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7 de Janeiro de 2011 “Sperança ma un dia nu podi volta,

CULTURA
E VARIEDADES
Volta pa nôs terra, pa vive na nôs terra
A SEMANA Volta pa nôs téra Cabo Verde, volta pa terra kê di nôs”

Norberto Tavares

Até sempre
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

Em 1977 Norberto Tavares escreveu

“Na qui triste planeta n’bem naci…

Torre de
…Num padass dês triste mundo danado
Qui tem mais de mil terra
Um terra qui tem más de mil povo
Um povo cu más de mil costume
Qui bem de um só costume

Babel Mundo
Cu más de mil língua
Má qui bem de um língua
Cu más de mil stória
Cu más de mil religião
Qui bem de um religião
Ês ta tchuman de mestiço, de preto de branco

Baradjado”
Má mi ê ca preto, mi n’ca branco mi ê ca nada
Mi só n’sabi ma mi ê alguém
Crê pa alguém sima mi
Lugar nês mundo ca tem
Anton flam undi quin sta bai
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

Até sempre, Norberto Tavares


“Se ver as portas franqueadas pelos produtores mercado, não admira que Norberto Tavares, como Sperança, Cada um di nos ê um Cabral” e “Maria”,
deverá custar a perda da minha identidade e liber- espírito livre e cioso das suas convicções, tenha assegura o chefe de Estado cabo-verdiano.
dade de criação prefiro mil vezes deixar as minhas durante anos deixado que centenas de composições Para o presidente da Assembleia Nacional, “a
composições na gaveta”, declarou um dia Norberto amarelassem dentro de gavetas. Azar nosso, povo nação cabo-verdiana perdeu não apenas um dos
Tavares. E ele era assim: um revolucionário, um cabo-verdiano, que bebemos das suas composições seus ilustres artistas”, mas também “um activista
apaixonado pelas raízes e por isso senhor de si. Ele como um viajante perdido no deserto bebe água social, que apelou à unidade do povo cabo-verdiano
foi assim toda a vida: fiel às suas convicções, nunca fresca e devora suculentas tâmaras, alimentando e procurou incutir nos cabo-verdianos confiança
voltou atrás na sua firme decisão. Agora que a sua corpo e alma sequiosos. e esperança no futuro, na base de uma ética de
voz se calou no domingo após o Natal, 26 de De- Felizmente, Norberto Tavares abriu uma brecha trabalho”. Um legado que “devemos preservar e
zembro de 2010 – na cidade que escolheu viver nos no blindado que ergueu contra a mercantilização da memorizar”, considera Aristides Lima.
últimos 30 anos, New Bedford, Estados Unidos da arte e deixou-nos um Best Of com 17 faixas que, Em nome do governo, Janira Hopffer Almada,
América – resta-nos apreciar e reapreciar Nôs Cabo além dos sucessos “Mundo sta di boita”, “Nos Cabo ministra da Juventude e da Presidência do Conselho
Verde di Sperança, Jornada di um badiu e tantos Verdi di Sperança”, “Volta pa Fonti”, “Ingratidon de Ministros, manifestou a “profunda consternação”
outros poemas que deixou ao país que amava mais do Mundo” e “N’sta farto des tchom”, inclui seis do executivo cabo-verdiano pelo falecimento “de
que tudo, ao seu incondicional povo, como herança. temas inéditos. um dos pilares da música cabo-verdiana contempo-
Autor de poemas emblemáticos que são símbolos Mas, além de músico de qualidade e compositor rânea”. Segundo Janira Hopffer Almada, Norberto
de um Cabo Verde lutador, resistente e cioso do seu de gabarito, Norberto Tavares era um ser humano Tavares “deu um significativo contributo para o
valor como povo, Norberto Tavares era mais do que extraordinário. Embaixador da ONG CV Children, movimento do funaná na diáspora cabo-verdiana,
um músico, era o intérprete da alma cabo-verdiana o músico pugnava pelo bem-estar das crianças do nas décadas de 70 e 80”, graças ao seu “particular
e do Cabo Verde profundo, que via na pessoa do seu país natal, cantando em galas de recolha de estilo de funaná”.
camponês e da mulher de lata de água na cabeça. A fundos para ajudar meninos e meninas de Cabo O presidente do MpD, Carlos Veiga, considera
densidade das suas composições – ouça-se os sete Verde – o que lhe rendeu um lugar no Hall of Fame que, com a morte de Norberto Tavares, Cabo Verde
discos que gravou a solo – despertou a curiosidade e do Museu de Cabo Verde em East Providence. Hoje perdeu “um dos expoentes máximos da sua cultura”.
o interesse da etnomusicóloga norteamericana Susan Cabo Verde chora o seu filho dilecto. Desde os mais Carlos Veiga diz, por isso, esperar que os músicos
Hurley-Glowa, que lhe dedicou um documentário, altos dignitários do país, aos emigrantes desta nação e os cabo-verdianos em geral, “particularmente os
Jornada de um badiu. diasporizada, músicos como Tito Paris, Kim Alves jovens, saberão honrar a memória do inesquecível
Recebido como herói por um Parque 5 de Julho e tantos outros discípulos que Norberto Tavares compositor e intérprete de canções que ficarão eter-
superlotado no regresso à terra natal aquando da semeou no Cabo Verde di Sperança, agarram-se à namente gravadas na memória colectiva da nação”.
abertura ao multipartidarismo, no início dos anos Esperança, quando o corpo se foi: “Corpo cativo bâ Na hora da dor e perda, Veiga descreve Tavares como
1990 (após 17 anos de ausência na emigração em bô qu’é escravo”, porque a alma fica. Por tudo isto, “um artista de espírito crítico e perfil multifacetado”,
Portugal e EUA), Norberto Tavares dava vez e voz à a morte de Norberto Tavares é “uma grande perda que “contribuiu grandemente para a afirmação da
revolta mas também à esperança dos cabo-verdianos para a cultura cabo-verdiana”, lamenta o presidente cultura das ilhas”.
num país melhor. Mais, em discos como “Hino di da República. Nesta hora de perda irreparável e dor, juntando-se
unificação”, (1992). “Dirigentes incompetentes” Para Pedro Pires, Norberto Tavares “teve o mé- às muitas vozes que choram a partida de Norberto
(2000), o músico de Santa Catarina cantou o desen- rito de apelar ao nacionalismo e ao patriotismo da Tavares, aos 54 anos, o colectivo de A Semana deixa
canto com a política. Obras que lhe valeram uma nossa juventude”. “O conteúdo das suas mensagens as mais sentidas condolências à mãe, ao irmão Totó
conotação que ele nunca quis, a de activista político. demonstra o seu grande amor por Cabo Verde. Sou- e à restante família enlutada.
Afinal, para quem tinha um hino a alimentar a crença be interpretar, na perfeição e de forma visionária, o Mas é no povo anónimo, nas Marias e Manuéis
dos cabo-verdianos numa terra “undi tud alguém ta sentimento do povo cabo-verdiano nos anos que se da vida, que se encontrará a homenagem mais ge-
vivi dretu”, nos mais altos patamares da dignidade seguiram à Independência”, considera PP. nuína, porque brota da alma cuja pureza Norberto
humana tinha o povo com ele. “Cada um di nôs ê Por isso, Norberto Tavares “ficará guardado na toda a vida procurou interpretar. Aí está na sua arte:
um Cabral…”: uma aspiração ainda por cumprir. memória de todos, pela qualidade da sua obra e no cabo-verdiano que é hoje, e que será nas gera-
Decepcionado e descrente no sistema de produ- pelo seu legado musical, composto por discos que ções vindouras erguendo para sempre o panteão de
ção musical, onde os produtores ditam as regras do incluem temas antológicos como “Nôs Cabo-verdi di Norberto Tavares. TSF
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Norberto
sempre
Mário Lúcio
(músico e escritor)
Kim Alves
Particularmente fico com saudades. Não podere-
mos ter novas criações dele nem a sua companhia, (músico)
mas esta homenagem demonstra a vitalidade de É com bastante tristeza que assistimos
Norberto, através da sua obra e na alma do povo. a esta despedida, mas também com ale-
Para as novas gerações deixa lições valiosas de gria pela certeza de que o Norberto vive
como é que se pode viver feliz e deixar um legado eternamente na sua obra. Nós temos a
para os que vêm atrás. Ele é um homem inovador missão de garantir a continuidade dessa
não só em termos de ideias e da lírica da escrita. obra porque, embora a viver tantos
Norberto revolucionou a música cabo-verdiana, anos no estrangeiro, Norberto sempre
muito antes dessa dinâmica ser seguida por outros se preocupa com o povo de Cabo Ver-
grupos, ao gravar o disco “Volta pa Fonti”, no qual de. Norberto é um porta-voz do povo,
usa a cimboa, o ferrinho. Mas consegue refrescar não dos políticos. Ele é um mensageiro
a música tradicional e fazer dela uma música mo- da dor, das tristezas, das alegrias e das
derna. Acho que é importante que a nova geração esperanças dos cabo-verdianos, dentro
conheça melhor a obra de Norberto Tavares porque e fora do país. Por isso, deixa as suas
nela estão todas as referências necessárias para o composições e as suas músicas na boca
desenvolvimento da música cabo-verdiana. e no coração do povo.

César Monteiro
(sociólogo)
Zé Rui de Pina Norberto Tavares é uma grande figura da cultura
(músico da banda de Maria de Barros): musical cabo-verdiana. É o primeiro estilista do
Isto é algo que me toca muito dentro, porque em funaná, aquele que, de facto, impulsionou o funaná
1990 eu tinha 19 anos e fui convidado para partici- estilizado. Deixa uma obra artística de grande
par na banda de Norberto Tavares, que vinha tocar dimensão, como compositor e como intérprete.
pela primeira vez em Cabo Verde. Agora, regresso Norberto Tavares canta o seu país, as suas ribeiras,
como integrante da banda de Maria de Barros para a sua Santa Catarina. A sua obra contém uma forte
actuar no Hotel Praia Mar, na passagem de ano, e mensagem de amor, de solidariedade, de unidade
estou aqui, junto dos restantes músicos, para acom- nacional que chega através duma sonoridade muito
panhar Norberto nesta sua última viagem à terra que particular, baseada em arranjos próprios. Estou
o viu nascer. É inspirador assistir a esta merecida convencido de que, apesar do seu desaparecimento
homenagem do povo, do governo e em especial dos físico, a obra de Norberto Tavares vai ganhar ainda
artistas cabo-verdianos, a Norberto. As músicas dele uma maior dimensão, porque – além dos discos já
falam. Tudo o que uma pessoa queira saber de Cabo gravados por ele – há várias criações suas inéditas
Verde ou do próprio Norberto, ele transmite-o na sua que seguramente as novas gerações vão poder ouvir.
obra musical. Ele cantou Cabo Verde e para mim é Assim vão ter mais referências desse grande ícone
uma grande honra ter participado na sua história. da música crioula, pegar e seguir a sua obra que é
muito rica e diversificada. O importante é que se
estude e se divulgue muito mais.
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Tavares,
Ninguém falou dele no passado, todos se referem ao Norberto de hoje e que pulsa no
futuro, como se a morte não fora verdade ou precisamente por isso. Não morre quem
deixa a sua alma multiplicada num povo que canta à esperança. Norberto Tavares volta
à sua terra natal que o acolhe agradecida. Deixa as suas composições e a sua música
como testemunhos de uma vida entregue à arte e às causas justas. Fica como uma
eterna presença a iluminar o espírito dos que o conheciam e dos artistas que encontram
em Norberto Tavares as referências para continuar a criar.
Por Neida Lis Falcon

Tó Alves Júnior Gregor


(músico): (músico - percussionista da
Todo o meu respeito para Norberto “Tropical Power”)
Tavares. É uma honra acompanhá- Norberto Tavares é o nosso amigo, um irmão. Homem
lo no seu último dia sobre a terra, o simples, até demais. Autêntico, natural, homem que
dia em que deixa de estar presente fala sempre com a verdade diante de si. Uma das
de corpo, mas em que a sua obra coisas que mais admiro nele é a sua espiritualidade,
brilha mais do que nunca. Para o facto de ser um homem sem maldade, que adora as
mim, continua a ser um grande crianças, a sua família, os amigos e sobretudo a sua
profeta e tudo o que ele falou nas terra. A sua paixão por Cabo Verde é sem limites,
suas composições desde a juven- incrível, incondicional. Quando tem uma letra, e auto-
tude, nós podemos vê-lo agora, na maticamente sente a inspiração da música, na maioria
realidade de Cabo Verde e do mun- dos casos são canções dedicadas ao seu país natal.
do. Norberto lega-nos uma obra Por isso não é possível fazer a história de Cabo Verde
muito grande e rica, que eu espero sem falar de Norberto Tavares. Fico impressionado e
continue a ser divulgada da mesma feliz pela reacção do povo e o apoio do governo cabo-
maneira que foi expressa por ele. verdiano nesta despedida. Já desde os Estados Unidos
a morte de Norberto foi noticiada por vários canais de
televisão, jornais e sites. Artistas e músicos que par-
tilharam com ele diferentes momentos da sua vida e
carreira artística estiveram lá e aqui para acompanhá-
lo. Estou verdadeiramente emocionado e agradecido.
Zéca di Nha Reinalda
(músico):
Fisicamente o meu amigo já não está para
sairmos juntos, para contarmos piadas, para
apertarmos a mão. Sinto muita falta dele, mas
temos a sua obra e isso mantém-nos unidos, e Kako Alves
nos dá alegria no meio da dor. Norberto mostra-
(músico da banda de Cesária Évora):
nos o caminho que os jovens devem seguir:
a luta pelo desenvolvimento do nosso país, É uma perda grande. Como pessoa e como
independentemente das diferenças de religião ou artista, sempre vai dignificar Cabo Verde, com
partidos políticos. O seu sonho é que um dia as, a sua melodia, as suas letras. Até hoje, e nos
os cabo-verdianos mais pobres tenham uma vida tempos que estão por vir, a obra de Norberto
melhor, por isso canta para dar a essas pessoas Tavares alimenta os nossos espíritos. É um
coragem e esperança. As suas músicas falam de exemplo, é uma escola para as gerações de
mais união, mais amizade, pede-nos para esque- artistas de hoje e do futuro, para todos nós.
cermos as nossas divergências porque o que está Norberto luta por Cabo Verde com a arma que
em causa é a vida, a sobrevivência e o futuro melhor sabe usar: a música. Estamos orgulho-
colectivo… a nação crioula que ele ama infini- sos, pelo que tem feito para unir cada vez mais
tamente, com toda a força do seu ser. Mas tudo os cabo-verdianos do arquipélago e da diáspo-
isso é feito através de letras e melodias originais, ra. Como dizemos “Cabral ka morre, Norberto
que só nele podem ser encontradas. ka morre”. Ele fica para sempre entre nós.
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O adeus a
Norberto foi um músico
de verdade. Nós aqui da
que amou
Assomada estamos tristes Há quem diga que Norberto Tavares foi sua carreira que católicos e protestantes
demais. Mesmo sendo dos pouco cabo-verdianos que soube dar a viram sua alma subir sem impedimentos ao
verdadeira ênfase ao sentimento criolo. Soube caminho livre da fé. Apesar da tristeza, das
bem  mais nova que ele, como ninguém ver no mar o tesouro das ilhas, pessoas vestidas de luto, do dia que parecia

sei da importância da sua na política o subterfúgio dos seus direitos e


na música a rede da vida. Poeta, jornalista,
maior que os demais, foi com música - e por
que não dizer por ela - que a tarde do dia 2

música para o todo Cabo músico, antes de tudo, cabo-verdiano. Foi


através de sua voz que Cabo Verde cantou a
de Janeiro se despediu de Norberto Tavares
pela última vez. 
Verde” enunciação perene da cultura genuína que o A estudante Elisandra Silva, consternada,
arquipélago, à revelia da colonização, sempre mesmo que a trabalhar vendendo seus “drops”,
produziu.  doces e sumos, projectava sua tristeza para
Assomada, a cidade que viu nascer o além do pequenino banco que ocupa na praça:
pequenote Norberto também o viu em seu “Norberto foi um músico de verdade. Nós
luto. Foi na mesma igreja  em que começou aqui da Assomada estamos tristes demais.
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ao homem
u demais a pátria
Mesmo sendo bem  mais nova que ele, sei 1990 que conheceu Norberto, durante um que será ainda, por muitos e muitos anos,
da importância da sua música para o todo show no parque 5 de Julho, e, desde então, um vigoroso  incentivo às novas gerações.
Cabo Verde”, disse baixo, como quem não acompanhou toda a carreira do proeminente Incentivo esse esculpido na música e na
queria dizer nada num dia em que o silêncio cabo-verdiano. “Não existe funaná melhor convicção política.   
era a moldura de Nôs Cabo Verdi di Sperança, que o do Norberto”, reiterou o triste senhor, Antes de falecer, ele e o irmão – Totó
Não existe funaná música que ecoou pela Assomada como o ainda de costas para a dura realidade que está Tavares – conversavam sobre alma e espiri-
melhor que o do lamúrio de quem fica.  diante de si: o músico despedia-se de nós.  tualidade. Quando falaram da possibilidade
Norberto” Amâncio Gomes Lopes, sentado, quieto, No cemitério, centenas de pessoas a de uma viagem para cá, tornando os dois às
de costas para a igreja, tentando disfarçar acompanhar seu corpo, entre eles músicos, raízes, Norberto encheu-se de felicidade. Para
a dor, esperava mais gente na sua quieta amigos e simpatizantes, davam o último ele, o regresso à terra pátria urgia. Iminente
homenagem: “Eu acho que devia ter vindo adeus, carregado de dor. Norberto ficou para Norberto que é já um eterno pedaço vivo
mais pessoas”, lamentou, sem saber, contu- sob a tarde do dia 2 de Janeiro. Autorida- de um país a que lega inevitáveis lições de
do, que sua tristeza se alastrava até mesmo des públicas, gente da diáspora, pessoas um patriotismo cheio de vida.
pelas suas delicadas impressões. Foi em simples: todos a dividir o fim de uma vida Felipe Chimicatti
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Sperança
o legado de Norberto Tavares

C
Foto: Felipe Chimicatti

éu desanuivado, sol e vento. Era a manhã


do dia 2 de Janeiro, em Assomada. Dia
em que o governo cabo-verdiano decretou
luto nacional. Transpostas as serras que dão acesso à cidade,
chegámos as imediações do Centro Cultural Norberto Tavares.
Não havia tumulto, nem agitação nas proximidades. So-
mente fitas de isolamento policial indicavam o centro a quem
chegava. As ruas fechadas, desembocavam na praça principal
– onde acontecia a cerimónia fúnebre. Para o último adeus ao
compositor de Nôs Cabo Verde di Sperança. Compenetradas,
as pessoas ouviam em pé as palavras dos familiares e dirigen-
tes que discursavam no alpendre do Museu Norberto Tavares
durante alguns pronunciados e lúgubres minutos, ao lado do
caixão semi-aberto. Falaram os irmãos do músico – entre eles,
Totó Tavares –, o Presidente da Câmara Municipal, Francisco
Tavares, e o Primeiro-Ministro, José Maria Neves, que encerrou
a primeira parte da cerimónia fúnebre.

“Agora, pedirei às
pessoas que quiserem
prestar uma última
homenagem, que
façam fila e não parem
em frente ao caixão
para não haver atraso
e complicações. Daqui
seguiremos para a
Igreja Matriz, onde
faremos a missa de
corpo presente”
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Foto: Eneias Rodrigues


Com o fim dos discursos, um breve si- Dentro da igreja, um cântico retumbante,
lêncio precedeu o acto de homenagem aberto acompanhado de órgão, abriu a missa. “A
ao público. “Agora, pedirei às pessoas que alma dos justos estará na mão de Deus”. A
quiserem prestar uma última homenagem, Mãe de Norberto ‑ desolada ‑ entrou na igreja
que façam fila e não parem em frente ao amparada pela filha, irmã do músico.
caixão para não haver atraso e complicações. Do lado de fora, senhoras vestidas de
Daqui seguiremos para a Igreja Matriz, preto dos pés à cabeça circulavam em grupo
onde faremos a missa de corpo presente”, por entre os demais assistentes às exéquias:
ressoou a voz pelo microfone para as pessoas autoridades, crianças, vendedores ambulantes,
que assistiam às exéquias de Norberto Tavares. jornalistas, jovens, velhos, artistas. Para o
Neste momento, os familiares recuaram e condutor de autocarro Manuel de Jesus – que
dispersaram‑se no alpendre, as autoridades de trouxe 30 pessoas de Achada‑Lém, no veículo
segurança aproximaram‑se do féretro onde se da Câmara Municipal de Santa Catarina e falou
erguia o caixão e os jornalistas posicionaram‑se comigo enquanto aguardava o fim da cerimó-
para registar o momento que se seguiria: o último nia do lado de fora da igreja – Norberto fazia
adeus dos fãs e conterrâneos de Norberto Tavares, um “trabalho muito bom. Era um homem
ao som de Ave Marias e rajadas de vento. simpático. Pena que faz não estar mais neste
Enquanto isso, uma senhora de Santa Cata- mundo”, concluiu.
rina, de panos e trança nos cabelos brancos, cha- Quando o corpo saiu da Matriz de Asso-
mada Domingas Monteiro, confidenciou‑me mada, o silêncio voltou a dominar o local.
enquanto eu observava a movimentação: “O Nada, ninguém se bulia, pessoas congelaram
Norberto cantava naquela igreja ali. Tocava seus gestos, atentas ao carro funerário. Uma
piano. Não era católico nem protestante, senhora passou entrecortando a multidão com
convivia com todo o mundo. Era um gran- seu choro alto em direcção à saída da cidade.
de homem”. Depois deste desabafo, sumiu Era uma dor real perante a grande perda.
apressada na multidão que se formou durante Então, os músicos deram continuidade ao
30 minutos para ver o corpo do músico. hino que tinham interrompido com a entrada
Norberto conseguiu, de facto, congregar pó- do corpo na igreja. O cortejo saiu lentamente
los. Viu‑se na solenidade que rivais da arena políti- em direcção ao cemitério de Nhagar, aos
ca, que dificilmente partilhariam o mesmo evento, poucos a praça ia ficando vazia. Muitos iam
colocaram as diferenças partidárias de lado para na procissão que seguiu pela estrada que
estarem presentes no funeral do artista. Norberto liga Assomada ao interior de Santiago – a
que “não era político, mas fazia política”, como polícia interditara a estrada ao trânsito. An-
disse com lágrimas nos olhos um homem que se tes do cortejo chegar, o Padre e as coroas já
identificou como João da Cruz, compositor nas aguardavam o corpo de Norberto na entrada
horas vagas. João que esteve emigrado durante do cemitério. As batinas alvas do Sacerdote
duas décadas – fazendo “bicos” na Suiça como e de suas auxiliares balançavam forte sob
cozinheiro e segurança particular – parece ser a intensidade da ventania que soprava em
um dos que viveram na pele as dificuldades dos Assomada, mas reluziam ao sol.
emigrantes – tema que Norberto tantas vezes Enquanto não chegava o cortejo, os adianta-

“A alma
cantou nas suas composições. Emocionou‑se ao dos falavam do legado de Norberto. Discutiam
lembrar da expressividade do cantor: “Norberto a poesia do seu trabalho, as possíveis simbo-
tinha um música muito forte”. logias da sua passagem em tempo de eleição,
Na Igreja Matriz da Assomada, onde de transformação.

dos justos
Norberto começou a sua trajectória religiosa, Quando finalmente o corpo chegou a Nha-
representantes de ordens espirituais distintas gar, sempre ao som de Nôs Cabo Verde di Spe-
também se reuniram na missa de corpo presente. rança, que perseverou durante o cortejo, houve
Pastores, nazarenos acompanharam a sublime os últimos dizeres, raramente ouviu‑se o choro.

estará na mão
oblação de Padre Álvaro, também músico e Só um sentimento parecia dominar as pessoas
compositor. Atestado da unanimidade que o que conviveram, conheceram e acompanharam
músico acolhe. de alguma forma a vida e obra de Norberto: ali
Pouco antes, quando o corpo saía do Centro estavam, dominadas pela desolação sim, mas

de Deus”
Cultural no cortejo que cruzou a praça para com um misto de gratidão e reconhecimento
ganhar a nave da Igreja Matriz de Assomada, pelo trabalho que ele desenvolveu. Pelo que
ouviu‑se, pela primeira vez, os músicos amigos legou a Cabo Verde através da música e suas
do compositor a badalar nos seus instrumentos, mensagens: perseverança, speransa, sua marca
em notas contidas e vozes em hino, o “Nôs registada.
Cabo Verde di Sperança”. BC
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Família e artistas apelam ao


Terminou a jornada de um “badiu”, o ao som do “Cabo Verde di Esperança”... A profunda, onde as crenças, mitos, e outros Nacional) e na Resistência Cultural.
homem que durante 35 anos deu a volta ao Esperança de que esta “volta à fonte” de aspectos nos põem a acreditar que um dia Mas o tributo do músico, compositor e
mundo, empunhando a música e Cabo Verde Norberto ainda muito fará por Cabo Verde. podemos ser alguém” proclamava Kaká intérprete a Norberto Tavares não fica por
como bandeiras. Sempre. Norberto Tavares Esperança deste povo em unidade – nacional, Barbosa desde a varanda do Centro Cultural aqui. Emocionado, Kaká Barbosa sugere que
voltou domingo, 2 de Janeiro de 2011 à Fon- política e religiosa. Norberto Tavares, que – tendo ao centro a seja criado um memorial para lembrar, louvar
te..., onde nasceu no dia 6 de Junho de 1956. Em representação dos músicos e artistas emblemática praça de Assomada – faz Largo e falar deste mensageiro, que deixa muita
À sua terra da esperança, que é Assomada, nacionais, Kaká Barbosa, no seu elogio fú- com o Paços do Concelho de Santa Catarina e esperança, amor, união e compreensão nos
é Cabo Verde. E fica a alma do Homem na nebre, desafiou os investigadores nacionais a Igreja Matriz da Nossa Senhora de Fátima, corações crioulos. Afinal, Norberto é “rico
sua vastíssima obra que a família quer ver para o estudo do legado de Norberto e também do outro lado da Rua. O símbolo dos quatro em traços que vieram da nossa tradição, da
preservada, para servir as futuras gerações. do património humano de Santa Catarina, poderes, com o do povo no meio (a praça) vivência mais profunda de Santa Catarina,
Muita emoção, tristeza, muitas palmas, concelho “onde homens valorosos deste e numa região conhecida por homens e mu- de Santiago e de Cabo Verde”, o chão que o
abraços, poucas lágrimas. Mas também do tempo passado construíram a história e lheres que sempre buscaram a autencidade fez homem do mundo e para o mundo, diz.
muita esperança nas centenas de pessoas a grande tradição destas ilhas”. de um povo na raiz de uma nação, na luta É o “badiu” aqui nascido que durante o
que acompanharam o corpo de Norberto “Santa Catarina é um concelho de (revolta de Engenhos e de Rubon Manel e, seu tempo soube impregnar a cultura da sua
Tavares até ao cemitério de Nhagar, sempre Cabo Verde com uma tradição riquíssima, mais tarde, no desígnio da Independência terra natal, afirmando as suas origens e a sua
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estudo de Norberto Tavares


identidade. Com essa vontade, criou várias dessas mensagens, “Julgamento”, que faz um
composições que ficarão para a história, apelo ao arrependimento, para poder haver
como “Nós Cabo Verde di Esperança”, “Volta união, paz, amor, perdão, solidariedade e
Aos 54 anos, o corpo do autor de pa fonte”, “Hino di Unificação”, “Maria”. compreensão entre os homens, de lá e de cá, de
Mais, deixa inéditos que irão marcar outras hoje e de amanhã. Mas foi Carlos Tavares – o
“Nôs Cabo Verde di Sperança”, gerações, outros tempos. António Tavares, no homem que doou um rim a Norberto Tavares
agradecimento da família ao apoio do povo para lhe prolongar a vida – que verbalizou a
voltou à fonte para descansar no cabo-verdiano, revelou que este cultor deixa certeza que pairava no ar: “Norberto ká morré,
mais de 50 composições inéditas, escritas permanecerá eternamente nas nossas memó-
cemitério de Nhagar, Assomada. quando tinha apenas 25 anos. É obra! rias”. Aos 54 anos, o corpo do autor de “Nôs
Mas a alma de Norberto Tavares Agora, diz, serão reveladas para que to- Cabo Verde di Sperança”, voltou à fonte para
dos, em casa ou na escola, na rua e em todos descansar no cemitério de Nhagar, Assomada.
fica em cada um de nós, cabo- os cutelos, possam continuar a espalhar as Mas a alma de Norberto Tavares fica em cada
mensagens deste compositor que escolheu um de nós, cabo-verdianos convictos.
verdianos convictos. livremente pensar a sua terra. E Totó leu uma Ricardino Pedro
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“Cada um
di nós é um
Norberto”
Na terra que o viu nascer, o compositor, cantor, multi-instrumentista e
poeta foi lembrado por outros homens ilustres da sua terra: José Maria
Neves, o primeiro-ministro, e Francisco Tavares, presidente da Câmara
Municipal de Santa Catarina.
José Maria Neves recordou esta “estrela” como uma “referência” de
Santa Catarina que se perde em homem, mas fica a sua “extraordinária
obra”, que tão bem soube levar a todos os cantos do mundo. Obra essa
que o chefe do Governo quer ver preservada, através de uma escola de
música, para mostrar, estudar e dar a conhecer aos mais jovens. Mas
também para continuar a criar, como Norberto fez durante os seus 54
anos. Afinal, assevera JMN, “cada um di nós é um Norberto Tavares”.
Francisco Tavares também se dirigiu emocionado aos presentes, no
elogio ao filho da terra e também a um “badiu” que soube dignificar a
música nacional durante 35 anos, o tempo de Cabo Verde independen-
te. Por isso, Tavares considera que o malogrado é um dos principais
protagonistas do percurso histórico da música destas ilhas. Aliás, é
com “orgulho” que cada cabo-verdiano, pontua, deve fazer tudo para
preservar na memória colectiva “a sua obra”. Ela “é a herança que deixa
a todos os cabo-verdianos, que, mesmo estando longe, sonham em um

Nha Txubinha:
dia “voltá pa terra” finaliza o presidente da Câmara de Santa Catarina,
um homem caldeado nas lutas e esperanças de Norberto Tavares”.

“Obrigada,
nha povo”
Já sem forças, Nha Txubinha, que deu à luz este grande cabo-
verdiano, não conseguia conter as lágrimas. Afinal, esta mãe aca-
bou de ser ferida com o pior golpe: ver partir o seu maior tesouro.
Mesmo assim, no meio da consternação, tristeza e dor, como boa
cabo-verdiana que é, Nha Txubinha ainda foi buscar forças dentro
de si para agradecer o imenso carinho que o povo das ilhas de-
monstrou desde a morte do seu filho, as mensagens que chegam de
todos os cantos do mundo. “Obrigada, nha povo”, saía entre soluços,
abraços e lágrimas de dor. E também de orgulho – pela mobilização
que o filho conseguiu na nação crioula, fazendo com que todos se
unissem num grande “Cabo Verde di Sperança” na magnanimidade
de um povo que é o mais solidário do mundo.
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

“foi a consciência social de Cabo Verde”


“Durante 30 anos, Norberto Tavares agiu como a consciência social
de Cabo Verde, encorajando o seu povo a avaliar a vida política e social
do país, à medida que a nação fazia a transição de colónia portuguesa
para uma república democrática livre”, assevera Susan Hurley-Glowa,
autora e directora do documentário “Jornada de um Badiu: a História do
músico cabo-verdiano-americano Norberto Tavares”.
A etnomusicóloga, que manifestou no forum do site Humanities and Social
Sciences estar “triste” com o passamento de Norberto Tavares, considera
ainda que o músico – com quem trabalhou desde 1990 –, “ajudou a trazer
os sons rurais da ilha de Santiago, com as suas fortes raízes africanas,
para a identidade nacional, e despertou a consciência da importância de
votar”, exercendo o papel de “advogado social através da sua música”.
Norberto Tavares, declara Susan Hurley-Glowa, “muitas vezes usou a
música para expressar a sua insatisfação com as condições sociais em
Cabo Verde”. Esta atitude granjeou-lhe, segundo a investigadora norte-
americana, “a reputação de activista político, apesar de ele se considerar
como um crítico de condições sociais injustas mais do que apoiante de
uma específica força política partidária”.
Dotado de “soberba musicalidade”, classifica a musicóloga norte-
americana, Norberto Tavares, que emigrou para Portugal em 1973, “lançou
o seu primeiro álbum de funaná eléctrico e batuco em 1975, ligeiramente
antes de Katchás ter feito com o Bulimundo a sua versão de funaná
largamente popular”. E, apesar de se ter mudado para os Estados Unidos
desde 1979, as suas canções continuavam “a reflectir as preocupações e
interesses do povo de Santiago: o seu povo permanecia junto do seu
coração”, considera Susan Hurley-Glowa.
Mas a música de Norberto Tavares também é composta, analisa Hurley
Glowa, “de temas que expressam esperança numa sociedade cabo-
verdiana melhor: uma sociedade que transcenda as suas diferenças
raciais, económicas e étnicas e trabalha junto para construir uma nação
melhor, ideais esses muito relevantes para os cabo-verdianos após a
independência”. Exemplo disso é “Nôs Cabo Verde di Sperança” (1975)
que, de acordo com a musicóloga da Brown University, “tornou-se no hino
cabo-verdiano não oficial”.
Amante do seu Santiago profundo, Norberto Tavares também nos brindou
com ilustrações de temas típicos em funaná popular e acústico, usando ima-
ginação pastoral: “As suas pequenas ilustrações da vida rural de Santiago
são muitas vezes as favoritas do público, talvez porque elas lembram aos
ouvintes as alegrias de uma existência simples”. Tanto assim é que, refere
Susan Hurley Glowa, “algumas das suas canções, incluindo Mariazinha,
do álbum ‘Volta pa Fonti’ (1979), tornaram-se parte do repertório fol-
clórico de Santiago”.
Por tudo isso, considera Hurley Glowa,“o seu contributo para um Cabo
Verde independente só agora começa a ser plenamente apreciado pelo
seu povo e a ser escrito na história da nação”. Mas, para lá de um “grande
músico e compositor”, Norberto Tavares era, declara a musicóloga, “uma
pessoa especial, que nunca parava de pensar no seu povo, um gentleman,
Susan Hurley-Glowa: autora e directora do documentário “Jornada de um Badiu”
um profundo pensador, um verdadeiro humanista”. TSF
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

Assomada vivia um dia cheio de simbolismos: representantes


de todos os partidos políticos, Câmara e Assembleia de Santa
Catarina, Governo, Assembleia Nacional se misturavam na hora
da homenagem. José Maria Neves, Carlos Veiga, Aristides Lima,
Mário Silva, Jorge Santos, Sidónio Monteiro, Francisco Tavares,
José Maria Martins… Todos estavam lá para prestar o seu
tributo ao Grande Cabo‑Verdiano.
Outro simbolismo: a missa foi dada na Igreja Matriz de
Assomada, onde o Norberto, hoje nazareno, começou a sua
caminhada espiritual. Pastores e fiéis nazarenos assistiram à
missa e o Padre Álvaro falou da fé magnânima, que não conhece
fronteiras no caminho para Deus.
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

O
transcendental
Norberto,
fonte de
unidade entre
cabo‑verdianos
“Não desejo a morte de ninguém, mas
acredito que Deus quis que fosse neste
momento, em que nos aproximamos de uma
fase de confronto político. Por isso, Norberto
Fotos: Eneias Rodrigues

morreu agora, um dia após o Natal,


para fazer os cabo‑verdianos entrar no Novo
Ano sob um clima de paz, concórdia
“pa nô djunta mon, nu kompu nôs terra”

“Norberto Tavares era um ser iluminado Foi esse espírito – de paz e harmonia entre os
que, além de activista social e grande compo- cabo‑verdianos – que Norberto Tavares sonhou
sitor, tinha um lado espiritual muito forte que, ver reinar na sua terra natal e que está plasmado
na hora da sua morte, uniu cabo‑verdianos de em toda a sua poesia. “Ele tinha muita sensibi-
todos os partidos políticos e religiões”, declara lidade e preocupava‑se com as coisas da alma,
Amílcar Baptista, consternado com o passamento não só da sua como também da alma do povo
do músico de Santa Catarina mas, ao mesmo tem- cabo‑verdiano”, considera Amílcar Baptista.
po, consolado pelo poder que a sua obra exerce “Nas suas composições inéditas, por exemplo,
sobre os conterrâneos. ele diz que Jesus Cristo é o único caminho para
Amílcar Baptista vai ainda mais longe e afir- a paz e a vida verdadeira”.
ma que “a morte de Norberto Tavares não foi Mas, mais do que confessar Jesus Cristo como
por acaso”: “Não desejo a morte de ninguém, a solução para uma vida plena, “Norberto Tavares
mas acredito que Deus quis que fosse neste exortava os seus conterrâneos a voltar para Deus
momento, em que nos aproximamos de uma porque acreditava que não são os partidos políti-
fase de confronto político. Por isso, Norberto cos nem as religiões que vão salvar Cabo Verde,
morreu agora, um dia após o Natal, para fazer mas Jesus, o Princípe da Paz”, afirma Amílcar
os cabo‑verdianos entrar no Novo Ano sob um Baptista, músico com quem Totó Tavares, irmão
clima de paz, concórdia pa “nô djunta mon, de Norberto, partilhou a sua impressão sobre os
nu kompu nôs terra”. Vai ver que as próximas últimos momentos de vida do malogrado compositor.
eleições vão ser pacíficas, ordeiras porque Tudo isso, considera Amílcar Baptista, faz de
Norberto morreu para juntar o que não pôde Norberto Tavares “um ser único, cujo legado
juntar em vida. Por isso voltou à fonte, para deve ser valorizado, preservado e divulgado
tornar real o Cabo Verde di Speransa. Veja que para as gerações vindouras, para que junto
a sua morte serviu também para unir e pro- delas também viva a esperança de unidade en-
mover o espírito de concórdia entre católicos, tre todos os cabo‑verdianos. Um sonho por que
nazarenos e outras denominações religiosas, sempre pugnou o compositor da Esperança”.
dentro de um templo católico”. TSF
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Kriolidadi Suplemento Cultura Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2011

cultura
Agenda

Praia Night
Os primeiros shows do ano 2011 no Restaurante Palma Center vão ter em
palco os artistas da casa. A cantora Lú Carvalho e os músicos da banda de
Nhory Alves apresentam-se esta noite e dão bis amanhã. Sempre a partir
das 21h, neste espaço de música “ao vivo” do Palmarejo.

Este sábado, a discoteca Cockpit reserva uma noite muito especial com
Maria de Barros e banda, a partir das 23 h. Mais uma ocasião para se
deixar cativar pela sensualidade e beleza interpretativa da cantora cabo-
verdiana residentes nos EUA.

Breka e o seu grupo “Vulcânico” regressam ao restaurante Nova Luar


na Rotunda de Terra Branca, para outra das suas habituais e sempre bem
recebidas rabecadas. Os shows estão marcados para esta noite, sábado e
domingo, a partir das 20h30.

Este fim-de-semana, o Quintal da Música aposta nos ritmos tradicio-


nais. Hoje às 21h00, haverá concerto com Albertino e banda. Sábado, às
21h00, a animação será com Lutchinha Leite.

Maria de Barros no Porto Grande


23h00 desta sexta-feira: Maria de Barros e sua banda actuam
ao vivo no Bar Lobby (Hotel Porto Grande), Mindelo. Vá e
ouça como se cumpre a promessa de uma noite de boa músi-
ca e descontracção.

Homenagem a Codé di Dona


Hoje e amanhã, o povoado de São Francisco, a poucos quilómetros da ca-
pital, será palco de um festival de música em homenagem ao artista Codé
di Dona. A localidade recorda o seu filho dilecto, falecido há um ano,
num programa que inclui a actuação de vários artistas santiaguenses, bem
como uma palestra sobre a vida e obra do cantor e compositor de funaná,
autor de Fomi 47, Febre funaná, entre outros sucessos.

Teatro
A peça “A lição”, dirigida por Sara Estrela, será apresentada hoje
às 21h00 na Biblioteca Nacional, cidade da Praia. Sábado e domin-
go o espectáculo será no M-EIA do Mindelo, também às 21h00.

Zero Horas com animação dos DJs Fotografia: primeiros passos


A discoteca Zero Horas vai estar aberta este sábado com animação O Palácio da Cultura Ildo Lobo acolhe a partir de segunda-feira,10, um Módulo de Inicia-
dos DJs habituais, Heleno e Wilson. Na noite desta sexta-feira, o ção Fotográfica Digital ministrado por António (Tó) Gomes. O curso tem uma duração de
espaço fica reservado para uma festa particular. três semanas e acontece em horário pós-laboral. As inscrições ainda estão abertas no PCIL.

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