais centrais, toda e qualquer produção encefálica só será possível ser obser-
vada e avaliada, através de algum movimento. Seja para articular a fala ou para
realizar um gesto com significado, só será possível percebê-los se existir alguma
contração muscular ou ato motor. Portanto, a única via de saída de resposta do
SNC se faz através do neurônio motor ou motoneurônio alfa e o músculo por ele
inervado, denominada de Unidade Motora.
NEUROFISIOLOGIA DO MOVIMENTO
Apesar da enorme complexidade observada nos circuitos corticais e
subcorticais centrais, toda e qualquer produção encefálica só será possível ser obser-
vada e avaliada, através de algum movimento. Seja para articular a fala ou para
realizar um gesto com significado, só será possível percebê-los se existir alguma
contração muscular ou ato motor. Portanto, a única via de saída de resposta do
SNC se faz através do neurônio motor ou motoneurônio alfa e o músculo por ele
inervado. Para entendermos melhor o significado deste conceito, é preciso entender
o músculo, a placa motora e a unidade motora.
MÚSCULOS
Os músculos lisos (encontrados em nossas vísceras e vasos sangüíneos) e
os músculos estriados cardíacos (encontrados no coração), inervados por neurônios
pertencentes ao Sistema Nervoso Autônomo, involuntário e inconsciente, não serão
abordados neste capítulo.

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O músculo estriado esquelético, de contração voluntária e consciente, loca-
lizado junto aos ossos (na sua maioria), será denominado a partir deste parágrafo, apenas
por músculo ou fibra muscular, a fim de facilitar a exposição. O músculo da face,
mesmo sendo estriado esquelético, receberá atenção diferenciada no final desse capítulo,
por apresentar características peculiares na constituição, inserção e ação.
Os músculos são compostos por células multinucleadas chamadas de fibras
musculares de espessura e comprimento variáveis. A força desenvolvida por uma
fibra muscular é diretamente proporcional a seu diâmetro, independente do
comprimento. Assim, as fibras de diâmetros iguais, mesmo que sejam de compri-
mentos diferentes, desenvolvem a mesma força; obviamente, a energia gasta será
maior por parte da fibra mais longa. Por outro lado, o deslocamento conseguido
com a fibra mais longa é maior do que com a fibra curta. Com isso, nos músculos
cuja função primordial é o encurtamento (deslocamento) suas fibras musculares
são mais longas, enquanto que naqueles em que a função principal é a força, as
fibras musculares são curtas. Outro aspecto importante, é que elas se apresentam
como vermelhas (por serem ricamente vascularizadas) ou como pálidas (com
vascularização menos intensa). Suas diferenças não ficam restritas à vascularização
mas também na sua forma de ação:
• as vermelhas são de contração mais lenta, constante, de alta resistência
e recebem a denominação de tônicas ou fibras musculares tipo I. São
compostas por fibras musculares de pequeno diâmetro, com grande
número de mitocôndrias, pouca quantidade de glicogênio e compõem
unidades motoras pequenas.
• as pálidas são de contração rápida, forte, explosiva, mas de baixa resis-
tência e recebem a denominação de fásicas ou fibras musculares tipo
II. São compostas por fibras musculares de grande diâmetro, têm poucas
mitocôndrias, alto conteúdo de glicogênio e participam de grandes
unidades motoras. São subdivididas em tipo IIA, IIB e IIC. As fibras
tipo IIA e IIB são de contração rápida, dependentes de obtenção de
energia do tipo oxidativa (aeróbica) e glicolítica (anaeróbica)
respectivamente. A fibra IIA se aproxima muito à fibra tipo I (na
constituição e na função), enquanto que a IIB é muito semelhante a
IIC, tipicamente fibra muscular de contração rápida e de baixa
resistência.
A transição entre as fibras vermelhas (tipo I) e pálidas (tipo IIC) se faz à
semelhança da escala de cores, com vários tons intermediários (denominadas fibras
tipo IIA e IIB). Existem fibras musculares que determinam contração muscular
rápida e com maior resistência do que a fibra tipo IIC e outras, ligeiramente mais
vascularizadas, levando à aparência externa e funcional próxima ao tipo I.

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As diferentes respostas à desnervação, reinervação, estimulação elétrica e
treino, irão variar conforme o tipo de fibra (Tipo I, IIA, IIB ou IIC), ou seja, à
composição da miosina, características de fadiga e propriedades de contração (8).
O fator determinante para que uma fibra muscular se comporte como
fásica (pálida) ou tônica (vermelha) é o motoneurônio alfa. A unidade motora
composta de fibras musculares pálidas se transformará em vermelhas se substituir-
mos o axônio que a inerva por um de uma unidade motora vermelha. O inverso
ocorrerá com a unidade composta por fibras musculares vermelhas, ao receber a
inervação de um motoneurônio de fibras pálidas. Assim, podemos afirmar que
existem motoneurônios alfa-fásicos e motoneurônios alfa-tônicos (5).
Na constituição dos músculos vamos perceber que a proporção entre
fibras musculares vermelhas (ou tônicas) e pálidas (ou fásicas) varia conforme o
músculo e, portanto, sua ação. Naqueles músculos que desempenham função de
força (como os músculos da mastigação), existe maior proporção de fibras mus-
culares pálidas do que vermelhas. Já nos músculos que sustentam os côndilos da
articulação têmporo-mandibular dentro dos limites articulares, com ação contí-
nua e constante, observa-se maior proporção de fibras musculares vermelhas. O
músculo quadríceps (localizado na porção anterior da coxa) que desempenha ação
de contração contínua por ser um músculo antigravitário, também pode realizar
movimento de força e velocidade quando se faz necessário pular ou mesmo chu-
tar. Neste tipo de músculo vamos encontrar uma proporção próxima a 50%
entre pálidas e vermelhas (8).
A proporção de fibras musculares pálidas e vermelhas encontrada em cada
músculo, também varia conforme a raça. É muito provável que numa final masculi-
na de 100 ou 200 metros de uma olimpíada, entre os oito finalistas, não exista nenhum
da raça branca ou amarela, sendo todos os competidores da raça negra. Isto ocorre
porque nos músculos do representante da raça negra, existe maior proporção de fibras
musculares pálidas do que vermelhas, o que lhe propicia maior força, velocidade e
explosão. Apesar de existir determinação genética nesta proporção, é possível provocar
a transformação de uma fibra muscular pálida em vermelha, através de atividades que
favoreçam a obtenção de energia de forma anaeróbica, onde ocorrerá o acúmulo de
ácido láctico. Este metabólico induz a gênese de novos vasos sangüíneos que permitem
uma melhor oxigenação local e, por conseguinte, transforma a fibra muscular pálida
em vermelha. O inverso também pode ocorrer, caso exista uso inadequado das fibras
musculares vermelhas.
PLACA MOTORA
As fibras musculares só desenvolvem a atividade de contração se recebe-
rem estímulo nervoso de um neurônio motor periférico, cujo corpo celular está
situado no corno anterior da medula ou nos núcleos dos pares cranianos do tronco

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encefálico. A transmissão do estímulo elétrico até o músculo só é possível se o
axônio estiver mielinizado. Ao atingir a sinapse especial denominada placa motora,
ocorrerá a liberação do neurotransmissor (NT) acetilcolina que promoverá a aber-
tura dos canais iônicos da fibra muscular e a entrada do sódio desencadeará um
estímulo elétrico ao longo da membrana da fibra muscular, que culminará com a
liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático (RS) e, subseqüentemente, contra-
ção muscular através do deslizamento da actina sobre a miosina..
UNIDADE MOTORA
O conjunto formado pelo motoneurônio alfa e as fibras musculares por ele
inervadas é denominado de Unidade Motora. As unidades motoras podem variar de
tamanho, sendo consideradas grandes aquelas em que um único neurônio motor
inerva uma grande quantidade ou massa de fibras musculares e predominam no tronco,
braços e pernas. A unidade motora pequena é aquela em que um único neurônio
motor inerva uma pequena massa de fibras musculares e predomina nas mãos, face
(olhos e língua) e prega vocais (laringe). O número de fibras musculares que compõem
uma unidade motora pode variar de 1 a 2000: 1 para músculos das pregas vocais, 10
a 15 para óculo-motores, 100 a 500 para os da mão e cerca de 1.500 para músculos
da coxa (6). Existe uma grosseira proporcionalidade entre o tamanho do músculo e o
da unidade motora, ou seja, em músculos pequenos, encontramos unidades motoras
pequenas. Cada fibra muscular é inervada por somente um motoneurônio e cada
motoneurônio inerva várias fibras musculares (11). Assim, todas as fibras musculares
de uma determinada unidade motora se contraem ao mesmo tempo quando ocorre
a descarga neuronal.
A unidade motora pequena é representado por fibras musculares verme-
lhas que desempenham atividades motoras finas, delicadas e precisas, com fina
graduação da força. Os movimentos determinados pelas unidades motoras gran-
des, utilizam fibras musculares pálidas e produzem movimentos grosseiros, impre-
cisos e de maior potência (força muscular cerca de 100 vezes maior).
Quando existe a solicitação de um músculo, as primeiras unidades
motoras que irão iniciar o movimento são as pequenas, constituídas por fibras
musculares vermelhas. Exigindo-se maior amplitude ou força do movimento,
novas unidades motoras passam a ser recrutadas, desta vez maiores e com a
participação das fibras musculares pálidas. No limite de ação muscular, todas as
unidades motoras (pequenas e grandes) e todas as fibras musculares (vermelhas e
pálidas) estarão acionadas (11).
CONTRAÇÃO MUSCULAR
O movimento é o resultado da diminuição do tamanho do músculo,
ou seja, da contração muscular. A contração (ou encurtamento) muscular ocorre
porque cada uma das fibras musculares que o compõe, possuem quatro proteínas

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especiais denominadas miosina (denominada de filamento grosso) e o conjunto
de actina, tropomiosina e tropomina (filamento fino). A tropomiosina e a
tropomina atuam como moléculas controladoras ou reguladoras, desencadeando
ou inibindo a contração muscular (respectivamente). A miosina e a actina têm a
propriedade de se interdigitarem (deslizar uma sobre a outra), quando a fibra
muscular recebe a ação do NT acetilcolina na placa motora. O cálcio liberado pelo
retículo sarcoplasmático (RS) desencadeará uma alteração conformacional do
conjunto actina, tropomiosina e troponina, permitindo o deslizamemto da actina
sobre a miosina. O relaxamento muscular relaciona-se com a volta do cálcio para o
RS, processo este dependente de energia (ATP). A mitocôndria através da queima
dos substratos energéticos carboidratos e ácido graxo é a principal fonte de produção
de ATP.
1. TIPOS DE CONTRAÇÃO
O músculo esquelético apresenta dois tipos de contração:
• Isotônica – ocorre quando a contração muscular determina dimi-
nuição do tamanho do músculo (pode diminuir até 70% do tama-
nho original) e conseqüente movimento do segmento a que está
fixado.
• Isométrica – ocorre quando a contração muscular determina aumen-
to da tensão ou força, sem contudo haver encurtamento do músculo
ou movimento perceptível. A contração isométrica não é justificável
pelos eventos bioquímicos acima descritos, pois não existe nesses casos,
a interdigitação das proteínas musculares (10). Pode até haver pequena
interdigitação inicial mas que não progride, ficando o músculo tenso e
consumindo altas taxas energéticas. Na realidade, não existe contração
isométrica e isotônica pura, mas um padrão misto. Quando é levantada
uma determinada carga, no início, ela não se move (contração
isométrica) e somente depois do músculo desenvolver maior força,
ocorrerá o deslocamento da carga (contração isotônica).
O MOVIMENTO
A unidade motora (conjunto de neurônio motor periférico ou
motoneurônio alfa e as fibras musculares por ele inervadas) é a única via que o
SNC possui para demonstrar suas habilidades, capacidades, comportamento e
inteligência. Podemos ativar a unidade motora, ou seja, fazer com que seja realiza-
do um ato motor, de três formas diferentes: reflexa, voluntária e automática.
Entretanto, este músculo necessita estar preparado para a ação que irá realizar,
permanecendo em um estado de semicontração mantida quando em repouso. Esta
situação de espera, de preparação, denominamos de tônus muscular e depende da
ação de um sistema especial denominado sistema gama.

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O ato motor reflexo depende da ativação da unidade motora através de
um estímulo captado em receptor sensitivo e veiculado através de um neurônio
sensitivo periférico diretamente até o motoneurônio alfa. Na maioria das vezes, o
ato motor reflexo ocorre na presença de algum estímulo súbito, não esperado ou
com potencial lesivo (nociceptivo). O desencadeamento do estímulo elétrico que
chega ao músculo é involuntário e, usualmente, não controlável pela vontade ou
consciência, sendo um circuito sem controle cortical, ocorrendo intrinsecamente
no tronco encefálico (para músculos inervados pelos pares cranianos) e na medula
espinal (para músculos inervados pelos nervos raquidianos).
O ato motor voluntário e consciente ocorre quando a ativação da unida-
de motora é determinada por neurônio motor central, cujo corpo celular está situado
no córtex cerebral. Portanto, depende da ação de dois neurônios motores: um central
cortical (também denominado 1º neurônio ou neurônio superior) e outro periférico
(também denominado 2º neurônio, neurônio inferior, motoneurônio alfa ou via
final comum) Este sistema responsável pelos atos motores voluntários é denominado
de Sistema Piramidal, porque, ao cruzarem para o lado oposto, constituem uma
estrutura que macroscopicamente se mostra na base do encéfalo, como uma pirâmide
invertida.
O ato motor automático e inconsciente (como o resultante de senti-
mentos) ocorre quando a ativação da unidade motora é determinada por um
conjunto de neurônios, sinapticamente conectados, cujo primeiro neurônio, tem
seu corpo celular localizado nos gânglios da base, estabelecendo novas sinapses no
diencéfalo, mesencéfalo e formação reticular, antes de atingir o neurônio motor
periférico. Este sistema responsável pelos movimentos automáticos, pela postura
e o tônus é denominado de Sistema Extrapiramidal por cruzarem fora das pirâ-
mides.
Todos os movimentos possíveis, sejam reflexos, voluntários ou automá-
ticos, utilizam sempre o mesmo neurônio motor periférico para determinar a
contração muscular. Assim, quando existe lesão deste neurônio, todos os movi-
mentos desaparecem.
O sistema gama possibilita ao músculo manter-se em estado de
semicontração quando em repouso, o que é imprescindível para que ele desempe-
nhe adequadamente sua função de força e/ou deslocamento. O músculo sem tônus
ou hipotônico por hipofunção do sistema gama, quando solicitado a realizar um
movimento, não o fará com precisão, perdendo um tempo importante em levar o
músculo até o meio termo para então iniciar a efetivação do deslocamento. A
constituição deste sistema inclui (entre outros componentes): receptor em forma
de fuso, motoneurônio gama, fibra muscular intrafusal e neurônio sensitivo
anulospiral (2). O motoneurônio gama tem o corpo celular situado no corno anterior

21
da medula (ao lado de outros corpos celulares bem maiores que são dos
motoneurônios alfa). Seu axônio se dirige a fibras musculares extremamente pequenas
e delicadas encontradas nas porções distais dos fusos musculares. O estímulo elétrico
gerado determina a contração destas fibras musculares que estiram a terminação
sensitiva anulospiral e desencadeia impulso que atinge o motoneurônio alfa através
de fibras sensitivas denominas Ia. Este impulso gera potencial elétrico que irá atingir,
agora, as fibras musculares extrafusais, que modificam a tensão de repouso do
músculo, ou seja, modificam o seu tônus. As estruturas encefálicas que podem
modificar o impulso elétrico gerado pelo motoneurônio gama são: sistema piramidal
(inibe), sistema extrapiramidal (pode excitar ou inibir, dependendo da quantidade
de dopamina produzida), cerebelo (aumenta a ação) e sistema vestibular (que pode
aumentar ou diminuir a ação).
OS MÚSCULOS FACIAIS
Os músculos faciais, em especial os da mímica, são diferentes pois não
são acondicionados por bainhas de fascia e muitas das suas fibras se inserem direta-
mente na pele. Essa peculiaridade os torna de difícil avaliação quando de uma
desnervação, onde a atrofia muscular não é tão perceptível como nos outros mús-
culos esqueléticos. O alto grau de diferenciação cefálica desses músculos está em
conexão com a função mímica. A máxima complexidade dessa musculatura na
espécie humana, comparada com a dos demais mamíferos, está relacionada com o
desenvolvimento da psiquê, da alma.
Outras características especiais dos músculos faciais, que os torna diferen-
te dos demais músculos estriados esqueléticos são:
• as unidades motoras são pequenas (no platisma existem 25 fibras
musculares por neurônio motor);
• sabe-se pouco à respeito da inervação aferente (sensitiva geral) dos
músculos faciais (mas são amplamente providos de proprioceptores);
• a quantidade de fusos musculares (responsáveis pelo tônus) é pequena.
Os lábios são a parte mais móvel da face e a maioria dos músculos faciais
atua sobre ele. O principal músculo é o esfíncter denominado orbicular da boca
(orbicularis oris), um anel oval de fibras musculares que circunda a rima bucal. É
composto por fibras intrínsecas (camada profunda de fibras, organizadas concen-
tricamente, exclusivas dos lábios) e extrínsecas (camada superficial para a qual
convergem os outros músculos da face). Os músculos extrínsecos se agrupam em
três conjuntos:
• músculos transversos (bucinador de Bugler e risório)
• músculos angulares (elevador dos lábio superior, da asa do nariz,
zigomáticos maior e menor e depressor do lábio inferior)

22
• músculos labiais ou verticais (mentual, depressor do ângulo da boca e
o elevador do ângulo da boca).
• Músculos paralelos (incisivos dos lábios superiores e inferior)
Além destes músculos existem os músculos complementares da expressão
e o platisma, um músculo superficial do pescoço.
O CÓRTEX CEREBRAL
A medula espinal é organizada de forma a permitir ato motor reflexo
que ocorre quando da conexão direta entre o neurônio sensitivo periférico e o
motoneurônio alfa, gerando um movimento simples, rude e, geralmente, inespecífico
de fuga ou de aproximação.
O córtex cerebral tem uma organização muito mais complexa pois os
impulsos sensoriais serão discriminados, reconhecidos e decodificados para então
serem encaminhados aos sistemas motores para uma resposta, geralmente, comple-
xa e de alta especificidade, podendo ser consciente (sistema piramidal) ou automá-
tica (sistema extrapiramidal).
Luria, neuropsicólogo da extinta União Soviética, dividiu o córtex cere-
bral em duas grandes áreas funcionais: a parte anterior, situada antes da fissura central
ou de Rolando, representada pelo lobo frontal, que realiza funções motoras. A
parte posterior, que realiza funções sensoriais, é representada pelo parietal (onde são
armazenadas as experiências de tato, as diferentes praxias, o esquema corporal, as
capacidades visuomotoras e visuoespaciais), temporal (responsável pelas memórias
auditivas, gustativas, olfativas) e occipital (memórias visuais). Cada uma destas regiões
sensitivas são subdivididas em três áreas:
• Areas primárias. Recebem terminações nervosas com informações
provenientes diretamente do sistema sensitivo de captação, sendo de-
nominada de área de recepção. As informações sensitivas somente
conseguem chegar ao córtex por esta via.
• Áreas secundárias. Esta área é chamada de decodificação. Recebem
fibras nervosas intracorticais provenientes da área primária correspon-
dente, permitindo que o estímulo que acabou de ser recebido, seja
comparado com estímulos anteriores (guardados em forma de
memória) para ser reconhecido, ou seja decodificado. Os estímulos só
serão decodificados, ou seja reconhecidos e discriminados, se o indivíduo
já foi exposto, a qualquer momento da sua vida, a estímulos
semelhantes e os guardou em sua memória. Será impossível a
decodificação do que seja um caju por um morador do Tibet, se ele
nunca teve contato anterior com esta fruta.
• Áreas terciárias. São áreas de associação, onde os estímulos recebidos
por cada área de recepção do temporal, parietal e occipital, depois de

23
decodificadas e reconhecida nas suas áreas secundária correspondentes,
são interpretados conjuntamente, gerando uma conclusão única,
específica e completa. Esta interpretação racional é encaminhada aos
sistemas motores situados no córtex frontal (sistema piramidal) para
realizar uma resposta motora consciente ou ao núcleo/gânglio da base
(sistema extrapiramidal) para a realização de um ato motor automático.
É importante perceber que ao ser oferecido um caju para ser reconhecido,
o indivíduo lançará mão de todas as suas capacidades sensitivas para realizar a
discriminação: o odor característico será levado pelos receptores sensitivos da mucosa
nasal, até o córtex primário do temporal; a forma e a cor captada pela retina será
encaminhada para a área primária occipital; e a textura e a forma (principalmente da
sua semente externa em forma de vírgula) viabilizada pelo tato, ao córtex primário
do parietal. Em cada uma destas regiões corticais primárias, o estímulo
correspondente será comparado com vivências anteriores guardadas em forma de
memória nas áreas secundárias, para ser decodificado. A decodificação de cada setor
sensitivo (parietal, occipital e temporal) será analisada de forma conjunta, associada,
na área terciária, permitindo uma conclusão final: é um caju! Esta conclusão é
encaminhada aos setores motores corticais para que a resposta voluntária possa ser
idealizada, ou seja, movimentos seqüenciais serão realizados com o intuito (provável)
de levar a fruta à boca para ser degustada. É possível que seja desencadeado,
concomitantemente, um ato motor reflexo como o da salivação, a partir de estruturas
neurais fora do córtex.
A lesão de áreas corticais primárias produz perda da capacidade receptiva
correspondente (ou seja, a lesão da área primária cortical visual, provoca cegueira
cortical) e costuma ser irrecuperável. As lesões em áreas secundárias ou terciárias
determinam a perda da memória, das lembranças de vivências anteriores,
incapacitando o indivíduo de conseguir decodificar, discriminar ou interpretar um
determinado estímulo recebido pela área primária. Ele recebe o estímulo, mas não
consegue reconhecer, decodificar. Neste tipo de lesão é possível recuperar totalmente
a função através da reconstrução da memória, imprescindível na interpretação dos
estímulos. As terapias reabilitadoras, na maioria das vezes, têm resultado satisfatório,
e a função é recuperada graças ao reaprendizado, graças à Plasticidade Cerebral.
O córtex cerebral, para que consiga estabelecer comunicações entre
as diferentes áreas sensitivas e motoras, apresenta uma organização estrutural
e anatômica em seis camadas. Cada uma contém diferentes tipos de neurônios,
denominados de interneurônios, neurônios de associação e eferentes (de pro-
jeção) (figura 5).

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Figura 5. Esquema das seis camadas do córtex cerebral (8).

Os interneurônios têm axônios curtos, que não deixam o córtex e po-


dem ser subdivididos em:
Células estreladas ou granulares (a), com axônios curtos que se proje-
tam sobre neurônios vizinhos. Ocorrem principalmente na camada IV, denomina-
da de camada de células granulares.
Células horizontais (b), ocorrem na camada I.
Células de Martinolli (c), localizadas nas camadas mais profundas e que
enviam seus axônios á superfície cortical.
Células piramidais pequenas (d), encontradas nas camadas II e III e que
remetem seus axônios às camadas mais profundas.

25
Os neurônios de associação (e) são células piramidais pequenas encon-
tradas nas partes profundas da camada III ou nas partes superficiais da camada V e
enviam axônios através da substância branca a outras regiões corticais.
Os neurônios eferentes (de projeção) (f) deixam o córtex para inervar
estruturas do tronco encefálico ou da medula espinal e têm origem nas células
piramidais gigantes existentes na camada V ou nas células em forma de fuso da
camada VI. Além do axônio principal que deixa o córtex, podem ser observados
vários axônios colaterais que se projetam sobre neurônios corticais vizinhos para
associação.
AS SEIS CAMADAS SÃO DENOMINADAS DE:
a) Camada molecular ou plexiforme constituída por fibras transcorticais
e alguns neurônios denominados de células horizontais de Cajal.
b) Camada granular externa com células piramidais pequenas.
c) Camada de células piramidais pequenas de associação (situadas pro-
fundamente) e de tamanho médio e grande.
d) Camada granular interna constituída de células estreladas ou granula-
res e por algumas células piramidais de tamanho pequeno.
e) Camada de grandes neurônios piramidais denominados de células de
Golgi tipo I e células piramidais pequenas de associação (situadas su-
perficialmente).
f ) Camada fusiforme com muitas células em forma de fuso e algumas
células de Martinolli.
AS FUNÇÕES E VIAS DE ASSOCIAÇÃO DO CÓRTEX CEREBRAL
A ativação de uma área cortical, determinada por um estímulo, provoca
alterações também em outras áreas, pois o cérebro não funciona como regiões
isoladas. Isto ocorre devido a existência de um grande número de vias de associação,
precisamente organizadas, atuando nas duas direções. Estas vias podem ser muito
curtas, ligando áreas vizinhas e trafegam de um lado para outro sem sair da substância
cinzenta. Outras podem constituir feixes mais longos (arqueados) que trafegam
pela substância branca para conectar um giro a outro ou um lobo a outro, dentro
do mesmo hemisfério cerebral: são as conexões intra-hemisféricas. Por último,
existem feixes comissurais que conduzem a atividade de um hemisfério para outro,
sendo o corpo caloso o mais importante deles (9) (Figura 6).

26
Figura 6. Vista medial do encéfalo.

As associações recíprocas entre as diversas áreas corticais asseguram a


coordenação entre a chegada de impulsos sensitivos, sua decodificação e associação,
até a atividade motora de resposta. A isto chamamos de funções nervosas
superiores, desempenhadas pelo córtex cerebral.
No quadro 2 estão relacionadas as diferentes áreas de córtices cerebrais e as
funções atribuídas a cada uma delas.
1. LOBO OCCIPITAL
Realiza a integração visual à partir da recepção dos estímulos que ocorre
nas áreas primárias. Através de feixes de associação curtas, que não saem da substân-
cia cinzenta circunvizinha, levam as informações para serem apreciadas e decodificadas
nas áreas secundárias e de associação visual. Estes centros visuais são conectados por
fibras intra-hemisféricas ao córtex do parietal do mesmo lado, bem como a outras
áreas corticais, tais como ao lobo temporal, para outras atividades integradoras.
Além da integração intra-hemisférica, as áreas parietais direita e esquerda e temporais
posteriores são conectadas através do corpo caloso, comunicando os dois hemisférios
pelas fibras comissurais inter-hemisféricas (Figura 6).
2. LOBO PARIETAL
É relacionado à interpretação e integração de informações visuais (prove-
nientes do córtex occipital) e somatossensitivas primárias, principalmente o tato. A
lesão do córtex primário occipital determina perda de campo visual (hemianopsia),
enquanto que as lesões do lobo parietal resultam em perda do conhecimento geral,
inadequação do reconhecimento de impulsos sensoriais e falta de interpretação das
relações espaciais (visuoespaciais e visuomotoras).

27
Quadro 2. Relação das funções desempenhadas por diferentes regiões corticais.

3. LOBO TEMPORAL
Possui as suas funções situadas em porções diferentes: a parte posterior
está relacionada com a recepção e decodificação de estímulos auditivos, que se
coordenam com impulsos visuais; a parte anterior está relacionada com a atividade
motora visceral (olfação e gustação) e com alguns aspectos de comportamento
instintivo.
4. LOBO FRONTAL
a)Córtex pré-frontal – que inclui os três giros frontais, o giro orbital, a
maior parte do giro frontal medial e aproximadamente a metade do giro cíngulo
(Figura 7), está relacionado com as funções nervosas superiores representada por
vários aspectos comportamentais humanos. Recebe impulsos nervosos dos lobos
parietal e temporal através de feixes de longas fibras de associação situados no giro
cíngulo. Lesões bilaterais da área pré-frontal determinam perda da concentração,
diminuição da habilidade intelectual e déficit de memória e julgamento.

28
b) Córtex motor e sensitivo – o córtex somatossensitivo ocupa áreas
contíguas dos lobos frontal e parietal, sendo responsável pela recepção de estímulos
sensitivos primários. O córtex-prémotor do lobo frontal é responsável pela iniciação,
ativação e realização da atividade motora. Lesões nestas áreas determinam paralisia
contralateral e perda da recepção da sensibilidade primária.

Figura 7. Vista lateral do cérebro demonstrando a fissura Lateral (Sylvius)


e o Sulco Central (Rolando), que delimitam a área pré-frontal.

A QUÍMICA DO COMPORTAMENTO
A doença de Parkinson é o marco do desenvolvimento dos conhecimen-
tos sobre química cerebral, pois se estabeleceu o conceito de que as alterações motoras
observadas dependiam da menor produção do neurotransmissor dopamina.
Entretanto, além do comprometimento da execução motora, foi possível constatar
uma complexa alteração no comportamento, principalmente na motivação, levando
à depressão e outros sintomas psiquiátricos. Podem ocorrer melancolia, perda de
apetite, alteração do peso, fadiga, distúrbios no sono, perda da auto-estima, ansiedade
e pensamentos suicidas.
Nos últimos anos, o estudo para a compreensão das funções e ações dos
neurotransmissores, tornou-se uma obsessão e novas descobertas põem em cheque
muitos dos dogmas existentes em psiquiatria (6). Hoje já é possível identificar
alterações orgânicas em receptores de neurotransmissores nos pacientes portadores
de esquizofrenia e com isso pode-se ter esperança de uma nova geração de substâncias
químicas psicoativas. Muitas são as doenças e síndromes neuropsiquiátricas que
têm como susbtrato orgânico a baixa ou excessiva produção de neurotransmissores
(Quadro 3),
A serotonina está envolvida na fisiopatologia de vários transtornos psi-
quiátricos como esquizofrenia, depressão, ansiedade, transtorno do pânico e trans-
torno obsessivo-compulsivo, assim como na percepção da dor, regulação das ativi-
dades viscerais e, até, no controle motor. Acredita-se que também esteja envolvida

29
nas funções cognitivas, afetivas e neuroendócrinas! Assim, não é de se espantar que
comer chocolate seja tão bom!!! (existem evidências de que a ingestão de chocolate
aumente a produção de serotonina). Medicamentos e alimentos que determinam
aumento na produção da serotonina têm ação antidepressiva e antipânico.
Quadro 3. Relação entre algumas doenças neuropsiquiátricas e o
neurotransmissor que se acredita estar envolvido (6).
Várias doenças antes consideradas como psiquiátricas e dependentes de

distúrbios emocionais adquiridos, hoje estão entre doenças orgânicas neurológicas.


Podemos citar: esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, síndrome de Gilles
de la Tourette (síndrome ou transtorno de tiques), depressão, psicoses e, quem
sabe, autismo. No quadro 4 estão relacionadas algumas doenças com seu possível
substrato (neurotransmissor) apontado como fator etiológico.

30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. Annet M, Alexander MP. Atypical cerebral dominance: predictions and tests of the right
shift theory. Neuropsychologia 1996;34:1215-27.
2. Barraquer-Bordas L. Las aferencias sensitivas y patología. In: _______. Neurologia Funda-
mental. 3a ed. Barcelona: Toray; 1976. p.31-69.
3. Benson DF, Geschwind N. The aphasia and related disturbances. In: Baker AB, Baker LH.
Clinical neurology. Philadelphia: Harper & Row; 1988. P.1-34.
4. Brodal A. The cranial nerves. In: ___________. Neurological anatomy in relation to clinical
medicine. 3rd.ed. New York: Oxford; 1981. p.448-577.
5. Bydlowski SP, Bydlowski CR. Fisiologia do músculo esquelético. In: Douglas, CR. Tratado
de fisiologia aplicada às ciências da saúde. São Paulo: Frontis; 1994. p.123-40.
6. Cambier J, Masson M, Dehen H, Lechevalier B, Delaporte P, Creissard P. Sémiologie de la
motilité et des réflexes. In: ____________. 2a ed. Abrégé de Neurologie. Paris: Masson;
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CJ, Sculler DE. Otolaryngology – head and neck surgery. 2nd ed. St. Louis; Mosby; 1993.
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9. Cypel S. O estudo das funções corticais na criança. In: Diament AJ, Cypel S. Neurologia
Infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu, 1996. P.1053-61.
10. Erim Z, Beg MF, Burke DT, De Luca CJ. Effects of aging on motor-unit control properties.
J Neurophysiol 1999;82:2081-91.
11. Ghez C. Muscles: effectors of the motor systems. In: Kandel ER, Schwartz JH, Jessell JM.
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12. Gil R. Neuropsicologia. 2a ed. São Paulo: Santos; 2002.
13. Luria A. Fundamentos da neurolingüística. São Paulo: EDUSP; 1988.
14. Mello LEAM, Villares J. Neuroanatomia dos gânglios da base. In: Miguel EC, Rauch SL,
Leckman JF. Neuropsiquiatria dos gânglios da base. São Paulo: Lemos; 1998. P.19-35.
15. Murdoch BE. Desenvolvimento da fala e distúrbios da linguagem. Rio de Janeiro: Revinter;
1997.
16. Netter F. O cérebro: do córtex motor ao controle das emoções. Tradução de Yacubian EMT.
São Paulo: Lemos; 1998.

31
32
Capítulo II
AFASIAS

ANATOMIA DA LINGUAGEM
1. A LINGUAGEM DO PONTO DE VISTA FUNCIONAL
A linguagem é uma capacidade específica do ser humano pois se traduz na
forma de fala e de escrita. As pesquisas americanas com a chipanzé fêmea que adquiriu
a capacidade de comunicação através de 130 sinais (ou palavras), era utilizada apenas
para as necessidades instintivas ou afetivas, sem respeitar qualquer regra sintática. As
“palavras” eram colocadas sem qualquer ordem e a chipanzé não ensinou e nunca
utilizou esse modo de comunicação com seus filhotes. Isto não é linguagem, mas
sim uma aprendizagem acidental.
Com esta preocupação, Eccles (1994) subdividiu a linguagem em quatro
funções, sendo as duas primeiras denominadas de primárias e comum ao ser humano
e aos animais:
a) Função Expressiva – manifesta as emoções (um grito, um gemido,
um grunhido).
b) Função de Sinal – emite sinais destinados a gerar uma reação (o ho-
mem assobia ou fala para chamar um cão, ou uma ave canora emite
um gorjeio para estimular a aproximação de seu parceiro).
Existem mais duas funções, exclusivas dos seres humanos, denomina-
das de secundárias:
c) Função descrição – relata o que acabamos de fazer ou um acontecido.
d) Função discussão argumentada – permite pôr em ação o pensamen-
to racional e a discussão crítica.
2. A LINGUAGEM E O HEMISFÉRIO DOMINANTE
A superfície do córtex cerebral é cheia de fissuras e sulcos.
a) Sulco Central ou Fissura de Rolando: percorre a face externa de cada
hemisfério, separando o lobo frontal do parietal.
b) Fissura Lateral ou de Sylvius: é profunda e praticamente perpendicu-
lar à de Rolando, separando o lobo temporal do frontal e do parietal.

33
O Lobo occipital se separa do temporal e do parietal apenas virtualmente,
não existindo uma fissura delimitante.
Os dois hemisférios cerebrais são idênticos quando visualizados
macroscopicamente. É impossível perceber diferenças anatômicas grosseiras entre o lado
esquerdo e o lado direito. Entretanto, funcionalmente, eles são muito diferentes, existindo
atividades nervosas superiores que são desenvolvidas unicamente por um dos lados.
Nas pessoas destras (cerca de 98% da população), o hemisfério esquerdo
está ligado à funções de linguagem, fala e escrita, destreza manual, organização da
linguagem e com a atividade gestual, além de realizar procedimentos analíticos e
seqüenciais. Já o hemisfério direito contém especialização em funções visuo-espaci-
ais, ritmo, musicalidade, atenção, reconhecimento das fisionomias e controle
emocional, procedendo de maneira holística. Devido ao desenvolvimento do
conhecimento da atividade cerebral ter sido realizada em pacientes afásicos, após
lesão cortical, denominou-se o hemisfério cerebral esquerdo como dominante, pois
ele gerencia as funções de linguagem e de comando sobre a mão mais hábil, na
grande maioria das pessoas. Nas pessoas canhotas, o hemisfério dominante (ou
seja, aquele que gerencia a linguagem), pode ser o direito, o esquerdo ou ambos. O
único teste que permite afirmar com certeza qual o hemisfério dominante é o Teste
de Wada que corresponde à injeção intracarotídea de amital sódico. Trata-se de um
anestésico que determina hemiplegia sensitivo-motora contralateral e afasia quando
a aplicação ocorrer no lado dominante e anosognosia ( quando no lado não
dominante. Este procedimento, eticamente, não deve ser realizado como uma prova
de rotina, pois é agressiva e não livre de efeitos colaterais importantes, sendo reservado
apenas para os casos em que vai ser realizada uma cirurgia cerebral em que se deseja
saber qual o hemisfério dominante.
3. A REGIÃO PERISSILVIANA DO HEMISFÉRIO DOMINANTE
A região perissilviana é aquela existente ao redor da fissura de Sylvius, cuja
porção anterior está situada na confluência dos lobos frontal, parietal e temporal
(denominada de área de Broca) e a porção posterior na confluência dos lobos
parietal, occipital e temporal (denominada área de Wernicke). Estas duas áreas são
especializadas na função linguagem, sendo que a área de Broca coordena a função
motora ou de expressão e a área de Wernicke coordena a função sensitiva ou de
compreensão. O fascículo arqueado é constituído por fibras nervosas (axônios
mielinizados) que propiciam a comunicação entre estas duas áreas.
No século passado, todos estes conhecimentos foram sendo adquiridos
ao se estudar pós-morte, os cérebros de pacientes portadores de seqüelas neurológi-
cas. À partir da década de 70, devido ao advento da tomografia computadorizada
craniana, pôde-se estudar a localização das lesões em pacientes vivos. Mais recente-
mente, melhores neuroimagens puderam ser obtidas através da Ressonância

34
Magnética Encefálica e tomografias por emissão de prótons (PET-scanning). As-
sim, os conhecimentos sobre a afasia se multiplicaram de forma exponencial e hoje
existem especialistas em afasiologia.
AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS AFASIAS
Afasia é defïnida como um dis-túrbio da linguagem, secundária a uma
lesão cerebral, em pessoa previamen-te hábil nesta função. Embora simples, a
definição enfatiza três importantes aspectos:
1) O termo linguagem diz respeito ao sistema especial de comu-nicação,
que utiliza a percepção, com-preensão e produção de atividades motoras
(fala) ou manipulação de idéias (pensamento), todas localizadas no
córtex cerebral, sendo considerada uma atividade nervosa superior.
Assim, pacíentes com distúrbios motores pu-ros, com defeitos na
emissão da fala, ou seja, no processo neuromecânico da artículação,
como a que ocorre no parkinsoniano por exemplo, não de-vem ser
conceituados como afásicos.
2) Também, não devemos chamar de afasia os dïstúrbios de estruturação
de idéias observados na esquizofrenia ou na depressão, pois nestes casos
não é possivel estabelecer uma relação en-tre desordem de linguagem e
lesão cérebral, como o preconizado na de-finição.
3) Por último, as crianças com atraso na aquisição da fala não podem ser chama-
das de afásicas, pois não chegaram a ser hábeis na função (Cypel, 1996).
HISTÓRICO
A primeira publicação sobre afasia foi de Broca em 1861, descre-vendo
um estudo postmortem de paci-ente que perdera a capacidade da fala e no qual
demonstrou a existência de lesão na porção inferior do giro fron-tal (hoje denomi-
nada Área de Broca). Alguns anos depois, o autor chamou a atenção de que a afasia
só ocorreria se a lesão estivesse localizada no hemis-fério cerebral dominante.
Assumiu-se, então, que todos os pacientes com afasia possuíam lesão na área de
Bro-ca do hemisfério dominante. Entretan-to, em 1874, Wernicke publica estudo
em que além da afasia provocada pela lesão da área de Broca, existiam ca-sos de
afasia provocada por lesão na porção posterior do giro temporal su-perior (atualmente
conhecida como área de Wernicke). A importância do trabalho se fez não só pela
determina-ção de uma nova localização lesional, mas principalmente pelo aspecto
conceitual da existência de dois tipos diferentes de afasia: uma por altera-ção na
expressão verbal (lesão da área de Broca) e outra por alteração da compreensão
(lesão da área de Wernicke). Houve grande estímulo para a observação e o
estabelecimen-to de outras formas de afasias com seus respectivos substratos lesionais,
mas novos conhecimentos fisiopatológicos só vieram a ser enunciados, após a dé-cada

35
de 60 (Barraquer-Bordas, 1976), quando da instituição do tratamento
fonoaudiológico para recuperação das afasias e a introdução de novas técni-cas
diagnósticas como Tomografia por Computador (CT Scanning), Tomografia por
Emissão de Pósitrons (PET Scanning), Tomografia por Emissão de Fóton Úníco
(SPECT Scanning) e Ressonância Nuclear Magnética (MRI).
EXAME DA LINGUAGEM
Somente através de uma minu-ciosa e completa avaliação clínica da linguagem
é que podemos classificar e estabelecer condutas terapêuticas adequadas para o paciente
afásico. Um exame clínico incompleto associado a uma valorização exagerada dos exa-mes
por neuroimagem, pode determinar erros no diagnóstico localizatório da lesão cerebral,
levan-do a atitudes terapêuticas e suposições prognósticas catastróficas.
FALA ESPONTÂNEA
Nem sem-pre é simples descrever as caracterís-ticas da fala espontânea em
pacientes afásicos, mesmo sendo necessária so-mente a distinção entre dois tipos bá-sicos
de alterações verbais: fluente ou não fluente. Apesar destes termos po-derem sugerir
que se busca determi-nar apenas o fluxo da Iinguagem, esta não é a mais importante
característica que se pesquisa. É recomendável incluir as qualida-des prosódicas (prosódia
é a pronun-cia regular das palavras, com a devi-da acentuação e obedecendo o ritmo,
melodia, inflecção e timbre, sendo um exemplo de disprosódia, falarmos pálito ao
invés de palito); adequada articulação das palavras (quando existe distúrbio articulatório
chamamos de disartria); esforço para desenvolver a fala; tamanho da frase; conteúdo
gra-matical e presença de parafasia (parafasia é o resultado da substitui-ção de um
fonema por outro ou a troca de toda uma palavra por outra). Na tabela 1 estão
relacionadas as características de fala que permitem estabe-lecer o afásico como fluente
ou não fluente.
Tabela 1. Características da fala espontânea (modificado de Benson e Geschwind)(2)

36
Portanto, em lesões hemisféricas à esquerda, situadas an-teriormente (área
de Broca), a afasia resultante tipicamente apresenta bai-xo fluxo de palavras (abaixo
de 50 palavras por minuto - ppm, mais freqüentemente entre 8 a 12 ppm),
considerável esforço para iniciar a fala, significante perda do rit-mo e da melodia
(disprosódia), distúr-bio articulatório (disartria) e frases cur-tas (com uma ou duas
palavras por fra-se). As frases são agramaticais, haven-do omissão de muitas palavras
de fun-ção (preposições, conjunções, pronomes, artigos, palavras auxiliares) e uso
incorreto dos plurais e verbos. Por ou-tro lado, pacientes com lesão cerebral à
esquerda, localizada em região pos-terior, possuem um fluxo ou velocida-de de fala
normal ou até aumentado (de 100 a 200 ppm), sem alterações de prosódia, pronuncia
normal, sem esforço para iniciar a fala e frases de extensão normal. Entretanto,
observa--se falta de palavras substantivas e pre-sença de parafasias (substituição de
palavras). Pode-se reconhecer alguns tipos de parafasias:
1) Fonêmica ou parafasia literal (troca de um fonema por outro - “abra a
forta”);
2) Semân-tica ou parafasia verbal (substituição de uma palavra correta
por outra -”abra a parede”);
3) Neologismo (substituição por palavras sem senti-do - “abra a milopa”).
Embora nem todos os afásicos se encaixem perfei-tamente num determi-
nado grupo de características mostradas na Tabela 1, estudos demonstram que muitos
deles podem ser encaixados num ou noutro grupo, caracterizando uma lesão mais
anterior ou mais posterior do hemis-fério cerebral esquerdo.
COMPREENSÃO DA LINGUAGEM FALADA
Afastada a possibilidade de surdez periférica através de metodologia pró-
pria, a compreensão é avaliada através de comandos ver-bais (Exemplo: “o que é
que se usa para es-crever?”). Se de um lado o sucesso em responder corretamente os
coman-dos indica que a compreensão está pre-servada, por outro, a falha pode
indi-car, na verdade, não uma dificuldade de compreensão, mas uma apraxia da fala
(para se conseguir vocalizar um fonema é necessário realizar uma se-qüência de
movimentos ou atos moto-res com os órgãos fono-articulatórios. Esta capacidade
de determinar qual a seqüência correta, chamamos de praxia da fala). Para dirimir
dúvidas, são requeridas questões mais sim-ples que possam ser respondidas com
SIM ou NÃO. Exemplo: “isto é uma cane-ta?”. Entretanto, as respostas podem ser
mesmo assim inadequadas, não por falta de compreensão, mas devido a uma
inabilidade em produzir a pala-vra SIM ou NÃO. Uma alternativa, nestes casos, é
pedir ao paciente que aponte o objeto que o examinador está falando (“aponte a
caneta”). Se desta forma o paciente acertar corretamen-te, devemos complicar o
teste pedin-do para apontar o objeto que se refira a uma descrição feita pelo

37
examina-dor, sem nomeá-lo (exemplo: “aponte o objeto que serve para escrever”).
Para aprofundar mais ainda o teste, peça para apontar na ordem correta três ou
quatro objetos nomeados em seqüência (“aponte o caderno, o relógio, a faca e por
último a tesoura”). É preciso estar muito atento para não incorrer no erro de se
considerar um paciente como comprometido severamente na com-preensão e na
verdade existir apenas inabilidade motora em responder.
REPETIÇÃO
Os testes clíni-cos de repetição devem incluir a veri-ficação da habilidade
em repetir dígi-tos (exemplo: “cento e vinte e nove, duzen-tos e quinze”, palavras
(exemplo: “boneca, sapo”), palavras multissilábicas (exemplo: “motocicleta,
bicicleta”), pequenas frases (exemplo: “Eu gosto de comer fru-tas”) e sentenças longas
(exemplo: “Vou até o jardim colher flores e colocá-las no vaso da sala”), incluindo
algumas com palavras multissilábicas incomuns (exemplo: “Eu não gosto de andar
de bici-cleta em ruas com paralelepípedos.”) e outras com muitas palavras de fun-ção
gramatical (exemplo: “Eu lhe dou mi-nha palavra de que quase todas as pes-soas lhe
são gratas”). Em geral, a re-petição é considerada como preserva-da somente quando
a performance do paciente é adequada para todos os ní-veis. Não é raro que pacientes
com Afasia de Broca ou de Wernicke repi-tam corretamente palavras simples mas
falham em outras questões mais elaboradas. Isto não deve ser descrito como repetição
preservada. É muito importante a adequada avaliação da capacidade de repetir palavras
e dígi-tos pois a inabilidade está relaciona-da com lesões perissilvianas e a manutenção
da capacidade de repetir, com lesões longe desta re-gião, em áreas terminais de
irrigação entre as artérias cerebrais posterior e anterior. Um erro na avaliação signifi-ca
uma falha grave de descrição e por-tanto de localização da afasia. Não esquecer que
a Ecolalia é uma forma preservada de repetição, caracteriza-da por um desejo
automático e incontrolável de ficar repetindo o que foi falado, aparentemente sem
existir a percepção desta ocorrência pelo paciente.
ENCONTRO DE PALAVRAS (OU NOMEAÇÃO)
Nesta avaliação utilizam-se testes para verificar a habilidade de nomear
objetos, partes do corpo, ações ou cor. Apresenta-se visualmente ao paciente objetos,
quadros ou desenhos, solicitando o nome ou sua ação. Pro-curar inicialmente
perguntar sobre objetos do dia-a-dia e ir progressiva-mente buscando termos mais
raramen-te usados. A habilidade de nomear os dedos deve ser sempre testada. Se o
paciente falhou em nomear a mai-oria dos objetos, pode-se auxiliá-lo ofe-recendo o
início do som do primeiro fonema da palavra perguntada ou numa frase completa,
deixar faltar ape-nas o objeto ou ação que se quer per-guntar. Outras formas de avaliar
a nomeação de objetos são através do tato (objetos colocados na palma da mão são
manuseados e o paciente tem que informar o que é), pela audição (sons emitidos por
alguns objetos têm que ser desvendados e nomeados) e até pelo olfato podem ser

38
avaliados. Ou-tro importante teste de nomeação é a produção de palavras que
pertençam a uma determinada categoria sugerida pelo examinador (por exemplo
ani-mais, frutas, palavras que iniciem com a letra “p”, entre outras). Em geral, uma
pes-soa normal pode produzir mais do que 10-12 palavras (cerca de 25) enquan-to
que pacientes afásicos produzem menos. Não esquecer que a lista de palavras produzidas
não está alterada apenas nos casos de afasia mas pode estar alterada também em pacientes
dementes, com trauma craniano ou com distúrbios bioquímicos transitó-rios. É
importante distinguir a dificul-dade do paciente em nomear um obje-to sob
confrontação, da dificuldade em “buscar” e “encontrar” na memória uma determinada
palavra, numa con-versação espontânea. O que se nota, neste último caso, são frases
com a quase ausência de palavras lexicalmente significativas e múltiplas pausas com o
paciente “caçando” os termos adequados. Observam-se voltas e mais voltas ao longo
da frase, na busca de substituir uma palavra espe-cífica. O resultado é uma fala
espon-tânea “vazia” de significado, com for-te indício da presença de uma afasia.
LEITURA
É importante nes-ta avaliação estabelecer a diferencia-ção entre a habilida-
de de ler em voz alta e a compreensão da leitura de um material escrito. Existem
pacientes afásicos em que um pode estar preser-vado e o outro lesado e vice-versa.
O mais simples teste de leitura é o de oferecer cartões em que estão escritos nomes
de objetos visíveis no ambien-te, para que o paciente leia e depois os aponte. Se as
respostas a este teste forem corretas, devemos oferecer fra-ses para serem lidas e
respondidas com um ato motor ou com SIM ou NAO verbal (exemplo: “Pegue a
caneta e a colo-que em seu bolso” ou “O que está em cima do caderno é uma
caneta?” para ser respondido com SIM ou NÃO verbal). Isto já pode ser suficiente
para demonstrar defeitos significantes da leitura. Caso seja necessário estabele-cer
dificuldades sutis da leitura, será preciso oferecer trechos de revistas ou jornais e
solicitar a leitura em voz alta para uma posterior interpretação, pois em alguns casos
de demência, a leitu-ra em voz alta está preservada, mas o paciente não consegue
compreender absolutamente nada do que está len-do.
ESCRITA
Na maioria dos pacientes afásicos podemos distinguir algum tipo de
dificuldade na escrita; certas anormalidades são mais fre-qüentes nos afásicos não
fluentes e outras em afásicos fluentes. Entretan-to, estas diferenças não permitem
de-terminar com certeza a localização anatômica da lesão. Embora se encon-trem
pacientes afásicos com logorréia (falam rapidamente e sem parar), mui-to raramen-
te encontraremos pacientes com hipergrafia (que produzam gran-de quantidade de
material escrito), freqüente entre os esquizofrênicos e al-guns epilépticos. Para testar
a escrita em pacientes afásicos devemos inici-ar solicitando que escreva o próprio
nome e em seguida que faça a assina-tura que era utilizada em cheques ou outros

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documentos, pois muitos deles sabem escrever o próprio nome, mas não conseguem
mais assinar. A seguir é solicitada que escreva palavras sim-ples ditadas, como gato,
casa, porta, para em seguida iniciar com palavras multissilábicas e, posteriormente,
com frases simples. Uma excelente forma de analisar a escrita é solicitar ao pa-ciente
que escreva sobre sua doença no momento. Este material deve ser avali-ado tanto
no aspecto de linguagem como no aspecto de julgamento do pa-ciente quanto a
sua patologia.

EXAMES ADICIONAIS
-Para o exame completo de um por-tador de afasia, devemos também
avaliar outras funções nervosas su-periores como praxia, orientação di-reita-esquer-
da, reconhecimento dos dedos, cálculos, capacidade em de-senhar, habilidade em
construir ou montar quebra-cabeças, orientação geográfica em mapas, habilidade
no vestir-se, reconhecer rostos famili-ares, além de testar a atenção, ori-entação,
aprendizado, retenção e in-teligência. Embora estas avaliações estejam mais
relacionadas com a es-fera mental do paciente, não deve-mos esquecer que a afasia
raramen-te ocorre isoladamente de outras de-sordens da função nervosa superior
que podem afetar a linguagem. Se por um lado a avaliação de um pa-ciente afásico
exige um consumo elevado de tempo, os resultados per-mitem uma perfeita
localização anatômica da lesão e informações importantes para determinar a etiologia,
estabelecer a reabilitação e o prognóstico.

TIPOS DE AFASIAS (CLASSIFICAÇÃO)


Não existe ainda uma classifi-cação de afasias universalmente acei-ta, mas
a maioria procura determinar um aspecto dicotômico como afasia motora e sensitiva;
ou de expressão ou de recepção; ou fluente e não fluente; ou anterior ou posterior.
Utilizaremos aqui a classificação que divide as afasias entre as que tem preservada a
habilidade de repetir e as que não tem; é recomendada pela Boston Veterans
Administration Medical Center’s Aphasia Research Unit 3 (Benson e Geschwind,
1988).

1. SÍNDROMES COM DISTÚRBIO DE REPETIÇÃO:


a. Afasia de Broca
b. Afasia de Wernicke
c. Afasia de condução

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2. SÍNDROMES SEM DISTÚRBIO DE REPETIÇÃO
a Afasia transcortical mista
b. Afasia transcortical motora
c. Afasia transcortical sensitiva
Afasia de Broca: é também conhecida como afasia motora, afasia motora
eferente, afasia de expressão e afasia verbal. As principais caracte-rísticas clínicas de
apresentação estão relacionadas na Tabela 2, sendo que a manutenção da compreensão
da lin-guagem falada e a grande dificuldade de falar espontaneamente, são os da-dos
que mais chamam a atenção. Exis-te um baixo fluxo de palavras, sendo que para
iniciar a fala percebe-se um grande esforço do paciente e uma articulação bastante
prejudicada (disartria). A afasia de Broca depende da lesão do hemisfério cerebral
esquer-do envolvendo o lobo frontal na sua porção póstero-inferior. Entretanto, ainda
existem discussões sobre qual deve ser a localização exa-ta e qual extensão necessária.
Alguns autores acreditam que seria suficiente a lesão confinada à região posterior do
terceiro giro frontal, chamada de pars opercularis. Mas lesão restrita a esta área, raramente
produz síndromes afásicas persistentes e completas, sendo necessária alteração mais
extensa. É até possível que para se desenvolver uma Afasia de Broca completa seja
preciso existir lesão tanto cortical como subcortical da referida área. Esta lesão tem
que envolver as áreas corticais motoras de associação para a face, língua, lábios e faringe
e, não raramente, interferindo até com os engramas motores de decodificação da fala.
Podemos encontrar acompanhan-do este tipo de afasia, outros sinais de comprome-
timento do sistema nervo-so como hemiparesia á direita e dis-túrbios de campo visual.
Tabela 2. Características clínicas das síndromes afásicas com distúrbio de
repetição (modificado de Benson e Geschwind) (2).
Afasia de Wernicke: também conhecida como afasia sensitiva, afasia de

41
compreensão ou afasia gra-matical, tem como principais caracte-rísticas a grande
dificuldade em com-preender a linguagem falada e a pre-sença de distúrbios de
repetição. É muito freqüente o encontro de parafasia e até de neologismo. A palavra
é produzida sem esforço, sem pro-blemas de articulação, sendo fluente, às vezes
com logorréia e com sílabas sendo adicionadas ao final das pala-vras. A caracterização
completa da Afasia de Wernicke está sumarizada na tabela 2. O mais consistente
acha-do lesional neste tipo de afasia é o que envolve a parte posterior do giro temporal
superior, córtex auditivo de associação do hemisfério dominante, próximo ao giro
de Heschl (córtex auditivo primário). A lesão deste local aparentemente interfere
com a decodificação necessária para a compreensão da linguagem falada por outra
pessoa.

Afasia de Condução - a mais importante característica des-te tipo de


afasia, que é rara, é a pre-sença de frases do tipo: “Eu não sei se posso” ou “O que
você disse?”, repetidos como clichês ao ser soli-citado para realizar algo ou respon-der
a alguma questão. A fala é flu-ente, mas com presença de parafasias. Quando Wernicke
de-monstrou a existência de dois centros anatômicos para a linguagem, um na
região temporal e outro na região frontal, ele já sugeriu a existência de uma conecção
entre eles e supôs que se fosse danificada, promoven-do efetivamente a separação
das áreas anteriores e posteriores da fala, uma nova forma de afasia ocor-reria. Este
é o distúrbio que hoje chamamos de Afasia de Condução. As outras características
da Afasia de Condução estão sumarizadas na tabela 2. Anatomicamente, a le-são
atinge o fascículo arqueado que se estende da porção posteri-or do lobo temporal
até o córtex de associação motora da região frontal, incluindo a área de Bro-ca;
algumas fibras fazem sinapse no córtex do operculum parietal.

Afasia Transcortical Mista - -foi originalmente chamada de afasia por


“isolamento da área da fala”. É uma afasia muito rara e, patologica-mente, atinge de
forma completa a zona fronteiriça entre os lobos parietal, fron-tal e temporal,
isolando as estruturas de fala perissilviana do restante do córtex cerebral. O paciente
com este tipo de afasia não fala a não ser que falem com ele, momento em que
responde fluentemente mas em forma de ecolalia. O que é perguntado ele não
entende mas repete tudo de forma ex-cepcional. Falhará totalmente se for perguntado
os nomes dos objetos, se for solicitado que leia ou que escreva. Assim, todos os
testes para linguagem estão comprometidos, à exceção da repetição. Isto sugere que
a área de Wernicke, embora aparentemente es-sencial para a compreensão da
lingua-gem falada, não é suficiente quando está desconectada de outras porções do
cérebro.
Afasia Transcortical Motora - -este tipo de afasia é caracterizada pela
ausência de fala espontânea. A fala aparece apenas em resposta a algu-ma pergunta e

42
está bastante prejudi-cada pela presença de grunhidos e ex-pressões disártricas. O
que a diferen-cia da forma anterior é a compreen-são que está quase completamen-
te conservada, propiciando uma boa pos-sibilidade de conversação. A repetição de
palavras também está preservada, sendo clara e precisa. A leitura ocorre de forma
lenta, difícil para iniciar-se, mas após isto, se faz de forma ade-quada, tanto em voz
alta como silen-ciosa. A escrita é sempre alterada. Este tipo de afasia é observado
quando exis-te a separação entre a área motora su-plementar e a área anterior motora
(área de Broca), poden-do estar associado um déficit motor, mas sem qualquer
comprometimento sensitivo ou de campo visual.
Afasia Transcortical Sensiti-va - este tipo raro de afasia se carac-teriza
por uma repetição fluente e qua-se perfeita, mas sem que o paciente consiga
compreender nem o que está repetindo. A compreensão da lingua-gem falada é
muito precária e só exis-te entendimento de algumas palavras de uso muito fre-
qüente. Não obede-ce praticamente nenhuma ordem, à exceção de alguns movi-
mentos uti-lizando o próprio corpo. Assim, pa-rece paradoxal que apesar de falar
fluentemente, o paciente não é ca-paz de compreender nem ordens sim-ples. Mas
na observação mais atenta da fala, é possível notar que o en-contro das palavras é
difícil, truncada, tornando a fala vazia e in-terrompida, existindo várias substi-tuições
parafásicas. O achado pato-lógico característico é o comprome-timento da área
posterior, fronteiriça á área de Wernicke, chamada de con-fluência sensitiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1) Barraquer-Bordas L. Las afasias, las apraxias, las agnosias. In: ______________. Neurolo-
gia fundamental. 3a ed. Barcelona: Toray; 1976. p.339-446.
2) Benson DF, Geschwind N. The aphasias and related disturbance. In: Joynt RJ. Clinical
neurology. Philadelphia: Lippincott; 1988. p.1-34.
3) Cypel S. Distúrbio da comunicação na criança: a linguagem e seus aspectos neurológicos.
In: Diament AJ, Cypel S. Neurologia infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu; 1996. p.1057-61.
4) Mac-Kay APMG, Assencio-Ferreira VJ, Ferri-Ferreira TMS. Afasias e demênsias. São Pau-
lo: Santos; 2003.

43
44
Capítulo III
ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)

A denominação de Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a versão mais


moderna para Acidente Vascular Cerebral (AVC) e derrame cerebral. Qualquer um
destes termos caracteriza quadro de acometimento abrupto do sistema nervoso
central (SNC) craniano, cujo resultado pode ser a perda da função nervosa motora,
sensitiva, de estado de consciência, cognitiva ou elétrica. Não raramente, todas elas
podem estar prejudicadas de forma permanente ou transitória, levando à crises
epilépticas, coma, hemiplegia, afasia, apraxia, agnosias, entre outros sintomas.
A etiologia do processo é vascular, ou seja, depende da interrupção da
irrigação sangüínea de estruturas do encéfalo. Pode ocorrer no córtex cerebral, gânglios
da base, diencéfalo, mesencéfalo, tronco encefálico ou cerebelo. Daí ser mais
adequado a denominação de AVE no lugar de AVC.
Quando o sangue que nutre o cérebro com oxigênio e glicose, deixa de
atingir a região que dele depende para manter-se íntegra, os neurônios lá existentes
perdem sua funcionalidade e morrem. Estes neurônios são irrecuperáveis, mas os
neurônios situados ao redor, que não perderam a irrigação sangüínea, também deixam
de funcionar, de forma transitória, pela instalação regional de edema.
É a terceira principal causa de morte no mundo industrializado, perdendo
apenas para as doenças do coração e as neoplasias. É, também, a principal causa de
incapacidades neurológicas, seguida de perto pelos acidentes de trânsito, sendo que
em alguns países (como o Brasil) a posição se inverte.
CLASSIFICAÇÃO DO AVE
Existem duas formas principais de AVE: primariamente isquêmico (AVEI)
e primariamente hemorrágico (AVEH). O termo primariamente deve ser colocado
pois ao quadro isquêmico, pode se seguir uma hemorragia (geralmente não intensa)
em conseqüência ao rompimento da artéria que inicialmente obstruiu. No caso do
hemorrágico, que é determinado por uma artéria que se rompe e extravasa sangue
no parênquima nervoso, apresenta também uma área que deixa de receber o sangue,
ou seja, uma isquemia do território que ela irrigava.
Assim, na fase aguda de um AVE o quadro se mostra muito mais dramá-
tico do que a realidade, pois à lesão isquêmica se junta a disfunção determinada
pelo edema e pela presença de sangue, líquido de ação altamente irritativa para as
células cerebrais. Após a fase aguda, com reabsorção do sangue e do edema, se
instala o quadro definitivo lesional, que determinará a verdadeira intensidade das

45
seqüelas. No caso de AVE hemorrágico (AVEH) (Figura 1), as lesões se tornam
muito mais intensas pela presença de coágulos de sangue que ocupam o espaço que
deveria pertencer à massa encefálica, comprimindo-a, deslocando-a e impedindo-a
de realizar suas mais variadas funções, incluindo a consciência e o estado vigil, levando
o paciente ao coma. Nos AVE Isquêmicos (AVCI), o quadro neurológico é menos
dramático.
• Primariamente isquêmico (AVEI): é o mais comum e compreende

Figura 1. Representação gráfica de acidente vascular


encefálico hemorrágico (AVEH) à direita; à esquer-
do e no detalhe, acidente vascular encefálico
isquêmico (AVEI) por trombose da artéria cerebral.
A região lesada (em tons escuros) apresenta a for-
ma de “cunha”.

cerca de 80% dos casos. Podem cursar com sinais iniciais de cefaléia,
distúrbios de linguagem (disfasia), falhas no campo visual
(hemianopsias), dificuldades cognitivas (agnosias), transtornos moto-
res ou sensitivos no lado oposto (hemiparesias), ou alteração do estado
de consciência. Na maioria das vezes, tem evolução benigna e transitó-
ria.
• Primariamente hemorrágico (AVEH): corresponde a cerca de 20% dos
casos, tem inicio súbito, sem sintomas precedentes e evolução geralmente,
dramática. O paciente apresenta crises epilépticas, hemiplegia, hipertensão
intracraniana com coma profundo e vômitos, podendo chegar à morte.
As seqüelas costumam ser graves e permanentes.
ETIOLOGIA DO AVE
1. ISQUÊMICO
As causas mais freqüentemente associadas ao AVEI são:
• Embolia: é definida como obstrução de artéria encefálica por êmbolo
originário do coração (coágulo de sangue) ou de grandes artérias como as
carótidas (pedaços de placa de ateroma). É apontada como causa em cerca
de 30% dos casos de AVEI. É de aparecimento súbito, durante atividades
de vida diária habitual e determinam déficit máximo na instalação com
melhora progressiva após tratamento que determine a quebra do êmbolo

46
(coágulo ou placa ateromatosa). Como o coração é a fonte mais freqüente
de êmbolos (coágulos), o inicio pode estar associado à palpitações ou
esforço físico (ato sexual, levantar peso, evacuar).
• Trombose: é definida como obstrução de uma grande artéria (em 30%
dos casos) ou de pequenos vasos arteriais (em 20% aproximadamente)
provocada por placas de ateromas, que são depósitos de gordura que
gradativamente vão obstruindo a luz do vaso (aterosclerose) ou anorma-
lidades na parede endotelial que predispõe à formação de trombos.
Geralmente ocorrem durante o sono, com o paciente acordando com
défices neurológicos, com progressão gradual e paulatina. O compro-
metimento trombótico de pequenas artérias é também denominado de
AVE lacunar e estão associados à hipertensão arterial e resultantes da
oclusão de pequenas arteríolas perfurantes.
• Vasculite: é definida como obstrução de pequenas artérias encefálicas
como resultado de processos inflamatórios sistêmicos, como doenças
infecciosas (meningoencefalites), doenças autoimunes (lupus
eritematoso), doenças primariamente dos vasos (Doença de Moya-
Moya), entre outras.
• Trauma vascular: quando a obstrução arterial ocorre após “enforca-
mento” em brigas ou brincadeiras ou após quedas com objetos ponti-
agudos na boca (lápis ou caneta, por exemplo) com trauma na região
das tonsilas que têm a artéria carótida localizada logo atrás.
2. HEMORRÁGICO
• Hipertensão arterial: é a causa mais comum dos AVEH, associado
ou não ao diabetes, obesidade, estresse e fumo. O AVEH, mais
comumente, origina-se em pequenas artérias penetrantes da junção das
substâncias branca e cinzenta. É provável, que exista necrose da parede
do vaso como resultado de Hipertensão Arterial mal controlada
durante anos. Esta vasculopatia compromete pequenas artérias terminais
que se originam de artérias calibrosas, das quais saem perpendicular-
mente não dispondo de mecanismos (ramificações colaterais) para
dissipar pressões como ocorre com os vasos corticais. O mecanismo
de auto-regulação do fluxo sanguíneo fica comprometido e os vasos
sanguíneos ficam mais sujeitos às modificações da pressão arterial,
podendo sangrar mais fàcilmente.
• Malformações arteriovenosas (MAV): são constituídas por vasos de
paredes finas e entrelaçadas, na forma de novelo vascular, com comu-
nicação entre sangue arterial e venoso. São malformações frágeis, ge-
ralmente presentes desde o nascimento, com tendência de crescimen-

47
to/agravamento e podem romper-se em qualquer época da vida, de-
senvolvendo quadro abrupto de hemorragia intracraniana.
• Aneurisma encefálico: resulta do abaulamento da parede arterial devi-
do defeito na integridade das camadas do vaso. Apesar de na maioria dos
casos ser de origem congênita, existem quadros secundários à infecções e
ao trauma vascular. A sintomatologia mais freqüente é a hemorragia
subaracnóidea que leva a cefaléia abrupta, coma e sinais de irritação
meníngea. Costumam estar localizados nas bifurcações ou trifurcações
das artérias, principalmente daquelas pertencentes à circulação anterior
(veja explicação no subitem “Localização do AVE”), junto à base do
crânio, especialmente no polígono de Willis (Figura 2). Os exames de
neuroimagem, principalmente a angiografia encefálica, podem localizar
o aneurisma e determinar o seu tamanho.
• Doenças hematológicas: podem determinar quadro de AVE
hemorrágicos especialmente quando existe distúrbio de coagulação
(coagulopatias medicamentosas ou de origem hepática) ou doenças
neoplásicas do sangue (leucemias).
• Trauma craniano: determina na grande maioria das vezes uma he-
morragia subaracnóidea, que é acompanhada de cefaléia intensa, des-
crita como “a pior dor de cabeça da minha vida”, com ou sem déficit
neurológico motor ou sensitivo e, freqüentemente, alteração do esta-
do de vigilância, com confusão mental, estupor e coma.
Na tabela 1 estão relacionados os diferentes tipos de AVE, associado às
características clínicas mais peculiares de apresentação.
Tabela 1. Tipos de acidentes vasculares encefálicos (AVE) e suas caracterís-
ticas clínicas mais marcantes
FATORES DE RISCO

48
A tabela 2 apresenta uma lista de fatores de risco para o desenvolvimento
de AVE, seja ele isquêmico ou hemorrágico.
A noção de risco cumulativo é fundamental para identificar as pessoas
com risco maior. Ou seja, alguns fatores por si só não são importantes, como o uso
de pílula anticoncepcional, mas quando associado ao fumo e estresse podem
determinar alto risco.
Tabela 2. Fatores de risco para o acidente vascular encefálico (AVE).
LOCALIZAÇÃO DO AVE E SUAS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

49
A primeira distinção a ser feita é se existe comprometimento da circula-
ção encefálica anterior ou posterior (Figura 2). A circulação anterior é proveniente
da Artéria Carótida interna, que irriga os lobos frontais, os parietais, a maioria dos
temporais, os gânglios da base e a cápsula interna. A circulação posterior corresponde
ao sistema vertebrobasilar (Artérias Vertebrobasilares) que supre de corrente sangüínea
o tronco encefálico, o tálamo, lobos occipitais e lobos temporais mesiais e inferiores.
Figura 2. Polígono de Willis e circulação encefálica (visão basal). Retirado
de http://www. avera.org/adam/esp_imagepages/18009.htm.

1. PRINCIPAIS SINTOMAS DE AVE QUE AFETE A CIRCULA-


ÇÃO ANTERIOR

Os principais sintomas são hemiplegia e afasia devidas à isquemia (primá-


ria ou secundária) cortical. Na eventualidade da hemiplegia (ou hemiparesia, quando
déficit motor é parcial) apresentar padrão de comprometimento maior na face e no
braço do que na perna, devemos suspeitar de alteração cortical. Mas se a face, braço
e perna tiverem a mesma intensidade de alteração, a localização subcortical na cápsula
interna é a mais provável e, nestes casos, a afasia pode não estar presente ou ser do
tipo subcortical de apresentação diferente daquelas denominadas de Broca, Wernicke
ou de condução. Podem ser observados outros sintomas corticais (crises epilépticas,
apraxias, agnosias) e subcorticais (defeitos no campo visual, disfagia tipo
pseudobulbar).
As causas mais importantes são a arterosclerose das Carótidas (estenose
arterial) ou da Artéria Cerebral Média, embolismo cardíaco doenças de pequenos
vasos das artérias perfurantes.
2. PRINCIPAIS SINTOMAS DE AVE QUE AFETE A CIRCULA-
ÇÃO POSTERIOR

50
As alterações das funções desenvolvidas pelo tronco encefálico sugerem
problema na circulação posterior: diplopia (ver os objetos duplicados por falta de
movimentação síncrona dos dois olhos), disartria, disfagia e tonturas/vertigens. A
tontura é a queixa mais comum, mas a menos específica, podendo ocorrer associa-
da a muitas outras alterações nervosas. Falta de equilíbrio e de coordenação motora
são outros sinais e sintomas intimamente relacionados a AVE na circulação posteri-
or, assim como, alterações motoras e/ou sensitivas cruzadas, ou seja, ocorre na face
de um lado e nos membros do outro lado.
A causa mais importante de AVE ocorrendo na circulação posterior é a
aterosclerose da Artéria Vertebrobasilar. Raramente a embolia cardíaca atinge esta
região pois as artérias vertebrais são estreitas e muito tortuosas.

EXAMES A SEREM OBTIDOS EM PACIENTES COM AVE

1. Exames de laboratório: são necessários para determinar a causa, os


fatores de risco de progressão e possíveis complicações. Devem ser
submetidos à análise sangüínea para determinar: hemograma comple-
to com plaquetas e tempo de coagulação, dosagem dos eletrólitos
(sódio, potássio, cálcio), glicemia, função renal (uréia, creatinina),
função hepática (transaminases – TGO e TGP), perfil lipídico
(colesterol, triglicérides), função tireoidiana (T3, T4, TSH), velocida-
de de hemossedimentação (nos casos de vasculite), além de exames
radiológicos (raios X de tórax) e cardíacos (eletrocardiograma,
ecocardiograma, dopler).

2. Exames de neuroimagem: a tomografia computadorizada craniana


(TCC) não-contrastada deve ser o exame de neuroimagem de primei-
ra escolha para avaliar um paciente agudamente comprometido por
AVE (Figura 3). O exame mais sensível de ressonância magnética
encefálica (RME) pode ser realizado mais tarde para se estabelecer
melhor um diagnóstico incerto à verificação pela TCC, pois oferece
imagens mais nítidas e completas do encéfalo (Figura 4). A angiografia
encefálica contrastada ou através de ressonância deve ser utilizada para
estudar os casos de AVE hemorrágicos com suspeita de MAV ou
aneurisma, além de poder facilitar o diagnóstico de casos de AVE
isquêmicos de etiologia desconhecida (Figura 5).
Figura 3. Tomografia Computadorizada Craniana (TCC) de Acidente Vascular
Hemorrágico (AVEH) em paciente de 56 anos com hipertensão arterial sistêmica.

51
Figura 4. Ressonância magnética de paciente de 44 anos do sexo masculi-
no que apresentou Acidente Vascular Encefálico Isquêmico (AVEI) de região parieto-

temporal direita, devido à embolia.


Figura 5. Angiografia cerebral da carótida direita com presença de aneurisma. À
direita visão intra-operatória através de microscópio cirúrgico do aneurisma diag-

52
nosticado na angiografia. Retirado de http://www.neuro.med.br/aneurisma.htm.
TRATAMENTO
Não existe nenhum tratamento que se tenha mostrado benéfico para o
AVE uma vez instalado o quadro isquêmico. Para um AVEI em progressão é
recomendado medicamentos antiplaquetários (aspirina, sulfinpirazona, dipiridamol),
anticoagulanteS (heparina e/ou warfarin), trombolíticos (estreptoquinase,
uroquinase, ativador tecidualmdo plasminogênio) e, raramente, endarterectomia
(retirada da obstrução arterial através de cateter intravascular).
O fundamental é iniciar o mais precocemente possível as terapias
reabilitadoras com Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com fina-
lidade de recuperação e não instalação de seqüelas neurológicas permanentes. Este
trabalho deve ser iniciado dentro do hospital , inclusive na Unidade de Terapia
Intensiva (UTI).

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. Gherpelli JLD. Afecções vasculares cerebrais. In: Diament A, Cypel S. Neurologia Infantil.
3a ed. São Paulo: Atheneu; 1996. p.1208-14.
2. Kelley RE. Afecções dos vasos cerebrais. In: Weinwe WJ, Goetz CG. Neurologia para o
não-especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.69-83.
3. Mac-Kay APMG, Assencio-Ferreira VJ, Ferri-Ferreira TMS. Afasias e demências. São Pau-
lo: Santos; 2003.
4. Winikates JP. Doença vascular. In: Rolak LA. Segredos em neurologia. Porto Alegre: Artes
Médicas; 1995. p.259-75.

53
54
Capítulo IV
TUMORES ENCEFÁLICOS
Os tumores encefálicos dependem do crescimento exagerado do número
de células no seu interior. Podem ser benignos (não cancerosos) ou malignos
(neoplásicos). Podem ter origem em células do próprio encéfalo (tumores primári-
os) ou provenientes de outros pontos do organismo (metástases). Cerca da metade
de todos os tumores primários são benignos. Entretanto, todos os que se originam
de metástases são malignos.
Mais de 110.000 pessoas são diagnosticadas por ano com tumor encefálico,
sendo que aproximadamente 80.000 (mais de 70%) são dependentes de metástases
originárias dos pulmões, seios, intestinos, próstata e pele.
Existem mais de 12 diferentes tipos de tumores encefálicos primários,
que são classificados conforme o grau de malignidade, tamanho e velocidade de
infiltração para tecidos vizinhos.
CLASSIFICAÇÃO DOS TUMORES ENCEFÁLICOS PRIMÁRIOS
Os tumores encefálicos primários podem ser classificados conforme a localiza-
ção (supratentoriais e infratentoriais) e histologia (tipo de célula que compõe o tumor).
1. CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA
a) Gliomas (de ocorrência em cerca de 50% dos casos) – têm diferentes
denominações conforme o tipo de célula presente: astrocitoma (24%),
ependimoma (9%), glioblastoma, meduloblastoma, carcinoma de
plexo coróide, papiloma de plexo coróide, tumor neuroectodérmico
primitivo, oligodendroglioma, neuroblastoma, gliossarcoma, entre
outros.
b) Craniofaringioma (ocorre em cerca de 20% dos casos) – é tumor de
linhagem germinativa, sendo o pico de ocorrência entre cinco e dez
anos. É extremamente calcificado e, muito freqüentemente, é cístico.
Possui características de benignidade por ser de crescimento lento e
não apresentar metástases.
c) Sarcoma (ocorre em cerca de 3,5% dos casos) – pode ser polimórfico,
indiferenciado, rabdomiossarcoma, mixocondrossarcoma, entre outros.
d) Meningioma (ocorre em cerca de 17% dos casos) – é tumor benigno
originado em fibroblastos da aracnóide, que cresce comprimindo o
cérebro sem infiltrá-lo. Geralmente ocorre em adultos e a localização
mais freqüente é na convexidade cerebral, próximo à linha média.
e) Outros

55
2. CLASSIFICAÇÃO TOPOGRÁFICA
Os tumores encefálicos primários podem ser classificados conforme a
localização do seu aparecimento em supratentoriais (hemisféricos, da linha média e
da fossa anterior) e infratentoriais ou de fossa posterior (de cerebelo, tronco encefálico
e IV ventrículo).
a) Supratentoriais dos hemisférios cerebrais e ventrículos laterais –
são representados essencialmente pelos gliomas, sendo o astrocitoma,
de menor ou maior malignidade, o mais freqüente (Figura 1). Em
seguida aparece o ependimoma, o glioblastoma multiforme e o
papiloma ou carcinoma do plexo coróide. O quadro clínico consiste
fundamentalmente na combinação de cefaléia, vômito, hemiparesia e
crises epilépticas.

Figura 1. Astrocitoma baixo grau a esquerda e anaplásico a direita. Retira-


do de http://www.neuropucpr.com.br/conferencias.shtml.
b) Supratentoriais de fossa ou linha média – o mais freqüente é o
craniofaringioma, tumor de linhagem germinativa, sendo de cresci-
mento lento, cístico e com calcificações. Determina sintomas típicos
de compressão do nervo óptico (déficit visual progressivo e distúrbios
de campo visual) e disfunções da glândula hipófise (atraso no cresci-
mento, diabete insípido, nanismo, puberdade precoce, entre outros).
c) Supratentoriais de fossa anterior – são muito raros e representados
na sua maioria por astrocitomas. O sintoma essencial é anosmia (dis-
túrbio do olfato).
d) Infratentoriais de cerebelo – os mais freqüentes são o medublastoma
(altamente maligno pelo crescimento rápido e por determinar
metástases) e o astrocitoma cerebelar, que em crianças predomina o
tipo pilocítico juvenil, essencialmente benigno e curável.
e) Infratentoriais de tronco encefálico – costuma ser o glioma de baixo

56
grau, ou seja, de pouca malignidade. Mas pela sua localização bem
junto aos núcleos vitais (do controle dos batimentos cardíacos e da
respiração) determina um péssimo prognóstico. Não responde bem
aos tratamentos anti-tumorais pois têm baixa capacidade de cresci-
mento e não pode ser retirado pois o local é de muito difícil acesso.
f) Infratentoriais de IV ventrículo – é representado em sua maioria
pelo ependimoma e menos freqüentemente, pelo papiloma do plexo
coróide.
SINTOMATOLOGIA REPRESENTATIVA DA LOCALIZAÇÃO
DO TUMOR
SUPRATENTORIAL
1. Tumor Localizado no Lobo Frontal
a) Distúrbios comportamentais:
perda da inibição.
riso e choro impulsivos.
euforia e interpretação jocosa dos fatos.
crises de agressividade.
estados compulsivos/obsessivos e delírios.
crises de confusão mental e desorientação têmporo-espacial
confabulação.
distúrbios da memória recente.
Incontinência urinária – hemisfério não dominante.
b) Distúrbios motores
Hemiparesia ou hemiplegia
Paresia ou paralisia facial central isolada
Disfasia ou afasia motora
Hipercinesia ou bradicinesia
Ataxia do membro inferior contralateral
c) Crises epilépticas
Podem ser o sinal inicial
Geralmente generalizadas tônico-clônicas ou
Parciais motoras e, eventualmente, complexas
d) Nervos cranianos:

57
Hiposmia ou anosmia uni ou bilateral.
Déficit visual por atrofia óptica.
Edema de papila bilateral
2. Tumor Localizado no Lobo Parietal
a) Distúrbios motores: hemiparesia hipotônica com dificuldade na habi-
lidade motora
a) Atrofia muscular que pode preceder o déficit motor. Aparecimento
pode ser precoce e predomina na mão
b) Distúrbios das sensibilidades:
• superficial com hipostesia táctil – déficit precoce da discriminação;
• profunda: distúrbio mais freqüente é da sensibilidade postural
• dissociação das sensibilidade postural (comprometida) e vibratória
(intacta);
• Astereognosia: paciente não reconhece objetos colocados em sua mão;
• Anosognosia: paciente não percebe déficits no hemicorpo esquerdo
decorrentes de lesões no hemisfério direito.
c) Distúrbio motores da fala: afasia de Broca em lesões anteriores e de
Wernicke em lesões posteriores.
3. Tumor Localizado no Lobo Temporal
a) Distúrbios cognitivos
Aprendizado
Memorização
Memória recente
b) Défices de campos visuais
Hemianopsia homônima
Quadrantopsias
c) Afasia ou disfasia do tipo posterior (Wernicke)
d) Crises epilépticas
Crises parciais complexas com ou sem aura
Crises tônico-clônicas generalizadas
4. Tumor Localizado no Lobo Occipital
a) Deficits de campos visuais: quadrantopsias ou hemianopsias
b) Crises epilépticas: com ou sem aura (escotomas)
5. Tumor Localizado no Fossa Média

58
a) Distúrbios endocrinológicos (Diabete Insípido, acromegalia ou nanismo,
déficit pondo-estatural, puberdade precoce, obesidade ou anorexia)
b) Perda progressiva da visão e alteração do campo visual
6. Tumor Localizado na Fossa Anterior
a) Anosmia
b) Distúrbios no comportamento
INFRATENTORIAL OU DE FOSSA POSTERIOR
1. Tumor Localizado no Tronco Encefálico
a) Hipertensão intracraniana devido a hidrocefalia obstrutiva levando à
cefaléia, vômito, distúrbio do nível de consciência.
b) Alterações nas funções dos pares cranianos: diplopia, estrabismo, disfagia
bulbar, disfonia, vertigens e paralisia facial periférica.
c) Síndrome piramidal: déficit motor e hipertonia espástica.
d) Síndrome cerebelar: perda da coordenação motora, fala com disartria
atáxica, tremor no final do movimento e nistagmo.
2. Tumor Localizado no Cerebelo
a) Hipertensão intracraniana devido a hidrocefalia obstrutiva levando à
cefaléia, vômito e distúrbio do nível de consciência.
b) Síndrome cerebelar perda da coordenação motora, fala com disartria
atáxica, tremor no final do movimento e nistagmo.
3. Tumor Localizado no Quarto Ventrículo
a) Hipertensão intracraniana devido a hidrocefalia obstrutiva levando a
cefaléia, vômito e distúrbio do nível de consciência.
b) Dificuldade na marcha que se torna ebriosa.
c) Posição anômala da cabeça devido a invasão da cisterna magna.
d) Síndrome cerebelar perda da coordenação motora, fala com disartria
atáxica, tremor no final do movimento e nistagmo.
DIAGNÓSTICO DO TUMOR ENCEFÁLICO
O diagnóstico é firmado através de exames de neuroimagem, destacando-
se a tomografia computadorizada craniana (TCC) (Figura 2), a ressonância
Magnética Encefálica (RME) (Figura 3), angio-ressonância (Figura 4), espectrografia
(Figura 5) e difusão (Figura 6) pela ressonância magnética.
A TCC não é recomendada para os casos em que se suspeita de tumor de
fossa posterior ou infratentorial e de linha média ou fossa média, pois a presença de
várias estruturas ósseas ao redor, modificam as imagens computadorizadas. Todos

59
as outras localizações de tumores devem ter a TCC como exame de primeira escolha.
A RME oferece maior clareza das imagens normais e alteradas, devendo
ser utilizada para esclarecer tumores situados nas regiões já referidas (fossa posterior
e média) e na melhor delimitação do processo para dirigir o ato cirúrgico.
Hoje em dia não se admite uma extirpação tumoral encefálica sem a
realização da RME, pois ela permite determinar os mais delicados pontos de infil-
tração ou fixação do processo.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. Derman H. Cefaléias. In: Rolak LA. Segredos em neurologia. Porto Alegre: Artes Médicas;

Figura 2. Neuroimagem obtida com Tomografia


Computadorizada Craniana (TCC), demonstran-
do Glioblastoma Multiforme. Retirado de http:/
/www.neuropucpr.com.br/confe rencias.shtml

Figura 3. Neuroimagem obtida por Ressonância


Magnética Encefálica (RME) demonstrando
Astrocitoma de Baixo Grau. Retirado de http://
www.neuropucpr.com.br/conferen cias.shtml

Figura 4. Angio-ressonância cerebral (ARC), vis-


ta lateral, demonstrando tumor altamente
vascularizado na região infratentorial ou fossa pos-
terior.

60
Figura 5. Espectrografia por Ressonân-
cia Magnética (ERM) de tumor
encefálico com características de benig-
nidade. Retirado de http://
www. n e u r o p u c p r. c o m . b r / c o n f e
rencias.shtml

Figura 6. Difusão pela Ressonância


Magnética de tumor encefálico. Retira-
do de http://www.neuro ucpr.com .br/
conferencias.shtml

1995. p.308-18.
2. Heros DO. Aspectos neurológicos do câncer. In: Weinwe WJ, Goetz CG. Neurologia para o
não-especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.299-315.
3. Reed UC, Almeida GGM. Tumores intracranianos. In: Diament A, Cypel S. Neurologia
infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu; 1996. p.1019-42.

61
62
Capítulo V
DOENÇAS DESMIELINIZANTES
As Doenças Desmielinizantes são aquelas em que existe lesão quase que
exclusiva da substância branca encefálica, onde o distúrbio principal é a perda da
bainha de mielina, mas podendo ocorrer, associadamente, perda de neurônios. Faz
parte do grupo nosológico das doenças inflamatórias, apesar de nem sempre ser
possível observar clinicamente, qualquer sintomatologia típica de inflamação: febre,
rubor, dor ou produção maior de glóbulos brancos. Apesar disso, acredita-se que a
mielina seja destruída por mecanismo inflamatório e/ou auto-imune, com ou sem
processo infeccioso reconhecido na sua origem.
CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS DESMIELINIZANTES
A classificação das Doenças Desmielinizantes (DD) inclui dois grupos:
monofásicas agudas e progressivas crônicas ou recidivantes (Tabela 1).
As DD monofásicas agudas surgem após infecções por vírus envelopados
dos grupos paramixovírus, da varíola, do herpes ou influenza, podendo atingir o
sistema nervoso central ou periférico, uma única vez e sem progressão. O principal
representante deste grupo é a Polirradiculoneurite ou Síndrome de Guilain-Barré
(PRN), cuja desmielinização ocorre no sistema nervoso periférico.
As DD progressivas crônicas, caracteristicamente, são recidivantes, ocorrendo
em pulsos e estão ligadas a genes de resposta imunológica. O aspecto auto-imune é
muito relevante. A principal representante deste grupo é a Esclerose Múltipla (EM),
cuja desmielinização ocorre no sistema nervoso central (medula espinal e encéfalo).
SÍNDROME DE GUILAIN-BARRÉ OU POLIRRADICULONEU-
RITE (PRN)
Quadro clínico: caracteriza-se por fraqueza muscular progressiva e ascen-
dente, iniciando-se nos membros inferiores pelos pés, pernas, quadril, mãos, braços,
podendo atingir até os músculos da respiração e da face. É a mais freqüente
polineuropatia e atinge principalmente os adultos jovens. Na maioria das vezes é
precedida por um evento infeccioso viral (cerca de duas semanas antes de iniciar a
paresia) e queixa de dor nos pés e panturrilha (concomitante ao déficit motor).
Não existe febre e nem alterações do sistema nervoso central.
Evolução: a progressão da fraqueza muscular se faz em questão de horas
ou dias, mas não costumam progredir após passadas quatro semanas. Neste perío-
do existe possibilidade da paresia atingir os músculos da respiração (diafragma,
intercostais) colocando em risco a vida do paciente. É necessária a internação em
UTI, entubação orotraqueal e uso de aparelho para respiração artificial.

63
Tabela 1. Classificação das Doenças Desmielinizantes

Após a fase de progressão, inicia-se processo de recuperação descendente


da fraqueza muscular, e em questão de dias ou meses, todos os movimentos
retornam, não persistindo nenhuma seqüela. São raros os casos em que défices
motores permanecem após ter transcorrido um ano do episódio.
Diagnóstico: os fatos mais importantes para o diagnóstico são: fraqueza
muscular rapidamente progressiva e ascendente; ausência de alteração dos esfíncteres
(não perde o controle da urina ou das fezes); não comprometimento da sensibilidade
superficial (dolorosa e tátil); exame do líquido cefalorraquiano com aumento de
proteínas; manutenção das atividades neurológicas do sistema nervoso central e
recuperação completa de todos os movimentos.
Uma síndrome semelhante à de Guilain-Barré ocorre de forma crônica
ou crônica recidivante, também com desmielinização inflamatória dos axônios
motores periféricos. Apenas a evolução diferenciada é que pode levantar suspeita
desta doença, que deixa seqüelas importantes.
Etiologia: a causa ainda não é completamente conhecida e o tratamento
específico não existe.

64
Tratamento: deve-se ter controle rígido da capacidade respiratória na fase
ascendente e manutenção das atividades musculares passivas, com auxílio de
fisioterapia e fonoterapia, na fase de recuperação. O uso de corticóides (mesmo
através de pulsoterapia), imunoglobilinas e da técnica de plasmaferese, não deter-
minam modificação da evolução natural da doença.
ESCLEROSE MÚLTIPLA
Também denominada Esclerose em Placas é uma doença determinada
pela desmielinização de axônios situados no sistema nervoso central, levando à
formação de placas de localizações diversas da substância branca encefálica e medu-
lar. Tem evolução crônica, marcada por surtos e remissões, existindo um
polimorfismo quanto ao sintomas, pois as áreas de desmielinização (placas) são
multifocais.
Epidemiologia: a idade de início costuma ser entre 20 a 40 anos, sendo
raro em crianças e pessoas com mais de 45 anos. Predomina em países da Europa e
América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e menos freqüente em regiões
tropicais.
Quadro Clínico: é bastante polimorfo pois depende do local da forma-
ção do foco de desmielinização. Na Tabela 2 estão relacionados os principais sinto-
mas e suas respectivas porcentagens de ocorrência.
Tabela 2. Relação dos principais sinais e sintomas observados em pacien-
tes com Esclerose Múltipla (EM).
Alterações do equilíbrio 78%
Perturbações da sensibilidade 71%
Fadiga 65%
Paraparesia 62%
Sintomas urinários 62%
Disfunção sexual 60%
Perda visual 55%
Monoparesia 52%
Incoordenação motora 45%
Diplopia 43%
Alterações sensoriais 40%
Disfunção do tronco encefálico 30%
Dor 25%
Distúrbios esfincterianos 20%

65
A SINTOMATOLOGIA QUE MAIS CARACTERIZA A EM:
• Ocorre em surtos ou ataques que se repetem de forma
imprevisível e de intensidade variável, geralmente repetindo a
sintomatologia dos episódios anteriores. Após um surto existe
remissão da maioria dos sintomas, mas sempre persistindo algu-
mas seqüelas que se somam a cada novo ataque, tornando a doen-
ça progressiva e crônica.
• Ataxia cerebelar com tremor no final do movimento, falta de
equilíbrio, hipotonia, falta de coordenação motora, nistagmo, fala
com disartria atáxica (fala escandida), alargamento da base de
sustenção.
• Distúrbios visuais na EM incluem neurite óptica, retinites, vasculites
periféricas, anormalidades na motilidade ocular que se manifestam com
diplopia ou nistagmo e pars planitis.
• Déficit de força muscular com características de comprometimento
do neurônio motor central, com hipertonia muscular, reflexos
tendíneos exaltados, sinal do canivete e de distribuição em hemicorpo
, não sendo localizado.
• Distúrbios sensitivos caracterizados por áreas de anestesia e outras
áreas de dor lancinante ou parestésicas.
Diagnóstico: frente à grande variabilidade dos sinais, sintomas, curso
clínico e gravidade da EM, o diagnóstico é muito difícil, sendo necessário seguir
alguns critérios clínicos. Na Tabela 3 está a sugestão de Schumacher de critérios
clínicos para se ter o diagnóstico acurado da EM.

Tabela 3. Critérios de Schumacher para a definição de Esclerose Múltipla (EM)


• Dois sintomas de localização diferenciada no sistema nervoso central
• Dois ataques separados – o início dos sintomas é separado em pelo
menos um mês
• Os sintomas devem envolver a substância branca encefálica e/ou
medular
• Idade entre 15 e 50 anos (embora, habitualmente, entre 20 e 40 anos)
• Défices objetivos estão presentes ao exame neurológico
• Nenhum outro problema médico existe, para explicar a condição do
paciente
Exames Laboratoriais: além das características clínicas citadas para se

66
conseguir o diagnóstico, é extremamente importante a realização dos seguintes
exames:
• Líquido cefalorraquiano (LCR) – pode sugerir fortemente o diag-
nóstico o encontro de aumento de IgG, que através da eletroforese, é
constituída de bandas oligoclonais, ou seja, bandas específicas de
imunoglobulinas ou anticorpos.
• Ressonância Magnética Encefálica (RME) – mostra anormalidades
em pelo menos 80% dos casos, sendo portanto muito sensível para o
diagnóstico. As lesões inflamatórias (de desmielinização em placas) são
visualizadas na forma de pequenas e múltiplas lesões localizadas na
substância branca (Figura 1). Por não ser invasivo e de simples realização,
é o método mais utilizado.
• Potenciais Evocados – os potenciais evocados medem a condução
através dos axônios do sistema nervoso central e podem revelar áreas
de desmielinização, pois a velocidade de condução se torna mais lenta.
São utilizados os potenciais evocados visuais (PEV), auditivos do tronco
encefálico (PEATC) e os somatossensitivos (PESS). Cerca de 75%
dos portadores de EM têm o PEV alterado.

Figura 1. Ressonância Magnética Encefálica (RME) de paciente portador


de esclerose múltipla (EM).
Prognóstico: o prognóstico da EM é extremamente variável pois depen-
de do número de surtos que venha a ocorrer: quanto mais surtos mais seqüelas e
portanto, pior prognóstico. Não é uma doença fatal na sua essência, mas determina
um grave comprometimento na qualidade de vida, uma vez que existem complica-
ções secundárias como pneumonias de aspiração, úlceras de decúbito, infecções
urinárias de repetição e, principalmente, as quedas, que podem tornar o paciente
incapaz, em cadeira de rodas e requerendo cuidados permanentes.

67
Por outro lado, cerca de um terço dos pacientes não apresentarão problemas
na sua vida diária, nunca acumulando qualquer incapacidade neurológica.
Outros 30% irão acumular défices neurológicos suficientes para afetar a
sua vida de forma séria, impedindo suas atividades normais como trabalhar e se
locomover sem dependência, mas sem determinar condição de acamado.
Tratamentos: os tratamentos da EM não podem prometer cura e nem
alteram significantemente a história natural, mas podem conferir benefícios a curto
prazo.
Os medicamentos mais utilizados nos surtos são os corticóides que pro-
movem imunossupressão, estabilização da barreira hematoencefálica, é
antiinflamatório e melhora a condução nervosa. É utilizado na forma de “pulso”
intravenoso por 3 a 7 dias, na dose de 500 a 1000mg por dia de metilprednisolona,
o que determina melhora, a curto prazo, dos sintomas durante os ataques.
Outro imunossupressor que pode ser utilizado é a ciclofosfamida, aplica-
da intravenosamente na dose de 500 a 1000 mg diariamente, até que a
imunossupressão seja alcançada. Este tratamento determina os mesmos efeitos
colaterais observados com medicamentos antineoplásicos: queda de cabelos, su-
pressão da medula óssea e hemorragias.
Os únicos tratamentos que podem, comprovadamente, melhorar a qua-
lidade de vida dos portadores de EM, fora dos surtos ou ataques, são as terapias
reabilitadoras motoras com fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional e
psíquicas com pscioterapia.

BILBIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. Diament A, Callegaro D. Doenças desmielinizantes na criança. In: Diament A, Cypel S.
Neurologia infantil. 3a ed. São Paulo: Atheneu; 1996. p.915-38.
2. Rolak LA. Doença desmielinizante. In: Rolak LA. Segredos em neurologia. Porto Alegre:
Artes Médicas; 1995. p.217-25.
3. Sheremata WA, Honig LS, Bowen B. Esclerose múltipla. In: Weiner WJ, Goetz CG.
Neurologia para o não-especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.111-28.

68
Capítulo VI
DOENÇAS DEGENERATIVAS
As Doenças Degenerativas (DD) são definidas como aqueles transtornos
em que existe destruição do corpo celular do neurônio por processos não tóxicos e
nem infecciosos. São caracteristicamente progressivas e classificadas em dois grandes
grupos: as que têm etiologia genética/hereditária determinada (heredo-degenerativas)
e aquelas em que o aspecto hereditário não está presente.
As DD Heredo-degenerativas têm como principal representante a Coréia
de Huntington.
As DD não hereditárias constituem um grupo heterogêneo cujos princi-
pais representantes são: doença de Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica e doença
de Alzheimer.
DOENÇA DE PARKINSON (DP)
A doença de Parkinson (DP) é uma DD caracterizada pela destruição de corpos
celulares de neurônios que contêm melanina da parte compacta da substância negra
(parte do mesencéfalo) e de outras estruturas localizadas no tronco encefálico. Estes
neurônios são produtores de Dopamina e sua degeneração determina falta deste
neurotransmissor para desempenhar as funções do sistema extrapiramidal, que é res-
ponsável pelos movimentos automáticos, postura, tônus e aspectos psíquicos.
1. QUADRO CLÍNICO
Assim, as alterações observadas incluem:
• distúrbios motores - tremor de repouso, acinesia, parada motora;
• alterações do tônus - hipertonia plástica com sinal da roda denteada);
• anomalias posturais – perda dos reflexos posturais, dificuldade
na recuperação da postura (propulsão ou retropulsão), quedas fre-
qüentes
• alterações autonômicas – hipotensão arterial ortostática (ao ficar em
pé) ou após alimentar-se.
• distúrbios psiquiátricos – depressão em 70% dos casos, distúrbios no
sono e complicações comportamentais induzidas pelos medicamentos
antiparkinsonianos (alucinações, delírios, manias, hipersexualidade).
• perdas cognitivas – desorientação visuoespacial, perdas sutis da me-
mória, alentecimento nas respostas e demência subcortical (ocorre em
20 a 40% dos casos).
No quadro 1 estão relacionados os aspectos clínicos mais importantes.
69
Quadro 1. Aspectos clínicos da doença de Parkinson subdivididos em
manisfetações iniciais, neurológicas, mentais e gerais.
2. DIAGNÓSTICO

Além do diagnóstico clínico é preciso determinar o estágio em que a doença


se encontra pois diferentes condutas terapêuticas serão instituídas em cada uma das
diferentes fases de comprometimento.
Estágio 1. Pequenos sinais e sintomas em um dos lados;
Os sintomas atrapalham mas não incapacitam;
Usualmente já se observa discreto tremor em um dos membros;
Pessoas amigas notam pequenas mudanças na postura, loco-
moção e expressão facial.
Estágio 2. Os sintomas passam a ocorrer dos dois lados;
Pequenas incapacidades passam a existir;
A postura e a marcha estão comprometidas;
Apresenta boa resposta à medicação.
Estágio 3. Os movimentos estão significantemente lentos;
Diminuição do balanço dos braços ao andar;
Generalizada incapacidade, de moderada para severa;
Medicamentos determinam fadiga, on-off flutuantes e
discinesias.
Estágio 4. Os sintomas estão em grau severo;

70
Com muita paciência, pode caminhar poucos metros;
Já possível observar rigidez e bradicinesia;
Já não consegue viver sozinho (dependência);
O tremor ocorre em menor intensidade que estágios anteriores.
Fenômeno on-off e discinesias presentes com a medicação
Estágio 5. Não mais consegue andar;
Comprometimento cognitivo e ausência de movimentos úteis;
Requer acompanhamento com enfermeira em casa.
3. TRATAMENTO
Há quatro tipos de abordagens terapêuticas para o tratamento da DP:
a) Sintomático – controlar as manifestações clínicas utilizando medica-
mentos para corrigir a falta de Dopamina. Utiliza-se a Levodopa,
bloqueadores de degradação enzimática da Dopamina (selegilina,
inibidores da COMT), agonistas da Dopamina (bromocriptina,
pergolida, apomorfina), amantadina e agentes anticolinérgicos.
b) Protetor – tentar preservar os neurônios utilizando medicamentos
(selegilina) ou através de implantes cirúrgicos de neurônios (ainda em
fase experimental).
c) Controle das alterações comportamentais – para a depressão são
utilizados os antidepressivos tricíclicos, os inibidores da recaptação de
serotonina e eletroconvulsoterapia. Para os distúrbios psiquiátricos
procura-se reduzir a dose dos agentes dopaminérgicos e medicar com
tioridazina, risperidona, clazapina, olanzapina, carbamazepina e
valproato de sódio.
d) Terapia reabilitadora: praticamente em todos os casos, a psicoterapia
é necessária desde os primeiros sintomas, enquanto que a
fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional são necessárias para
a recuperação dos distúrbios motores já instalados.
ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma DD de causa desconhecida,
que se caracteriza pela fraqueza e atrofia muscular progressiva, devido à degeneração
dos neurônios motores centrais (primeiro neurônio ou neurônio superior) existentes
no córtex cerebral e periféricos (segundo neurônio ou neurônio inferior) localizados
no corno anterior da medula (para músculos situados fora da cabeça) e nos núcleos
dos pares cranianos no tronco encefálico (para músculos situados na cabeça).
A etiologia é desconhecida, sendo a maioria dos casos esporádica e cerca

71
de 10% de repetição familiar.
1. QUADRO CLÍNICO
Os primeiros sintomas são assimétricos e caracterizados por fraqueza
muscular e fasciculações (referido pelo paciente como “meus músculos ficam pu-
lando”), sem comprometimento da sensibilidade. Os reflexos tendíneos estão
exacerbados (pela lesão do neurônio superior ou primeiro neurônio) e é perceptível
a atrofia muscular (pela lesão do neurônio inferior ou segundo neurônio).
O ritmo de progressão é imprevisível e atinge, inicialmente, os músculos
do corpo e, só tardiamente, os músculos da face, sendo que os músculos dos
movimentos oculares nunca são atingidos.
A ELA geralmente inicia-se entre 50 e 60 anos e é doença fatal, com
tempo de sobrevida determinado pelo comprometimento dos movimentos do
diafragma, que quando atingidos levam a morte (por aspiração ou paralisia respira-
tória) em seis meses a um ano. Cerca de 50% dos pacientes falecem antes de
completar quatro anos de diagnóstico; apenas 10% têm sobrevida até os 10 anos.
A sintomatologia mais comum compreende, além da fraqueza muscular
generalizada com flacidez e atrofia, disfagia, disfonia e disartria flácida.
2. DIAGNÓSTICO
O quadro clínico habitualmente é típico, podendo levar à dificuldade em
diferenciar da compressão medular e da seringomielia (malformação interna da
medula).
O estudo de eletromiografia (EMG) mostra desnervação ampla e presen-
ça de reinervação (fasciculações), características típicas da morte dos neurônios
motores periféricos.
O exame de dosagem sangüínea das enzimas musculares
(creatinofosforoquinase – CPK e transaminases – TGO e TGP) podem se mostrar
levemente aumentadas, enquanto que os demais exames estão normais.
3. TRATAMENTO
O tratamento é sintomático devendo ser encaminhado, o mais rápido
possível para tratamento reabilitador com fonoaudiologia (permitir a alimentação
por via oral e a fala pelo maior tempo possível), fisioterapia (prolongar a capacidade
de marcha) e terapia ocupacional (encontrar possibilidades alternativas a cada déficit
motor permanente instalado).
Não existem medicamentos específicos mas métodos recentes demons-
tram a possibilidade de prolongar a sobrevida com qualidade utilizando-se riluzol
por via oral. Fatores neurotróficos derivado do cérebro (BDNF) e ciliar (CNTF)
têm sido testados sem sucesso perceptível.

72
DOENÇA DE ALZHEIMER (DA)
A perda da capacidade cognitiva é reconhecido há muito tempo (desde a antigüi-
dade) como um distúrbio que acompanha o avançar da idade, mas a demência adquirida,
instalando-se antes da velhice, só no último século teve o seu reconhecimento.
A primeira doença a ser reconhecida como causa adquirida de demência foi
a neurossífilis. Só no início do século 20 que Alzheimer descreveu a autópsia de uma
senhora de 51 anos que apresentava quadro de perda progressiva das capacidades
cognitivas, e se passou a designar como doença de Alzheimer, um raro quadro de
demência em pessoas jovens ou de meia-idade (Figura 2). Hoje é possível verificar
que a maioria das pessoas idosas que tinham o diagnóstico de demência por aterosclerose
cerebral, na verdade são casos de doença de Alzheimer (DA).
Figura 2. Anatomopatológico de paciente portador de demência do tipo
Alzheirmer. Notar a atrofia cerebral com acentuação dos giros corticais e o aumen-
to dos ventrículos laterais (hidrocefalia ex-vácuo).
A doença de Alzheimer (DA) é uma forma de demência de causa desco-

nhecida, cuja incidência aumenta sensivelmente após os 65 anos, atingindo quase a


metade dos indivíduos acima de 85 anos. Cerca de 5 a 10% dos casos são familiais,
o restante esporádicos.
1. QUADRO CLÍNICO
A manifestação inicial mais freqüente da DA é a dificuldades de memó-
ria. Esquece de executar tarefas importantes, como pagar contas ou cumprir com-
promissos, coisas que antes não aconteciam (Quadro 2).
Quadro 2. Características clínicas observadas em pacientes com Doença
de Alzheimer (Mac-Kay et Al, 2003).
Outros distúrbios vão surgindo de forma insidiosa, quase que impercep-
tíveis: dificuldades em contas e no cumprimento das suas obrigações profissionais;

73
confusão na hora de obedecer ordens; se perde em trajetos já conhecidos; esquece
panela no fogão acesso; dificuldades de comunicação; não lembra nome de objetos

simples e do nome de pessoas que há muito conhece; dificuldade para ler e também
para escrever.
Tardiamente surgem sintomas mais graves e incapacitantes como não mais
conseguir reconhecer as pessoas da própria família e sentir muito medo em estar sozinho
(exige cuidado freqüente). Observam-se alterações no ciclo sono/vigília, alucinações,
delírios, ilusões e agitação psicomotora com acessos de intensa agressividade.
Nos estágios terminais, além da piora progressiva de todos os sintomas
citados, inicia-se processo de declínio físico geral (emagrecimento acentuado e
fraqueza muscular com atrofia severa), tornando-se pessoa totalmente dependente,
sem controle dos esfíncteres e incapacitado até para o próprio asseio e andar.
2. Diagnóstico – para o diagnóstico de demência deve-se utilizar exames
padronizados de avaliação das funções cognitivas como Mini-Mental Status
Examination (MMSE) (também denominado no Brasil de Mini-mental) e o Blessed
Orientation Memory Concentration Test (BOMCT). Estes testes servem unicamente

74
para separar os pacientes dementes dos não-dementes, não tendo utilidade para fazer
o diagnóstico diferencial da DA com outros tipos de demência.
Não existe nenhum exame confiável capaz de confirmar, ainda em vida,
se um paciente demente é portador de DA.
Os exames laboratoriais servem para afastar a possibilidade de tratar-se de
outros tipos de demência, em especial as passíveis de tratamento.
As neuroimagens oferecem dados representativos da degeneração de
neurônios corticais representados por atrofia cerebral difusa e, principalmente, da
porção mesial dos lobos temporais. A imagem através da Ressonância Magnética
Encefálica (RME) é superior à da Tomgrafia Computadorizada Craniana (TCC) e
permite melhor visualização do córtex cerebral e do lobo temporal mesial.
Outros exames estão sendo testados, mas ainda sem mostrar efetividade,
tais como: tomografia computadorizada com emissão de fótons isolados (SPECT)
e com emissão de positrons (PET); exame do líquido cefalorraquiano (LCR) em
busca de fragmentos da substância amilóide ou das proteínas tau; encontro do alelo
da apolipoproteína E e 4, entre outros.
3. Diagnóstico Diferencial - a DA, em estágios iniciais, pode ser con-
fundida com afasia ou dispraxia progressiva e o diagnóstico diferencial pode ser
difícil. No Quadro 3 estão relacionados os sintomas de DA e afasia, oferecendo
dados que podem facilitar o diagnóstico diferencial.
4. Tratamento – as perdas na independência funcional podem ser dimi-
nuídas ou estabilizadas com treinamento e reabilitação. As dificuldades de lingua-
gem e, em estágio mais adiantado, as alterações para engolir podem ser acompanha-
das por fonoaudiólogo(a). As complicações decorrentes das alterações de apetite e
de comportamento, associadas à dificuldade de linguagem, podem ser minoradas
com o auxílio de uma enfermeira, que será essencial nos estágios mais avançados da
doença. Um profissional treinado pode assessorar nas modificações para tornar o
lar mais seguro e no manejo adequado de cada paciente.
Os medicamentos que atuam diretamente na doença ainda não existem,
mas os inibidores de acetilcolisterase, drogas que evitam a decomposição da
acetilcolina, podem fazer com que a doença progrida mais devagar ou até mesmo
estacione.
Na fase inicial da doença, ocorre principalmente a perda de neurônios que
usam como mensageiro a acetilcolina, uma substância importante no processo de
memória e aprendizado. A acetilcolina é produzida no cérebro à partir da colina,
presente em alimentos da dieta do dia-a-dia. Depois de utilizada como mensageiro
químico entre os neurônios, a acetilcolina é degradada pela enzima acetilcolinesterase,
transformando-se novamente em colina.

75
Quadro 3. Sinais e sintomas que facilitam o diagnóstico diferencial entre
demência e afasia (Hedge, 2001)

Se existe uma deficiência na produção de acetilcolina, um modo de con-


trolar o problema é evitar que a pouca acetilcolina produzida seja degradada,
impedindo a ação da enzima através dos inibidores, ou seja, os inibidores da
acetilcolinesterase. (retirado do http://www. emedix.com.br/artigos/neu006_
1i_alzheimer.shtml#texto2).

DOENÇAS HEREDO-DEGENERATIVAS

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As Doenças Heredo-degenerativas são aquelas em que existe, predomi-
nantemente, destruição dos corpos celulares dos neurônios, obededendo a três
critérios:
• origem genética;
• evolução lenta e progressiva com lesões sistematizadas;
• não apresenta qualquer sintomatologia inflamatório ou de necrose
celular.

SÃO CLASSIFICADAS EM TRÊS GRUPOS PRINCIPAIS:


• Heredo-degeneração do sistema nervoso periférico - doença de
Charcot-Marie, doença de Déjerine-Sottas e doença de Thévenard;
• Heredo-degeneração espinocerebelares - doença de Friedreich e
heredo-ataxia de Pierre Marie;
• Atrofias cerebelares degenerativas – atrofia olivo-ponto-cerebelar e
atrofia cerebelar tardia.
• Coréia de Huntington – que é uma afecção degenerativa hereditária
em que estão comprometidos os gânglios da base e o córtex cerebral.
Caracteriza-se pelo desenvolvimento progressivo de movimentos
coreicos e deterioração das funções nervosas superiores (cognição,
linguagem gnosias e memória).

CORÉIA DE HUNTINGTON
É uma doença genética (autossômica dominante) que se caracteriza por
demência e movimentos coréicos. Os primeiros sinais podem ser motores, ou
cognitivos ou da personalidade, mas somente nas fases mais adiantadas é que os
sinais abrangem estas três áreas. Os problemas motores iniciam-se nas extremidades
superiores logo atingindo o pescoço e os braços. Há sensível dificuldade para a
articulação da fala, disartria progressiva e disfagia (esta última nas fases moderada e
adiantada). Há alterações na fonação pelas dificuldades de coordenação dos
movimentos respiratórios e destes com os órgãos fono-articulatórios. Os principais
aspectos clínicos estão representados no quadro 4, subdivididos entre manifesta-
ções iniciais, neurológicas, mentais e gerais.
Quadro 4. Características clínicas da doença de Huntington, subdividi-
das entre as diferentes manifestações iniciais, neurológicas, mentais e gerais.
BILBIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. Barbosa ER, Limongi JCP, Cummings JL. A doença de Parkinson. In: Miguel ECM, Rauch
SL, Leckman JF. Neuropsiquiatria dos gânglios da base. São Paulo: Lemos; 1998. p.117-43.

77
2. Bennett DA. Doença de Alzheimer e outros tipos de demências. In: Weiner WJ, Goetz CG.
Neurologia para o não-especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.233-44.
3. Diament A. Heredodegenerações. In: Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. 3a ed. São

Paulo: Atheneu; 1996. p.561-70.


4. Fisher MA. Neuropatia periférica. In: Weiner WJ, Goetz CG. Neurologia para o não-
especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.187-204.
5. Harati Y. Neuropatias periféricas. In: Rolak LA. Segredos em neurologia. Porto Alegre:
Artes Médicas; 1995. p.80-95.
6. Mac-Kay APMG, Assencio-Ferreira VJ, Ferri-Ferreira TMS. Afasias e demências. São Pau-
lo: Santos; 2003
7. Weiner WJ, Shulman LM. Doença de Parkinson. In: Weiner WJ, Goetz CG. Neurologia
para o não-especialista. São Paulo: Santos; 2003. p.129-42.

78
Capítulo VII
A CRIANÇA HIPERATIVA

COMO O SISTEMA NERVOSO CENTRAL “IMPEDE” A


HIPERATIVIDADE
O córtex cerebral é a única região do sistema nervoso central (SNC)
capaz de transformar estímulos recebidos em aprendizado. Cada estímulo que
atinge o córtex é comparado com vivências anteriores (ou memórias de eventos
passados) para que possa ser interpretado, decodificado, compreendido. É im-
possível o SNC reconhecer o que nunca “viu”, ou seja, só é capaz de decodificar
ou compreender o estímulo que, em alguma outra ocasião, já tenha tido contato.
Para eventos novos, o reconhecimento estará impossibilitado, mas o aprendizado
ocorrerá, pois ficará retida na memória este novo estímulo, associando todas as
informações possíveis como forma, peso, cor, cheiro, sabor, função, nomeação e
tudo o mais. Assim, quando não somos capazes de reconhecer um determinado
objeto, procuraremos observar os detalhes em busca de algo familiar (algo que
meu córtex já tenha tido contato), para que possamos descobrir o que é; e para
que serve e com isso, aprender!
Para tanto, todo o resto do SNC tem que estar funcionando adequada-
mente em favor das funções nervosas superiores de memória, raciocínio e inteligên-
cia, em busca da decodificação ou do aprendizado. Só posso decodificar ou aprender
se estiver com o SNC maduro para receber e interpretar o novo evento e se estiver
atento e interessado.
O aprendizado, portanto, depende da integridade e/ou maturidade neu-
rológica, atenção e interesse, além, é claro, da funcionalidade adequada das estrutu-
ras que vão receber ou captar os estímulos (boa acuidade visual e auditiva, entre
outras).
Algumas dificuldades no aprendizado nas crianças estão ligadas à presença
de lesão cortical, onde os estímulos são inadequadamente avaliados pela inexistência
de substrado neurológico, neurônios ou ligações dendríticas de associação. Nestes
casos, a falta de integridade cortical, determina pobre interpretação dos estímulos e
menor capacidade cognitiva, ou seja, deficiência mental. Não existe tratamento
específico, mas somente treinamento para se conseguir o máximo da potencialidade
do SNC lesado.
Em outras situações a falta de interesse em aprender é o fator
determinante no funcionamento inadequado do SNC da criança e pode ser o
resultado de distúrbios emocionais ou comportamentais. O autismo e a psicose

79
infantil são os representantes mais graves deste grupo, onde estão incluídas moti-
vos mais simples como desagregação familiar, trabalho infantil, falta de limites,
entre outros. O tratamento medicamentoso é ineficaz e o trabalho multidisciplinar
com psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, é funda-
mental na recuperação neuropsiquiátrica. Nos casos mais simples, onde o desin-
teresse é de origem ambiental, a psicoterapia associada à psicopedagogia consegue
os melhores resultados.
A falta de atenção, geralmente associada à hiperatividade, é um impor-
tante fator etiológico de dificuldade de aprendizagem e pode depender de inúmeras
causas dentro e fora do SNC.
É inadmissível aceitar como diagnóstico da causa da dificuldade no apren-
dizado a “doença” denominada hiperatividade. É muito comum os pais procura-
rem o atendimento neuropediátrico informando que “Meu filho está com o
disgnóstico de hiperatividade”.
Convenhamos que hiperatividade não é uma doença e sim um sintoma
que pode acompanhar uma criança com deficiência mental, autismo, síndrome
genética ou, por outro lado, uma criança normal, mas mal educada, ou melhor
dizendo, sem limites (é mais chique!).
Seria o mesmo que os pais que recebem um diagnóstico após uma hora
de consulta e vários exames de sangue e radiológicos realizados:
_ Seu filho é portador de febre!
_ Mas doutor, este foi o motivo que me trouxe aqui. Febre eu já sei que
ele tem!!! Quero saber a causa para poder medicá-lo!!!
Ou seja, hiperatividade todo pai e toda mãe já sabem que o filho tem.
Portanto, não é diagnóstico e sim sintoma, que deve ser avaliado e interpretado, até
que se chegue ao diagnóstico causal.
Compreendendo a Falta de Atenção e a Hiperatividade (esses dois eternos
companheiros) como Causa de Dificuldade de Aprendizagem
O SNC é constituído de compartimentos intimamente ligados, um de-
pendente do outro, cuja principal razão da existência é a manutenção da vida e da
espécie. Seu desenvolvimento e complexidade atinge o clímax no córtex cerebral,
local das funções nervosas superiores de linguagem, fala, leitura, escrita, todas depen-
dentes de aprendizado, ou seja, da capacidade de receber um estímulo, estabelecer
conexões com cada uma das suas características, guardá-lo na forma de memória e
reutilizá-lo na hora de interpretar ou decodificar uma nova informação recebida.
A parte mais simples do SNC é representada pela medula espinal, capaz
de realizar respostas motoras reflexas, repetitivas, sem memória e sem compreen-
são do porquê da sua ocorrência. Se uma minhoca recebe uma alfinetada, ela
(reflexamente) realiza um movimento de retirada do estímulo nocivo. A cada

80
nova alfinetada, novo movimento reflexo de fuga. A persistência do estímulo
determina repetidas contrações.
Num ser vivo com estruturas nervosas mais desenvolvidas, como no ser
humano, após a alfinetada e o movimento reflexo de retirada, segue-se uma se-
qüência de movimentos, agora voluntários, buscando reconhecer o estímulo e criar
uma resposta para que a alfinetada não mais se repita. Caso o agressor seja de pequeno
porte físico a resposta será ríspida, com empurrões e questionamento em altos
brados do porque, de um tão pequeno indivíduo, praticar ato tão inadequado. No
caso do agressor ser forte e bem maior do que o agredido, provavelmente a resposta
será de afastamento e resignação inicial, para em seguida, após distância protetora,
mostrar indignação.
Entre o compartimento mais desenvolvido, que é o córtex e a do menor
desenvolvimento que é a medula espinal, existem vários agrupamentos de neurônios
que desempenham funções fundamentais para que o córtex possa “trabalhar com
inteligência”. De que adianta um córtex maravilhoso se o coração parar de bater!!
Assim, existem estruturas que mantêm a vida (núcleos vitais do tronco encefálico),
os movimentos coordenados dos olhos (nervos cranianos), coordenação dos
movimentos dos membros e tronco (cerebelo), movimentos automáticos, postura,
humor e emoções (gânglios da base), entre outros.
Um aspecto fundamental para o aprendizado é a atenção, função de-
sempenhada por uma estrutura complexa encontrada no tronco encefálico, de-
nominada Formação Reticular (FR). É ela que mantém o córtex alerta para rece-
ber novos estímulos e buscar interpretá-los ou decodificar (reconhecer através da
comparação com memórias pré-existentes). Várias são as influências recebidas
pela FR, principalmente as sensitivas, que devem ser selecionadas; somente os
estímulos importantes passam pelo seu filtro e chegam ao córtex, tornando-se
conscientes. Assim, o bombardeio constante que o corpo recebe com estímulos
sensitivos dos mais variados tipos, não atingem o córtex de forma indiscriminada.
Se isto ocorresse o córtex se perderia com informações desnecessárias e não con-
seguiria terminar nenhuma das tarefas de decodificar. Se perderia com detalhes
sem importância.
Por exemplo, neste exato momento em que o leitor está lendo estas frases,
o córtex está decodificando cada um dos sinais gráficos e interpretando o texto.
Experimente “desconcentrar-se” e perceberá que são inúmeros os estímulos que
estão sendo captados pelos receptores do seu corpo mas que a formação reticular
está “filtrando” e impedindo que atinja o seu córtex e atrapalhe o entendimento do
conteúdo lido. Perceba que tem barulho de trânsito (ou de insetos caso esteja isolado
numa fazenda), uma “coceirinha” entre os dedos dos pés, um cheirinho de café
recém passado, aquela vontade de ir ao banheiro, ... todas estas sensibilidades estão

81
sendo “retiradas” pela FR. Ela está oferecendo condições para que seu córtex não
perca a atenção, com “bobagens”!!!
A FR, à semelhança com outras estruturas nervosas, necessita de maturação
para que possa desempenhar adequadamente a sua função seletiva de estímulos ou
de “filtro”.
A criança ao nascer e até ao redor de um ano de vida, mantém um estado
de relativa falta de atenção, aceitando todos os estímulos recebidos, não se observando
uma seleção; dá a impressão que todos são importantes e todos tornam-se
conscientes. Isto ocorre pelo fato da FR ainda estar imatura, não funcionante, por
não ter suas estruturas ainda mielinizadas. A criança se mostra desatenta, sem noção
de perigo, hiperativa, mexe em tudo, começa 20 coisas ao mesmo tempo e não
termina nenhuma. No decorrer do primeiro e até o segundo ano de vida,
progressivamente a criança vai melhorando a atenção, começando uma atividade e
indo até o fim (sem se perder com estímulos não importantes), tornam-se menos
hiperativas e mais atenciosas. Nesta fase a desatenção e a hiperatividade são fisiológicas
e normais. Com a maturação da FR, que se completa até os quatro anos de idade,
podemos observar a criança com adequada atenção, mais capacitada ao aprendizado
e menos hiperativa.
Quando isso não ocorre, vamos nos deparar com uma criança diferente
das outras, incapaz de começar uma atividade e ir até o fim; impossibilitada de
manter-se parada (existe uma “força” que a impulsiona a movimentar-se sem
conseguir parar); atrasada nas aquisições motoras e intelectuais (demora para ad-
quirir a fala e tem os movimentos incoordenados); pouca noção de perigo; pre-
sença de importante impulsividade (não sabe esperar a vez e facilmente se excita
ou enfurece), entre muitas outras características. Este quadro caracteriza o que
chamamos de
TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM
HIPERATIVIDADE (TDAH).
É importante salientar que fica muito difícil de se falar em uma FR não
madura e determinante de problemas na atenção, nas crianças abaixo dos quatro
anos. Entre dois e quatro anos podemos encontrar crianças desatentas e hiperativas
sem que isso, obrigatoriamente, seja patológico e fora do normal.
Além da imaturidade da FR, podemos encontrar (em crianças normais
orgânica e mentalmente) falta de atenção por hipofuncionalidade deste sistema
nervoso quando existe falta de limites educacionais, interesse ou de compreensão
do assunto tratado.
Não é difícil entender os sintomas de desatenção e a hiperatividade em
uma criança (ou mesmo em um adulto) cujo tema abordado na aula ou a forma de

82
apresentação, não desperte qualquer interesse do ouvinte. Imagine-se no Centro
Tecnológico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos ouvindo palestra sobre o
spin dos elétrons na formação das neuroimagens na ressonância magnética encefálica.
Após cinco minutos de palestra você se tornará desatento, hiperativo e atrapalhando
a aula. E você não tem qualquer problema neurológico! Apenas o assunto não é do
seu interesse e determinará seguidas necessidades de ir ao banheiro, beber água ou
de conversar com o vizinho sobre as condições do tempo.
O mesmo ocorrerá se você não estiver entendendo o que se fala. Imagine
que o palestrante fala em russo e não tem tradução simultânea!!! Após alguns minutos
você estará contando quantas lâmpadas tem na sala, quantas carteiras estão vazias e
... muito mais!!! Haja desatenção e hiperatividade!!!
Por último, não podemos esquecer da criança sem limites ou sem edu-
cação (em linguagem mais direta). Meu professor Lefèvre dizia: —“Filho de rico
é temperamental, de personalidade forte! Filho de pobre é sem educação mes-
mo!!”. Nestes casos fica claro durante a anamnese e exame clínico que a
hiperatividade e a desatenção são de ocorrência em determinados lugares ou
situações. Em outras ocasiões (de interesse da criança), elas mantém-se atentas e
sem exageros na movimentação corpórea. Não é incomum, durante a entrevista,
verificar que a mãe fica o tempo todo reclamando que a criança não pára nunca,
mexe em tudo, quebra tudo e a criança, ao seu lado, quieta, parada, atenta ao
comentários e qualidades “destrutivas” que sua mãe lhe apregoa, inconformada
com tantas “mentiras”.
Eu não resisto e pergunto: —“Senhora, você trouxe o filho errado para a
consulta? Pois o garoto está parado e tranqüilo desde quando chegou!”. De imedi-
ato vem a resposta: —“O senhor não viu nada! Deixa ele acostumar com sua
presença!”.
Obviamente este não é um caso de comprometimento neurológico. Não
deve existir imaturidade da FR e, muito menos, lesão encefálica cortical.
DIAGNÓSTICO DO TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATEN-
ÇÃO COM HIPERATIVIDADE (TDAH)
À primeira vista, pode parecer fácil o diagnóstico da criança portadora do
TDAH, o que não se confirma no dia-a-dia de atendimento clínico.
A criança que apresenta sintoma de hiperatividade, na maioria das vezes
já vem com diagnóstico firmado por psicólogas, psicopedagogas, fonoaudiólogas,
terapeutas ocupacionais e, até mesmo por professoras, como portadoras de trans-
torno neurológico. Também as crianças desatentas, que “vivem no mundo da
lua”, também são encaminhadas como sofrendo problema neurológico (Mattos,
2001).

83
A realidade é bem outra, pois mesmo para médicos neurologistas clínicos
com experiência no trato com crianças, psiquiatras ou neuropediatras, encontram,
freqüentemente, dificuldades para estabelecer um diagnóstico de certeza.
Não existe exame laboratorial, radiológico ou de neuroimagem que per-
mita o estabelecimento do diagnóstico de certeza. Os médicos são obrigados a
lançar mão de critérios diagnósticos, sendo o mais utilizado, os sugeridos pelo Manual
de Diagnóstico e Estatística - IV Edição (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica
Americana, que apresentamos a seguir:
O guia é utilizado por profissionais especializados em TDAH para o
diagnóstico clínico. Conhecendo-o você poderá ter uma idéia de como o diagnós-
tico é feito e poderá suspeitar do mesmo ao “aplicar” os critérios abaixo em alguém
que você conhece. Lembre-se que o diagnóstico definitivo só pode ser fornecido
por um profissional (ABDA, 2003).
CRITÉRIO A: Assinale com um X na coluna correta

84
CRITÉRIO B: Responda SIM ou NÃO
Alguns destes sintomas estavam presentes antes dos 7 anos de idade?
CRITÉRIO C: Responda SIM ou NÃO
Existem problemas causados pelos sintomas em duas ou mais situações (por ex., na
escola, no trabalho e em casa)?
CRITÉRIO D: Responda SIM ou NÃO
Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por conta dos sinto-
mas?
CRITÉRIO E
Os sintomas não são mais bem explicados pela presença de um outro problema
(tal como depressão, deficiência mental, psicose, etc.).
ADULTOS
1) É OBRIGATÓRIO ter tido TDAH na infância. Isto pode exigir
consultar os pais, parentes mais velhos ou mesmo professores. O
TDAH no adulto é meramente a continuação do TDAH da infância
e adolescência.
2) Veja no quadro abaixo quantos sintomas são necessários para o diag-
nóstico:
Idade
17 a 29 anos 4 5
30 a 49 anos 4 4
Mais que 50 anos 3 3
3) Os CRITÉRIOS B, C, D devem obrigatoriamente ter resposta SIM.
4) O CRITÉRIO E necessita da avaliação de um especialista, uma vez
que os sintomas do Critério A ocorrem em muitos outros transtornos do adulto
(especialmente ansiedade e depressão).
Mesmo após o estabelecimento do diagnóstico de certeza, muito rara-
mente crianças hiperativas, com desatenção ou desatentas sem hiperatividade neces-
sitam de tratamento medicamentoso.
Os efeitos colaterais das substâncias químicas utilizadas para estes casos e
a alta efetividade das terapias reabilitadoras (fonoaudiologia, psicologia,
psicopedagogia, terapia ocupacional) são dois importantes aspectos que se contra-
põem ao uso de drogas para melhorar a atenção e diminuir a hiperatividade.
O ideal é a identificação precoce e o encaminhamento às terapias
reabilitadoras de imediato. A medicação deve ser considerada em última instância.

85
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. ABDA. Como diagnosticar transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
[citado em 07/03/2003]. Available from: http://www.tdah.org.br
2. Assencio-Ferreira VJ. Criança hiperativa e aprendizagem. In: Temas em educação I. Livro
das jornadas 2002. Curitiba: Lopes; 2002. p.125-33.
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86
Capítulo VIII
ALGUMAS SÍNDROMES NEUROLÓGICAS DE
INTERESSE FONAUDIOLÓGICO

1. SÍNDROME DE GILLES DE LA TOURETTE


Os tiques são transtornos geralmente temporários, associados à distúrbi-
os emocionais provenientes de dificuldades na vida familiar, escolar ou no desem-
penho profissional, em que a auto-estima, freqüentemente, está comprometida (9).
São representados por atividades motoras repetitivas (piscar os olhos, deslocamen-
to rápido da cabeça ou dar de ombros, franzir o nariz, entortar a boca, morder a
bochecha, morder objetos ou gola de camisa) ou emissões fônicas pouco usuais
(tosse seca, arrotos, pigarros, grunhidos, sons nasais inspiratórios ou expiratórios,
como se promovendo “limpeza” nasal). Estas atividades, aparentemente, involuntárias
e inconscientes, determinam mal estar, repulsa e, até mesmo, reações exasperadas
nas pessoas de convívio íntimo. Em condições de maior estresse, os tiques tornam-
se muito mais evidentes e podem se tornar crônicos. Por outro lado, podem ser
parcial ou totalmente suprimidos voluntariamente.
Podemos definir os tiques como movimentos, gestos ou vocalizações que
surgem de forma súbita, imitando uma atividade normal e que se repetem de forma
estereotipada. São de curta duração e, às vezes, podem ocorrer agrupados. Costumam
ser autolimitados, desaparecendo totalmente num período inferior a 12 meses ou
ser substituído por outro tipo de maneirismo ou mania. A presença de tiques
transitórios é mais freqüente entre as crianças, ocorrendo em cerca de 10% delas,
com nítido predomínio nos meninos (4). A faixa etária de maior incidência situa-se
entre 7 e 11 anos. É mais encontrado entre crianças brancas e residentes em áreas
urbanas (9).
Os tiques podem estar presentes em crianças que necessitam avaliação
fonoaudiológica por outros motivos, como atraso na aquisição da fala e/ou difi-
culdade escolar. Entretanto, na maioria das vezes, a presença do tique não deter-
mina preocupação no profissional em fonoaudiologia, acreditando que este faz
parte do quadro emocional que acompanha a dificuldade de linguagem (falada
ou escrita).
Mas atenção! Se você fonoaudiólogo (a) estiver trabalhando com um
paciente e ele for portador de algum tipo de tique, existe a possibilidade de tratar-
se de uma síndrome descrita por Gilles de la Tourette em 1885. É importante
conhecermos esta patologia porque podem estar associados outros sinais e sinto-
mas que você insiste tentar corrigir, sem saber que faz parte de uma síndrome e

87
que, potencialmente, pode ser resolvido com tratamento medicamentoso. Isto
mesmo!!! É um transtorno que pode ser controlado com o uso de medicamento!!!
E não é tão raro como pode parecer. Acredita-se que é pouco diagnosticado pelo
desconhecimento dos profissionais que lidam com crianças, tanto na área médica,
como psicológica, psicopedagógica, pedagógica e fonoaudiológica.
A SÍNDROME DE GILLES DE LA TOURETTE
A síndrome é um transtorno de tique grave, progressivo, em que tiques
motores múltiplos e vocais (tiques fônicos) ocorrem combinados. Tem inicio pre-
cocemente na infância, com características benignas, observando-se apenas crises
passageiras de tiques motores simples, como piscar os olhos ou movimentos brus-
cos do pescoço/cabeça, podendo surgir e desaparecer, ou tornar-se persistentes a
ponto de já desencadear efeitos nocivos na criança, frente a reação (de certa forma)
agressiva da família e as gozações de colegas da escola. À medida que a síndrome se
desenvolve, os tiques motores, inicialmente simples, adquirem características mais
complexas e múltiplas. Ficam camuflados na forma de atividade motora intencio-
nal (como remover o cabelo da testa com o braço), mas acaba sendo identificado
como tique por seu caráter repetitivo.
Os tiques fônicos, iniciam-se após cerca de dois anos dos sintomas moto-
res, com características simples como grunhidos, pigarros, gritos agudos e curtos.
Não raramente, a criança passa a receber apelidos conforme o som que desenvolve.
Por exemplo, passa a ser conhecido na escola como “hic”, porque ao apresentar o
tique motor, emite este som agudo e breve.
As crianças comprometidas com a síndrome dos tiques, podem apresen-
tar, associadamente, alguns distúrbios no comportamento, incluindo fala ou con-
duta desinibida, impulsividade, desatenção, hiperatividade motora e, tardiamente,
sintomas obsessivo-compulsivos, caracterizados por rituais, idéias obsessivas,
necessidade de tocar, friccionar, entre outros (1).
O progresso do transtorno determina o aparecimento de maior complexi-
dade da atividade motora, com a presença de posturas e movimentos rápidos, múlti-
plos e estereotipados, podendo haver participação de todos os segmentos corpóreos,
com o indivíduo chegando a simular pulos com quedas espetaculares (sem contudo
sofrer qualquer tipo de lesão). Nas apresentações mais graves, já bem mais raras e
encontradas principalmente nos adolescentes entre 10 e 15 anos, pode ser observado
tiques do tipo copropraxia (gestos obscenos) ou manifestação motora com atitudes
de autoagressividade como tapas em alguma parte do corpo, morder os pulsos, golpear
a face, ou, simplesmente, bater palmas em momentos de estresse (9). Os tiques fônicos
também mostram progressão, com a substituição dos sons estereotipados por ecolalias
(repetição das palavras do interlocutor) ou coprolalias (vocalização de palavras obscenas),

88
isto é, ao invés de grunhidos, o tique fônico torna-se articulado com emissão de
palavras, sentenças curtas e, principalmente, palavrões, emitidos em tom alto,
gritado. O quadro torna-se dramático e assustador, levando, erroneamente, a
diagnóstico psiquiátrico.
A partir dos 10 anos, a criança passa a perceber que existem impulsos
sensoriais que antecedem os tiques, como uma coceira ou sensação de cócegas numa
determinada área do corpo (10). Esta sensação de desconforto é aliviada quando da
ocorrência do tique, dando a falsa impressão ao pré-adolescente acometido, de que
o tique possa ser voluntário (7). Por outro lado, esta sensação premonitória pode
promover o desenvolvimento da habilidade em reprimir os tiques. Pode disfarçá-
los a comportamentos quase imperceptíveis, como um leve levantar de ombros
acompanhado de um som gutural abafado. Em ocasiões de grande estresse pode-se
perder esta capacidade de repressão, realizando movimentos extremamente impe-
tuosos de braço, acompanhado de um vociferar alto, como um grunhido, e que são
alarmantes.
Podemos definir a Síndrome de Gilles de la Tourette, de acordo com os
seguintes critérios (2):
• instalação na infância ou adolescência (entre 5 e 15 anos).
• tiques motores simples no inicio, com a progressão para tiques moto-
res múltiplos e complexos.
• tiques vocais simples no inicio, com progressão para palavras articula-
das, frases curtas e, posteriormente, ecolalia e coprolalia.
• sintomatologia flutuante, com períodos (meses) de exacerbação e de
diminuição.
• dificuldades comportamentais como impulsividade, desatenção,
hiperatividade motora e sintomas obsessivo-compulsivos.
• Entre 10 e 15 anos é o período em que a sintomatologia é mais grave
e evidente.
• Existe importante melhora na fase adulta.
FISIOPATOLOGIA
Embora ainda não se conheça perfeitamente a fisiopatologia e nem a
etiologia, existe uma série de evidências que indicam ser a Síndrome de Gilles de la
Tourette um distúrbio neurológico e não psiquiátrico. Já sabemos que tem caráter
familiar em cerca de 80% dos casos, sendo que as manifestações nos familiares
costumam ser frustas, com tiques simples e traços de personalidade de tipo obsessivo-
compulsivo. A localização gênica no Genoma Humano já está determinada: número
da anomalia segundo McKusick (MIM) 137580 e atingindo o cromossomo 18,
na porção q22,1 (13).

89
Os núcleos ou gânglios da base são as estruturas encefálicas implicadas na
patologia da Síndrome de Gilles de la Tourette, que se apresentam com menor
volume e com evidente decréscimo do seu metabolismo. O desequilíbrio dos
neurotransmissores é responsabilizado pelos sintomas de tiques (dopamina,
acetilcolina, dinorfina, GABA), desatenção/hiperatividade (noradrenalina) e trans-
torno obsessivo-compulsivo (serotonina, glutamato) (8).
A explicação para o maior encontro desta síndrome entre os meninos, na
proporção de 9 para 1, é a suposição de que os hormônios andrógenos atuam no
período pré-natal, quando o cérebro está sendo formado, modificando a estrutura
cerebral e, consequentemente, a sua resposta no futuro. Ou então, que depende da
ação modificadora dos primeiros hormônios masculinos adrenais, quando da
adrenarca que ocorre entre 5 e 7 anos (11).
TratamentoO tratamento da criança com Síndrome de Gilles de la
Tourette deve incluir:
a) Neurologista: que consegue o controle dos sintomas em 80% dos
casos, utilizando haloperidol isolado ou associado com pimozida (12).
b) Psicologia para orientação familiar. A orientação psicológica busca
transformar a impressão familiar de que a presença dos tiques seja
voluntária e com intenção provocativa. Visa, ainda, confortar a famí-
lia com a possibilidade dos transtornos não serem rigidamente pro-
gressivos e que, normalmente tendem a melhorar na idade adulta (5).
Essa informação passa a ser vital para aqueles familiares que têm acesso
a literatura leiga ou médica geral, que enfoca a síndrome com os casos
mais graves e extremos e que, felizmente, são pouco freqüentes.
c) Fonoaudiologia: para o acompanhamento do desenvolvimento esco-
lar que costuma ser abaixo do esperado frente a desatenção e dificulda-
de específica no aprendizado de leitura e escrita. Os professores devem
ser orientados para agir com maior compreensão e moderação frente
aos episódios de tiques que podem ter características de alta
impetuosidade e agressividade (física e/ou vocal). Por ocasião das provas,
devido ao estresse e conseqüente acentuação dos tiques, permitir sua
realização em ambiente isolado dos outros alunos ou priorizar as provas
orais. Os colegas de classe devem receber orientação especial para evitar
caçoar da criança (3).
PROGNÓSTICO
O prognóstico é bom, exceto no período entre 10 e 15 anos em que os
indivíduos têm piora dos sintomas (6). Na fase adulta o curso da doença é variável,
mas a maioria apresenta leves tiques, mais ou menos estáveis, que crescem e dimi-

90
nuem conforme a fase de maior ou menor estresse. A pior complicação se relaciona
ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos obsessivo-compulsivos, com fixação
em manias de caráter patológico estigmatizante. Na maioria dos adultos acometidos,
o que se observa são discretos tiques acometendo a região da face, cabeça e pescoço,
associados à atividades obsessivo-compulsivos como abrir e fechar várias vezes uma
pasta para certificar-se de que a mesma esta fechada, ligar e desligar um determinado
aparelho eletrônico para ter certeza de que está desligado, entre muitas outras
compulsões ou obsessões.

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91
2. SEQÜÊNCIA DE MÖEBIUS
A seqüência de Möebius, descrita em 1888 como paralisia bilateral dos
nervos cranianos VI (abducente) e VII (facial), determina na criança acometida um
fácies de máscara (ausência de expressão facial) e estrabismos convergente de ambos
os olhos (como se a criança estivesse o tempo todo olhando para a ponta do nariz).
É possível encontrar paralisias unilaterais (1).
A causa dessa anomalia congênita ainda não é totalmente esclarecida, mas
achados de autópsia demonstram existir hipoplasia ou mesmo agenesia dos núcleos
dos pares cranianos localizados no tronco encefálico, como conseqüência da necrose
secundária a distúrbios circulatórios do feto (2, 3).
É freqüente estar associado o comprometimento de outros pares cranianos
que tornam a síndrome ainda mais dramática, principalmente quando existe lesão
do XII par (hipoglosso) que determina hipoglossia e micrognatia. Observa-se
mandíbula pequena, com hipodontia e língua atrofiada, muitas vezes fixada ao
assoalho da boca e, não raramente, bifurcada. A criança apresentará comprometi-
mento na deglutição, mastigação e no desenvolvimento da fala (4).
A lesão de outros nervos cranianos, como o oculomotor e troclear (III e
IV nervos, respectivamente), pode resultar em ptose palpebral (impossibilidade de
elevar as pálpebras que ficam caídas) e oftalmoplegia completa (ausência de qualquer
movimento ocular). O comprometimento do trigêmeo (V Nervo) altera a
sensibilidade da face e a ação dos músculos da mastigação. O VIII nervo (vestíbulo-
coclear) pode ser acometido, levando a quadro de déficit auditivo (3).
Ataxia cerebelar por atrofia do cerebelo e hemiparesia devido a lesão da
via piramidal em passagem pelo tronco encefálico, são sinais e sintomas observados
esporadicamente (3).
Malformações distais nos membros são encontradas em cerca de um terço
das crianças afetadas, determinadas desde pés tortos congênitos, sindactilias (dedos
unidos), até ausência de dedos nas mãos e/ou nos pés (adactilia) (5).
A inteligência e a estatura costumam ser normais, mas as dificuldades de
deglutição/mastigação podem determinar um insatisfatório ganho de peso no
primeiro ano de vida. A socialização é bastante comprometida não só pela face
inexpressiva, mas também pelo atraso na aquisição da fala. Pior será o ajuste social,
quando da coexistência de malformações nas mãos e nos pés (5).
A seqüência de Möebius sempre foi considerada como rara e de aparição
esporádica em famílias normais. Entretanto, a observação do aumento no número de
casos novos notados pelo brasileiro Fonseca em 1991 (6), fez levantar a suspeita sobre a
associação desta síndrome com o uso do misoprostol (Cytotec®). Este medicamento é
indicado para o tratamento de gastrites e úlceras duodenais, mas a descoberta do seu uso

92
como abortivo altamente eficaz, fez com que algumas mulheres com gravidez indesejada,
a utilizassem por via oral e vaginal para conseguir a interrupção (orientadas por
pseudofarmacêuticos e curiosos do ramo). Nos casos em que o aborto não se concretizava,
o feto acabava por sofrer importantes alterações circulatórias, principalmente no tronco
encefálico, provocando o nascimento de crianças com seqüência de Möebius. Esta suspeita
foi confirmada posteriormente (7, 8).
Assim, hoje podemos nos deparar com crianças portadoras destas tão graves
malformações com uma freqüência maior, sendo imprescindível estabelecermos
condições de conhecimento pleno sobre a síndrome, tanto no aspecto de apresentação
clínica, como na forma de avaliar e acompanhar fonoaudiologicamente.
O que fazer com as crianças acometidas? As propostas terapêuticas vão
desde cirurgias ortognáticas miofuncionais (transposição de músculos temporais
para a face) (9,10), até condutas conservadoras, com tratamento unicamente clínico
(11-13)
e eletromioestimulação com feedback (14).

Figura 1. Criança portadora de seqüência de Möebius no inicio do trata-


mento, estando com a idade de seis meses
O trabalho fonoaudiológico baseou-se em terapia miofuncional, realiza-
do duas vezes por semana em consultório e diariamente, em quatro ocasiões,
exercícios aplicados pela mãe.
A família mudou-se para outro país e as orientações foram efetivadas através
da utilização de terminal computadorizado ligado a Internet, com trocas de
informações e fotos digitalizadas, semanalmente.
Hoje, após três anos, a criança tem controle perfeito da deglutição da
saliva, com as funções de mastigação e deglutição adequadas, vedamento labial
com competência mas sem estar automatizado. Mantém quadro de discreta ataxia
cerebelar, distúrbio articulatório para os fonemas bilabiais e melhora importante da
mobilidade da língua (Figura 2).

93
Figura 2. A mesma criança, estando com 2 anos e 10 meses, após um
período de dois anos com processo fonoterápico via Internet.

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94
3. HEMIATROFIA FACIAL PROGRESSIVA (SÍNDROME DE
PARRY-ROMBERG)
A hemiatrofia facial progressiva ou síndrome de Parry-Romberg é doença rara,
caracterizada por progressiva atrofia e deformação de um dos lados da face (excepcionalmen-
te é bilateral). Acomete parte ou todas as estruturas craniofaciais, incluindo a pele, tecido
subcutâneo, cartilagens, ossos, músculos, podendo atingir o parênquima encefálico. Quando
isso acontece, os sinais e sintomas mais freqüentes são: crises epilépticas do tipo Jacksoniana
contralateral, enxaqueca, distúrbios oculares (ptose palpebral, enoftalmia, dilatação pupilar,
congestão das conjuntivas, lacrimejamento e redução da acuidade visual) (1), hemiparesia
acompanhada ou não de afasia (2), incoordenação motora, deficiência mental, distúrbios
autonômicos (rinorréia, hiperidrose e fenômeno de Raynaud).
Acompanhando a hemiatrofia facial progressiva se observa, na maioria dos
casos, alterações na coloração da pele, que se torna levemente mais escura. Pode-se
encontrar outras alterações como alopécia local, esclerodermia, canície precoce e
desnivelamento inferior da pele. Estas não cruzam a linha mediana e a perda de
substância depende, principalmente, da atrofia do tecido gorduroso subcutâneo (3).
Além dos aspectos neurológicos, podem existir alterações que muito inte-
ressam ao especialista em fonoaudiologia: paralisia facial, afasia, espasmos do masseter
(4)
, oclusão dentária alterada, atraso na erupção dos dentes (5), espasmos faciais associ-
ados à neuralgia do trigêmeo (6), atrofia parcial e unilateral da língua, faringe e laringe
(7)
. Em alguns casos pode estar presente quadro de deficiência mental leve, determinante
de atraso na aquisição da fala e dificuldade de aprendizagem.
O curso clínico é insidioso e atinge, principalmente, a hemiface esquerda de
indivíduos do sexo feminino e jovens (entre 10 e 30 anos). Geralmente, inicia-se com
parestesia ou neuralgia no território do trigêmeo (3), ou alopécia localizada, mancha
cutânea na face, progredindo lentamente com desnivelamento da pele por atrofia da
gordura e dos músculos, respeitando a linha média. Pode estacionar ou progredir
atingindo os ossos, cartilagens e o sistema nervoso central (SNC) (2).
A etiologia permanece obscura e as hipóteses já levantadas foram: compro-
metimento exclusivamente trigeminal, causas infecciosas, imunológicas (esclerodermia),
traumáticas, malformação ectodérmica (doença neurocutânea ou facomatose) (8),
malformações vasculares (9-12), teoria endócrina, disfunção do sistema nervoso
autônomo, com hiper ou hipofunção simpática. A teoria mais discutida é a
trofoneurose, que atribui a atrofia hemifacial às lesões ou disfunções de vários nervos
tróficos ou centros tróficos encefálicos (hipotalâmico). Entretanto, o antecedente de
trauma facial é relativamente comum nos pacientes acometidos (13).
Os exames de imagens podem revelar atrofia óssea a até alterações encefálicas como
calcificações e lesões cerebrais assintomáticas (14). A eletroneuromiografia pode ser normal ou
mostrar sinais de denervação principalmente atingindo os nervos facial e trigêmeo.

95
Não existe tratamento específico, sendo recomendado cirurgia plástica
reconstrutiva nos casos severos com implantação de silicone (15), injeção de
micropartículas lipofilizadas, enxerto autólogo de derme e gordura ou transferência
de tecido vascularizado da região escapular.

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4. NEUROCISTICERCOSE
A neurocisticercose (NCC) é definida como uma infestação do sistema
nervoso central (SNC) pelo estágio larval do verme intestinal Taenia solium. A
contaminação ocorre pela ingestão dos ovos deste parasita, o que pode acontecer
pela higiene inadequada ou utilização de água e alimentos contaminados1. É consi-
derada a mais freqüente forma parasitária que acomete o SNC dos seres humanos e
tem alta incidência em países em desenvolvimento situados na Ásia, África e,
principalmente, na América Latina2,3.
O indivíduo portador da forma adulta da Taenia solium (teníase ou soli-
tária) no intestino não apresenta sintomas importantes, o que dificulta a identifica-
ção dos casos para possível tratamento e controle4. São eliminadas cerca de 1-5
proglotes por dia, e cada uma carrega cerca de 40 mil ovos férteis, que são muito
resistentes a condições adversas, permanecendo viáveis por mais de oito meses,
principalmente quando ocupam áreas quentes e úmidas. Isto explica o alto poten-
cial de infectividade do verme em desenvolver a fase larval no hospedeiro interme-
diário (porco) ou determinar NCC nos seres humanos3,5,6.
A Força-Tarefa Internacional contra a cisticercose, do Centers for Disease
Control and Prevention (1993)7, considerou a cisticercose como doença potencial-
mente erradicável. Foi praticamente eliminada na Europa após ter sido compreen-
dida pela população a forma de contaminação, a necessidade da inspeção da carne e
a orientação dos suinocultores para melhorar as condições de higiene no local de
criação dos porcos.
O comitê de prevenção da NCC da Academia Brasileira de Neurologia
vem desenvolvendo atividades desde 1988 na tentativa de erradicar a doença, tão
comum em nosso meio8-10.
A Federação Mundial de Neurologia denuncia o descaso dos governos no
combate da NCC e, em outubro de 1991, no VIII Congresso Pan-Americano de
Neurologia, redigiu a Declaração de Montevidéu, encaminhada à Organização Pan-
Americana de Saúde (Opas/OMS), na qual propunha as seguintes estratégias para o
controle do complexo teníase/cisticercose11,12:
PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO A LONGO PRAZO
• Legislação adequada para implantar a notificação compulsória do com-
plexo teníase-cisticercose;
• Aprimoramento das condições de saneamento ambiental;
• Educação sanitária da população;
• Modernização da suinocultura;
• Eficácia na inspeção da carne.

97
INTERVENÇÃO A CURTO PRAZO
• Tratamento da teníase em massa da população.
Róman et al.3 acreditam, fortemente, que seja incorreta a crença de que os
ovos de Taenia solium sejam transmitidos ao ser humano pelo ar ou pela água.
Estudos epidemiológicos demonstraram que os casos de NCC ocorrem em cen-
tros urbanos de alta densidade populacional, o que sugere que a infestação direta
desempenhe um papel importante. Postulam que a NCC é uma infestação que se
transmite de pessoa para pessoa, por via fecal-oral, a partir de portadores de teníase
intestinal. Recomendam combater a idéia, comum entre os próprios médicos, de
que a teníase ou solitária seja inofensiva e não necessite de tratamento. Os neurolo-
gistas, neurocirurgiões e médicos generalistas não podem deixar de supor que um
paciente com NCC provavelmente se infectou com alguém próximo. Recomen-
dam considerar a NCC como uma enfermidade infecciosa que tem como fonte de
contágio o ser humano e, para o controle, seguir os mesmos princípios
epidemiológicos utilizados habitualmente em outras doenças transmissíveis. O
fundamental é declarar a NCC como enfermidade de notificação obrigatória e que
todo caso novo receba uma intervenção epidemiológica para interromper a cadeia
de transmissão, aplicando as seguintes medidas:
• Busca, tratamento e notificação de portadores de teníase em torno do
paciente;
• Busca e tratamento de outros possíveis contatos;
• Educação da população sobre os mecanismos de transmissão e como
melhorar as condições de higiene e saneamento;
• Aplicação da inspeção das carnes e limitação do reservatório animal
por meio do tratamento dos porcos.
O Ministério da Saúde considera o Brasil todo como endêmica para
NCC . Mas os sistemas de saúde pública têm se mostrado inábeis em conseguir o
13

controle do complexo teníase/cisticercose14, pois os programas sugeridos pela


Organização Pan-Americana de Saúde, Organização Mundial de Saúde, Federação
Mundial de Neurologia e Academia Brasileira de Neurologia não estão sendo
aplicados, e o intuito de informar, controlar e erradicar a doença ainda está longe de
ser concretizado.

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99
5. ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM/FALA NA SÍNDROME DE
STICKLER
A síndrome de Stickler (artroftalmopatia hereditária progressiva) foi
descrita inicialmente como um distúrbio progressivo acometendo a visão de crian-
ças até 10 anos e degeneração precoce de várias articulações (1). Posteriormente, foi
também observado acometimento das vértebras e da audição (2). Devido à semelhança
com a síndrome de Wagner (degeneração hialoideorretiniana de Wagner), foi
sugerido, na década de 70, que se tratava na mesma afecção, fato este confirmado
por estudos histopatológicos (3,4). Novas características físicas foram sendo incluídas,
especialmente as alterações na constituição facial como micrognatia (seqüência de
Pierre Robin) (5), facies alongada/achatada, hipoplasia maxilar, fissura palatina (6).
A definição da variação das manifestações clínicas foram descritas após
avaliação de 612 portadores da síndrome de Stickler (6):
• distúrbios visuais em 95% (descolamento da retina em 60%, miopia
em 90% e cegueira em 4%) (Figura 1);
• anormalidades faciais em 84% (face achatada e/ou alongada,
micrognatia, fissura palatina);
• deficiência auditiva em 70%;
• problemas nas articulações em 90% (dor e/ou doença degenerativa);
• alterações ósseas em coluna espinhal (Figura 2).
Os estudos genéticos (7-13) determinaram a presença de alterações
cromossômicas em três locus diferentes: Stickler tipo I (mutação no gene COL2A1),
Stickler tipo II (mutação no gene COL11A1) e Stickler tipo III (mutação no gene
COL11A2). Portanto, trata-se de doença autossômica dominante.
A presença de deficiência auditiva e de dismorfismos faciais podem deter-
minar alterações no desenvolvimento da linguagem e da fala, tornando a síndrome
de Stickler uma doença genética que deve ser conhecida por audiologistas e
fonoaudiólogos(as) (14) .
Na maioria das vezes a inteligência é normal mas a presença de deficiência
auditiva e/ou de dificuldades articulatórias exige reabilitação fonoaudiológica em
praticamente todos os casos (15).
Mais especificamente, os distúrbios de fala são, em geral, decorrentes das
alterações da oclusão. Micrognatia, com ou sem mordida aberta esqueletal, é um
achado comum nesta síndrome, resultando em distorções de fonemas por protrusão
lingual. Em alguns casos, articulações compensatórias também podem ser secundárias
à presença de fissuras palatinas e insuficiência velofaríngea. A linguagem, por outro
lado, na ausência de deficiências auditivas, tende a se desenvolver normalmente (16).

100
As alterações auditivas foram avaliadas em 42 pacientes portadores da
síndrome de Stickler através de audiometria de tons puros, audiometria da fala,
testes de imitanciometria da orelha média, emissões otoacústicas, resposta auditi-
va de tronco encefálico, video-eletronistagmografia e tomografia computadorizada
do osso temporal. A perda auditiva é neurossensorial e atinge freqüências altas
(entre 4000 e 8000 Hz) e geralmente não é mais progressiva do que a perda
auditiva relacionada à idade. Existe hipermobilidade das estruturas da orelha média
e nada foi constatado de anormalidade tomográfica nas estruturas ósseas da re-
gião temporal. Pôde-se perceber, ainda, que a perda auditiva é maior nos tipos II
e III, sendo que no tipo I a perda é moderada e lentamente progressiva (17).
Na revisão bibliográfica utilizando o banco de dados Literatura Latino-
Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), constatou-se que, no
Brasil, existe apenas um estudo de caso ressaltando as alterações fonoaudiológicas
na síndrome de Stickler (18). Está relatada dificuldade de interação e de intenção
comunicativa, atenção reduzida, fala ininteligível e ecolalia.

Figura 1. Dismorfismo facial com facies achatado e nariz em sela. Presen-


ça de óculos de elevado grau devido a miopia.

Figura 2. Raios X de coluna vertebral torácica demonstrando alterações


nos corpos vertebrais.

101
CONCLUSÃO
Em primeiro lugar, fica clara a importância do fonoaudiólogo atuando
em equipes voltadas para o diagnóstico de alterações sindrômicas, como é o caso da
Síndrome de Stickler.
Também fica evidente a necessidade de uma avaliação fonoaudiológica
ampla e precisa, que leve em conta todos os elementos envolvidos na comunicação
verbal, desde os aspectos relativos à compreensão, até aqueles que dizem respeito à
expressão. Deve sempre ser considerado que, determinadas alterações, embora
possam ser as mais evidentes não são, necessariamente, as únicas que podem estar
ocorrendo.
É clara a necessidade de uma intervenção fonoaudiológica visando a
melhoria das condições apresentadas pelo portador, uma vez que algumas das
manifestações mais típicas da síndrome estão dentro do campo de atuação deste
profissional. Entretanto, somente uma avaliação apropriada pode permitir o di-
agnóstico fonoaudiológico correto o qual, por sua vez, irá determinar as caracterís-
ticas e a abrangência do programa terapêutico.

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103
6. SÍNDROME DE SOTOS
A Síndrome de Sotos é definida como uma doença endocrinológica de
etiologia desconhecida, caracterizada por gigantismo cerebral, fácies típica e defici-
ência mental. É uma condição rara, genética, que determina um excessivo cresci-
mento corpóreo durante os primeiros anos de vida, com rápido aumento de peso e
estatura, com medidas bem acima do normal (acima do percentil 95). Ironicamente,
este rápido crescimento é acompanhado por atraso no desenvolvimento cognitivo,
social e da aquisição da fala (1).
O tamanho excessivo da cabeça está presente desde o nascimento assim
como o peso e altura, usualmente com peso médio de 3.900 g e altura média de
55,2 cm (2). A suspeita deve ser levantada quando se associa palato ogival, hipotonia
e sucção débil, que podem resultar em problemas de deglutição e/ou respiração.
No adulto, a cabeça permanece visivelmente grande, mas o peso e a altura tendem
a se normalizar, principalmente nas mulheres; o paciente portador de Síndrome de
Sotos não é um gigante (3, 4).
As características mais marcantes são: gigantismo (em 100% dos casos),
fronte proeminente (em 96%), palato ogival (96%), hipertelorismo dos olhos
(91%), dolicocefalia (90%), deficiência mental (84%) (5), pés e mãos grandes
(83%), queixo ponteagudo (83%), fissura palpebral com inclinação mongólica
(77%), incoordenação motora fina/hipotonia (67%), erupção prematura dos den-
tes (57%), puberdade precoce (57%), atraso na aquisição motora da fala (57%) e
distúrbios oculares (47%) (6, 7).
Em muitas doenças genéticas as alterações somáticas são evidentes e não
exigem testes laboratoriais especializados (8, 9). Na Síndrome de Sotos isto não ocorre.
O diagnóstico, freqüentemente, só será firmado após decorridos alguns meses ou
até anos, quando se torna evidente o atraso motor e mental (10-12). A demora no
diagnóstico, inviabiliza os programas de estimulação precoce com fonoaudiologia,
terapia ocupacional, fisioterapia método Bobath e educação física adaptativa, que
possibilitam uma significante melhor adaptação do portador de Sotos, tanto no
aspecto social como cognitivo e motor (13, 14).
O atraso no desenvolvimento da linguagem/fala ocorre mesmo em crian-
ças com nível cognitivo normal (15-17). A capacidade receptiva (de entender o que
lhe é dito) tende a ser menos comprometida do que a capacidade expressiva (de
emitir os sons representativos de fala), favorecendo a hipótese de que o atraso depende
de uma dispraxia oral (18-20). Entretanto, Battaglia e Ferrari (1993) (21) encontraram
defeitos neurolingüísticos e não deram ênfase às condições práxicas, enquanto que
Finegan et al (1994) (19), após avaliarem 27 crianças, concluíram não existir nenhum
prejuízo específico.

104
As alterações miofuncionais na face, dependentes da hipotonia muscular,
são freqüentes e levam a observação de lábios permanentemente entreabertos, com
conseqüente excessiva babação. Acompanhando o quadro, existem alterações
craniofaciais que determinam uma aparência peculiar ao portador da Síndrome de
Sotos (22). Cole e Hughes (1994) (23), selecionaram e fotografaram 79 crianças com
idade entre um e seis anos, sob suspeita de serem portadores, apenas pelas
características faciais. As fotografias foram avaliadas por genetecistas e 41 delas foram
identificadas como Síndrome de Sotos, ou seja, caracterizavam uma gestalt facial
típica. Através de fotogramas seqüenciais, é possível verificar que estas característi-
cas faciais denominadas de “clássicas” pelos genetecistas, já estão presentes
precocemente na criança. Assim, os autores sugerem que a gestalt facial, seja
considerada como critério diagnóstico maior (1).

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106
7. NEUROFIBROMATOSE TIPO 1 (NF-1): ACHADOS
FONOAUDIOLÓGICOS
Os tecidos e órgãos que compõem o corpo humano derivam de três camadas de
células encontradas no embrião (os chamados folhetos embrionários): ectoderma, mesoderma
e endoderma. O ectoderma, camada mais externa, dá origem à pele e o sistema nervoso; o
mesoderma, camada mediana, origina o sistema circulatório (vasos sanguíneos e coração) e o
endoderma, camada mais interna, as vísceras, ossos e músculos.
As síndromes neurocutâneas, também denominadas de facomatoses, são
dependentes de alterações em um ou mais destes folhetos embrionários, determinan-
do doenças multissistêmicas, ou seja, com comprometimento em mais de um sistema,
órgão ou tecido do corpo. A sintomatologia é variada devido à possibilidade de
coexistirem múltiplos tumores benignos e cistos por todo o corpo, especialmente
sobre a pele, sistema nervoso e olhos. A apresentação clínica inclui um espectro de
variação muito grande, sendo freqüente o encontro de formas frustras, com discreto
comprometimento neurológico, até formas graves e letais (1).
O principal representante deste grupo é a Neurofibromatose ou Doença
de von Recklinghausen, desordem hereditária, de transmissão autossômica domi-
nante e dependente do acometimento do ectoderma e mesoderma.
As duas principais formas de apresentação são a Neurofibromatose tipo 1
(NF1) ou forma periférica ou clássica descrita por Von Recklinghausen e a
Neurofibromatose tipo 2 (NF2) ou forma central, que têm diferentes manifestações
clínicas. Elas não são distintas só nas suas características clínicas, mas também na localização
gênica. O gene da NF1 está situado no braço longo do cromossoma 17 (região q11.2)
e o da NF2 no braço longo do cromossoma 22 (região q11-q13.1) (2).
Para o diagnóstico, deve-se cumprir critérios especiais sugeridos pelo
National Institutes of Health (NIH-1987) (3), mas os principais sinais e sintomas
da NF1 são: manchas café-com-leite (Figura 1) e neurofibromas distribuídos pelo
corpo, lesões ósseas, glioma do nervo óptico, hamartomas de íris, entre outros.

Figura 1. Manchas café-com-leite no dorso de criança portadora de


Neurofibromatose tipo 1 (NF1)

107
As manifestações neurológicas dependem da presença do tumor no siste-
ma nervoso periférico (neurofibromas) e do hamartoma ou tumor glial no sistema
nervoso central (SNC) (glioma do nervo óptico e, raramente, tumor encefálico do
tipo astrocitoma pilocítico fibrilar). Observam-se outros sintomas que dependem
de um distúrbio generalizado do SNC, como deficiência mental (presente em cerca
de 40% dos pacientes); demência com ou sem sintomas autísticos (em cerca de 8%
dos casos) e epilepsia (em 3 % dos acometidos) (4).
Outras manifestações de comprometimento do SNC, bem menos dra-
máticas e, portanto, bem menos valorizadas pelos neurologistas, são encontradas
nas crianças. Chama a atenção a alta incidência de atraso na aquisição da linguagem/
fala, dificuldade específica no aprendizado da leitura e escrita, hiperatividade,
desatenção e distúrbios no comportamento. A incidência de inadequado aprendi-
zado escolar ocorre em cerca de 45% das crianças com NF1 (5-14).
Eliason em 1986 (5), foi um dos primeiros a relacionar a NF1 com difi-
culdade específica no aprendizado da leitura/escrita e distúrbios comportamentais.
Realizou testes psicológicos em 23 crianças portadoras e encontrou deficiente
capacidade visuo-perceptual em 56% (13 em 23) e atraso na aquisição da fala em
30% (7 em 23). Naquela ocasião, sugeriu que os especialistas tivessem o cuidado
de incluir na anamnese, questionamentos sobre o desenvolvimento da linguagem/
fala, do aproveitamento escolar e da existência de problemas comportamentais.
Em 1988 (15), publicou novas observações comparando 32 crianças com NF1 e
problemas de aprendizagem escolar, com outros estudantes com dificuldade de
aprendizado mas sem doenças médicas ou genéticas. Concluiu que a NF1 é uma
forma distinta na categoria dos déficits de aprendizagem, representando um fator
causal específico e recomendou considerar a NF1, por si só, como uma das causas
de dificuldade na aprendizagem escolar.
Vernhagen et al (1988) (16) confirmou que as crianças com NF1 apresenta-
vam quadros leves de comprometimento mental, particularmente em termos de
integração visuo-espacial, determinante de uma forma específica e diferenciada de
dificuldade na aprendizagem, sendo mais acentuada nos quadros mais severos.
Assim, a inadequação na aprendizagem escolar, nos portadores de NF1,
passou a ser considerada por alguns autores como específica e, caracteristicamente,
dependente de uma forma de déficit de integração visuo-espacial (6,14,17,18). Entretanto,
North et al (1995) (19) avaliaram 51 crianças com NF1 e não encontraram dados
que permitissem acreditar que existisse correlação causal entre a deficiente capacidade
visuo-espacial e a dificuldade escolar. Brewer et al (1997) (13) realizaram avaliação de
105 crianças e adolescentes com NF1 associado a dificuldade escolar e encontraram
uma taxa muito baixa de comprometimento da capacidade visuo-espacial (menos
de 10%), sendo 27% (29 em 105) normais neuropsicologicamente e 33% (35 em

108
105) com deficiências acadêmicas globais. Finalmente, Cutting et al (2000) (20)
afirmaram que, comparado com crianças normais, as acometidas com NF1 têm
dificuldades visuo-espaciais, mas em menor porcentagem do que o observado em
crianças portadoras de dificuldade escolar sem patologia médica ou genética.
O fator determinante da dificuldade escolar observada entre as crianças
com NF1, ainda não está esclarecido mas existem pesquisas demonstrando haver
relação com a falta de ativação dos astrócitos cerebrais pela neurofibromina (21),
presença de megencefalia (22, 23), diminuição das conexões sinápticas que convertem
a memória imediata em memória permanente (24), distúrbio genético grosseiro
proveniente da linhagem materna (25) e presença de epilepsia (26). Em todas estas
pesquisas, o ponto em comum, é a hipótese da existência de um defeito genético
específico da via que depende da ativação de neurotransmissores, de fatores de
transcrição nuclear e de receptores de fatores de crescimento, que têm sua disfunção
associada a deficiência mental e a dificuldade de aprendizagem.
Os exames de neuroimagem utilizando a Ressonância Magnética Encefálica
(RME), demonstraram lesões caracterizadas por aumento do sinal em T2 em cerca
de 70% dos casos de NF1 (Figura 2). Entretanto, não foi possível estabelecer uma
correlação entre a localização da lesão com dificuldade na aprendizagem, distúrbios
no comportamento ou anormalidades perceptuais visuo-motoras. Também não se
estabeleceu correlação entre o número de lesões e o sexo, idade, estado
socioeconômico, macrocefalia ou severidade da doença. Pôde-se perceber significante
correlação entre o maior número de lesões captadas na RME com o menor coeficiente
de inteligência e maior atraso na aquisição da linguagem/fala (10-12, 27).
CONCLUSÃO
Os portadores de NF1, em graus variáveis, apresentam em termos de

Figura 2. Ressonância Magnética Encefálica, em cortes axiais, na aquisi-


ção flair, onde é possível observar lesões de substância branca.

109
desenvolvimento da linguagem oral, do aprendizado da linguagem escrita e da
aprendizagem em geral, distúrbios que limitam o desempenho escolar.
As alterações da linguagem oral estão mais centradas em aspectos do
conteúdo, que se manifestam na forma de dificuldades em termos argumentativos
enquanto aspectos morfo-sintáticos e pragmáticos estão mais preservados.
A fala de alguns dos sujeitos apresenta discretas alterações, indicando que
esta também pode ser mais uma das áreas atingidas por tal patologia.
Dificuldades significativas se manifestam na aprendizagem da linguagem
escrita, parecendo haver uma restrição quanto a compreender as relações entre os
elementos sonoros das palavras e as letras que os representam, resultando em níveis
muito elementares de conhecimento da escrita.
A formação de noções quantitativas e a habilidade para operar com nú-
meros se mostra de forma consistente, como um dos aspectos possivelmente mais
prejudicados pela NF1, o que pode ser devido ao fato dos portadores apresentarem
algumas restrições do ponto de vista cognitivo, caracterizadas por dificuldades para
consolidar formas operatórias de pensamento.
As dificuldades escolares parecem refletir as restrições de ordem cognitiva
e lingüística que os sujeitos apresentam.
Por ser um problema de ordem constitucional, que se manifesta muito
cedo em termos de alterações no desenvolvimento, há possibilidades de se realizar
diagnósticos precoces. O fonoaudiólogo é um elemento chave na equipe de diag-
nóstico, dado o perfil das alterações encontradas. Há necessidade de se criar proce-
dimentos de intervenção terapêutica, com enfoques no desenvolvimento da
linguagem oral e escrita, assim como em aspectos cognitivos, tendo em vista facili-
tar e potencializar a evolução destes sujeitos, minimizando os problemas comumente
encontrados. Entretanto, tal intervenção só poderá ser efetiva na medida em que os
diagnóstico sejam realizado com precisão e precocemente.

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