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Realidade Única
H á anos digo que uma vida não examinada não merece ser vivida. São
inúmeras aulas, cursos e palestras nos quais repito esta afirmação
atribuída a Sócrates. Creio firmemente que não podemos viver – não uma vida
verdadeira – sem um tipo de autoanálise sucessiva e seus consequentes balanços
existenciais. Aliás, com mais ou menos consciência, é isto que precisamente
fazemos: olhamos de modo intermitente para nós mesmos, nossa realidade
radical, e concluímos algumas coisas a respeito de quem estamos sendo e de
como estamos vivendo. Quando o resultado parcial – e até o encontro da morte
ele é sempre parcial – é aparentemente ruim, sentimos aquele desgosto, aquela
insatisfação com a própria existência. Angustiados por não estarmos “à altura”
de nós mesmos, ou do que imaginamos ser nossa forma de vida ideal, caímos
em uma série de armadilhas neuróticas que nos desinstalam da verdadeira
gravidade e nos lançam no redemoinho das falsidades. É o começo da tentativa
de substituição dos termos do problema pelo simulacro de solução, que se traduz
em mentiras biográficas, desvios vocacionais e tédio (o algoz dos homens sem
sentido).
O exame da própria vida acontece necessariamente porque a natureza
humana é assim. Somos chamados à perfeição, à realização, à plenitude. Estamos,
desde nossa criação, informados intimamente desta inclinação para o Bem que
nos impele ao movimento de vida. E é esta informação – íntima, porque dada na
substância pessoal – que nos “atormenta” de alguma forma. O paradoxo, como
esclarecido por Gustavo Coração em O Desconcerto do Mundo, é justamente
este: nós sofremos porque sabemos (ou, estamos intimamente informados) de
nossa grandeza e pretensão, nossa origem e destino. Portanto, a natural avaliação
da própria vida é feita sobre um fundo insubornável – a centelha divina,
poderíamos dizer – que revivifica dentro de nós a imagem do melhor destino a