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PME-2350 – MECÂNICA DOS SÓLIDOS II

AULA #10: USO DA FUNÇÃO DE TENSÃO DE AIRY NA SOLUÇÃO DE


PROBLEMAS BIDIMENSIONAIS DA TEC1

10.1. Introdução
Nesta aula serão apresentados alguns exemplos do uso da função de tensão de Airy na solução de
problemas bidimensionais da Teoria da Elasticidade com o uso de coordenadas polares. Serão tratados
inicialmente os problemas mais simples, associados aos casos de distribuições de tensão independentes
de  (item 10.2), e que permitem a obtenção de soluções já vistas, como o problema do vaso de pressão
cilíndrico de parede espessa, submetido a pressões interna e externa que não variam ao longo das
superfícies em que estão aplicadas (item 10.3). Outros casos relacionados a distribuições de tensão
independentes de  são os de flexão pura de barras curvas (item 10.4) e o de cisalhamento puro, onde a
única tensão atuante na chapa é a tensão ௥ఏ (item 10.5). Como exemplo de distribuição de tensão
dependente de  veremos o caso de concentração de tensões em chapas contendo um orifício circular,
denominado Problema de Kirsch (item 10.6).

10.2. Problemas com Distribuições de Tensão Independentes de 


Vimos anteriormente que, nos casos de problemas de estado plano de tensão (EPT) e de estado
plano de deformação (EPD) em coordenadas polares, a determinação das tensões planas (௥ , ఏ e ௥ఏ )
pode ser feita com o uso concomitante das duas equações diferenciais de equilíbrio (na direção radial e
circunferencial) e da equação de compatibilidade de deformações, expressa em função das tensões, as
quais assumem, nestes casos, as formas simplificadas dadas por (ver, p.ex., [4] e [5]):
௥ 1 ఏ௥ ௥ − ఏ
   
+ + =0 Eq.(1)

௥ఏ 1 ఏ 2௥ఏ


   
+ + =0 Eq.(2)

∇ଶ ௥ + ఏ  = 0 Eq.(3)

1
Notas de Aula preparadas pelo Prof. Dr. Roberto Ramos Jr., email: rramosjr@usp.br

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Vimos também que as duas equações diferenciais de equilíbrio ficam automaticamente satisfeitas se
definirmos as tensões ௥ = ௥ (, ), ఏ = ఏ (, ) e ௥ఏ = ௥ఏ (, ) através da chamada função de
tensão de Airy, (, ), tais que:
1  (, ) 1  ଶ (, )
௥ =
    ଶ
+ ଶ Eq.(4)

 ଶ (, )
ఏ =
 ଶ
Eq.(5)

 1  (, )
௥ఏ = −

  
Eq.(6)

Resta, portanto, satisfazer apenas a equação de compatibilidade de deformações (Eq.(3)), sendo que
a substituição das Eqs.(4-5) em Eq.(3) leva a:

∇ଶ ∇ଶ (, ) = ∇ସ ,   = 0 Eq.(7)

Onde o operador laplaciano em coordenadas polares tem a forma:


ଶ 1  1 ଶ
 ଶ    ଶ  ଶ
∇ଶ = + + Eq.(8)

Considerando, inicialmente, os casos mais simples nos quais a distribuição de tensão é independente
de , vemos que a equação de compatibilidade de deformações dada por Eq.(7) fica reduzida à forma
da seguinte equação diferencial linear, ordinária, de 4ª ordem, com coeficientes não-constantes:
ସ () 2 ଷ () 1 ଶ () 1 ()
 ସ   ଷ   ଶ  
+ . − ଶ. + ଷ =0 Eq.(9)

Cuja solução geral é:

 = ଵ + ଶ .  ଶ + ଷ . ln + ସ .  ଶ . ln () Eq.(10)

E, substituindo o resultado encontrado nas Eqs.(4-6), teremos as seguintes distribuições de tensões


independentes de :
1  ଷ
௥  = = 2 ଶ + ଶ + ସ 1 + 2ln ()
  
Eq.(11)

ଶ () ଷ
ఏ () = = 2 ଶ − ଶ + ସ 3 + 2ln ()
 
Eq.(12)

௥ఏ = 0 Eq.(13)

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10.3. Vasos de Pressão Cilíndricos de Parede Espessa
Observando as distribuições de tensões dadas por Eqs.(11-12), observamos que elas só são possíveis
se a origem do sistema de coordenadas não fizer parte do domínio do sólido (pois, neste caso, teremos
sempre  > 0). Porém, se a origem pertencer ao domínio do sólido, devemos ter obrigatoriamente
ଷ = ସ = 0, caso contrário as tensões ௥ e ఏ serão infinitas quando  → 0.
Considerando, então, esta segunda hipótese (ou seja, de que a origem faz parte do domínio do
sólido), observamos que a solução encontrada leva a um estado uniforme de tensões (no plano):
௥ = ఏ = 2 ଶ

Se considerarmos, agora, casos em que a origem do sistema de coordenadas não faz parte do
domínio do sólido, é possível termos ambas constantes, ଷ e ସ , não nulas. Tomando, por ora, apenas
ସ = 0 nas distribuições de tensões encontradas para a função de tensão , apenas duas constantes
de integração restam para serem determinadas, e as distribuições de tensões ficam:

௥  = 2 ଶ +
ଶ
Eq.(14)


ఏ () = 2 ଶ −
ଶ
Eq.(15)

௥ఏ = 0 Eq.(16)

Observando que as tensões cisalhantes ௥ఏ são nulas em todos os pontos do sólido2 e que a
distribuição de tensões radiais fornece tensões uniformemente distribuídas quando a distância r é
constante, concluímos que a solução encontrada pode ser diretamente associada ao problema de
distribuição de tensões em um vaso de pressão cilíndrico submetido a uma pressão interna ௜ (em
 = ) e a uma pressão externa ௢ (em  = ), conforme ilustra a Fig.1, já que as condições de
contorno podem ser plenamente atendidas neste caso. Aplicando estas condições de contorno,
encontramos:
ଷ ଷ
௥  = 2 ଶ + = −௜ e ௥  = 2 ଶ + ଶ = −଴
 ଶ 

2
Note, porém, que isto não significa que as tensões de cisalhamento são nulas segundo quaisquer direções, mas apenas
nos planos diametrais, ou seja, nos planos de normal ݊ሬԦ = ݁Ԧ௥ e ݊ሬԦ = ݁Ԧఏ .

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Levando a:
(௜ − ௢ )ଶ ଶ ௜ ଶ − ௢  ଶ 
ଷ = − 2 ଶ =
( ଶ − ଶ ) (ଶ − ଶ )

E, assim, a distribuição de tensões resulta:


௜ ଶ − ௢  ଶ  (௜ − ௢ )ଶ  ଶ
௥  =
 ଶ − ଶ   ଶ −  ଶ  ଶ
− Eq.(17)

௜ ଶ − ௢ ଶ  ௜ − ௢ ଶ ଶ


ఏ  =
 ଶ −  ଶ   ଶ − ଶ  ଶ
+ Eq.(18)

௥ఏ = 0 Eq.(19)

A qual coincide integralmente com a solução encontrada em [3], porém obtida agora com o uso de
uma função de tensão apropriada.

y
po

pi
x

Fig. 1. Vaso de pressão cilíndrico sob pressão interna e externa uniformes.

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10.4. Flexão Pura de Barras Curvas
O problema de determinação das tensões numa barra curva sob condições de EPT ou EPD
submetida a flexão pura, conforme indicado na Fig.2, também pode ser resolvido utilizando as
distribuições de tensões independentes de , dadas por Eqs.(11-13), já que neste caso pode-se
considerar, em virtude da simetria, que todas as seções transversais serão igualmente solicitadas
(levando, assim, a distribuições de tensões independentes de ). Deve-se registrar que o momento
fletor assinalado na Fig.2 é expresso em N.m/m (em unidades do S.I.), ou seja, é o momento total
aplicado à seção (em N.m) por unidade de espessura da barra3.

b
a

x
Mo Mo

Fig. 2. Barra em EPT ou EPD sob flexão pura.

Retomando as distribuições de tensões encontradas (ver Eqs.(11-13)) e renumerando-as, temos:



௥  = 2 ଶ + + ସ 1 + 2ln ()
ଶ
Eq.(20)


ఏ () = 2 ଶ − + ସ 3 + 2ln ()
ଶ
Eq.(21)

௥ఏ = 0 Eq.(22)

Para encontrarmos as três constantes de integração, basta considerarmos as condições de contorno


do problema. Assim, analisando inicialmente os contornos curvos, teremos:
Em  = , o contorno está visivelmente descarregado, logo:
 =  =   = 0

3
Note que a espessura da barra é medida ao longo da direção z, ou seja, não é a diferença entre os raios b e a.

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Assim:
௥ 
 . = 
ఏ  0
0 −1 0
0 0
O que leva a:

௥  = 0 ⇔ 2 ଶ + + ସ 1 + 2ln () = 0
ଶ
Eq.(23)

Em  = , o contorno também está visivelmente descarregado, logo:


 =  =   = 0
Isto é:
௥ 
 .  =  
ఏ  0
0 1 0
0 0
O que leva a:

௥  = 0 ⇔ 2 ଶ + + ସ 1 + 2ln () = 0
ଶ
Eq.(24)

A última equação pode ser obtida analisando-se qualquer um dos contornos retos, pois, sendo a
distribuição de tensões independente de , todas as seções transversais devem ter a mesma distribuição
de tensões. Assim, impondo que o momento das forças distribuídas por unidade de área seja
equivalente ao momento fletor ௢ aplicado, teremos:

ఏ . .  = −௢

Levando a:

− ଶ  ଶ − ଶ  + ଷ . !
− ସ ଶ 1 + ! − ଶ 1 + ! = ௢

Eq.(25)

Resolvendo o sistema linear formado pelas Eqs.(23-25), virá:


௢ ଶ
ଶ =  1 + 2. ! () − ଶ 1 + 2. ! ()
"
௢ 
ଷ = − 4ଶ ଶ !

" 

ସ = −  −  ଶ 
"
2௢ ଶ

Onde:

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" =  ଶ − ଶ ଶ − 4ଶ ଶ #!
$

Finalmente, substituindo os valores das constantes nas Eqs.(20-22), virá (ver, p.ex., [1],cap.4):
  ଶ  ଶ 
௥  = − % ! & ' − ଶ ! & ' + ଶ !
(
"    
4௢ ଶ
Eq.(26)

4௢ ଶ  ଶ   
ఏ  = % ଶ !
−  ଶ &1 + ! & '' + ଶ &1 + ! & '' (
"    
Eq.(27)

௥ఏ = 0 Eq.(28)

Ou, ainda, definindo as tensões adimensionalizadas na forma:


௥  ఏ 
)௥  = * 
)   
௢ /ଶ ௢ /ଶ
ఏ =

E também os adimensionais:
 
* ζ௠௔௫ =
 
ζ=

+ = &,ζ
" - − 1' − 4,ζ௠௔௫ - &!,ζ௠௔௫ -'
ଶ ଶ ଶ ଶ
௠௔௫

Teremos, na forma adimensionalizada:

)௥  = − %ζ௠௔௫ ! . / − !ζ + ௠௔௫ !,ζ௠௔௫ -(


+

"
4 ଶ ζ ζ
Eq.(29)
ζ ௠௔௫ ζଶ

)ఏ  = % ௠௔௫ !,ζ௠௔௫ - − ζଶ௠௔௫ .1 + ! . // + 1 + lnζ (


+ ζ

"
4 ζ ζ

Eq.(30)
ζ ௠௔௫

A Fig.3 ilustra as variações das tensões radiais adimensionalizadas para diversos valores do
adimensional ζ௠௔௫ (a saber: ζ௠௔௫ = 1,2 , ζ௠௔௫ = 1,5 , ζ௠௔௫ = 2,0 , e ζ௠௔௫ = 2,5). É interessante
observar que a máxima tensão radial diminui conforme aumentamos a largura da barra, dada pela
diferença  −  = (ζ௠௔௫ − 1), ou seja, para vigas curvas esbeltas, a tensão radial máxima é muito
mais pronunciada, sendo este um resultado que não é possível de ser obtido pela Resistência dos
Materiais. De forma análoga à Fig.3, a Fig.4 ilustra as variações das tensões circunferenciais para os
mesmos valores do adimensional ζ௠௔௫ empregados antes.

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Juntamente com as curvas obtidas pela aplicação da Teoria da Elasticidade, estão também indicadas
na Fig.4 as variações das tensões circunferenciais (adimensionalizadas) obtidas pela Resistência dos
Materiais, cujo cálculo pode ser feito de forma imediata, como mostramos a seguir:
௢
ఏ,ோெ  = − .  − 1௠ 
0
Eq.(31)

Sendo:
( − )ଷ ଷ ( + ) 
0= ,ζ௠௔௫ − 1- , 1௠ = = ,ζ௠௔௫ + 1-

=
12 12 2 2
De tal forma que, na forma adimensionalizada, podemos escrever:

)ఏ,ோெ ζ = −
6,2ζ − ζ௠௔௫ − 1-
,ζ௠௔௫ − 1-

Eq.(32)

Fig. 3. Tensões radiais adimensionalizadas ()௥ ζ), para vários valores de ζ௠௔௫ = /.

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(ζ௠௔௫ = 1,2) (ζ௠௔௫ = 1,5)

(ζ௠௔௫ = 2) (ζ௠௔௫ = 2.5)


Fig. 4. Tensões circunferenciais adimensionalizadas ()ఏ ζ), para vários valores de ζ௠௔௫ = /.

Observa-se que, como esperado, ao aumentarmos a largura da barra, dada pela diferença  −   =
(ζ௠௔௫ − 1), as tensões circunferenciais diminuem de forma significativa (em virtude do aumento da
inércia da seção transversal), tanto pelos resultados da Teoria da Elasticidade quanto pelos da
Resistência dos Materiais. Observamos também que, para vigas curvas esbeltas, os resultados
aproximados dados pela Resistência dos Materiais são bastante próximos dos resultados obtidos pela
Teoria da Elasticidade e, portanto, bastante aceitáveis.

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10.5. O Estado de Cisalhamento Puro
Além dos exemplos de estados de tensões independentes de  assinalados nos itens anteriores, existe
outro tipo de estado tensional, também independente de , que pode ser obtido com o uso de uma
função de tensão diferente daquela apresentada pela Eq.(10). A função de tensão que leva a este estado
é dada simplesmente por:

  = .  Eq.(33)

E, para esta função de tensão, a distribuição de tensões no sólido é dada por:


1  (, ) 1  ଶ (, )
௥ =
    ଶ
+ ଶ =0 Eq.(34)

 ଶ (, )
ఏ =
 ଶ
=0 Eq.(35)

 1  ,  
௥ఏ = − . /= ଶ
   
Eq.(36)

Do fato de que tanto a tensão radial quanto a circunferencial são nulas em todos os pontos do sólido,
vemos de imediato que a função apresentada é biharmônica (e, portanto, é, de fato, uma função de
tensão de Airy), pois satisfaz a equação de compatibilidade de deformações (ver Eq.(3) e Eq.(7)). A
distribuição de tensões encontrada é uma distribuição onde apenas tensões cisalhantes ௥ఏ comparecem
(sendo estas independentes de ). Aplicando estes resultados ao domínio formado por um anel de raio
interno a e raio externo b, como indicado na Fig.5, teremos os seguintes carregamentos aplicados aos
contornos:
Sobre o contorno interno ( = ):
௥ఏ   −1
 =  =  =  . =2 3 . *ఏ = − ଶ . *ఏ
௥ఏ  0 −௥ఏ  
0 0
= −௥ఏ
0

Sobre o contorno externo ( = ):


௥ఏ  1
 =  =  =   .   = 2  3 = ௥ఏ . *ఏ = + ଶ . *ఏ
௥ఏ   ௥ఏ  
0 0
0 0

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y

b
a
x

Fig. 5. Domínio formado por um anel (ou um cilindro) em condições de EPT (ou EPD).

Vemos, portanto, que as tensões cisalhantes são constantes em cada região equidistante da origem
do sistema de coordenadas. A Fig.6 ilustra como ficam distribuídas as tensões para o caso em pauta,
considerando que a constante C é um número real positivo (C > 0).


|௥ఏ | =
ଶ


|௥ఏ | =
ଶ

Fig. 5. Esforços distribuídos sobre o contorno.

Calculando a magnitude do momento de torção associado às tensões cisalhantes que atuam em


pontos que são equidistantes da origem4, teremos:


௭ = ௥ఏ .  ଶ .  = .  .  = 24
ଶగ ଶగ

ଶ
଴ ଴

4
Pode-se tomar qualquer distância r da origem, com ܽ ≤ ‫ܾ ≤ ݎ‬.

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Logo, o significado físico da constante C é que esta constante representa o momento de torção (por
unidade de espessura do anel, ou seja, está expresso em N.m/m, em unidades do S.I.) e, desta forma, a
distribuição de tensões cisalhantes pode ser rescrita como:
௭
௥ఏ () = Eq.(37)
24 ଶ

Como já era esperado, o anel está em equilíbrio sob a ação dos binários interno e externo, não
havendo a necessidade de comprovar o equilíbrio (já que as equações diferenciais de equilíbrio ficam
automaticamente satisfeitas quando definidas através de uma função de tensão de Airy).

10.6. O Problema de Kirsch


Consideremos agora um problema de grande interesse para a Engenharia Mecânica, que é o efeito
de concentração de tensões causado por um orifício circular numa chapa de grandes dimensões
submetida a um estado de tensões uniaxial (carregamento aplicado ao longe), conforme ilustra a Fig.6.

y
ߪ௢ ߪ௢

Fig. 6. Chapa em condições de EPT contendo um orifício circular.

As hipóteses para a solução do problema são:


i. Chapa de espessura uniforme em condições de estado plano de tensões (EPT);
ii. Carregamento distribuído uniformemente ao longo dos bordos verticais e ao longo da espessura;
iii. Material da chapa é um meio contínuo, homogêneo, isótropo e possui comportamento elástico-
linear;
iv. Existe linearidade geométrica;
v. Dimensões da chapa são significativamente maiores que o raio do orifício, ou seja, /! ≪ 1,
onde a é o raio do orifício e l representa uma dimensão característica da chapa.

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Considerando que o efeito do orifício seja localizado (ou seja, que ele afeta apenas a distribuição de
tensões nos pontos próximos ao seu bordo), concluímos que nos pontos suficientemente afastados do
orifício, o estado de tensões deve ser próximo àquele encontrado numa chapa sem orifício. Assim,
tomando pontos que distam b do centro do orifício (sendo  ≫ ), o estado tensional destes pontos
pode ser representado pelo seguinte tensor das tensões:
଴
 ௕ = 5 0 0 06 ;  = ,*௫ , *௬ , *௭ -
0 0

Porém, na base ′ = *௥ , *ఏ , *௭ , tem-se:


0 0 0

௕ᇱ = ௧ ௕ 


Onde a matriz de mudança de base é, neste caso, dada por:
78
 = 5* 78 06
−* 0

0 0 1
Logo:
଴ 78 ଶ  −଴ *78
௕ᇱ = 5−଴ *78 ଴ * ଶ  06
0

0 0 0

Assim, as distribuições de tensões (nos pontos distantes do orifício) ficam dadas, em coordenadas
polares, pelas seguintes expressões:

1 782 
௥ = ଴ 78 ଶ  = ଴ . + /
2 2
1 782 
ఏ = ଴ * ଶ  = ଴ . − /

଴
2 2

௥ఏ = −଴ *78 = − * 2 


2

A Fig.7 ilustra como ficam estas três distribuições de tensão (adimensionalizando cada uma delas pelo
valor da tensão de referência ௢ ).

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(௥ /଴ ) (ఏ /଴ ) (௥ఏ /଴ )
Fig. 7. Distribuição das tensões radiais, circunferenciais e de cisalhamento (todas
adimensionalizadas) nos pontos distantes do orifício5.

Lançando mão de um contorno circular (formado por pontos que distam  ≫  da origem do sistema
de coordenadas), temos que o carregamento sobre este contorno deve satisfazer a seguinte condição:
 =  = 
Ou seja6:
௥ (, ) ௥ఏ (, ) 0 1 ௥ (, ) ଴ 78 ଶ 
5ఏ௥ (, ) ఏ (, ) 06 . 90: = 9ఏ௥ (, ): = 9−଴ *78 :

De forma análoga, no contorno formado pelo bordo do orifício (ou seja, em  = ), teremos:
0 0 0 0 0 0

 =  =  = 0
Ou seja:
௥ (, ) ௥ఏ (, ) −௥ (, )
5ఏ௥ (, ) ఏ (, ) 06 . 9 0 : = 9−ఏ௥ (, ): = 90:
0 −1 0

0 0 0 0 0 0

Utilizando, porém, o Princípio da Superposição, podemos separar o carregamento no contorno em dois


carregamentos superpostos, designados por carregamento A (com esforços uniformemente distribuídos
nos contornos) e carregamento B (com esforços distribuídos na forma de funções trigonométricas),
conforme indicado na Fig.8.

5
O círculo de raio unitário representa apenas o círculo trigonométrico.
6
Note que estamos utilizando a base ܾ′ = ሺ݁Ԧ௥ , ݁Ԧఏ , ݁Ԧ௭ ሻ para estabelecer a condição de contorno.

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ߪ଴
߬ఏ௥ (ܾ, ߠ) ߪ଴ − ‫݊݁ݏ‬ሺ2ߠሻ
ߪ௥ (ܾ, ߠ) 2
2
ߪ଴
ܿ‫ݏ݋‬ሺ2ߠሻ
b 2

(Carreg. Original) (Carregamento A) (Carregamento B)

Fig.8. Superposição dos carregamentos A e B para recompor o carregamento original.

Assim, escrevemos:
௥ (, ) = ௥,஺ (, ) + ௥,஻ (, )
E
௥ఏ (, ) = ௥ఏ,஺ (, ) + ௥ఏ,஻ (, )

Sendo que no contorno interno (ou seja, em  = ) devemos ter:


௥,஺ (, ) = 0 ௥,஻ (, ) = 0
௥ఏ,஺ (, ) = 0 ௥ఏ,஻ (, ) = 0

E no contorno externo (ou seja, em  = ) devemos ter:


଴ ଴
௥,஺ (, ) = ௥,஻ (, ) = 78 2 
଴
2 2
௥ఏ,஺ (, ) = 0 ௥ఏ,஻ (, ) = − *2 
2

Solução para o carregamento (A):


Tomando emprestada a solução encontrada para o vaso de pressão cilíndrico de parede espessa, para o
caso particular em que ௜ = 0 e ଴ = −௢ /2, teremos:

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଴ ଶ ଶ ଴ ଶ
௥,஺ (, ) = − ଶ ;1 − ଶ < ≅ ;1 − ଶ <
 −  ଶ   2 
଴ ଶ ଶ ଴ ଶ
ఏ,஺ (, ) = − ;1 < ;1 <
 ଶ − ଶ  ଶ ଶ
+ ≅ +
2
௥ఏ,஺ (, ) = 0

Solução para o carregamento (B):


Como se trata de um caso de EPT, a solução fica determinada ao se encontrar uma função de tensão
= ,   que satisfaça as condições de contorno do problema e a equação de compatibilidade de
deformações dada por ∇ସ ,   = 0. Uma vez encontrada = ,  , as tensões ௥ , ఏ e ௥ఏ são
dadas por:
1  1  ଶ ଶ  1 
௥,஻ + ଶ ଶ ఏ,஻ = ଶ ௥ఏ,஻ = −  
       
=

Observando que as tensões em  =  variam na forma:


଴ ଴
௥,஻ = 78 2  ௥ఏ,஻ = − * 2 
2 2
Tomamos:
,   = = . 782 
Substituindo a função acima na equação de compatibilidade de deformações, obtém-se:
ସ = ଷ = ଶ = =
ସ        + 9   = 0
   
ଷ ଶ

+ 2 ଷ
− 9 ଶ

Cuja solução é dada por (ver, p.ex., [1]):



=  = > ଶ + ? ସ + +@
ଶ
Assim, como ,   = = . 782 , resultam as tensões:

௥,஻ ,   = −
2> + + ଶ 782 
ସ 
6 4@

ఏ,஻ (, ) =
2> + 12? ଶ + ସ 78 2 

6

௥ఏ,஻ (, ) =
2> + 6? ଶ − ସ − ଶ *2 
 
6 2@

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Aplicando as condições de contorno para o caso do carregamento (B), virá para o bordo interno:

 
6 4@
A
2> +

+ ଶ =0

 
6 2@
2> + 6?ଶ − ସ − ଶ = 0

E, para o bordo externo:


଴

2> + + ଶ =
 
6 4@
A
଴
ସ 2

 
6 2@
2> + 6? ଶ − ସ − ଶ = −

Resolvendo o sistema e levando a solução ao limite para / → 0, encontramos:


2

଴ ଴ ଴
> = − ? = 0 = − ସ @ = ଶ
4 4 2
Obtendo-se, assim, a solução para o caso (B).
Aplicando o Princípio da Superposição, obtemos finalmente:
଴  ଶ ଴  ଶ  ସ
௥ (, ) = 1 − & '  + 1 − 4 & ' + 3 & '  782 
  
଴  ଶ ଴  ସ
2 2

ఏ (, ) = 1 + & '  − 1 + 3 & '  78 2 


 
଴   ସ
2 2

௥ఏ (, ) = − 1 + 2 & ' − 3 & '  * 2 


 

Para pontos suficientemente afastados do bordo do orifício, isto é, para ⁄ → 0, tem-se:
Observações Finais:
i.
௥ = ଴ 78 ଶ 
ఏ = ଴ *ଶ 
௥ఏ = −଴ *78
ii. No bordo do orifício,  = , tem-se:
௥ = 0, ఏ = ଴ ,1 − 278 2 -, ௥ఏ = 0
iii. Para  = 4C2, tem-se:
଴  ଶ  ସ
ఏ = 2 + & ' + 3 & ' 
 
Observe que ఏ tende rapidamente ao valor ଴ (o que prova que o efeito do orifício é, de fato,
2

localizado).

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iv. Aplicando o princípio da superposição (válido para materiais com comportamento elástico-
linear e em condições de linearidade geométrica), é possível resolver vários outros casos, onde
o estado de tensões ao longe não é, necessariamente, uniaxial.

y
ߪ௬

߬௫௬
ߪ௫

Fig. 9. Problema de Kirsch com estado de tensões biaxial ao longe.


A solução deste tipo de problema passa pela determinação das tensões principais e direções principais
de tensão (considerando o estado de tensões ao longe), aplicação do Princípio da Superposição, e
posterior mudança de eixos de modo a apresentar os resultados de acordo com o sistema de eixos
fornecido originalmente.
v. Para C! < 1C5, o erro cometido ao utilizar a solução de Kirsch é inferior a 5%.

10.7. Referências
[1] Timoshenko, S.P.; Goodier, J.N., Theory of Elasticity, 3rd ed., Mc-Graw-Hill, Inc., 1970, 567p.
[2] Love, A.E.H.; “A Treatise on the Mathematical Theory of Elasticity”, 4th ed., Cambridge University
Press, New York, 1927.
[3] Ramos Jr., R. “PME-2350 – Mecânica dos Sólidos II. Aula #7: Vasos de Pressão de Parede
Espessa. Notas de aula da disciplina PME-2350. 13p.
[4] Ramos Jr., R. “PME-2350 – Mecânica dos Sólidos II. Aula #8: Estado Plano de Tensão & Estado
Plano de Deformação. Notas de aula da disciplina PME-2350. 7p.
[5] Ramos Jr., R. “PME-2350 – Mecânica dos Sólidos II. Aula #9: Equações de Compatibilidade de
Deformações & Função de Tensão de Airy. Notas de aula da disciplina PME-2350. 8p.
[6] Sadd, M.H., Elasticity: theory, applications, and numerics, 2nd ed., Elsevier, Inc., 2009, 536p.

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