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ISSN 1517-6916

CAOS - Revista Eletrônica de Ciências Sociais


Número 9 – Setembro de 2005
Pág. 74-93

Algumas coisas nunca mudam:


a atual sociedade de classes

Rodrigo de Castro Dias da Silva*

Resumo: O artigo, dentro da perspectiva da estrutura de classes,


delineia as principais mudanças verificadas no período que nos separa
de Marx, ou seja, as diferenças entre a sociedade capitalista
contemporânea e a do século XIX. Mostra os efeitos dessas mudanças
na identidade e consciência das classes, assim como ressalta a
importância do conceito de classe para a análise da exploração e dos
conflitos sociais.
Palavras-chave: classes; estratificação social; exploração; identidade;
consumo; movimentos sociais

Apresentação

A vontade de escrever esse artigo muito provavelmente não


teria surgido se eu não tivesse me inscrito numa disciplina chamada
Estrutura de Classes e Estratificação Social.1 Durante um semestre
pudemos discutir os impactos das transformações sociais sobre a
teoria de classes, principalmente a marxista, discutimos a validade
dessa teoria para o entendimento da sociedade atual, frente às
visíveis mudanças ocorridas desde o século XIX. É claro que a
disciplina não tinha a proposta de trazer uma resposta, era apenas
um espaço para reflexão, para que pudéssemos pensar, não apenas,
mas também sobre um dos mais importantes conceitos da sociologia:
classe. Nesse artigo eu mostro porque o conceito de classe continua
tendo importância fundamental para o entendimento da sociedade.

Introdução

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As diferenças entre as sociedades capitalistas contemporâneas
e as sociedades capitalistas européias analisadas por Marx no século
XIX são muitas. A enumeração dessas diferenças tomaria todo esse
artigo e com certeza não seria exaustiva. Eu vou tentar falar das
mudanças mais significativas e visíveis, tentando me concentrar nas
mudanças que afetam a estrutura de classes. Mas antes de falar
dessas diferenças seria interessante relembrar o conceito de classe
em dois autores clássicos, Karl Marx e Max Weber.
O conceito de classe em Marx tem estreita ligação com a
relação que um grupo mantém com os meios de produção. A
propriedade ou não dos meios de produção define uma relação social
de produção e uma relação de exploração. A classe dominante possui
controle sobre os meios de produção e as classes dominadas sofrem
restrições ao acesso a eles, então são obrigadas a se subordinar
através de uma relação de exploração. As classes dominadas
precisam trocar no mercado a única mercadoria que possuem, a força
de trabalho. Marx, em O Capital, no capítulo inacabado em que ele
trata das classes, identifica três grandes classes: os assalariados, os
capitalistas e os proprietários de terra.
Segundo Hobsbawn, Marx utiliza em suas obras dois sentidos
diferentes para o termo classe, em o Manifesto Comunista o termo
... podia significar aqueles amplos conjuntos humanos que podem ser
reunidos sob uma classificação segundo um critério objetivo – por
manterem relações similares com os meios de produção -, e, mais
especificamente, os agrupamentos de exploradores e explorados que,
por razões puramente econômicas, são encontrados em todas as
sociedades humanas que ultrapassem a fase primitiva comunal e,
como argumentaria Marx, até o triunfo da revolução proletária
(Hobsbawm, 1987: 36).

Em O Dezoito Brumário, por exemplo, Marx introduz um elemento


subjetivo, a consciência de classe, que seria para Hobsbawm um
segundo sentido para o termo classe, apesar de não entrar em
conflito com o primeiro sentido. A luta de classes é uma conseqüência
da consciência de que os interesses da classe trabalhadora não são os

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mesmos da classe dominante, que esses interesses são opostos. No
famoso capítulo XXIV de O Capital Marx diz:
Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital, os
quais usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de
transformação, aumenta a extensão da miséria, da opressão, da
servidão, da degeneração, da exploração, mas também a revolta da
classe trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada
pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista (Marx,
1984: 293).

Quer dizer, o próprio processo de acumulação do capital conduziria à


destruição do modo capitalista de produção, pois Marx presume que o
aumento da exploração conduziria a um aumento da consciência de
classe. A teoria de classes marxista possibilita um entendimento do
processo de reprodução do capital a partir das relações sociais que se
estabelecem no processo de produção das mercadorias quando nelas
se estabelece uma relação de exploração.
Na teoria de Weber o conceito de classe não ocupa um lugar
tão privilegiado quanto na teoria marxista (ocupa um lugar relativo),
pois a classe é apenas uma forma de se pensar a estratificação social,
a maneira como as divisões e desigualdades entre os grupos sociais
se cristalizam e se reproduzem. A definição de classe em Weber é a
seguinte: “Chamamos ‘classe’ todo grupo de pessoas que se encontra
em igual situação de classe” (Weber, 2004: 199). E situação de
classe resulta “dentro de determinada ordem econômica, da extensão
e natureza do poder de disposição (ou da falta deste) sobre bens ou
qualificação de serviço e da natureza de sua aplicabilidade para a
obtenção de rendas e outras receitas” (Weber, 2004: 199). Essa
definição não parece muito diferente da idéia marxista, mas se
distingue bem quando pensamos o conceito de poder em Weber, que
não é resultante somente da situação na ordem econômica, mas pode
resultar de uma situação estamental (situação de um grupo de
status) ou de uma posição de comando (numa estrutura militar ou
burocrática, por exemplo). Ou das três situações em conjunto.

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Weber analisa outras formas de hierarquização social,
orientadas por valores, em que se formam grupos de status. Os
indivíduos e grupos sociais são avaliados, segundo suas habilidades,
riqueza ou origem (entre outros critérios), através de determinados
valores, que estimam o seu prestígio e honra e então se hierarquiza
esses indivíduos ou grupos. Um grupo de status pode influenciar o
poder de uma classe no mercado, pois a situação estamental
geralmente envolve um privilégio sobre a aquisição de determinados
bens. Outra fonte de poder é o tipo de dominação sobre um grupo de
pessoas, por exemplo, um quadro administrativo, um partido político
ou um exército. A principal diferença em relação a Marx, é que Weber
dá ênfase à cultura, em como um grupo social não é só definido por
sua posição em relação aos meios de produção, mas que ele é
também avaliado segundo um sistema de valores e o seu poder
depende em grande parte também desse sistema de valores. Um
indivíduo nesse caso pode ter muito dinheiro e não conseguir
determinados bens no mercado, pois a aquisição desses bens
depende da entrada dele em algum grupo que os monopolize, e para
ele ser aceito nesse grupo é necessário que ele respeite ou atenda a
determinadas imposições que o seu dinheiro pode comprar ou não. A
tendência durante o processo de modernização é que a situação de
classe do indivíduo se torne cada vez mais independente das
limitações impostas no mercado pelos grupos de status, pois envolve
todo um processo de racionalização da sociedade, onde a
subjetividade tende a ceder espaço à objetividade na orientação das
ações individuais.

Mudanças

É difícil apontar um ponto principal que diferencie a sociedade


capitalista em que vivemos das sociedades capitalistas do século XIX;
talvez seja melhor começar pelos movimentos sociais. É inútil a

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tentativa de saber ao certo que visão seguir, uma visão materialista
ou culturalista da vida em sociedade, pois mesmo que a cultura seja
definida em última instância pela vida material, com o entendimento
dos sistemas culturais podemos perceber como os membros da
sociedade se vêem, como eles percebem a sua relação com os
outros, como formam a sua identidade e por meio de que valores e
condutas esses grupos se distanciam ou se aproximam uns dos
outros. Uma análise antropológica de como a ideologia liberal exerce
influência sobre a solidariedade de uma dada comunidade pode nos
revelar tanto quanto uma análise da integração econômica dessa
comunidade à sociedade capitalista. Para entendermos um
movimento social é tão necessário que tenhamos um quadro da
situação sócio-econômica de seus membros quanto que façamos uma
análise das motivações que levaram à formação do movimento, a
análise das categorias de classificação, da formação dos símbolos e
discursos, assim como um retrato de suas perspectivas. Se, por
exemplo, a motivação primeira da formação de um movimento social
é a exploração econômica, é importante compreendermos também
como aquela percepção da exploração se traduz na formação de
práticas particulares do movimento e como a formação de uma
cultura própria irá reforçar a percepção que o movimento social tem
de si mesmo e dar mais força à sua ação.
A emergência de novas demandas através dos chamados
“novos movimentos sociais” da década de sessenta trouxe à tona a
diversificação dos atores sociais e das formas de desigualdade social.
Era como se a desigualdade econômica tivesse se multiplicado em
desigualdade racial, étnica, sexual, etária, educacional, e por aí vai.
Como pensar as classes sociais a partir dessa diversidade de
demandas que não apresentam mais uma conexão clara com a
situação do trabalho? Uma desigualdade entre brancos e negros
geralmente é acompanhada por uma desigualdade econômica, mas a
motivação dos movimentos raciais e o seu discurso diferem da ação

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de uma classe em situação econômica idêntica. Porque esse
movimento não se incorporou numa ação de classe? Seria um simples
problema de estreiteza na percepção dos atores? Acredito que para
além da situação de exploração econômica através do trabalho, os
membros dos movimentos raciais perceberam outras limitações aos
recursos sociais, por exemplo, a educação. Não se trata apenas de
uma exploração direta, mas também de explorações indiretas
percebidas pelos atores e que não encontravam um meio de
solucioná-la através dos movimentos classistas. As ações de classe
ampliavam as suas demandas (restringindo assim suas perspectivas
de sucesso), ou aconteceria o que realmente aconteceu, a
diversificação das ações coletivas e a fragmentação das identidades.
O processo de especialização do trabalho é uma continuidade
do processo histórico de divisão social do trabalho. A especialização é
ao mesmo tempo o efeito e a causa do desenvolvimento das forças
produtivas, mas a sua característica aparentemente moderna é que
ela é acompanhada pelo processo, em larga escala, de automatização
da produção. Cada desenvolvimento das forças produtivas
(concomitante com uma nova especialização) é seguido pelo aumento
da exploração, tanto diretamente, quanto indiretamente através do
desemprego. Na situação de desemprego tendem a se situar os
trabalhadores que em cada momento não se conformam mais aos
padrões de qualificação, e a situação se agrava porque esses padrões
se modificam cada vez com maior velocidade. E onde fica no meio
disso tudo a união dos trabalhadores que Marx tanto enfatizou no
capítulo XXIV de O Capital? Como formar uma identidade entre
trabalhadores altamente qualificados e os desempregados? Como um
técnico altamente especializado que agora se diz pertencente à classe
média vai se solidarizar com o seu antigo companheiro da classe
trabalhadora, agora tão distante em termos de gostos, de modo de
falar, de hábitos, valores e perspectivas? Como ser solidário sem
comprometer a própria situação?

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A questão é como as forças produtivas se desenvolveram tanto
sem que fosse possível crescer na mesma medida a consciência de
classe, e como, apesar do processo de exploração do trabalho
continuar e se agravar, as ações coletivas deixam de se identificar
com a situação de classe2? As manifestações sociais são esparsas, os
interesses são diversificados e se torna cada vez mais difícil
identificar um conflito social como conflito de classe. A especialização
contribui para a criação de identidades particulares, pois através de
uma trajetória educacional particular o trabalhador se diferencia dos
demais. O processo de especialização leva à individualização e mina a
solidariedade tão necessária à manutenção da consciência de classe.
A trajetória do PT e de Lula é um ótimo exemplo da
transformação da política de classes, apesar de no Brasil ela ser
atípica. Na origem do partido está a sua estreita ligação com os
interesses classistas, hoje esses interesses disputam espaço entre
outros para serem representados. No governo percebemos o quão
difícil é levar a cabo as demandas das classes trabalhadoras através
da política. E essa transformação foi dupla, por um lado os
desmembramentos da consciência e das identidades coletivas têm
seu reflexo na vida política, por outro lado as mudanças na esfera
produtiva com a terceira revolução industrial, a aceleração do
processo de globalização, a reestruturação do capitalismo sob uma
nova forma de liberalismo se juntaram para destruir as diversas
formas em que se estruturou o Welfare State pelo mundo, e onde ele
não foi estruturado (ou bem estruturado) no mundo capitalista as
conseqüências devem ter sido ainda piores. Juntamente com o
Welfare State se desmantelaram os acordos corporativistas, que
mantinham pelo menos a imagem de uma sociedade organizada em
torno de interesses classistas. Torna-se evidente a relação do Estado
e da classe trabalhadora para a formação de uma organização de
classe (Pakulski, 1993). Porém, o desmantelamento dos acordos
corporativistas é apenas um reflexo de uma correlação de forças

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crescentemente desfavorável à classe trabalhadora que teve como
base as transformações nos processos produtivos, no
desenvolvimento das forças produtivas.
Houve um aumento significativo dos trabalhadores no setor de
serviços, um setor não ligado diretamente à produção de
mercadorias. Essa relação não tão clara entre o trabalho e a
mercadoria levanta complicações tanto para quem quer analisar a
sociedade atual quanto para a própria formação da consciência de
classe. A imagem da fábrica e do processo de agregação de valor à
mercadoria através do trabalho realizado durante um espaço de
tempo era muito nítida e permitia que os trabalhadores visualizassem
claramente o processo de exploração, percebessem a sua situação de
classe.
A análise da estratificação social das sociedades mais
desenvolvidas economicamente vai apontar para uma elevação da
riqueza3 da população nos últimos cem anos, com um aumento
considerável de pessoas que não possuem como preocupação
imediata a sua subsistência. Essas sociedades testemunharam um
aumento da população nos estratos médios e a sua estrutura de
classes “lembra mais um diamante saliente do meio do que uma
pirâmide” (Clark e Lipset, 1991: 406).4
Então, a partir do momento que o sujeito se distancia das
preocupações relativas com a sua subsistência, outras preocupações
aparecem e através da educação outros valores surgem. Os novos
movimentos sociais que surgem com novas demandas podem ser
vistos como a emergência de novas preocupações oriundas de classes
que conseguiram um meio de se expressar, após terem se livrado das
amarras das necessidades mais imediatas, e através da educação
conseguiram assimilar valores de outras classes e também produzir
seus próprios valores e discursos. A emergência desses movimentos
sociais não reflete exatamente as tensões na ordem econômica,
embora os interesses desses movimentos cruzem com interesses de

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origem econômica, mas não necessariamente partem da percepção
da exploração que acontece na esfera da produção.
As classes médias são classes que possuem acesso aos meios
de produção cultural, são classes que através da maior
disponibilidade de recursos conseguem ter maior acesso ao sistema
educacional, têm mais opções de lazer, consomem uma linha de
produtos mais ampla e assim conseguem construir uma identidade
menos coletiva e cada vez mais individual. E essa individualidade se
expressa cada vez mais no consumo, principalmente quando ele é
usado como uma forma de distinção e reconhecimento social. Isso é
evidente quando um sujeito vai subindo na escala social (renda,
prestígio) e começa a rejeitar determinados estilos de música, não lê
jornais populares, não freqüenta determinados lugares, deixa de falar
algumas expressões. Ao mesmo tempo em que o consumo é um meio
de individualização, se tornou também um meio de uniformização das
identidades de classe. A produção em massa de várias mercadorias
antes restritas a uma determinada classe (no Brasil é visível o caso
dos eletrodomésticos ou objetos pessoais, como celulares e roupas)
torna menos provável a identificação de uma classe com uma forma
de consumo. Olhar a sociedade através dos atos de consumo
pensando nas classes nos revela como o consumo destrói duplamente
a consciência de classe, tanto através da massificação quanto da
individualização. Mas é claro que a uniformização é mais evidente
entre classes mais próximas entre si.

As classes médias

É difícil definir quando uma classe pode ser definida como


classe média, se pela renda, pelos valores, pelas expectativas, pelas
qualificações ou pela situação ocupacional, pelo mesmo motivo que é
difícil utilizar a expressão classe trabalhadora ou classe média (no
singular), pela falta de precisão. A identificação da divisão entre as

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classes trabalhadoras e as classes médias e entre essas e as classes
dominantes se torna cada vez mais difícil, pois envolve um processo
de deformação das identidades de classe.
As classes médias possuem uma posição ambígua dentro da
sociedade, e a própria dificuldade de análise das sociedades atuais
através da estrutura de classes pode ser vista como uma dificuldade
de se definir precisamente o conceito ‘classe média’. A classe média é
um complicador da clássica relação entre o capital e o trabalho, as
classes médias borram a linha divisória que separam os interesses da
classe dominada e da classe dominante. Aa classes médias
produzem, por exemplo, intelectuais que tentam reproduzir o
discurso hegemônico e os intelectuais que tentam romper com esse
discurso. Os indivíduos das classes médias, segundo Erik Olin Wright
(1985), estariam numa posição contraditória, pois partilham certos
interesses das classes trabalhadoras e determinados interesses da
classe burguesa. Um gerente que tenha um domínio sobre um certo
número de trabalhadores continua sendo um empregado, mas
partilha valores da classe dominante.
Outro complicador para o entendimento das classes médias é
que seus membros, apesar de não estarem sob os imperativos da
vida material, se tornam mais sensíveis à ‘vida cultural’, são pessoas
que passam a interagir com diversos sistemas de classificação que
produzem novas e variadas hierarquias. As classes trabalhadoras
também possuem suas categorias de classificação e sua maneira de
montar hierarquias dentro da classe, mas esse processo parece se
acentuar mais entre a classe média, enquanto que com as classes
dominantes, torna-se indispensável a manutenção de uma posição de
status e o controle sobre as categorias de classificação. As classes
sociais interagem mais ativamente com a cultura a partir do
momento em que têm a possibilidade de acessar os meios de
produção cultural, seja através da aquisição ou controle (acesso
ativo) ou apenas do uso (acesso passivo). Ativamente, quando

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orienta estilos de vida, cria símbolos de status, obras literárias ou
métodos de ensino. Passivamente, quando apenas contribui para a
reprodução de um determinado sistema de valores e classificações,
por exemplo, quando consome os produtos que lhe conferem um
determinado reconhecimento ou simplesmente adere a determinadas
condutas de vida que podem conferir prestígio. A importância e
ambigüidade das classes médias residem exatamente aí, em como
elas vão interagir com a cultura hegemônica, como a partir de seus
interesses de classe ambíguos vão se decidir entre romper com ela e
produzir alternativas culturais ou então contribuir para reforçá-la.
A perspectiva weberiana tem menos problemas em lidar com as
classes médias e a diversidade social do que a perspectiva marxista,
pois em Weber não há limites para o número de classes, sendo
incontáveis as situações de classe. Para Weber
... o poder de disposição sobre os diversos tipos de bens de consumo,
meios de produção, patrimônio, meios de aquisição e qualificação de
serviço constituem, em cada caso, uma situação de classe especial, e
somente a falta total de ‘qualificação’ de pessoas sem propriedade,
obrigadas a ganhar a vida por seu trabalho com ocupações
inconstantes, representa uma situação de classe homogênea (Weber,
2004: 199).

O que ele dá a entender é que seriam muitas as situações de classe,


todas elas diferentes entre si, e que só a privação em relação a bens,
propriedades ou qualificações contribuiria para a reunião de diversos
indivíduos sob a mesma situação de classe.
Partindo disso, poderíamos pensar que somente a privação em
relação a algo, privação vivenciada da mesma maneira por diversos
indivíduos levaria à formação da consciência de classe. Aí podemos
inserir a idéia de exploração, tão presente em Marx. Erik Olin Wright,
na sua tentativa de entender as desigualdades em outros modos de
produção, inclusive nas sociedades socialistas, chega à conclusão de
que a exploração é uma situação em que o benefício de uma parte é
obtido às custas de outra parte (Wright, 1985: 65). A situação de
exploração em Marx, no contexto da produção de mercadorias, é

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apenas uma entre outras formas de exploração. Os estratos médios
possuem determinadas qualificações, acesso a bens e propriedades
que a diferenciam (na teoria weberiana determinam uma
determinada situação de classe) e a colocam numa relação de
exploração com as outras classes, como explorada e exploradora.
Quando um indivíduo tem acesso a um conhecimento que está
restrito às outras classes e ele obtém um benefício por essa restrição,
ele está explorando as outras classes.
A formação de uma organização de classe depende em grande
parte que os indivíduos numa mesma situação de classe percebam a
exploração que sofrem em comum. Todas as classes são exploradas
de alguma forma (na verdade, de diversas formas), mas de maneiras
diferentes, são explorações que carecem de homogeneidade e não
permitem a percepção de que é preciso agir coletivamente. Mas a
própria percepção é influenciada por um conjunto de valores que
dificultam ainda mais esse quadro. Os movimentos sociais poderiam
ser vistos como uma percepção de um determinado tipo de
exploração que afetam os membros de diversas classes, que por mais
que não tenham nenhuma semelhança quanto à exploração na
situação do trabalho, vivenciam em determinado ponto de suas vidas
em sociedade outras formas de exploração em comum, como a do
homem sobre a mulher ou de uma etnia sobre outra.

Identidade e consciência de classe

Se uma ação de classe pretende ser vitoriosa, ela certamente


tem que criar uma identidade de classe, criar símbolos, valores,
discursos e práticas que façam com que seus membros se sintam
ligados uns aos outros e também consigam se diferenciar das outras
classes, principalmente da classe que se opõe à realização de seus
interesses. A identidade também ajuda a firmar a coerência interna
da classe, quanto mais firmes forem seus valores e quanto mais seus

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membros se sintam como portadores desses valores mais chances a
classe social tem de ser um conjunto coeso, coerente e homogêneo.
É preciso reconhecer a dialética entre a identidade e
consciência, o processo de formação da consciência de classe não
pode ser entendido sem uma referência à formação da identidade.
Um processo reforça o outro. A identidade, ao firmar os valores e
características específicas de uma classe, a diferencia das restantes,
torna claro aos membros da classe os limites entre uma classe e
outra e os papéis de cada classe na produção de bens e na
distribuição das recompensas. Poderia-se afirmar que a identidade é
uma conseqüência da consciência de classe, mas eu creio que não,
pois determinadas situações de classe podem gerar, mesmo que os
atores não estejam conscientes, padrões de vida semelhantes,
identificando a classe (para o exterior) mesmo sem a consciência de
seus membros.
A seguinte afirmação de Hobsbawm é esclarecedora:
As classes nunca estão prontas no sentido de acabadas, ou de terem
adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar. Entretanto,
como a classe operária foi historicamente uma classe nova – não
reconhecida como um coletivo social ou institucional, interna ou
externamente, até um período específico -, faz sentido delinear sua
emergência enquanto grupo social durante um certo período
(Hobsbawm, 1987: 273).

Ele define um período no qual o desenvolvimento da indústria inglesa


afeta a vida da classe trabalhadora de uma maneira que possibilita o
surgimento de uma identidade de classe, aí os trabalhadores, até
então, espalhados e sem vínculos, passam a perceber que fazem
parte de uma classe trabalhadora nacional. Percebem seus interesses
comuns, compartilham um estilo de vida, se identificam através de
símbolos próprios até essa consciência se traduzir “numa tendência
secular a afiliar-se a sindicatos e a identificar-se com um partido da
classe, o Trabalhista” (Hobsbawm, 1987: 273). É necessário entender
que a classe é uma realidade objetiva, independentemente da
consciência que um grupo de pessoas numa mesma situação de

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classe tenham, ela não depende da consciência dos atores sociais
para existir.
Hobsbawm não nega a existência das classes quando não existe
consciência, ele sabe que as relações que os grupos sociais mantêm
com os meios de produção constituem um critério objetivo para se
classificar esses grupos como classe, mas a consciência dá vida à
classe, a partir daí a classe tem possibilidades de atuar mais
ativamente na sociedade, ganha relevância para o estudo histórico e
consegue o reconhecimento da sociedade. É como se uma imagem
bidimensional ganhasse profundidade, as classes passam a ter um
papel importante na dinâmica social. A classe sem consciência
desempenha um papel no funcionamento da ordem social, mas não
de uma forma ativa. Nas palavras de Hobsbawm: “Uma classe, em
sua acepção plena, só vem a existir no momento histórico em que as
classes começam a adquirir consciência de si próprias como tal”
(Hobsbawm, 1987: 36).

Conclusão

A falta de identidade de classe, o desmembramento dos pactos


corporativistas e das políticas de classe, o aparecimento dos novos
movimentos sociais como acontecimentos relevantes e a
fragmentação das identidades não são fatos que possam determinar
a invalidade do conceito de classe.
Muitos críticos da teoria marxista não conseguem separar a
teoria da história da teoria de classes. É claro que as duas estão
intimamente ligadas quando Marx fala do papel das classes na
história, mas esse é um conteúdo filosófico do pensamento marxista
que podemos aceitar ou não, então seria ingênuo invalidar a teoria de
classes que traz a idéia de interesses antagônicos, que podem se
manifestar numa rivalidade no mercado, e se concretizam através da
exploração na produção de mercadorias e da desigualdade na

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distribuição. Pakulski (1993) diz que a teoria marxista é obsoleta
quando, por exemplo, não é capaz de dar conta do quadro das
sociedades socialistas, pois seriam sociedades sem classes, mas com
índices de desigualdade comparáveis às das sociedades capitalistas.
Esse é um tipo de crítica que tem uma visão estreita da teoria de
Marx ou uma tendência em querer destruí-la. O que muda nas
sociedades socialistas é o papel da propriedade, mas ainda existem
relações de exploração. É necessário pensar mais amplamente a
exploração, nas suas mais diversas formas, não apenas como um
efeito da propriedade, mas também como um efeito do domínio do
conhecimento, da monopolização da técnica ou do domínio
carismático sobre um grupo de pessoas (como indica Weber). Eu
acredito que, como Marx, deve-se pensar a classe na relação de seus
membros com os meios de produção, porém ampliando o significado,
considerando também os meios de produção cultural, de produção de
conhecimento, tendências, valores ou símbolos.
A classe tem uma existência objetiva independente da forma
como pensem os indivíduos, a classe pode ser pensada como
indivíduos numa mesma situação de classe, num mesmo tipo de
relação com os meios de produção. O reconhecimento da classe (pelo
cientista, pela sociedade e pelos próprios membros) depende de uma
construção. Segundo Bourdieu (2004, cap. V), o espaço social é
formado de diversos campos, com relativa autonomia entre si, e no
interior de cada campo os agentes sociais lutam entre si utilizando
recursos específicos daquele campo. Portanto, no campo cultural, o
poder econômico não seria tão eficiente quanto no próprio campo
econômico. O que Bourdieu ressalta em relação às classe, e que
considero importante, é que a própria formação da classe é objeto de
uma luta, é um processo de construção no ‘campo cultural’, onde
visões de mundo lutam para se tornarem legítimas e aceitas. Outro
aspecto importante é a diversificação que Bourdieu faz de meios de
produção, não se limitando à produção de bens materiais. São

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apenas esses dois aspectos que compartilho com Bourdieu no
presente artigo.
A formação da consciência de classe não é uma condição
necessária para a existência dela, pode acontecer ou não. O problema
é que muitas vezes diversos indivíduos de uma mesma classe
(portanto, sujeitos à mesma exploração) não tomam consciência
dessa exploração, não desenvolvem uma consciência de classe, então
a partir daí, alguns sociólogos deixam de enxergar a classe, apenas
porque não enxergam a identidade ou a consciência que deveria
existir.
Assim, a análise sociológica deixa de lado os processos
subjacentes que levam à destruição das identidades e consciências de
classe ou impedem o nascimento delas. A maioria desses processos
deveria ser considerada como parte da luta de classes, porém de uma
luta mais sutil que muitos não sentem, travada muitas vezes no
plano ideológico em discursos que se espalham e ganham
legitimidade na sociedade e que também atinge a própria discussão
acadêmica. Quando a análise sociológica aceita a ‘morte das classes’
ela nega a possibilidade de uma análise objetiva da realidade social e
embarca na tentativa de mostrar as mudanças, que muitas vezes têm
como função essencial velar algumas coisas que permanecem.
É importante perceber como se dá o acesso ou a restrição dos
indivíduos aos bens materiais e imateriais produzidos pela sociedade
e das situações de exploração que podem resultar dessas restrições,
e a partir daí perceber se essa situação de exploração resultará em
alguma ação coletiva. E se a consciência de classe não se consolida é
importante entender os mecanismos que possam estar impedindo a
formação dela, pois a própria etapa de formação da consciência de
classe envolve uma luta de classes.
Weber ressalta que os grupos de status tendem a orientar suas
ações subjetivamente enquanto as ações de classe orientam-se
objetivamente, talvez aí resida um aspecto do enfraquecimento das

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ações classistas e do fortalecimento de outros tipos de ação coletiva:
os valores que orientam a ação. A coesão de um grupo social é
enfraquecida quando seus membros deixam de se orientar pelos
valores comuns ao grupo e passam a se orientar por interesses
particulares. Isso parece óbvio, mas não custa ressaltar: tão
importante quanto a percepção, por um certo grupo social, da
exploração sofrida é a possibilidade que esse grupo tem de orientar
as suas ações segundo valores que sejam mais importantes que os
interesses individuais mais imediatos. A dinâmica de modificação e
produção de valores é tão importante quanto as mudanças materiais.
É necessário perceber como alguns grupos sociais se fecham e
monopolizam recursos e a partir disso pensar a exploração. Um grupo
social pode ser heterogêneo quanto à produção de bens materiais,
mas pode ser considerado homogêneo na produção de discursos, de
conhecimento ou de estilos de vida, devendo então ser considerado
como uma classe, pois em relação a determinado meio de produção
suas características são idênticas e muito provavelmente as relações
de exploração. Dentro dessa perspectiva é incalculável o número de
classes sociais, mas é preciso ter perspicácia para saber que classes
são relevantes no funcionamento da dinâmica social, quais delas
desempenham um papel de destaque na distribuição de bens na
sociedade, assim como para perceber quais classes tem potencial
para, dentro de uma determinada conjuntura, modificar os padrões
culturais e institucionais.
Um mesmo indivíduo poderia, de acordo com diferentes
critérios, estar em diversas situações de classe, mas não em
diferentes situações de classe segundo o mesmo critério. Contudo,
pode haver antagonismo entre duas classes que sejam consideradas
através de critérios diferentes. A situação de exploração de um
trabalhador em um emprego considerado flexível está relacionada
também com as classes que fortalecem o discurso neoliberal e
pregam, entre outras coisas, a presença mínima do Estado, o

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enfraquecimento da legislação trabalhista e lutam pelo fim do
sindicalismo. A grande ironia, que poderia ser considerada um grau
absurdo de falta de consciência de classe, é quando um indivíduo
numa situação de classe, segundo um critério X, confronta a si
mesmo numa outra situação de classe, agora segundo um critério Y.
Apesar das mudanças mais visíveis nas sociedades capitalistas
avançadas, onde grande parte da população faz parte dos estratos
médios com amplo acesso aos bens materiais, é forte grau das
desigualdades mundiais e com tendência a se acentuar, pois é
crescente o número de pessoas que não conseguem se ‘globalizar’,
pois o acesso às ferramentas da informação, como a internet, sofre
limitações. Os tumultos que ocorreram na França entre outubro e
novembro de 2005 deixam claro que mesmo as nações mais
desenvolvidas podem ser pensadas como sociedades de classe. A
morte de dois adolescentes foi o ponto de partida para uma série de
manifestações que de alguma forma retratam a dificuldade de se
articular um movimento de classe. A depredação dos carros foi um
tipo de ação que se irradiou, mesmo sem se basear em alguma
organização reconhecida, foi a percepção, pelos moradores dos
subúrbios de Paris (principalmente os jovens e descendentes de
imigrantes) da situação de exploração que encontrou uma certa
uniformidade num espaço geográfico. O resultado das revoltas foi
aproximadamente nove mil carros destruídos, o que é muita coisa,
para um movimento sem bandeiras, sem líderes, sem acesso aos
meios de comunicação de massa e sem objetivos de longo prazo. São
jovens e desempregados que não conseguem espaço dentro dos
movimentos estudantis e não são representados pelos sindicatos. Os
jovens revoltosos estão em situações de classe semelhantes,
possuem condições semelhantes de acesso aos meios de produção
cultural e material As revoltas na França revelam a diversidade dos
grupos sociais, da incapacidade das formas organizadas de ação
coletiva darem conta de todas as demandas sociais, nos revela

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também as imprevisíveis possibilidades intermediárias de uma ação
coletiva, desde suas formas mais primárias até um estágio como a
ação da classe trabalhadora inglesa organizada em torno de um
partido político e um sindicato, como mostra Hobsbawm. Da mesma
forma que a classe trabalhadora inglesa já não é mais a mesma, nada
nos garante que essas revoltas na França não possam se
desencadear em uma ação coletiva maior. A consciência de classe é
apenas um processo de construção, as condições materiais já estão
dadas.

Referências

BOURDIEU, Pierre. 2004. O Poder Simbólico. 7ª edição. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil.
CLARK, T.N. e LIPSET, S.M. 1991. “Are Social Classes Dying?”
International Sociology, December, vol. 6, n. 4, p. 397-410.
HOBSBAWM, Eric J. 1987. Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
MARX, Karl. 1984. O Capital, vol. 1. São Paulo: Abril Cultural.
PAKULSKI, Jan. 1993. “The Dying of Class or Marxist Class Theory?”
International Sociology, September, vol. 8, n. 3, p.279-292.
WEBER, Max. 2004. Economia e Sociedade, Vol. 1 e 2. 4ª edição. São
Paulo: Editora UNB.
WRIGHT, Erik Olin. 1985. Classes. London: Verso.

Notas

*
Aluno do 7º. período do curso de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências da
UFRJ. (rcds@terra.com.br)
1
Disciplina oferecida pela professora Paola Cappellin.

2 Para não criar confusão eu entendo a situação de classe como uma certa posição do
indivíduo em relação aos meios de produção. Essa relação pode envolver a propriedade dos
meios de produção, o controle deles, simplesmente o uso (ou o não uso) ou as três situações
combinadas entre si. Na prática, provavelmente, mas não necessariamente (é uma
possibilidade teórica, mas que não teria relevância), envolve uma relação de exploração. A
classe é apenas a existência de um número considerável (relevante para a análise
sociológica) de indivíduos na mesma situação de classe. A classe enquanto um grupo de

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pessoas na mesma situação de classe, conscientes da sua situação de classe e da situação
de exploração, com interesses comuns, organizados coletivamente e agindo coletivamente é
uma construção (assim como a do sociólogo), mas que se tornou real a partir do momento
em que os atores aceitaram essa classificação. Então essa “classe para si” é apenas uma
possibilidade, pois depende da construção dos atores sociais. Nada garante a sua formação e
o seu reconhecimento envolve uma disputa.

3 Clark e Lipset (1991) no artigo intitulado Are Social Classes Dying? dizem a seguinte frase:
“Affluence weakens hiearchies and collectivism; but it heightens individualism” (A riqueza
enfraquece as hierarquias e o coletivismo; mas ela reforça o individualismo) (Clark e Lipset,
1991: 405). Caso a sociedade global fosse analisada como uma sociedade de classes, o que
esses autores diriam? Provavelmente diriam que somente a concentração de renda
aumentou, que mais pessoas se tornaram ricas nas sociedades capitalistas avançadas
enquanto mais gente se tornou pobre nas periferias. Mas é preciso reconhecer que a
segunda frase deles tem validade universal, pois qualquer indivíduo que tem acesso à
riqueza tende a se diferenciar (pois tem possibilidade maior de escolha e acesso a bens
diversificados), o que enfraquece a originalidade da frase, pois ela perde a sua conexão
específica (pretendida pelos autores) com a sociedade contemporânea. E se eles rebatem
dizendo que se limitaram a determinadas sociedades capitalistas desenvolvidas, então eu
diria que o próprio artigo deles perde a sua validade, pois como alguém pode questionar a
validade de um conceito se não verificam a sua aplicabilidade em outros contextos. Uma
sociedade global, com um capitalismo que supera fronteiras e avança até os confins do
mundo precisa de uma análise de classes global. Então qualquer discussão séria sobre a
validade do conceito de classe deveria levar em conta essa questão. Então a primeira parte
da frase, levando isso em consideração, teria de ser formulada de forma diferente: O
aumento da riqueza nas sociedades centrais reforça as hierarquias entre as nações, e é
prematuro dizer algo sobre o coletivismo.

4 No original “The class structure increasingly resembles a diamond bulging at the middle
rather than a pyramid”.

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