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Bruxaria e xamanismo:

A arte da sabedoria
Liana Utinguassú

"Um dia a terra vai ficar enferma. Os pássaros cairão do céu, os mares
escurecerão e os peixes aparecerão mortos nas correntezas dos rios.
Quando esse dia chegar, os índios perderão seus espíritos. Porém, vão
recuperá-los para ensinar ao homem branco a reverência pela terra sagrada.
Então as raças se unirão sob o arco-íris para terminar com essa destruição.
Será o tempo dos guerreiros do arco-íris”.
(Ojos del Fuego, uma velha índia cree).

Antes de entrarmos no assunto propriamente dito, gostaria de dar uma


pequena noção do que significa o termo bruxaria. Pessoalmente, sempre
achei mal-empregado, até por carência da língua portuguesa de trazer para o
nosso idioma termos que se originaram da língua saxônica. Nós, seres
humanos, temos o hábito (que é do ego, cheio de vícios) de julgar
precipitadamente, pelas aparências, tudo o que é estranho, que foge do
normal, o que, a meu ver, é sempre questionável. Por desconhecimento,
preconceito, pré-conceitos, jogo de poder, vamos logo julgando e
condenando. Assim se fez e se faz, haja vista que no dicionário da língua
portuguesa a definição do termo bruxaria é terrível: "Ação maléfica atribuída
a bruxos ou magos; magia negra"! Por outro lado, bruxa significa mulher feia
e/ou rabugenta, coruja... Incrível, dentro da interpretação xamanica, a coruja
é a Senhora da Iniciação, a Guardiã do Outro Mundo.

Não se trata aqui de estabelecer críticas ao nosso dicionário, mas,


convenhamos, estas definições, no mínimo, contrariam o bom senso e
denotam falta de conhecimento, além de um dom terrível, este sim, maléfico,
de definir pessoas que no passado estabeleciam conexões mágicas com a
natureza e os seres que nela habitam. Se dirigirmos nossas energias de
forma maldosa, claro, ela atuará de forma maldosa, mas não que isto seja
obra das bruxas! Bruxaria sempre significou, para mim e para vários
estudiosos do assunto, a arte da sabedoria. Está ligada diretamente à
natureza e seus ciclos, às polaridades que se complementam.

Muitos nomes que marcaram a história da humanidade dentro das ciências,


da filosofia, da psicologia, para mim, foram e são grandes bruxos! Até
Einstein, Carl Jung, Pitágoras e Platão. Nos romances – como As Brumas de
Avalon e A Senhora de Avalon, entre tantos outros que nos reportam a fatos
históricos ocorridos na Inglaterra, além de outros países da Europa, e,
posteriormente, nos Estados Unidos -, podemos voar e sentir que todos
somos ou seremos bruxos, se me permitem a ousadia.

É que realmente vejo de forma muito simples os bruxos, as bruxas, os magos


e xamãs, que não deixam de ser o mesmo em determinado estágio de suas
caminhadas, porque, como já foi dito por muitos pesquisadores e escritores,
como Mircea Elíade em sua obra fantástica O Xamanismo e as Técnicas
Arcaicas do Êxtase, o xamã, medicine-man, feiticeiro ou mago designa certos
indivíduos dotados de prestígio mágico-religioso encontrados em todas as
sociedades primitivas.

Se por xamã se entender, diz Mircea Elíade, qualquer mago, feiticeiro,


medicine-man encontrado ao longo da história das religiões e da etnologia
religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mesmo tempo extremamente
complexa e imprecisa, cuja utilidade é difícil de perceber, visto já dispormos
dos termos ‘mago’ e ‘feiticeiro’ para exprimir noções tão díspares quanto
aproximativas, como as de magia ou mística primitiva. Geralmente o
xamanismo coexiste com outras formas de magia e de religião, o que
complementa o meu raciocínio, e que não é só meu, de que as religiões mais
conhecidas nasceram do xamanismo, inclusive a wicca. Mas é preciso que
se destaque bem os caminhos do xamã na cura e autocura, porque ele, ao
invocar os espíritos ancestrais, animais de poder, mestres, elementais, se
identifica com essas forças da natureza, de outras dimensões, criando uma
simbiose com essas forças.

Além de feiticeiro, bruxo e mago, o xamã é, ao mesmo tempo, médico, físico


e artista. É alguém que estabelece conexão direta com a natureza e que vive
em simbiose com esta. Normalmente, é alguém com dons de vidência e
clarividência, de cura e profecia. Os xamãs foram os primeiros professores e
líderes religiosos. Muitas religiões, como o cristianismo, o budismo e o
taoísmo, têm origem xamanica. Para os antropólogos, que adotaram o termo
xamã, são representantes religiosos, seres particulares de todas as raças. O
termo, aliás, tem origem siberiana: shaman significa aquele que sabe, que é.

Na tradição xamanica mundial, os xamãs são aqueles que vêem o mundo


como um composto de três mundos: um físico, um subterrâneo e um
sublimado, todos ligados por um eixo central. O dom do xamã é viajar pelo
intermundo ao longo dessa corda que atravessa os três mundos. Patrick
Drout, um físico que passou vários meses com os índios americanos, define
bem esta abordagem ao concluir que os xamãs foram os primeiros físicos da
história. O xamã está sempre em conexão direta com os reinos da natureza
(mineral, vegetal e animal) e os elementos (fogo, ar, água e terra). Os
sonhos, para o xamã, significam muito, inclusive iniciações. Para o xamã,
sonhar é um ensinamento recebido dos espíritos.

Definir a origem da bruxaria, no entanto, é uma tarefa árdua sim. Pode-se


supor que sua origem remonte ao surgimento da inteligência e ao momento
em que o homem descobriu sua individualidade no Universo. O primeiro
sentimento religioso experimentado pelo homem era totalmente ligado às
forças naturais e sua incapacidade de compreendê-las. É preciso se
destacar, no entanto, a diferença entre magia ritual e ritos religiosos, porque
no caso da bruxaria a ênfase é o oculto e todos os seus ritos são voltados
para este fim.

Como temos quatro estágios evolutivos das religiões em nossa história


(animismo, totemismo, politeísmo e monoteísmo), sugiro que todos procurem
esse fio condutor dentro do animismo (tudo continha a divindade, o trovão, o
sol, as árvores, a vida e a morte, entre muitos outros). E como o assunto é
muito amplo, irmãos, amigos, digo em uma expressão bem xamanica, é
preciso que cada um busque seu tom. O tom de cada um é importantíssimo
na busca. Essa magia está no ar, nos quatro cantos, nos quatro elementos, e
os bruxos, os antigos que praticavam essa conexão, estão aí de volta.

A nova era, por fim, vem resgatar a ancestralidade do ser humano e sua
conexão com o cosmo por meio das diversas linhas de pensamento, das
diversas religiões, dentro do tom de cada um, seja através do xamanismo,
da wicca, do cristianismo, islamismo, budismo, judaísmo, seja nas ciências
humanas, seguindo um raciocínio holístico, oculto, místico ou esotérico, não
importa, e tampouco estamos aqui impondo condições. Cito o meu exemplo:
escolhi o xamanismo, ou melhor, já nasceu comigo; respeito e reconheço a
sabedoria de cada uma em todas as outras culturas, pois sigo uma visão
holística em minha caminhada. E complemento dizendo que, para mim, esta
é a verdadeira razão da vida: trocarmos, compartilharmos com cada raça,
com cada credo, com cada povo suas histórias, sua sabedoria, sem achar
que este ou aquele possui o poder, a verdade absoluta. As bruxas, os
magos, os xamãs, seja quem for, são irmãos e devem trocar, somar, unificar.

Bem, bruxas, bruxos, magos, feiticeiros sigam seus corações, pratiquem


seus rituais reencontrando-se com a natureza, porque ela é e será sempre a
maior sinalizadora. E, empregando outro termo wicca, posicione-se na roda
do ano, vibrem com as datas em sintonia com os hemisférios, ou, se
preferirem, com as direções, sinta os solstícios, porque tudo nos reserva
sempre uma mensagem.

Pois bem, irmãos! Neste vôo pelo mundo das bruxas e dos bruxos, espero
que todos tenham percebido que não há necessidade de voarmos em uma
vassoura ou termos uma verruga no nariz, basta apenas que todos se
permitam sentir e ser uno com a natureza e estejam certos de que de uma
forma ou de outra já exerceram seus dons de bruxos, bruxas, magos, xamãs
desde muito antes do nascimento, do primeiro suspiro, do primeiro grito,
experimentando o dia, a noite, o sol, a lua, o fogo, o ar, a água, a terra, as
estrelas, os trovões, os raios e as tempestades! Quando menos esperarem
estará sentindo a magia no simples contemplar de si mesmos... Assim foi,
assim é e será se desejarmos sentir!
Liana Utinguassú (Cipó dos Sonhos/Palmeira Grande) é facilitadora em xamanismo.

http://planeta.terra.com.br/saude/xamanismo

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