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Fernão Lopes, Crónica de D. João I – “Do alvoroço que foi


na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi
Alvaro Paaes e muitas gentes com ele” (Capítulo XI) –
Dramatização.

Autoria: Vanda Jordão

Adaptação e revisão: A.P.H.

Pretende-se contrariar a falta de comunicação, o desânimo, o distanciamento na sala de


aula através da partilha, da valorização das competências humanas, da utilização de
elementos lúdicos. As actividades de expressão dramática potenciam o desenvolvimento
de aptidões artísticas e a troca de experiências pessoais ao mesmo tempo que se revelam
métodos de trabalho eficazes e pessoalmente transformadores, consolidando processos
de crescimento e maturação através da reflexão, crítica, debate, solidariedade, respeito
mútuo. Os alunos poderão fazê-lo através de problemas mais prementes, que existam
dentro ou fora da escola, escrevendo os seus próprios textos, ou apropriando-se de
outros que poderão dar origem a pequenos sketches ou a trabalhos mais elaborados. O
recurso a jogos dramáticos, à expressão corporal, a exercícios de desinibição, ao
improviso, ao trabalho de voz, à concentração, são também aspectos importantes que
devem ser introduzidos neste tipo de trabalhos que compete ao professor gerir e
dinamizar.

É também uma actividade catalisadora de experiências multidisciplinares, para onde


poderão convergir os contributos de várias disciplinas: Educação Física (o controlo do
corpo, dos movimentos é fundamental), Educação Visual ou Desenho (na construção de
cenários, por exemplo), Português e História, ou ainda Educação Musical e Têxteis,
quando exista.

Para este exemplo específico que aqui se propõe, professor e aluno são (re)criadores, os
últimos igualmente actores e, simultaneamente, encenadores, transformando um texto
narrativo em dramático, inserindo-o no contexto das crises e da revolução do século
XIV em Portugal. Em simultâneo trabalhar-se-ão conceitos de “independência
nacional”, “identidade”, “revolução”.

A turma teria de dividir-se numa primeira fase em grupos de trabalho: o dos actores, os
encenadores, os responsáveis pelo guarda-roupa, os cenógrafos. Previamente o texto
original deveria ser trabalhado, reformulado, reescrito na tentativa de o simplificar ou
adaptar.
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Título provável: O rei que o povo escolheu


D. João I, décimo Rei de Portugal, nasceu em
Lisboa a 11 de Abril de 1357 e morreu na
mesma cidade a 14 de Agosto de 1433.

D. João era filho ilegítimo do rei D. Pedro I e


de Teresa Lourenço (uma jovem filha do
mercador lisboeta Lourenço Martins; embora
durante muito tempo se tenha sustentado que
era de origem galega). Em 1364 foi consagrado
Grão Mestre da Ordem de Avis.

D. João I
In http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_I_de_Portugal (acedido em 25.08.2008)

O rei que o povo escolheu


Autor – Fernão Lopes

Adaptação – Alunos da turma ___

Encenação:

Cenários:

Guarda-roupa:

Actores por ordem de entrada em cena

Narradores:

Pajem:

Álvaro Pais:

Povo:

Mestre:

As donas da cidade:

Conde:
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Cronologia dos Acontecimentos


1383

Paz entre D. Fernando de Portugal e João I de Castela, firmada em Elvas.


Foi assinado o contrato de casamento, em Salvaterra de Magos, entre a infanta D.
Beatriz, filha de D. Fernando e D. Leonor Teles, e João I de Castela.
Morreu D. Fernando, nono rei de Portugal.
Regência de D. Leonor Teles.
Revolução de Lisboa.
João Fernandes Andeiro foi assassinado pelo Mestre de Avis.
O Mestre de Avis mandou pedir auxílio militar a Ricardo II de Inglaterra, por
intermédio de Lourenço Martins e Daniel Inglês.
O Mestre de Avis foi elevado, em Dezembro, a regedor e defensor do Reino, após a
revolta de Lisboa.

1384

O Bispo da Guarda facilitou a entrada do monarca castelhano naquela cidade.


D. João I de Castela chegou a Santarém, onde se encontrava Leonor Teles.
D. João I de Castela cercou Lisboa.
Batalha dos Atoleiros.
D. João I de Castela seguiu para Sevilha.
Epidemia de Peste.

1385

Cortes de Lisboa.
Início do reinado de D. João I.
Batalha de Aljubarrota.
Batalha de Trancoso.
Batalha de Valverde.

Contexto histórico dos acontecimentos


1) Outubro a Dezembro de 1383 – Regência de D. Leonor Teles
Após a morte de D. Fernando, ocorrida a 22 de Outubro de 1383 e, em
conformidade com o Tratado de Salvaterra de Magos, de 2 de Abril de 1383, D.
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Leonor Teles, a “rainha viúva”, ocupou a regência de Portugal. Viviam-se


tempos de crise, presente em todos os aspectos do quotidiano e, nesse aspecto
Portugal não destoou do panorama geral europeu, embora com aspectos muito
próprios que o distinguem do restante mundo feudal.
Após a aclamação de D. Beatriz e de D. João de Castela como reis de Portugal
em todas as cidades e vilas do Reino e ressalvados os seus direitos da regência, a
Nação mostrou-se contrária ao que fora acordado, contestando nas ruas e
provocando, inclusive, alguns tumultos em várias localidades. Alguns fidalgos
fervorosos “nacionalistas” e muito povo cioso da independência do Reino,
desejosos de um monarca verdadeiramente português, revoltaram-se contra a
conjuntura particularmente grave e contra duas das personalidades que dirigiam
os destinos políticos de Portugal: D. João de Castela e D. Leonor Teles, a quem
chamavam a Aleivosa. De modo que no Reino se protestava, fosse por interesse
ou por medo de uns, fosse por vingança ou mesmo por patriotismo de outros,
uma vez que a situação não admitia delongas.
E assim o golpe eclodiu, gizado em grande parte por Álvaro Pais, e contando
com o apoio do movimento revolucionário de características sobretudo
populares. No dia 6 de Dezembro de 1383 D. João, Mestre de Avis, com o apoio
do povo da cidade de Lisboa (que houvera entretanto depositado no Mestre
todos os seus anseios e esperanças), assassinou o nobre galego João Fernandes
Andeiro que, segundo as más-línguas da época, se tornara amante de Leonor
Teles. Depois, as circunstâncias precipitaram a história: o povo amotinou-se, a
rebelião alastrou pelo Reino, a regente fugiu de Lisboa para Alenquer e, depois,
para Santarém, o Reino foi invadido militarmente por D. João I de Castela e o
Mestre de Avis foi proclamado “Regedor e Defensor do Reino de Portugal”.

2) Dezembro de 1383 a Abril de 1385 – o Interregno


E com a nomeação do Mestre de Avis como “Regedor e Defensor do Reino de
Portugal” pelo povo de Lisboa, à revelia de todo o direito e contra todos os
tratados da época, D. Beatriz e D. João de Castela, anteriormente aclamados,
vêem o seu reinado chegar ao fim e, com isso, a regência de D. Leonor Teles.
Entrou-se assim num período em que não havia rei ou autoridade que actuasse
em seu nome, num interregno, numa verdadeira crise. A situação que se vivia
era tudo menos confortável. Com efeito, para além dos ânimos “efervescentes”
que se sentiam por todo o Reino, o seu “Defensor” tinha ainda de contar com a
ira do rei legítimo, D. João I de Castela, que se aprontava para invadir Portugal,
com o apoio da Aleivosa. As opiniões dividiam-se, quebraram-se juramentos e
duas facções se afirmaram: a do Mestre de Avis, contando com o apoio de todos
os fidalgos, prelados e povo; e a de D. João I, rei de Castela, que contava com o
apoio de grande parte da nobreza e do clero de Portugal.
Assim, em Janeiro de 1384, o monarca castelhano foi recebido em Portugal.
Entretanto, D. Leonor Teles renunciou ao governo do Reino em favor de D.
Beatriz e do seu marido. Foi feita prisioneira e enviada para o Mosteiro de
Tordesilhas. Lisboa foi cercada mas, e porque bem provida de armas e
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mantimentos, acabou por resistir ao assédio castelhano. Apenas a fome e,


depois, a peste, puseram em debandada o rei e as tropas castelhanas, em
Setembro de 1384. O cerco a Lisboa contribuiu para que o Reino se unisse em
prol de uma causa que já não era apenas de uns mas de todos: a de um Portugal
erguido contra Castela. Depois a história encarrega-se de contar o resto e a 6 de
Abril de 1385, as Cortes celebradas em Coimbra, puseram fim ao Interregno e
aclamaram o Mestre de Avis como legítimo rei de Portugal.

O rei que o povo escolheu


Adaptação do Capítulo XI da Crónica de Fernão Lopes, D.
João I ou “Do alvoroço que foi na cidade cuidando que
matavom o Meestre, e como aló foi Alvaro Paaes e muitas
gentes com ele”
Narrador (1): o pajem do Mestre estava à porta. Como lhe disseram que fosse pela vila
segundo já era percebido, começou de ir rijamente a galope em cima do
cavalo em que estava, dizendo em altas vozes, bradando pela rua:
Pajem: Matam o Mestre!
Matam o Mestre nos paços da rainha!
Accorrei ao Mestre matam!
Narrador (2): as gentes que isto ouviam, saíam à rua ver que coisa era; e começando a
falar uns com os outros, alvoraçavam-se nas vontades, e começavam a
tomar armas, cada um como melhor e mais asinha podia.
Narrador (3): Álvaro Pais, que estava pronto e armado com uma coifa na cabeça (…),
cavalgou logo à pressa (…), com todos os seus aliados, bradando a
quaisquer que achava, dizendo:
Álvaro Pais: acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre que filho é d’El Rei
D. Pedro!
Narrador (4): Soaram as vozes do arruído pela cidade, ouvindo todos bradar que
matavam o Mestre; e assim (…) se dirigem todos de mão armada,
correndo à pressa para onde diziam que tal se passava, para lhe darem a
vida e o livrarem da morte.
Narrador (5): Álvaro Pais não quedava de ir para lá, bradando a todos:
Álvaro Pais: acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre que o matam sem
porquê!
Narrador (1): a gente começou de se juntar a ele e era tanta que era estranha coisa de
ver. Não cabiam pelas ruas principais, e atravessavam lugares escusos,
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desejando cada um ser o primeiro; e perguntando uns aos outros quem


matava o Mestre, não faltava quem respondesse que o matava o conde
João Fernandes, a mando da rainha.
Narrador (2): e por vontade de Deus, todos feitos dum coração com vontade de o
vingar, como foram às portas do Paço que eram já serradas (…),
começaram a dizer:
Povo:
Uns: onde matam o Mestre?
Outros: que é do Mestre?
Uns: quem serrou estas portas?
Narrador (3): ali eram ouvidos brados de desvairadas maneiras. Tais I havia que
certificavam que o Mestre era morto, pois as portas estavam serradas,
dizendo que as britassem para entrar lá dentro, e ver o que era feito do
Mestre, ou que coisa era aquela.
Narrador (4): dali bradavam por lenha e lume para porem no fogo aos paços, e queimar
o traidor e a aleivosa. Outros se ficavam pedindo escadas para subir
acima, para verem o que era feito do Mestre; e em tudo isto era o arruído
tão grande que se não entendiam uns com os outros, nem determinavam
coisa alguma.
Narrador (5): de cima não faltava quem dissesse que o Mestre era vivo, e o conde João
Fernandes morto; mas nisso não queria nenhum crer, dizendo:
Povo: pois se vivo é, mostrai-no-lo e vê-lo-emos!
Narrador (1): então os do Mestre vendo tão grande alvoroço como este, (…), disseram
que fosse sua mercê de se mostrar àquelas gentes, pois de outra maneira
poderiam quebrar as portas, ou pôr-lhes fogo.
Narrador (2): ali se mostrou então o Mestre a uma grande janela que vinha sobre a rua
onde estava Álvaro Pais e as gentes e disse:
Mestre: amigos, pacificai-vos, cá eu vivo e são sou, a Deus graças!
Narrador (3): e (…) conhecendo-o todos claramente, houveram grande prazer quando
o viram, e diziam uns contra os outros:
Povo:
Uns: oh! Que mal fez! Pois que matou o traidor do conde, que não matou logo a
aleivosa com ele!
Outros: credes em Deus, ainda lhe há-de vir algum mal por ela!
Uns: olhai e vede, que maldade tão grande! Mandaram-no chamar onde ia já de seu
caminho, para o matarem aqui por traição!
Outros: oh! Aleivosa! Já nos matou um senhor, e agora nos queria matar outro!
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Uns: deixai-a, cá ainda há mal de acabar por estas cousas que faz!
Narrador (4): e, sem dúvida, se eles entrassem dentro não se escusara a rainha de
morte, e fora maravilha quantos eram da sua parte e do conde, poderem
escapar.
Narrador (5): o Mestre estava à janela, e todos olhavam contra ele dizendo:
Povo:
Uns: oh, senhor! Como vos quiseram matar por traição!
Outros: bento seja Deus que vos guardou desse traidor!
Uns: vinde-vos, daí ao demo esses paços, não sejais lá mais!
Narrador (1): e em dizendo isto, muitos choravam com prazer de o ver vivo. Vendo ele
então que nenhuma dúvida tinha em sua segurança, desceu afundo e
cavalgou com os seus, acompanhado de todos os outros, que era
maravilha de ver. Os quais (…) bradavam dizendo:
Povo:
Uns: que nos mandais fazer, senhor?
Outros: que quereis que façamos?
Narrador (2): e ele lhe respondia, (…), que lho agradecia muito, mas que por estonce
não havia deles mais mester. E assim encaminhou para os paços do
Almirante, onde pousava o conde D. João Afonso, irmão da rainha, com
quem havia de comer.
Narrador (3): as donas da cidade, pela rua por onde ele ia, saíam todas às janelas com
prazer, dizendo a altas vozes:
As donas da cidade:
Umas: mantenha-vos Deus, senhor!
Outras: bento seja Deus que vos guardou de tamanha traição, qual vos tinham
bastecida!
Narrador (4): e indo assim até à entrada do Rossio, e o conde vinha com todos os seus,
e outros bons da cidade que o aguardavam (…), e outros fidalgos; e
quando viu o Mestre ir daquela guisa, foi-o abraçar com prazer e disse:
Conde: mantenha-vos Deus, senhor! Sei que nos tiraste de grande cuidado, mas vós
merecíeis esta honra melhor do que nós. Andai, vamos logo a comer.
Narrador (5): e assim foram para os Paços hu pousava o conde e (…) se assentaram à
mesa.
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Bibliografia específica
AMORIM, Tito Agra (1995). Encontros de teatro na escola – história de um movimento. Porto: Porto
Editora.

LEENHARDT, Pierre (1997, 4ª ed.). A criança e a expressão dramática. Lisboa: Editorial Estampa.

LOPES, Maria Virgílio Cambraia (1999). Texto e criação teatral na escola. Lisboa: Edições ASA.

SEIXO, Maria Alzira (direcção e coordenação); AMADO, Teresa (apresentação crítica, selecção, notas e
sugestões para análise literária) (1980). Fernão Lopes, Crónica de D. João I (Textos escolhidos).
Lisboa: Seara Nova/Editorial Comunicação.

SOUSA, Alberto B. (1980). A expressão dramática: imitação, mímica, expressão oral, improvisação e
dramatização. Aveiro: Básica Editora.

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