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PROPOSTA DE UMA METODOLOGIA PARA USO DO CONFRONTO DE

PADRÕES (“PATTERN MATCHING”) NO ENSINO DE NEGOCIAÇÃO

1 - Introdução.

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise exploratória sobre a prática de confronto de
padrões no ensino de negociação com o uso de filmes.

2 - O problema de ensinar negociação.

Alguns autores já evidenciaram a complexidade associada ao ensino e aprendizado de


negociação1. Trata-se de um assunto especialmente difícil de ser ensinado, porque os alunos
(de graduação, de pós-graduação ou mesmo executivos em um programa de treinamento) de
alguma forma já sabem como negociar quando chegam ao curso; cresceram em um ambiente
rico em comunicação e em interações, que moldam seu cérebro e o modo como percebem o
mundo, isto é, a realidade. Eles têm experiência, mas provavelmente não têm perícia 2.
Aquilo que conhecemos, para os fins deste trabalho, pode ser tipificado como segue (Schank
& Cleary, 1995):
a) Fatos. Um fato pode ser expresso por afirmações do tipo: “Brasília é a capital do
Brasil. Conheço João.”
b) Casos. São as histórias que conhecemos. Correspondem, por exemplo, aos ‘cases’
sobre uma empresa ou situação.
c) Habilidades. São conhecimentos mais complexos, como saber dançar ou saber
consertar o motor de um carro.
d) Processos. Este tipo de conhecimento está um nível acima do anterior, no que diz
respeito ao grau de complexidade. São exemplos de processos: concorrer a um
cargo, participar de um jogo de poder, comunicar-se e relacionar-se com outras
pessoas, negociar.
É freqüente entre professores concentrar a atenção no ensino de fatos, em parte porque é fácil
discorrer sobre eles e avaliar os alunos sobre os mesmos. Fatos tomados isoladamente,
entretanto, são de pouca ou nenhuma utilidade no aprendizado de negociação e mesmo na
vida prática; devem ser compreendidos no que têm de geral e de particular, contextualizados e
indexados para que possam servir como instrumento para o agente lidar com o mundo 3. A
prática de situações de ensino-aprendizagem, porém, tem mostrado com freqüência que falta
ao aprendiz a capacidade e o treino necessários para associar o que é visto em um curso com
situações práticas, dada a carência de perspectiva e de profundidade4.
O ensino de negociação pressupõe que o aprendiz passe a ter a opção de novos
comportamentos e incorpore novas habilidades àquelas que já possui. Alguns cursos de
negociação comercializados em treinamento empresarial têm o título de “Técnicas de
Negociação”; tal título tem implícita a idéia de que, para atender àquelas finalidades, é
possível ao instrutor transmitir recomendações práticas sobre como proceder para negociar

1
V. Mathias et allii (1994), para uma análise mais detalhada deste problema.
2
Bazerman & Neale (1995) discutem a diferença entre experiência e perícia (v. cap. 12).
3
Como pondera Ellis (1994): “ ‘One of the problems that business has is that new employees come in with a school mind-
set’, says GE Capital Corp. Senior Vice-President James A . Colica. ‘They don’t understand things, they just repeat them
by rote.’”

4
Ou, em outras palavras, falta fazer a ponte entre conhecimento ‘primário’ (a teoria, o que se aprende a partir dos livros)
e conhecimento ‘secundário’ (a verificação dos limites e da aplicabilidade da teoria à prática; (Russo & Schoemaker,
1989).
melhor. Parte-se do entendimento de que é possível melhorar o desempenho como
negociador através da memorização de certos fatos associados àquelas recomendações.
Uma vez que o que sabemos basicamente toma a forma de histórias (Schank, 1990), parece
lícito supor que o ensino de negociação por meio de exemplos e de histórias ou casos pode ser
um caminho produtivo para discutir e incorporar a teoria ao repertório cognitivo do aprendiz.
Com efeito, tal caminho em geral é muito usado, consistindo basicamente de narrativas de
exemplos ou histórias por parte do professor, ou então do uso de casos escritos para discussão
em classe.
Pesquisas têm demonstrado que, comparado a métodos diretivos de ensino, sob certas
condições o emprego do caso pode contribuir para que o aprendizado se dê com maior
retenção. Não se trata de problema destituído de importância: quando a aula expositiva é o
modo dominante de ensino, os alunos esquecem até 50% do conteúdo aprendido em alguns
meses (Garvin, 1991).
São variadas as formas pelas quais um caso pode ser empregado como ferramenta de aula:
- Exposição;
- teorização de um conceito;
- ilustração de uma situação;
- coreografia (Rangan, 1995).
Um outro modo de transmitir histórias e casos é usar filmes.

3 - Por que empregar o confronto de padrões no ensino de negociação.

Optamos por traduzir “pattern matching” por “confronto de padrões”. A expressão pressupõe
que padrões sejam antes reconhecidos, e depois cotejados. O termo “pattern” em inglês tem
um significado rico: modelo, plano, classe, tipo, amostra, modo regular de agir ou fazer, rota
prescrita ou previsível e outros (Guralnik, 1986). Um padrão pode ser entendido como um
arranjo específico e não casual de objetos ou elementos que podem ser encontrados tanto na
teoria quanto na realidade5. Neste trabalho estaremos interessados no ‘modo regular de agir
ou fazer’, que está presente em situações de negociação e é neste sentido que nos referiremos
a ‘padrões de negociação’.
Praticamos reconhecimento de padrões todos os dias, sob diversas formas6. Seja no plano dos
conceitos, dos eventos ou dos processos, cada pessoa dispõe na mente de um repertório
comparável a um estoque de padrões. Pela interação com o mundo real, tal estoque está em
contínua reformulação e as possibilidades de leitura da realidade são infinitas.
Na medida em que auxilia na filtragem e na renovação desse repertório, o uso de filmes
contribui para ampliar o arsenal de que o sujeito da aprendizagem pode lançar mão para lidar
com diferentes situações.
Pela confrontação entre padrões de constructos e observações da realidade pode-se avançar na
validação desses constructos; caso porém se esteja lidando com conceitos já validados, o
avanço pode se dar na familiaridade com a aplicação desses conceitos. A tarefa de um
pesquisador normal, no sentido kuhniano, reside em tentar confirmar na observação da
realidade os padrões que sabe existirem na teoria7 para atestar sua correção, corrigi-la ou
reformulá-la. De um aluno em situação de aprendizado pode-se esperar que encontre na
5
Trochim (1997) comenta que as teorias implicam certos padrões, mas não se confundem com eles. As teorias não se
encontram fora da realidade, mas pertencem à dimensão das idéias.

6
Bush (1996) refere-se à atividade de leitura como um processo de pattern matching que envolve múltiplos níveis:
“Elementary features (letters and words) activate specific neuronal elements in visual cortex, tuned to respond to precisely
these stimuli. (...) The process of understanding is neurally the same process as perception - matching input patterns to
already existing patterns in each cortical area”.
realidade padrões que consiga associar com os da teoria que esteja a estudar. A confrontação
de padrões corresponderá, em ambos os casos, à tentativa de vincular um padrão teórico e um
observado na realidade. Na figura 1 temos que a tarefa de conversão de idéias em padrões
teóricos precisa ser completada pela organização de dados observados em padrões de
observação, para que a comparação entre ambos seja possível.

Figura 1 - Confronto entre o campo teórico e o da observação

Campo teórico
TEORIAS, IDÉIAS E CONCEPÇÕES

ELABORAÇÃO DOS CONCEITOS

PADRÃO TEÓRICO

CONFRONTO
Campo da observação

PADRÃO OBSERVADO

ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES

OBSERVAÇÕES, MENSURAÇÕES
(INFORMAÇÕES)

[Adaptado de Trochim (1997)]

Quer tenhamos consciência disso ou não, a tarefa de comparar teoria e fenômenos se faz por
meio do mapeamento de um sistema de conceitos, análise dos dados disponíveis e

7
Volz (1996) descreve pattern matching como simplesmente um confronto entre quaisquer padrões; “(...) in the case of
evaluation, the patterns are those of the theory as visualized and the outcome revealed in the post-tests”.
estabelecimento de relações entre os conceitos mapeados e os dados analisados com vistas ao
reconhecimento e à comparação de padrões eventualmente existentes.
Reconhecer e confrontar padrões são práticas significativamente discutidas e disseminadas já
há algum tempo nas ciências físicas; na área das ciências humanas seu uso sistemático é
menos comum, muito embora tenha sido preconizado há algum tempo8. Yin (1989: 33) se
refere ao uso de “pattern matching” como uma idéia de Donald Campbell: “... whereby
several pieces of information from the same case may be related to some theoretical
proposition.”
Exemplos do emprego de pattern matching estão presentes na biologia molecular 9, na
construção de linguagens de programação10, no projeto de softwares para mapeamento de
conceitos11, na resolução de problemas geométricos12 e na inteligência artificial13 , só para
citar algumas possibilidades concretas e de fácil entendimento.
Em um grau elevado de abstração, por outro lado, podemos situar o reconhecimento de
padrões como idéias presentes em formas refinadas de construção e representação mental.
Uma modalidade especialmente complexa da interpretação de conjuntos de signos de uma
obra (uma novela, um romance ou um filme, por exemplo) está na percepção de metáforas
como parte da mensagem, a partir de certos padrões que são tratados pelo interpretador como
indícios dotados de significado simbólico. Elementos da obra podem ser entendidos, por
exemplo, como manifestações da cultura; podem estar a expressar, com limitações, traços da
ética dominante e servir de base para seu próprio questionamento. Nesse caso a perspectiva
escolhida pelo autor para interpretação, sua visão de mundo e os objetivos da análise
compõem um conjunto ao qual o conteúdo está inextricavelmente ligado14. Conquanto
subjetiva, a interpretação e suas conclusões não são exclusivas do autor: o observador da
realidade estará operando de forma científica se, dentre outras coisas, suas constatações

8
Na área de humanas, ao que nos consta, uma das primeiras citações sobre o potencial do uso deste método de análise
deve-se a Bateson (1972). Note-se, entretanto, que este autor refere-se ao uso de “pattern matching” de um modo geral e
pouco preciso em vários trechos do livro citado. Em um livro posterior, este autor faz a seguinte pergunta: “What pattern
connects the crab to the lobster and the orchid to the primrose and all the four to them and me? And me to you? And all
the six of us to the amoeba in one direction and to the back-ward schizophrenic in another?” (Bateson, 1979; pág. 8).
Neste contexto, o autor está-se referindo ao “pattern wich connects”, que corresponde à grande relação sistêmica
existente, neste caso, a todas as formas de vida.

9
É o caso do Stefan Kurtz Project, no Arizona. V. URL: <http://cs.arizona.edu/personnel/kurtz.html>.

10
Um exemplo é a Refus Functional Programming Language. V. URL: <http://cognac.informatik.uni-
kl.de/persons/reinhard
/refus.abstract.html>.

11
Um exemplo de software concebido para esse fim é o Metamorph:“Metamorph locates intersections of concepts in text
(...)”. V. URL: <http://www.vais.net/~ppptac/meta.htm>.

12
Uma aplicação a problemas de geometria pode ser encontrada em URL:<http://www.dei.unipd.it/english/rpd/activities
/cj/concepts/F.2.2.html>.

13
Teixeira (1996) qualifica a inteligência artificial como uma disciplina em crise, pela incapacidade de reconhecer
padrões visuais.

14
Matthew Shirts(1997), ao comparar dois filmes, faz comentário bem-humorado quanto às diferenças de
perspectiva no reconhecimento da expressão metafórica de elementos culturais. Ele próprio faz referência a
artigo de Roberto da Matta que mostra pela análise de uma narrativa romanceada a ambigüidade como
característica da cultura brasileira.
obedecerem ao princípio epistemológico da consensibilidade15, isto é, deverá ser capaz de
reconhecer padrões também reconhecíveis por outras pessoas.
Uma aplicação muito apropriada, embora não rotulada como “pattern matching”, foi a
apresentada por Zusman (1994) em análise de filmes que teve por base de referência o
arcabouço de conceitos freudianos; nesse estudo, procedeu à decodificação das mensagens
contidas em cenas e na estrutura narrativa tendo por base um sistema de conceitos
preexistente e consagrado.
Em atividades de aprendizado, há situações que requerem antes enquadramento que análise;
nelas, é menos necessário descobrir vínculos causais, explicar fenômenos ou entender
processos do que reconhecer padrões capazes de orientar ações.
A aplicação do conhecimento adquirido pela educação requer, por sua vez, o reconhecimento
de situações, eventos ou processos para os quais um tipo de ação seja apropriado e a
comparação deles com o conjunto de alternativas práticas disponíveis. Estamos nos referindo
à detecção de condições mínimas para que certa prática se verifique e também à percepção de
nuances e traços distintivos de uma situação que um indivíduo não preparado poderia ter
dificuldade em perceber. A decisão por certo curso de ação deve partir da escolha do tipo
(gênero) e da modalidade (específica) de ação requerida, a qual se faz baseada em certos
indícios que requerem alguma espécie de preparo anterior.
Percebem-se vantagens no emprego consciente de instrumentos para que o reconhecimento e
o confronto de padrões se dêem de forma organizada; o pressuposto, no caso de negociação, é
que existem regularidades que podem ser descobertas pelo aprendiz se for suficientemente
ensinado quanto à maneira de o fazer. Uma das vantagens de instrumentalizar o uso do
reconhecimento e o confronto de padrões como método de análise é que esse processo
permite transferir para o aprendiz parte da responsabilidade pela aquisição de conhecimento,
incentivando assim o aprendizado ativo.
O processo de enquadramento de situações em um arcabouço conceitual pode ser subdividido
em cinco processos mentais distintos, a saber: (1) pré-seleção do objeto; (2) reconhecimento;
(3) comparação; (4) mensuração do grau de semelhança; (5) indexação. Para levar a cabo
esses processos mentais, a instrumentalização de um processo de pattern matching pode ser
pensada do seguinte modo:
a) Inicialmente é necessário um conjunto de esforços prévios de conceptualização,
situados fora do contexto da situação, mas organizados de forma a ser possível para o
aprendiz lidar com os conceitos;
b) a organização dos conceitos sob a forma de mapeamento, de maneira a facilitar o
trabalho posterior de detecção de padrões;
c) a triagem dos dados, tendo por referencial um padrão preliminar menos seletivo;
d) o registro sistemático e detalhado dos dados disponíveis;
e) comparação sistemática entre os conceitos mapeados e cada situação registrada;
f) detecção de relações, por similaridade, entre conceitos e situações;
g) avaliação organizada das semelhanças entre conceitos e situações;
h) esforço de síntese, sob a forma de retorno interativo ao arcabouço que serviu como
estrutura de referência para avaliação dos padrões encontrados em termos de convergência e
buscando construir um quadro de contextualização.
Acredita-se que seqüência semelhante de passos possa ser empregada na análise de
fenômenos, situações ou processos de espécie variada. Seja quantitativa ou qualitativa a
pesquisa, caberão ao pesquisador os cuidados quanto ao emprego de formas confiáveis de

15
Mariconda (1996) explica que a tese da consensibilidade perceptual se apóia “numa faculdade comum a todos os
homens: a capacidade de reconhecimento de padrões”. Diz ainda que “é consensual (objetivo) o que pode ser testado por
qualquer um”.
representação da realidade e quanto ao emprego de um processo de mapeamento de conceitos
que não distorça o arcabouço original.

4 - O uso de filmes.

O uso de filmes em educação e em treinamento é antigo. Sua forma mais comum é o emprego
de filmes concebidos e produzidos especificamente para fins de treinamento e/ou ensino.
Usam-se também obras cinematográficas para o mesmo fim. Filmes como ‘Doze homens e
uma sentença’ (para mostrar a mudança de ponto de vista e negociações) ou ‘Almas em
chamas’ (para mostrar problemas relacionados com liderança) vêm sendo utilizados há muito
tempo16. Da mesma forma, usam-se cenas de diferentes filmes de cinema para ilustrar ou
basear a discussão acerca de certo assunto (Oliveira, 1996; 1997).

5 - Aplicação do método do confronto de padrões na ausência de uma metodologia explícita.


As tentativas de implementar um modo de confrontar padrões, feitas sem o uso de uma
metodologia adequada, têm apresentado resultados insatisfatórios em disciplinas de
negociação nos cursos de graduação; os alunos não entendem exatamente o que se espera
deles e isto provoca enorme ansiedade. Em uma turma de 42 alunos aos quais se pediu que
catalogassem cenas associadas aos conceitos dos livros, apenas 3 conseguiram executar a
tarefa de modo adequado. Em uma turma de pós-graduação, os resultados foram semelhantes:
de 12 alunos, apenas 1 conseguiu; em outra turma de 18 alunos, somente 3 o conseguiram.
Tais resultados, apesar de corresponderem a evidências anedóticas e não a um experimento
delineado com rigor, servem como indicação do problema cognitivo que representa a
percepção de uma regularidade para o observador não treinado. E apontam para a
necessidade de dispor de uma metodologia para observação e enquadramento.

6 - Proposta de uma metodologia para se fazer o reconhecimento e o confronto de padrões em


negociação.

Estamos propondo uma metodologia para reconhecer e confrontar padrões no contexto do


ensino de negociação, com o auxílio de filmes nos quais situações de negociação se fazem
presentes. Para executar as tarefas de seleção e análise das situações de um filme, sugerimos
os seguintes passos:
I) Sumarização do roteiro do filme, dividindo-o em cenas a serem indexadas pela ordem,
pelo horário de início e pelos pontos da fita em que estão compreendidas;
II) sumarização dos conceitos de negociação que serão o objeto da análise (em geral,
conceitos de uma certa linha de pensamento, escola ou conceitos retirados de
diferentes autores);
III) seleção, dentre as cenas do filme, daquelas que serão objeto de análise; elaboração de
uma versão sumarizada de cada cena analisada, para composição do corpo da
análise;
IV) elaboração de uma Tabela de Referência Cruzada, ligando os conceitos e idéias às
situações do filme escolhidas para análise;
V) comentário de cada cena escolhida, à luz dos conceitos;
VI) elaboração de uma síntese das observações.
16
Mais recentemente a série de televisão ‘Star Trek - a Nova Geração’ foi incorporada ao conjunto de opções
recomendadas para estudo do tema liderança (Roberts & Ross, 1995).
7 - Exemplo de aplicação com o filme: Os Senhores do Holocausto (“Day One”).

O filme “Day One - Os Senhores do Holocausto” retrata o projeto de construção e lançamento


das duas primeiras bombas atômicas, comandado pelo general Leslie Groves e pelo físico
Robert Oppenheimer. Com roteiro de David Rintel, baseado em livro de Peter Wyden,
reconstitui um momento crucial da história da civilização, com grande profundidade política
e psicológica. Está dividido em duas partes, a segunda das quais estruturada em torno das
decisões sobre o bombardeio de Hiroshima, e há poucas referências ao lançamento da bomba
sobre Nagasaki.
Esta análise busca exemplificar o emprego de instrumental de confronto de padrões em cenas
de um filme nas quais são representados diferentes tipos de negociação. As decisões
referentes à construção e ao uso da bomba atômica na Segunda Guerra foram precedidas por
negociações e avaliações estratégicas feitas sob condições de conhecimento limitado, elevada
incerteza e alta volatilidade. Exemplo modelar de processo complexo e cujos determinantes
se alteram ao longo de seu desenvolvimento, o conjunto de negociações teve vários agentes
interagindo com interesses diferentes.
Tentativas de reconhecer intuitivamente padrões presentes em situações, embora possíveis,
podem implicar em ineficiências no que diz respeito ao enquadramento dos fenômenos aos
conceitos desejados. Ao desprezar um conceito presente na estrutura de referência escolhida,
ou ao deixar de lado um fenômeno que poderia ser enquadrado nessa estrutura, o aprendiz
perde na compreensão do fenômeno; pode deixar de reconhecer atributos importantes do
objeto, ressentindo-se disso qualquer intenção de crítica.
Na presente análise, procura-se mostrar as vantagens em dividir de forma sistemática as
tarefas de mapear conceitos e registrar fenômenos, para só então proceder às comparações
necessárias ao reconhecimento e ao confronto de padrões.
Nesta análise, vincularemos situações escolhidas do filme ao arcabouço proposto pelos
autores. As idéias a que referimos serviram de referencial analítico para os comentários.
A aplicação da metodologia proposta foi feita do seguinte modo:

I ) Sumarização do roteiro e resumo das cenas

Neste caso, por questão de economia, optamos por apresentar um sumário apenas das
cenas diretamente relacionadas com a análise em pauta.
Os entendimentos sobre a construção da bomba atômica e seu lançamento envolveram
grande número de negociações, que ganham sentido se entendidas em seu conjunto.
Apresentamos a seguir uma breve indicação das principais cenas do filme, que facilitará para
o leitor a tarefa de se situar em relação ao contexto das situações escolhidas para análise. Para
identificação das cenas, escolhemos um sistema de codificação formado por três termos
indexadores, separados por um ponto, como segue:

a) cena - indicada por número romano;


b) minuto do filme em que a cena tem início;
c) número apontado pelo conta-giros.

Exemplo: Cena V. 17.1251 - Quinta cena, iniciada aos dezessete minutos, aos 1251
giros da fita.
CENA DESCRIÇÃO SUMÁRIA
V. 17. 1251 Coronel Groves, do Exército dos EUA, é indicado para
organizar a operação de pesquisa. Pede para ser nomeado
general, o que facilitaria o processo. É-lhe sugerido criar uma
comissão com sete a nove pessoas; prefere que sejam somente
três.
X. 31. 2048 Cogita-se desenvolver a bomba em Chicago. Groves é alertado
para os supostos riscos da empreitada.
XI. 33. 2048 Groves comunica ao cientista uma nova política: não deverão
mais discutir uns com os outros as descobertas. Szilard se
revolta, e Groves recorda que o único objetivo ali é construir a
bomba.
XXVI. 88. 4517 Cogitado o uso de escudos explosivos no processo de implosão.
Formam-se novas equipes, com mais pessoas e equipamento.
XXX. 106. 950 Cientistas sugerem a possibilidade de que a bomba não seja
usada. Groves dá a medida de seu comprometimento: dois anos
e US$ 2 bilhões.
XL. 121. 1830 Anunciada a rendição da Alemanha. Surge a idéia de
bombardear o Japão. Estudam-se alternativas. Groves confirma
a continuidade da guerra.
XLII. 124.2040 Cientistas pedem ao governo que esclareça a posição quanto ao
lançamento da bomba. Analisa-se o tempo que a União
Soviética levaria para desenvolver a bomba. Pondera-se que a
Checoslováquia possui urânio. Discutem-se prós e contras de
divulgar a existência da bomba. Comentam-se os US$ 2 bilhões
gastos no projeto e o poder dissuasivo da bomba em relação aos
soviéticos.
XLIII. 128. 2250 Em reunião da comissão, Oppenheimer fala do poder de
destruição da bomba de plutônio, e dos estudos sobre a bomba
de hidrogênio. Estuda-se a possibilidade de convidar cientistas
russos para um teste. Estudam-se as conseqüências de lançar a
bomba no Japão, e a possibilidade de um aviso anterior ao
lançamento (que é descartada por acabar com o efeito surpresa).
Cogita-se fazer uma demonstração.
XLVII. 145. 2990 Estuda-se a possibilidade de fazer demonstração da bomba para
induzir os japoneses à rendição. Oppenheimer comenta a
possibilidade de falha. Estuda-se a possibilidade de dar um
aviso prévio acerca do bombardeio, rejeitada. Decide-se que
não haverá demonstração nem aviso prévio e que a rendição
deverá ser incondicional. Comenta-se que os japoneses são
dados a atos irracionais (suicídio em massa). Surge a estimativa
de 1 milhão de baixas em caso de invasão ao Japão, sobre a qual
pairam dúvidas. Decidem-se os termos do relatório para o
Presidente.
XLVIII. 148. 3100 EUA dominam a situação, uma vez que o bloqueio militar do
Japão funciona a contento. Discute-se o número de baixas
previstas no caso de invasão do Japão. Compara-se com invasão
das Filipinas. Cogita-se o bloqueio, que é visto como ato
covarde. Analisa-se a possibilidade de avisar aos japoneses da
existência da bomba. Estuda-se a alternativa de oferecer termos
honrados de rendição. Ressalta-se o fato de que foram gastos
três anos e US$ 2 bilhões. Estabelece-se que o objetivo é acabar
com a guerra o mais breve possível, salvando a vida de
americanos. Alguém sugere que a decisão está sendo
direcionada por preconceito e pela mágoa com a invasão de
Pearl Harbor.

II) Seleção dos conceitos de negociação

Nos capítulos 5 a 10 de “Negociando Racionalmente” Bazerman e Neale (1995) referem-se à


forma de estruturar as negociações, às conseqüências de se apegar à informação disponível
e ao problema de não adotar a ótica do outro lado no processo. Os autores aludem ainda ao
problema do excesso de confiança e às duas dimensões (integrativa e distributiva) das
negociações.

III ) Seleção das cenas

Escolhemos para comentário as seguintes cenas, a que atribuímos nomes para facilitar a
identificação:

Cena Nome
V. 17. 1251 Montando a Equipe
X. 31. 2048 Encontro em Chicago
XI. 33. 2048 Discurso sobre o Método
XXVI. 88. 4517 Novos Rumos
XXX. 106. 950 Nova Ancoragem
XL. 121. 1830 A Guerra Continua
XLII. 124. 2040 Analisando a Situação
XLIII. 128. 2250 Avaliando as Conseqüências
XLVII. 145. 2990 Discutindo Alternativas
XLVIII. 148. 3100 Ponderando Implicações

As cenas foram escolhidas em função de sua condição de espelhar os conceitos previamente


selecionados, e não em razão de sua importância para o desenvolvimento do roteiro do filme.
Dentre as cenas escolhidas estão aquelas que foram cruciais para as decisões acerca da
construção e lançamento da bomba atômica17.

17
Como notação de referência, usamos a sigla “BN”, que significa: “Bazerman e Neale (1995). Negociando
Racionalmente.”
TABELA DE REFERÊNCIA CRUZADA: BN X SITUAÇÕES DE NEGOCIAÇÃO

Cena V X XI XXVI XXX XL XLII XLIII XLVII XLVIII


Minuto do Filme 17 31 33 88 106 121 124 128 145 148
Conta-Giros 1251 2048 2048 4517 950 1830 2040 2250 2990 3100
Forma de estruturar afeta disposição de chegar a um acordo (p. 48) X X X
Comportamento em relação a risco é determinado pelo equivalente de certeza (p. 52) X
Cap. 5 Estruturação afeta preferência por risco (p. 52)
(Estruturando as Efeito de dotação (laços emocionais) afeta posição do negociador (p. 53) X X
Negociações) Estruturação afeta aceitabilidade das alternativas (p. 56) X
Estruturar negociação positivamente induz o outro lado a concessões (p. 58) X
Perspectiva neutra ou de inclinação ao risco produz acordos mais lucrativos (p. 59)
Prestar atenção somente à informação acessível (p. 60) X X
Informações sem fundamento levam a decisões erradas (p. 61) X X
Eventos freqüentes são mais fáceis de lembrar (p. 61)
Cap. 6 Superestimam-se eventos se as lembranças são dramáticas (p. 62) X
(Disponibilidade Perspectiva afetada pelos problemas que a pessoa já enxerga (p. 63) X X X
de Visão de mundo restrita à especialização da pessoa (p. 63) X X X
Informações) Disponibilidade de informação não deve determinar a decisão (p. 64) X X
Não usar âncoras só porque determinadas informações estão disponíveis (p. 65) X X
Usar informações confiáveis, e não necessariamente as disponíveis (p. 66) X X X
Winner’s curse (p. 66)
Resultado condicionado pela aceitação pelo outro lado (p. 70) X X X X
Cap. 7 Retorno de uma transação cai se o outro lado está bem informado e nós não (p. 71) X
(Praga do Importância de obter informações precisas (p. 73) X X X
Vencedor) Considerar a perspectiva do outro lado da negociação (p. 73) X X X X X
O oponente pode analisar as decisões tomadas por uma parte (p. 73)
Atitudes e objetivos da outra parte devem ser considerados (p. 74) X X X X
Problema de excesso de confiança altera decisões (p. 75) X X
Excesso de confiança pode inibir acordos possíveis e aceitáveis (p. 78) X X X
Cap. 8 Conselheiros qualificados podem reduzir excesso de confiança (p. 79) X X
(Excesso de Excesso de confiança se associa a conhecimento limitado da situação (p. 79) X X X
Confiança e Excesso de confiança conduz a ancoragem inadequada (p. 80) X X
Comportamento Excesso de confiança leva a não considerar a perspectiva do outro (p. 80) X X
do Negociador) Ilusão de superioridade afeta resultados da negociação (p. 80) X X
Ilusão de otimismo afeta resultados da negociação (p. 80) X
Ilusão de controle afeta resultados da negociação (p. 80) X
Nas negociações, pessoas ignoram informações e a perspectiva do outro lado (p. 83)
Avaliação objetiva das alternativas de cada lado é fator crítico (p. 87) X X X X X
Compreender componentes integrativos e distributivos de uma negociação é crítico (p. 87) X X X X
Deve-se considerar as conseqüências de não chegar a nenhum acordo (p. 87) X X
Um acordo tem de ser melhor do que a situação caso não se feche nenhum acordo (p. 88) X X
Cap. 9 Avaliar o que fazer caso não se consiga fechar acordo com a outra parte (p. 89) X X X
(Pensando Avaliar o que o oponente pode fazer se não fechar nenhum acordo (p. 90) X X X
Racionalmente Avaliar as verdadeiras questões da negociação (p. 90) X X X X X
sobre Avaliar o peso de cada questão para si próprio (p. 91) X X X X
Negociações) Avaliar o peso de cada questão para o oponente (p. 91) X X X
Toda negociação envolve distribuição dos resultados (p. 92)
Avaliar a área de barganha (p. 94) X X
Avaliar possibilidade de trocas (p. 95) X X
Avaliar comprometimento seu e da outra parte com atitudes irracionais (p. 96) X X
Identificados os acordos integrativos, decidir como compartilhar o benefício conjunto (p. 106) X
Cap. 10 Estar ciente de possíveis tendências (p. 107) X X X
(Empreendimentos Se o outro lado toma decisões irracionais, é difícil chegar a um acordo (p. 108) X
Conjuntos) Aproveitar informações adicionais que surgem no decorrer da negociação (p. 108)
V) Comentário sobre cada cena.

a) Cena V : Montando a equipe


Groves testa o grau de interesse dos militares em seus serviços, propondo sua promoção que
é aceita. Favoreceu-o a forma de estruturar a negociação, baseada em suas qualificações
(BN: 48). Tratou-se de uma negociação amistosa, na qual era visível a consonância de
interesses :Groves considerou a perspectiva do outro lado (BN: 73) e as atitudes da outra
parte (BN: 74), ou seja, o interesse demonstrado em resolver o problema e a confiança em
sua competência. A negociação mostrou ser do tipo integrativa (BN: 87), em situação na
qual algum acordo seria preferível a nenhum acordo (BN: 88). A julgar pelos resultados,
Groves acertou ao reconhecer a possibilidade de trocas produtivas para ambos os lados
(BN: 95).

b) Cena X : Encontro em Chicago


A situação está relacionada com o uso da informação disponível (BN: 60) e com os erros a
que pode conduzir o emprego de informações insuficientes (BN: 61). Se houvessem
seguido por esse caminho os cientistas teriam cometido erro típico de excesso de confiança
(BN: 75) e de excesso de otimismo (BN: 80). Ao mencionar uma das questões principais
do problema, a da segurança pública, e a possibilidade de “envenenar ou destruir Chicago”,
Groves põe os termos da decisão no devido lugar.

c) Cena XI : Discurso sobre o método


O início da conversa não traduz a intenção de negociar, e sim de impor condições. Essa
forma de estruturar a situação colocou em posições antagônicas Groves e Szilard, o que teria
conseqüências futuras sobre os desdobramentos do processo (BN: 48). Groves despertou
em Szilard sentimentos de orgulho vinculados a sua condição de cientista e legitimados pela
ação do resto da comunidade científica. Temos aí exemplo de situação em que o excesso de
confiança alterou decisões (BN: 75) e inibiu um acordo possível (BN: 78) por reduzir a
disposição a considerar a perspectiva do outro lado (BN: 80). Chegou-se ao equivalente a
nenhum acordo (BN: 90), e o lembrete para considerar as verdadeiras questões em jogo
(BN: 90) teve caráter retórico.

d) Cena XXVI : Novos rumos


Observe-se quão amigável foi a colocação da questão: o cientista que a propôs não buscava
divergir, e sim contribuir com a resolução de um problema que afetava a outra parte
(BN: 48). Oppenheimer foi obrigado a questionar o comprometimento com os trabalhos
realizados até então. Mostra laços emocionais com a obra que então se construía com
dificuldade e esforço (BN: 53), mas ao mesmo tempo o discernimento suficiente para não se
comprometer com o curso de ação anterior. Soube analisar de forma objetiva as alternativas
ao seu dispor, e seus desdobramentos (BN: 87) e considerou as conseqüências de não
levar em conta a sugestão que lhe era feita (BN: 87).

e) Cena XXX : Nova ancoragem


O problema até então era avaliar a extensão da área de barganha: saber o quanto os alemães
haviam progredido em suas descobertas sobre a bomba. Hitler havia dado poderosa
demonstração de o quanto o excesso de confiança pode alterar decisões, ao impedir que
armas obteníveis a curto prazo fossem desenvolvidas (BN: 75). O excesso de confiança
levou a não considerar a perspectiva do outro lado e conduziu a ancoragem inadequada
(BN: 80).
f) Cena XL : A guerra continua
Diferenças de perspectiva vão se tornando claras à medida que o processo se desenvolve.
Parte dos cientistas (simbolizada na pergunta feita a Oppenheimer) mostra uma visão
particular do problema (BN: 63), e pouca disposição para avaliar a situação de forma
global (BN: 90). Oppenheimer assume a posição de patrocinador de soluções menos
traumáticas, que servissem de alternativa ao uso da bomba, partindo de uma avaliação das
questões do ponto de vista do oponente (BN: 91). Groves confirma esse entendimento,
mas já havia decidido pelo bombardeio.

g) Cena XLII : Analisando a situação


Szilard procura legitimar a posição de conselheiro e porta-voz da comunidade científica.
Groves, em contrapartida, procurava se beneficiar da falta de informações precisas (BN:
73): a considerar seu entendimento do processo, poder-se-ia ter segurança de que em vinte
anos os soviéticos não desenvolveriam a bomba atômica. Trata-se de situação que
recomendava avaliação objetiva das alternativas à disposição do outro lado (BN: 87).
Por fim, o Secretário de Defesa coloca os reais termos do problema: o comprometimento
com os gastos de tempo e dinheiro do projeto. Acertadamente, visualizando as tendências
do processo que ganhavam forma (BN: 107), Szilard comenta a possibilidade de uma
corrida armamentista.

h) Cena XLIII : Avaliando conseqüências


Uma vez qualificado determinado curso de ação como indesejável, buscam-se alternativas.
Ora, tais alternativas dependiam do grau de aceitação e atitudes do outro lado (BN: 70) e
a reação prevista desencorajava justamente a exploração dessas alternativas (BN: 74). Ao
considerar a perspectiva dos outros lados na situação (BN: 73), a opção pelo bombardeio
passou a ganhar força e para complicar o problema as condições vigentes eram de elevada
incerteza (“não sabemos nada”). Com isso, o comitê se dividiu em dois grupos, moldados
pelos problemas e pela visão de mundo de cada um (BN: 63): aquele que buscava
soluções alternativas e o favorável ao bombardeio.

i) Cena XLVII : Discutindo alternativas


A lembrança de Saipan é exemplo de superestimação do efeito de uma linha de ação na
presença de lembranças dramáticas (BN: 62); fica evidenciada a dificuldade de negociar
quando a outra parte é dada a tomar decisões irracionais (BN, 108). Novamente a
antevisão das atitudes racionais de resposta da outra parte (BN: 73) restringem o leque
de opções disponíveis, dado o peso das mesmas questões para o oponente (BN: 90).
Como o número de possíveis baixas em uma invasão não foi conferido, prevaleceu como a
“melhor informação disponível”. Praticou-se então o erro de usar a informação
disponível, e não necessariamente confiável (BN: 66).

j) Cena XLVIII : Ponderando Implicações


Eventos freqüentes e causadores de impressão profunda se mostraram mais fáceis de
lembrar e serviram de base para comparação na negociação (BN: 61). Ao avaliar o peso de
cada questão para o oponente (BN: 91) os membros do comitê agiram de forma adequada,
assim como ao tentar propor uma solução honrada para os japoneses (BN: 87). Visões de
mundo vinculadas à especialização da pessoa se fizeram presentes nas considerações do
diplomata, das quais os militares discordaram, acerca de uma falha no uso da bomba atômica
ser suportável, do ponto de vista do prestígio dos EUA.

VI ) Síntese das observações


O conjunto de negociações de Day One ocorreu simultaneamente em duas dimensões
distintas: (1) na discussão dos cientistas, forças armadas e políticos, entre si; (2) nas
referências às “outras partes ausentes” : Japão, Rússia, Inglaterra, a opinião pública mundial,
etc. Decisões tomadas sem interação com a outra parte obrigam a especulações de caráter
estratégico, que geralmente têm lugar em condições de insuficiência de informação; obrigam
quem decide a tecer pressupostos com relação às alternativas de ação da outra parte, suas
preferências, comportamento diante do risco, etc. , o que ficou evidenciado no filme com
clareza:
- General Groves - justificar tempo e gastos do projeto;
- Oppenheimer e cientistas - evitar o uso da bomba; substituí-lo por uma alternativa de
menor custo social;
- Forças Armadas - minimizar baixas; proteger-se da ameaça comunista;
- Diplomatas - buscar solução sem mortes; minimizar choque da opinião pública mundial;
- Secretário de Defesa - pôr fim à guerra.

8 - Conclusões e Recomendações.

Tentativas de aplicação da metodologia aqui descrita para confronto de padrões deverão


levar em conta as diferenças existentes entre os indivíduos no que diz respeito à sua forma
de ver o mundo e de lidar com instrumentos de análise em geral, assim como a aspectos de
disciplina e organização mental. Além disso, um mesmo aprendiz poderá desenvolver com o
passar do tempo a capacidade de lidar com número maior de padrões e fazer análises mais
complexas.18 Nestas condições, é recomendável que o processo tenha início com poucos
padrões e que o acréscimo na quantidade se dê gradualmente. Em um estágio avançado, será
possível lidar com fenômenos que se influenciam mutuamente: o aprendiz poderá perceber
um universo de relações dentro do filme, composto por tramas paralelas, eventos
secundários e processos que se manifestam em diferentes dimensões e são relevantes para
fins de exame.
Uma vantagem do emprego em aula de filmes não concebidos para fins de treinamento tem
cunho atitudinal. Perceber um filme fora de seu contexto original e dedicar-se à tarefa de
decodificar suas mensagens, sob uma perspectiva que não a de espectador passivo, implica
certa forma de distanciamento que poderá ser útil quando for preciso enxergar fenômenos
como um conjunto complexo de signos a ser decodificado. Isto é, como a forma manifesta e
perceptível de um processo que deve ser visto de fora. A releitura de uma obra fora de seu
contexto original pode reforçar a idéia de que a realidade pode ser captada por uma
perspectiva diferente da usual.
A intenção deliberada de empregar um referencial sistematizado para analisar um conjunto
pré-selecionado de situações compreendidas em um filme é elemento importante do
aprendizado. O aluno poderá mais facilmente passar a distinguir o papel de espectador do de
agente de um processo de observação ativa. Poderá perceber, se for o caso, o quanto lhe falta
de perspectiva e profundidade para que faça a análise sob certo ponto de vista; se conseguir
visualizar o esforço de identificar indícios como uma tarefa à parte, poderá buscar se
desenvolver no que diz respeito a essa atividade em particular. Estando acostumado com a
tarefa de reconhecer padrões, poderá estar mais apto a escolher uma alternativa entre um
repertório de alternativas de ação possíveis.

18
A quantidade de informações (“chunks”) que um indivíduo pode absorver na memória de curto prazo é de 7 em média
(7+2 ou 7-2), segundo George Miller(1956), citado em Hayes(1989). Alguns indivíduos, entretanto, possuem uma
capacidade bem maior, o que os torna potenciais programadores excepcionais de software, por exemplo (Cringely,
1996).
O treinamento no reconhecimento e no confronto de padrões pode ainda contribuir para que
o aprendiz adquira consciência de que a postura diante de situações reais pode ser
beneficiada pela construção de um quadro de referência organizado que facilite o
enquadramento de situações com base nos indícios que poderá perceber.
A prática no reconhecimento e no confronto de padrões proporcionada pela experiência
didática com filmes pode ainda contribuir para que o aprendiz adquira consciência da
importância de:
n não misturar funções mentais de reconhecimento, seleção, comparação e análise;
n reconhecer padrões como função mental distinta e que pode ser executada de forma
consciente, deliberada e não casual;
n trabalhar com uma hierarquia de padrões, na qual um padrão geral coexiste com outros
padrões subordinados;
n usar um instrumental para sistematização do tratamento de situações.
Há cuidados a tomar quanto à escolha de filmes para fins educativos. O processo terá a
ganhar, por exemplo, se o aluno conhecer os objetivos do que está fazendo. Filmes mal
escolhidos, estruturas de referência mal delineadas ou teoricamente pobres ou ainda uma
orientação pouco clara quanto àquilo que o aluno deve procurar, podem comprometer a
eficácia do emprego de filmes no processo de ensino-aprendizagem.
Podemos perceber a realidade tanto pela detecção de diferenças como pelo assinalamento de
regularidades e semelhanças. Uma vez que a compreensão de fenômenos se dá a partir do
reconhecimento de padrões (que podem estar ou não estruturados em teorias), ter como
diagnosticar a suficiência dos arcabouços conceituais disponíveis a partir do sucesso ou do
fracasso no reconhecimento desses padrões pode ajudar a evidenciar a necessidade de uma
nova perspectiva para o entendimento dos fenômenos estudados. A percepção dessa
necessidade é fundamental para a construção do conhecimento em geral; tanto para
confirmar quanto para negar a forma vigente de entender e compreender a realidade.
Neste sentido, o esforço na criação e no aprimoramento de instrumental e metodologias para
o processo de reconhecer e confrontar padrões deve trazer ganhos para os métodos de
ensino e de pesquisa.

9 - Bibliografia.

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