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Carga normativa das decisões do juiz e suas

consequências inexoráveis

CARGA NORMATIVA DAS DECISÕES DO JUIZ E SUAS CONSEQUÊNCIAS


INEXORÁVEIS
Normative burden of the judge's decisions and their inexorable consequences
Revista dos Tribunais | vol. 1000/2019 | p. 465 - 489 | Fev / 2019
DTR\2019\23663

Teresa Arruda Alvim


Livre-Docente, Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professora nos cursos de
Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado da mesma instituição. Professora
Visitante na Universidade de Cambridge – Inglaterra. Professora Visitante na
Universidade de Lisboa. Diretora de Relações Internacionais do IBDP. Honorary
Executive Secretary General da International Association of Procedural Law. Membro
Honorário da Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile, do Instituto
Paranaense de Direito Processual. Membro do Instituto Ibero-americano de Direito
Processual, do Instituto Panamericano de Derecho Procesal, do Instituto Português de
Processo Civil, da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, do IAPPR e do IASP, da
AASP, do IBDFAM e da ABDConst. Membro do Conselho Consultivo da Câmara de
Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do PR – CAMFIEP.
Membro do Conselho Consultivo RT. Coordenadora da Revista de Processo – RePro -
teresaarrudaalvim@aalvim.com.br

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: É inegável que, mesmo em países de civil law, os juízes criam, numa certa
medida, direito. Basta pensar-se na atividade interpretativa que implica, em alguma
dimensão criatividade. Em razão disso, a jurisprudência precisa ser uniformizada; alguns
precedentes devem ser impostos; e, sobretudo, é necessário que se leve a sério, em
muitos casos, a modulação.

Palavras-chave: Jurisprudência – Uniformidade – Igualdade – Previsibilidade –


Modulação
Abstract: It is undeniable that, even in civil law countries, judges create, to a certain
extent, law. It is enough to say that it is, in fact, impossible to interpret without adding
something to the text, in what concerns to its meaning. So, case law must be uniform;
some precedents must be imposed; and jurisprudence must, have in various cases,
prospective effects.

Keywords: Case law – Uniformity – Equality – Predictability – Prospective effects


Sumário:

1.Introdução - 2 Common law e civil law – Sistemas diferentes, objetivos comuns –


Notas sobre alguns aspectos históricos – Casos complexos - 3.Respeito aos precedentes:
necessidade do common law e do civil law - 4.Identidade absoluta e identidade essencial
- 5.Soluções do sistema brasileiro para uniformizar e estabilizar a jurisprudência, criando
situações de vinculação forte

1.Introdução

Quando se fala em carga normativa das decisões do Judiciário, ou mesmo da função


normativa do juiz, a primeira ideia que nos vem à mente é associada aos países de
common law. Isso porque, nesses países, o direito é concebido no seio das decisões
judiciais.

De fato, a maneira mais natural de se assegurar o princípio da isonomia, a segurança


jurídica (abrangendo a coerência e a previsibilidade) é fazer com que casos iguais sejam
decididos da mesma forma.

Basta pensar-se no exemplo: João fez 18 anos, entrou na faculdade. Seu pai deu-lhe um
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carro. José, de 15 anos, cria a expectativa de que, quando fizer 18 anos, se entrar na
faculdade, deve ganhar um carro.

Entretanto, as coisas não são tão simples assim. Para que se decida de acordo com
precedentes, é necessário que se saiba exatamente quais as razões que terão levado o
pai a decidir. João entrou numa faculdade pública, de medicina. José entrou numa
faculdade de turismo, particular e muito cara. Terá sido levado em conta o fato de João
ter entrado em medicina e numa faculdade pública? Esse é, no fundo, o caminho em
busca da ratio decidendi, da holding, do core.

Nos países de common law, houve a opção por outro caminho para chegar, ao que tudo
indica, a resultados muito semelhantes. Os ingleses falam em equality, predictability,
consistency, como objetivos a serem alcançados pelo emprego dos precedentes como
método de criação e aplicação do direito.

Já nos países de civil law, entendeu-se que o juiz deveria decidir com base em regras
preestabelecidas, de preferência codificadas, porque assim a isonomia e a previsibilidade
também seriam atingidas, evitando-se a arbitrariedade.

Portanto, a ideia ligada à concepção e à forma de funcionamento do direito, nos países


de civil law, parte da noção de um direito preexistente, que o juiz teria a função de
identificar a partir da exposição, feita pelas partes, do caso concreto, e aplicá-lo para
resolvê-lo. Daí o princípio ou a máxima iura novit cúria, que existe nos países de civil law
: às partes cabe entregar ao juiz descrição + prova dos fatos, somados ao pedido; a
este, cabe aplicar o direito.

Essa concepção está plenamente de acordo com a noção rígida relativa à tripartição das
funções do Poder.

Reconhecer, portanto, nos países de civil law que o juiz cria direito, ou que suas decisões
têm carga normativa (o que é o mesmo), de certo modo, ameaça a noção rígida de
tripartição.

Este texto tem por objetivo demonstrar ser imperioso que se reconheça essa realidade,
já que, só assim, ela poderá ser disciplinada pelo direito.

Essa disciplina consiste na criação de mecanismos de uniformização da jurisprudência,


de imposição do resultado da uniformização ou de certos precedentes ditos qualificados
e de regras de direito intertemporal, para a incidência ou aplicação de normas jurídicas
criadas pelos Tribunais, por meio da modulação.

De fato, fechar os olhos para essa realidade acaba por comprometer os objetivos para os
quais os sistemas jurídicos de civil law foram destinados.

2 Common law e civil law – Sistemas diferentes, objetivos comuns – Notas sobre alguns
aspectos históricos – Casos complexos

Em ambos os sistemas, de common law e de civil law, por caminhos diferentes, vem-se
procurando, historicamente, respeitando a igualdade, criar previsibilidade. No common
law, isso se fez, por assim dizer, naturalmente, sem grandes e significativas rupturas
com o passado, ao contrário do que ocorreu na história do civil law.

Na história do civil law, houve, a nosso ver, dois momentos significativos, de cunho
acentuadamente racional, em que se conceberam soluções para que pudesse haver mais
controle sobre a previsibilidade, evitando-se arbitrariedade e insegurança.

No common law, a história foi diferente. Houve, no common law, “um continuum
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histórico”, um desenvolvimento ininterrupto, tendo sido acumulada a experiência e a
sabedoria de séculos.

Evidentemente, o common law não é o mesmo desde o início, embora a sua


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característica principal tenha sempre estado presente: “casos são tidos como fonte do
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direito”. Decisões podiam ser proferidas sem explícita fundamentação, sem obedecer ou
criar normas vinculantes. Havia uma certa confusão entre as funções judicial,
administrativa e judiciária, mas isso não significa que houvesse anarquia, já que “boas
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decisões são orientadas por costumes e sábios conselhos quanto ao que seja razoável”.

A designação common vem do direito comum, e diz respeito “aos costumes gerais,
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geralmente observados pelos ingleses”.

O common law, é interessante observar, não teve início com a adoção da explícita
premissa ou da regra expressa de que os precedentes seriam vinculantes. Isso acabou
acontecendo imperceptivelmente, desde quando a decisão dos casos passou a ser tida
como a aplicação do direito costumeiro, antes referido, em todas as partes do reino, até
o momento em que as próprias decisões passaram a ser consideradas direito. Assim,
desenvolveu-se o processo de confiança nos precedentes e, a rigor, nunca foi definido
com precisão o papel dos precedentes e o método correto de argumentação a partir dos
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precedentes.

Apenas na segunda metade do século XIX é que se pôde notar um enrijecimento do


stare decisis. “É amplamente reconhecido que a doutrina inglesa do stare decisis
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enrijeceu-se no século XIX”. No caso Beamish v. Beamish se estabeleceu
expressamente a regra de que a House of Lords estaria vinculada aos seus próprios
precedentes.

O caminho percorrido pelo civil law para adquirir as feições que tem hoje foi bem
diferente, embora de algum modo e em algum grau as ideias de certeza e de
previsibilidade se tenham sempre feito presentes.

Em Bolonha, ocorreu o primeiro dos momentos históricos que nos parece significativo
para demonstrar o que sempre se pretendeu criar com os sistemas de civil law. No
século XI, em Bolonha, foram reestudados os textos romanos. Esses textos foram objeto
de refinado processo de estudo na Universidade de Bolonha, cujo objetivo fundamental
era o de transformá-los num todo o quanto possível coerente. Tarefa árdua, já que os
textos encontrados eram decisões judiciais, textos de leis, textos doutrinários, alguns
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recentes, outros bem antigos. Portanto, num esboço do que depois viria a ser o
pensamento “sistemático”, conceberam-se técnicas para gerar coerência e harmonia
entre textos que, originalmente, não eram – nem pretendiam ser –, rigorosamente, nem
coerentes, nem harmônicos.

A intenção desses estudiosos, que iam a Bolonha, vindos de muitas partes da Europa,
era a de “pôr ordem”, “criar segurança”, gerando uma certa situação “confortável” de
coerência, a ponto de se chegar a chamar o conjunto de textos encontrados de Corpus
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Juris Civilis – quando esse conjunto de textos, na verdade, nunca foi um Código.

Os textos eram analisados e interpretados por diversos métodos: gramatical, retórico,


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dialético. Então se chegava à harmonia por meio de um processo exegético complexo,
que exigia alto grau de cultura.

Diz-se na doutrina, ter sido essa fase a da origem da jurisprudência, como ciência do
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direito e, simultaneamente, a relevância da doutrina nos países de civil law.

Ainda, não é demais lembrar que os romanos também tinham um direito


“jurisprudencial”. Isso reforça a ideia da impossibilidade de que aos textos encontrados
fosse fácil imprimir uma forma próxima à “sistemática”.

Alguns autores observam, por exemplo, que se pode afirmar ser um advogado inglês,
dos dias de hoje, muito mais próximo ao advogado romano, do que hoje lhe são
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próximos advogados de países de civil law não deixa de ser surpreendente essa
afirmação.

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O centro do poder e o fundamento do direito antigo, como se disse, eram a figura do


monarca e o Estado praticamente com ele se identificava.

O segundo dos momentos importantes na formação do sistema do civil law foi


justamente quando essa concepção ruiu: a Revolução Francesa. Trata-se de um
movimento social, político e jurídico que ocorreu no final do século XVIII. O centro de
poder, pela via da revolução sangrenta, transferiu-se para o povo. A classe emergente, a
burguesia, insatisfeita com o abuso dos poderosos (clero e nobreza), liderou esse
movimento, inspirada nas ideias de Hobbes, Rosseau, Montesquieu: o poder seria
dividido em três funções, atribuídas a três órgãos diferentes. Foi nesse momento
histórico, em que, como numa traição à ideia originária de dividir-se em três as funções
ao poder, concebeu-se um Judiciário sem reais poderes, por desconfiança. Concebeu-se
a figura do juiz como um ser inanimado, que seria a “boca da lei”. Robespierre dizia: “a
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palavra jurisprudência deve ser apagada da nossa língua”.

Acreditava-se que, na lei, estava contida a vontade do povo e que, sendo aquela
literalmente respeitada, a vontade do povo seria também respeitada. As pretensões
decisionistas dos tribunais, influenciadas pelo clero e pela nobreza, não deveriam mais
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ter lugar.

Com certeza, isso foi o que Montesquieu quis dizer com a afirmação de que o terceiro
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poder seria en quelque façon nulle.

Cultivava-se a ilusão, harmônica com o contexto das ideias que prevaleciam à época, de
que a lei escrita, seria capaz de abarcar todas as situações possíveis de ocorrerem no
mundo empírico. A aplicação da lei nada mais deveria ser do que a subsunção lógica dos
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fatos à literalidade do dispositivo legal aplicável.

Percebe-se, portanto, nesse instante da história, um nítido desejo, resolvido


intencionalmente por métodos racionais, no sentido de controlar: criar previsibilidade.

A situação atual impossibilita integralmente que essa concepção revolucionária gere


algum tipo de resultado. A complexidade das sociedades contemporâneas, somada ao
acesso à justiça, que se tornou real, já demonstrou com veemência que o direito
positivo, pura e simplesmente considerado, com dispositivos minuciosos, não é um
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instrumento que baste para resolver os problemas que se colocam diante do juiz.

Hoje, entende-se que o direito vincula o juiz, mas não a letra da lei, exclusivamente. É a
lei interpretada, à luz de princípios jurídicos, da jurisprudência, e da doutrina: esses são
os elementos do sistema ou do ordenamento jurídico. Deles, desse conjunto, emergem
as regras que o jurisdicionado tem que seguir: as pautas de conduta.

Ademais, a riqueza do mundo real, somada ao fenômeno consistente em que, cada vez
mais, camadas que antes eram marginalizadas, passaram a integrar a sociedade
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institucionalizada, tudo somado ao acesso à justiça, fez nascer a possibilidade de que
casos complexos, cuja solução não está prevista expressamente em lei, fossem
submetidos, cada vez mais frequentemente, à apreciação do Judiciário (hard case).

A velocidade com que ocorrem hoje alterações no mundo real, tanto sob o ponto de vista
tecnológico quanto no que tange à esfera dos valores e dos costumes, evidencia a
impossibilidade de que as regras jurídicas escritas disciplinem de modo preciso e
minucioso as situações que pretendem disciplinar. De fato, a vida atual não cabe num
Código.

Com isso, pretendemos fazer ver que, se, nos séculos XVIII e XIX, as “realidades” real e
juridicizada eram do “mesmo tamanho”, nos dias de hoje, pode-se até mesmo dizer que
a realidade tratada pelo direito, e, portanto, potencialmente jurisdicionalizada, é até
mesmo maior que a realidade real, já que uma mesma pessoa pode ser idosa,
consumidora, vítima de um crime etc., e, assim, pode ser parte, em juízo, em mais de
um papel.
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No momento em que vivemos, há uma quantidade imensa de casos cuja solução não
está clara na lei, ou realmente não está na lei, e deve ser concebida pelo Judiciário, a
partir de elementos do sistema jurídico. Podem dizer respeito, por exemplo, a situações
sociais em relação às quais esteja havendo, no plano dos fatos, uma alteração de
valores e/ou comportamental.

Muitos chamam esses casos de hard cases: são um fenômeno que é fruto da pretensão
tentacular do direito de tudo disciplinar, inclusive o que seria o “antidireito”(!): direito de
greve, direito à resistência, direito de se viver sem “casar no papel” etc.

É justamente à luz de um mosaico, formado necessariamente por vários elementos


integrantes do sistema, que o juiz tem que procurar/criar a solução normativa aplicável
aos casos concretos, quando de um hard case se tratar.

Vê-se, portanto, que os padrões decisórios (e, portanto, correlatamente, de conduta do


jurisdicionado) passaram a não ser tão confortáveis. São mais inseguros, mais nublados,
menos nítidos e, em certas circunstâncias, mais flexíveis.

Portanto, o princípio da legalidade, que chegou a significar o apego quase que exclusivo
à letra da lei, hoje significa, num dos seus sentidos, que o juiz deve decidir de acordo
com o sistema jurídico. E se sabe que doutrina, jurisprudência, princípios jurídicos
podem, sim, fazer com que a norma, que tem de ser seguida, em muito se afaste da
literalidade do dispositivo legal correspondente.

De fato, não raramente, os casos que o juiz tem que resolver são novos! Casos que não
foram “pensados” pelo legislador, que devem poder ser resolvidos à luz de algum
princípio (qual?), ou de alguma analogia.

Há exemplos clássicos de hard cases: os problemas que giram em torno das medidas
segregatórias ou protetivas em razão do critério raça, são dos mais interessantes. No
passado, diz Dworkin, os liberais entendiam que a classificação racial era um mal, em si
mesmo; todos tinham o direito a uma oportunidade educacional, compatível com suas
habilidades; as ações afirmativas do Estado eram tidas como o remédio adequado para
sérias desigualdades da sociedade americana. Mais recentemente (1960-1970), a
opinião no sentido de que essas proposições são incompatíveis ganhou expressão,
justamente porque os programas mais efetivos do Estado são aqueles em que se dá uma
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vantagem competitiva a minorias raciais.

Há infinitos argumentos a favor da constitucionalidade das quotas raciais e outros tantos


contra. Também sob o ponto da produção de efeitos sociais benéficos, as opiniões se
dividem dramaticamente.

São hard cases, por exemplo, também as ações em que se pleiteia a liberação de verba
por parte dos Estados, para a realização de cirurgia cara, não prevista como realizável
pelo SUS; a possibilidade de adoção de crianças por casais homoafetivos; a alteração da
ordem da fila para obter órgão para transplante; a possibilidade de se alimentarem à
força prisioneiros políticos que fazem greve de fome, por estarem morrendo de inanição.
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É curioso constatar que o conceito de hard case surgiu e começou a ser tratado em
primeiro lugar nos países de common law. Mas é evidente que se está, aqui, diante de
um fenômeno relevantíssimo também para o civil law.

Os hard cases decorrem também da complexidade e da pluralidade de pontos de vista


que há em nossas sociedades.

Para nós, o problema que se põe, grosso modo, é: como resolver um caso não
expressamente tratado, de forma razoavelmente clara, em lei? Para eles do common law
: como resolver um case of firstimpression, em relação ao qual não há precedente?

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Estamos aqui, propositadamente simplificando a complexidade do real: também são


hard cases os que se podem (ou não?) ser resolvidos à luz de cláusulas gerais, à luz de
princípios etc. Assim como no civil law, no common law hoje existem leis escritas (
statutes) e até códigos. Mas o problema essencial é aquele. Os hard cases impõem a
necessidade de que se em diferentes dimensões. Mas não a partir do zero: isto é
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necessário frisar.

Quando dizemos que o juiz, principalmente ao decidir hard cases, cria direito, não
queremos com isso significar que ele invente o direito. O juiz cria: mas tem o dever de
fazê-lo de forma harmônica com o sistema.

A preocupação com a ideia de sistema é, como se viu, muito mais nítida nos países de
civil law, mas mesmo nos países de common law há preocupação com a consistency da
decisão tomada em relação a um contexto. A decisão deve ser consistente (harmônica)
com o direito, com as demais regras e princípios existentes.

Também a preocupação com a coerência é comum aos dois mundos. O direito não
poderia ser concebido como um sistema se não houvesse ao menos marcada tendência à
coerência. “Coerência, no sentido de que as múltiplas regras jurídicas de um sistema
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jurídico têm de ‘fazer sentido’ quando consideradas num conjunto”.

Viu-se que a forma sistemática do direito foi concebida de modo expresso por estudiosos
do civil law. Mas não está ausente do common law: Vejam-se as palavras de Goodhart:
“para a finalidade desta palestra, é suficiente definir ‘jurisprudência’ (ciência de direito)
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como o estudo dos princípios gerais do direito e seu ‘arranjo sistemático’”.

Esse esforço mental no sentido de conceber o Direito como um conjunto harmônico de


regras, como dissemos, existe por trás de ambas as tradições.

Larry Alexander e Emily Sherwin dizem, com razão, que a coerência deve ser preservada
inclusive na evolução do direito. “A coerência deve, numa certa medida, ser conservada
pelo direito novo, e os princípios têm, entre outras coisas, a função de orientar os
tribunais no processo de evolução do direito”, quando aparecem casos “que não são
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disciplinados por nenhuma regra preexistente”.

3.Respeito aos precedentes: necessidade do common law e do civil law

Estão na base da necessidade de que se respeitem os precedentes de civil law o princípio


da legalidade e o da igualdade, ambos conaturais à ideia de Estado de Direito, cuja
característica mais visível é a de que a sociedade precisa “saber as regras do jogo, antes
de começar a jogar”.

A prática do respeito aos precedentes, como regra geral, gera até mesmo economia. Ou
seja, o malefício que representa, para a sociedade, a jurisprudência dividida e instável,
reflete-se também e talvez principalmente, no campo econômico. Lewis A Kornhauser
comenta que, cada vez que a jurisprudência muda, surge a necessidade de ajustment
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costs.

Vimos que o nosso sistema foi concebido justamente com o objetivo racional,
expressamente declarado, de gerar segurança para o jurisdicionado, evitando surpresas
e arbitrariedade. O juiz decide, grosso modo, de acordo com a lei (= de acordo com
regras conhecidas) e, se o sistema permite que subsistam infinitas formas de
interpretação da lei, cada uma delas, gerando pautas de conduta diferentes para os
indivíduos, o próprio sentido e razão de ser do princípio da legalidade ficam
comprometidos.

Então, a legalidade só tem sentido prático se concretizada à luz do princípio da isonomia.


Se houver várias regras para decidir-se o mesmo caso, como se vai saber de antemão,
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qual vai ser a aplicada pelo juiz, no caso de José? É inútil a lei ser a mesma para
todos, se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os
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jurisdicionados.

Saber as regras do jogo antes do começo da partida, significa que: “pessoas não devem
ser tratadas como animais, que descobrem que algo é proibido quando o bastão alcança
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o seu nariz”.

O que é isso se não a predictability? Os sistemas devem fornecer elementos para que se
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tenha previsibilidade e para que se possa neles confiar. Os ingleses e anglo-saxões em
geral geram esta previsibilidade pelo respeito aos precedentes.

Mas essa necessidade não é exclusiva dos países de common law.

Os objetivos que levaram à criação do civil law cairiam por terra se a lei pudesse,
sempre e indefinidamente no tempo, ser interpretada de modos diferentes, por
diferentes tribunais, gerando assim, decisões diversas para casos idênticos.

Infelizmente, é comum que isso aconteça no Brasil.


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Várias são as causas que geram diversidade na interpretação da lei. Uma delas, sem
dúvida, é o fato de a lei hoje conter uma pluralidade impressionante de conceitos vagos
e cláusulas gerais. A diversidade de opiniões a respeito do que seja a decisão “justa”,
num país plural como o Brasil, é o que explica muitas das divergências sobre o sentido
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de normas não tão vagas assim. Talvez essas opiniões diferentes sejam até mesmo
responsáveis pelo manejo diferente dos métodos tradicionais de interpretação das leis,
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que podem, sim, levar a resultados diferentes.

Pode-se também pensar que a diversidade de soluções dadas a determinado caso


concreto que venha a repetir-se seja fruto da existência de normas conflitantes. Mas,
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com certeza, há muitas outras causas, como as dimensões continentais do Brasil.

Outras causas, talvez ligadas à fase da evolução histórica em que se encontram os


países, podem também ser responsáveis por esta falta de uniformidade. É o que
acontece nos países da América Latina, com exceção do Chile, do Uruguai e da Costa
Rica. Entre as razões responsáveis por esse fenômeno estão a fragilidade das
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instituições, que coexiste com indesejável nível de pobreza.

No Brasil, enfrentamos o problema de um número excessivo de processos pendentes de


julgamento no Judiciário (100 milhões – Segundo os dados do Justiça em números 2018,
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elaborado pelo CNJ com informações que compreendem os anos de 2009 até 2017).
Provavelmente, essa é uma das causas do excesso de casos em que há diversidade de
interpretações da lei num mesmo momento histórico, o que compromete a
previsibilidade e a igualdade. Há juízes de primeira instância e tribunais de segundo grau
que decidem reiteradamente de modo diferente questões absolutamente idênticas.

Essas divergências existem também, infelizmente, no âmbito dos tribunais superiores:


entre eles – STJ e STF – e entre seus órgãos fracionários. Isso ocorre em relação ao STJ,
que tem maior número de órgãos fracionários.

O fato de essas divergências existirem também no plano dos tribunais superiores, na


verdade, impede que suas decisões desempenhem o papel de norte, de orientação para
os demais órgãos do Judiciário. Impede que exerçam, num universo estável, sua carga
normativa.

Além disso, enfrenta-se também, no Brasil, um outro fenômeno dramático, consistente


na frequente alteração brusca da orientação dominante nos tribunais superiores.

É difícil ter-se o quadro completo do que está por detrás desse grau de instabilidade e
consequente falta de uniformidade. Além das causas “normais”, antes referidas, existe
talvez no espírito de muitos juízes brasileiros o convencimento no sentido de que seriam
“menos” juízes se não decidissem exclusivamente de acordo com sua própria convicção,
mesmo, desrespeitando entendimento já pacificado em tribunal superior.
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A ideia de abuso de direitos tem sido muito aceita nos últimos tempos. Essa ideia é uma
decorrência direta e inexorável de uma visão abrangente do direito, do direito visto
como um todo. Se o direito, descrito grosseiramente, é um conjunto de “direitos”, é
evidente que todos estes “direitos” não podem ser ilimitados, sob pena de esbarrarem,
arranharem e chegarem até a comprometer outros “direitos”.

Ademais, se o direito é, de fato, sob certo ângulo, um conjunto de “direitos”, é claro que
há uns mais relevantes que outros. Uns de que se pode abrir mão, e outros que são
imprescindíveis, irrenunciáveis. Mais grave será o abuso quando o direito arranhado
pertencer àquele grupo dos irrenunciáveis, até porque essa irrenunciabilidade pode ter
diversas causas. Uma dessas causas pode ser a de que o desrespeito a certos limites
desse direito que se exerce, venha a comprometer a tranquilidade dos próprios
indivíduos e da sociedade.

Nesse sentido, o juiz não pode abusar de seu direito de mudar de opinião, de seu direito
de se afastar de jurisprudência pacificada dos tribunais superiores. Esse abuso arranha o
direito, que têm os indivíduos e a sociedade, à tranquilidade e leva ao comprometimento
da forma sistemática do direito, gerando insatisfação do jurisdicionado, descrédito do
Judiciário e insegurança jurídica.

Esse trecho extraído da doutrina do common law, é significativo: “[...] isto é, a


consideração ao precedente é necessária ao Estado de Direito, mas também é necessário
que maus princípios não se perpetuem. Estas necessidades estão sempre em tensão, e a
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forma de resolvê-la é sempre imperfeita, pois envolve a escolha entre dois males”.

Veja-se que esse autor coloca lado a lado a possibilidade de mudança do direito, quando
se percebe ter havido um erro e a necessidade de se respeitarem precedentes, o que
“ajuda as cortes a lembrarem-se de seu papel institucional, que transcende o momento”.
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E, ainda assim, aponta para a existência de dúvida. Quanto à mudança do direito
como resultado de preferências pessoais dos juízes, diz, com um estilo muito “inglês”:
“não estou convencido de que a integridade do direito é reforçada quando os processos
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de interpretação são superados pelas preferências pessoais dos juízes”.

A ideia de que os juízes ingleses possam não respeitar precedentes é tratada com
estranhamento pela doutrina, simplesmente porque esse comportamento não ocorre.
Não há uma sanção aplicável aos juízes que não respeitam o stare decisis. Eles o fazem
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por razões “ligadas à sua reputação e por medo de críticas”. Quando precedentes não
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são seguidos, justifica-se a conduta com base num distinguishing ou se faz um
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overruling, com apoio em convincentes argumentos. Juiz que se recusa,
sistematicamente, a seguir precedentes na Inglaterra “é algo que se vê muito
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raramente, ou não se vê, fora da literatura de ficção”.

Interessante, como observamos antes, haver juízes no Brasil que se sentem diminuídos,
pelo fato de terem de curvar-se a jurisprudência dominante de um tribunal superior ou a
uma súmula vinculante. Há quem reconheça, felizmente, que a dispersão da
jurisprudência e a falta de estabilidade comprometem fundamentalmente a credibilidade
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do Poder Judiciário como um todo. A uniformização da jurisprudência “é muito
provavelmente uma prática que aumenta o poder da instituição cuja função é decidir
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[...] harmonia ou coerência interna reforça a credibilidade externa”.

Penso que isso ocorre também no Brasil: excesso de dispersão jurisprudencial


desacredita o Judiciário e decepciona o jurisdicionado. É um mal para a sociedade.

A consciência de que o juiz exerce atividade criativa, ou seja, cria direito, em diferentes
dimensões, na atividade interpretativa do texto da lei, à luz dos outros elementos do
sistema, gera três consequências. A necessidade de:

1) Uniformizar-se a jurisprudência;

2) Tornar vinculantes precedentes em circunstâncias específicas capazes de neutralizar o


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natural déficit democrático próprio destas situações;

3) Permitir-se aos juízes que modulem a eficácia normativa de suas decisões.

Nos itens subsequentes, veremos resumidamente o que se fez no direito brasileiro a


esse respeito.

4.Identidade absoluta e identidade essencial

Para que haja segurança jurídica, como se disse antes, casos iguais devem ser decididos
da mesma forma. De nada adianta a lei ser a mesma para todos, se pode ser aplicada a
casos iguais em diferentes interpretações, que correspondam a pautas de conduta
diferentes. A pauta de conduta é o direito, não a lei. A pauta de conduta é a lei
interpretada, pelo juiz, à luz da doutrina.

Portanto, se o juiz exerce relevante concepção na “versão final” da pauta de conduta, a


que o jurisdicionado deve submeter-se, já que sua atividade envolve certa dose de poder
normativo, a jurisprudência deve ser uniformizada e deve manter-se estável (art. 926,
caput, CPC/15 (LGL\2015\1656)): casos iguais devem ser decididos da mesma forma.

Como saber quando casos são iguais? Grosso modo, casos podem ser absolutamente
iguais: idênticas causa de pedir e pedido, sendo diferentes apenas as partes. São
normalmente as questões de massa, ligadas, por exemplo às pretensões de consumo,
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exercíveis contra o Estado, contra o Fisco, contra instituições bancárias).

No entanto, casos podem ser iguais, mas não idênticos do ponto de vista fático. Podem
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ter apenas a mesma essência jurídica: a mesma ratio decidendi, o mesmo core.

Em ambos os casos, impõem-se a uniformização da jurisprudência e, eventualmente, a


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imposição de um precedente vinculante. A razão é evidente: a mesma pauta de
conduta deve ser exigida de pessoas em situações idênticas. Isso, e só isso, significa que
o direito é o mesmo para todos.

Entretanto, embora o direito brasileiro hoje conte com inúmeras técnicas por meio das
quais se pode proceder a esta uniformização, é imperativo que se distingam, entre elas,
as que se prestam a gerar uniformidade nos casos de identidade absoluta e integral e
naqueles em que a identidade é essencial.

5.Soluções do sistema brasileiro para uniformizar e estabilizar a jurisprudência, criando


situações de vinculação forte

Este item não tem, evidentemente, por objetivo analisar detida e profundamente cada
um dos institutos, que têm como função gerar estabilidade do direito, consistindo em
modos, verticais ou horizontais, de uniformizar a jurisprudência. Muitos deles acabam
favorecendo de modo inequívoco a eficiência do Judiciário, proporcionando o
“julgamento” de mais de um caso de uma vez, por meio de um procedimento recursal
diferenciado.

A uniformização da jurisprudência ocorre, seja ela feita horizontalmente, por exemplo,


com a decisão conjunta de vários casos, ou por meio da comparação de um caso com
outro, ou verticalmente, por exemplo, por meio da imposição aos órgãos jurisdicionais
inferiores do resultado do julgamento de um recurso especial repetitivo.

Pretendemos separar os institutos que promovem uniformização por identidade essencial


daqueles institutos (ou entendimentos) que promovem esta uniformização por
identidade absoluta.

Esses institutos são:

a) Os recursos repetitivos;

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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

b) O IRDR;

c) O IAC;

d) O recurso especial;

e) O recurso extraordinário;

f) Os embargos de divergência.

Os institutos listados nas letras A, B, C, D e E geram precedentes vinculantes, no sentido


forte da expressão.
47
Em outros trabalhos, temos usado a terminologia precedentes vinculantes para fazer
referência àqueles precedentes que, se desrespeitados, geram a possibilidade do manejo
da reclamação. A intensidade da vinculatividade decorre exatamente desta possibilidade.

Aqueles que qualificamos como vinculantes, com intensidade média, são os que, uma
vez desrespeitados, geram a possibilidade de eventual correção pela via recursal, como,
por exemplo, uma decisão da Corte Especial do STJ.

Por fim, os precedentes de vinculação fraca são aqueles cuja vinculatividade não é
imposta por lei, nem comporta correção a decisão que o desrespeita. Essa espécie de
vinculação é meramente cultural e, no Brasil, infelizmente, é fraca. Exemplo expressivo:
os juízes e tribunais não se vinculam às suas próprias decisões. Desse fenômeno decorre
um dos mais sérios (e já referidos) problemas da Justiça brasileira: os próprios tribunais
de cúpula mudam com frequência indesejável suas orientações. Evidentemente, isto é
incompatível com a carga normativa das decisões judiciais.

Recursos repetitivos, IRDR só se prestam a uniformizar a jurisprudência e gerar


precedentes vinculantes no sentido forte, quando se tratar de casos absolutamente
idênticos entre si.

Os exemplos são inúmeros.

Casos que apresentam, entre si, identidade absoluta, pois que giram em torno de
questões jurídicas idênticas, e, portanto, podem ser tratados de modo “coletivizado”,
são, por exemplo, os REsps 1.243.887/PR e 1.247.150/PR, sobre a competência para
julgar liquidação de sentença coletiva; ou o REsp 1.068.944/PB em que se resolveu que,
em demandas sobre a legitimidade da cobrança de tarifas por serviços de telefonia,
tendo-se ratificado a Súmula 356 (STJ), no sentido de ser legítima a cobrança de tarifa
básica; e ainda, o REsp 1.106.654/RJ, em que se decidiu que a pensão alimentícia incide
sobre o 13º salário e sobre 1/3 que se paga sobre o mês de férias.

O legislador não foi, a nosso ver, feliz ao redigir o art. 947 do CPC (LGL\2015\1656), o
que se percebe pela intensidade das discussões que se instalaram no plano da doutrina.

A nosso ver, trata-se de instituto que deve ser usado quando se trata de questão de
direito, relevante, que pode, ou não, ter repercussão social e que, como é evidente,
possa repetir-se ou já se tenha repetido, embora não se trate de “casos repetitivos”,
estrito senso, ou seja, de questões idênticas, que podem ser processuais ou de direito
material, de massa, que se amoldam ao IRDR ou aos repetitivos.

Um excelente exemplo é dado por Alexandre Câmara:

Pense-se, por exemplo, na interpretação dos requisitos para desconsideração da


personalidade jurídica. Esta é uma questão de direito que pode surgir em processos
complemente diferentes, muito distantes de qualquer tentativa de caracterização das
demandas repetitivas. Basta pensar na possibilidade de se ter suscitado questão atinente
ao preenchimento dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica em uma
execução de alimentos devidos por força de relação familiar e em outro processo, em
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

que se executa dívida de aluguel garantida por fiança. Estas duas demandas não são,
evidentemente, repetitivas, mas a questão de direito que nelas surgiu é a mesma: quais
os requisitos para a desconsideração da personalidade nas causas em que incide o
48
disposto no art. 50 do Código Civil (LGL\2002\400).

O rel. Min. Marco Bellizze, no julgamento do REsp 1.604.412/SC, propôs, de ofício, à 2ª


Seção, o primeiro Incidente de Assunção de Competência do STJ. O relator se baseou na
“existência de notória e atual divergência entre os entendimentos das duas Turmas que
compõem a Segunda Seção do STJ, bem como estar-se diante de matéria
exclusivamente de direito e de relevante interesse social, porquanto cuida da aplicação
de norma cogente”, para suscitar o IAC. O recurso versava sobre prescrição
intercorrente e a necessidade de intimação prévia.

Em junho de 2018 ocorreu o julgamento, cuja decisão acolheu integralmente o Recurso


Especial. Decidiu-se que é imprescindível, para se assegurar o contraditório, a intimação
prévia da parte que, se quiser, pode opor algum fato impeditivo ao reconhecimento da
prescrição da pretensão da ação. A vinculação e consequente uniformização por
identidade essencial, como se viu, demanda esforço interpretativo maior, e não se faz no
“atacado”. Faz-se caso a caso, já que os fatos subjacentes à tese que deve ser aplicada
podem não ser exatamente idênticos, e normalmente não o são mesmo. Para que seja
possível o uso destes remédios para criar mais harmonia no sistema, às partes deve ser
dado o direito de incluir na decisão de segunda instância todos os aspectos fáticos da
decisão que entenderem relevantes, por meio dos embargos de declaração. Já sustentei
com vagar esta posição em trabalho antes publicado.

A uniformização de jurisprudência e os recursos especiais lastreados na hipótese de


dissídio jurisprudencial são ótimos exemplos.

Alguns problemas se colocam: é absolutamente insuficiente a afirmação no sentido de


que há omissão sempre que o juiz deixar de se manifestar a respeito de pontos sobre os
quais não poderia ter deixado de manifestar-se. Na verdade, nessa afirmação, dá-se por
sabido aquilo que ainda se está por saber. E, por outro lado, levar-se essa regra às
últimas consequências – já que se trata de proposição tautológica – equivale a permitir
ao Judiciário que negue a prestação jurisdicional: a parte teria o direito ao
pronunciamento judicial, mas exclusivamente sobre aquilo que o órgão jurisdicional
considerasse relevante.

Sempre sustentamos que é relevante que constem da decisão os pontos ou questões


que, se examinados, teriam o condão de alterar a decisão proferida. Eles, é claro, são
49
relevantes. Hoje, isso consta expressamente da lei (art. 489, § 1º, CPC
(LGL\2015\1656)). Mas também devem constar os elementos efetivamente levados em
conta para que a decisão fosse proferida como foi. Isso se torna ainda mais relevante
quando se trata de acórdão do 2º grau de jurisdição.

É que a comparação entre as decisões, para fim de se verificar se são ou não


desarmônicas, só se faz, nos recursos de estrito direito, à luz do que consta da decisão
de que se recorreu. Essa necessidade parece ser ainda mais aguda quando se trata de
50
embargos de divergência. Portanto, os fatos devem estar lá. E, se não estiverem,
podem os embargos de declaração ser usados com essa finalidade.

Assim, é claro, para que haja uniformização com base na identidade essencial dos casos
cotejados, é necessário exista, na decisão, a adequada descrição dos fatos. Assim, em
recurso especial, com base na discrepância da jurisprudência, ou em embargos de
divergência, pode-se chegar à tão almejada harmonia no sistema.

Vejamos exemplos:

Vale a pena fazer-se referência daqui a um caso em que existe evidente divergência e
rompimento da harmonia do sistema, em que tem que ser admitido o controle pela via
recursal, mas que ainda não chegou ao fim.
Página 11
Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

Em certa ação civil pública, intentada contra empresa de telefonia, houve condenação a
que se abrisse uma loja (que tinha sido fechada) e ao pagamento de indenização por
danos morais à comunidade local, no patamar de R$ 500.000,00 (danos morais
coletivos). O REsp foi improvido (598.281/MG). Foram interpostos embargos de
divergência e foi escolhido como paradigma acórdão do mesmo STJ, em que se conclui
que o dano moral está sempre vinculado à noção de dor, de sofrimento psíquico, tendo,
portanto, caráter individual, inexistindo dano moral coletivo.

Observe-se que, no caso, o Especial foi improvido e se declarou, na decisão de


improvimento, que o dano moral coletivo ocorre in re ipsa.

É extremamente criticável, por tudo o que até agora se tem dito neste artigo, a postura
do STJ no sentido de que não caberiam Embargos de Divergência quando se trata de
51
corrigir quantum fixado a título de dano moral. Dizem, os acórdãos, que, nesses casos
não há “diversidade de tratamento jurídico aplicado a situações inteiramente idênticas”,
esquecendo-se que esta não é senão uma das formas de desarmonia, uma das hipóteses
em que se manifesta a ruptura da coerência do sistema.

Também quando os casos são diferentes e as soluções jurídicas dadas são iguais, há
desarmonia, que deve ser corrigida seja por embargos de divergência, seja por recurso
especial com base em divergência jurisprudencial.

1 No original: an historic continuum (CAENEGEM, R. C. Van. Judges, Legislators &


professors, goodhart lectures, 1984-1985, Chapters in European Legal History.
Cambridge University Press, 2006. p. 7-8).

2 cases are seen as a source of law.

3 No original: good decisions are guided by custom and wise counsel as to what is
reasonable (BAKER, J. H. An introduction to English legal history. 4. ed. Londres:
Butterworths, 2002. p. 1).

4 No original: general customs, generally observed among englishmen (CROSS, Rupert;


HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Clarendon Law Series. Oxford: Clarendon
Press, 1991. p. 165).

5 Nesse contexto é que foi concebida a teoria declaratória, já que os juízes declaravam
um direito que “já existia” (sob forma de costume), embora fossem às suas decisões que
se dava (e se dá) o valor e o status de ser direito. (EVANS, Jim. Change in the doctrine
of precedent during the nineteenth century. In: GOLDSTEIN, Laurence (Coord.).
Precedent in law. Oxford: Oxford University Press, 1987. p. 36).

6 No original: It is widely recognized that the English doctrine of precedent hardened


during the nineteenth century (EVANS, Jim. Change in the doctrine of precedent during
the nineteenth century. In: GOLDSTEIN, Laurence (Coord.). Precedent in law. Oxford:
Oxford University Press, 1987. p. 57).

7 “Também na Alemanha o Corpus Juris Civilis foi recepcionado e esta recepção gerou
um sistema de Direito desenvolvido por profissionais (juristenrecht). O direito Romano
forneceu a base teórica para o progresso que culminou no trabalho dos juristas do século
XIX”. No original: Also in Germany the Corpus Juris Civilis was “received” and this
reception generated a system of law developed by professionals (Juristenrecht). “Roman
law provided the theoretical basis for legal progress that culminated in the work of the
scholars of the 19th century” (CAENEGEM, R. C. Van. Judges, Legislators & Professors,
Goodhart lectures, 1984-1985, Chapters in European Legal History. Cambridge
University Press, 2006. p. 41).
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

8 Confira-se também o que José Reinaldo de Lima Lopes afirma: “Irnério é tido como o
iniciador de uma tradição a dos glosadores… a Irnério se atribuiu uma nova edição do
Corpus Juris Civilis de Justiniano, a littera boloniensis: assim, ele não o descobriu, mas o
consolidou” (O direito na história, p. 133).

9 Segundo Tercio Sampaio Ferraz, “Aceitos como base indiscutível do direito, tais textos
foram submetidos a uma técnica de análise que provinha das técnicas explicativas
usadas em aula, sobretudo no Trivium – Gramática, Retórica e Dialética,
caractertizando-se pela glosa gramatical e filológica, donde a expressão glosadores,
atribuídas aos juristas de então” (Introdução ao estudo direito, p. 39).

10 “O pensamento dogmático, em sentido estrito, pode ser localizado, em suas origens,


nesse período. Seu desenvolvimento foi possível graças a uma resenha crítica dos
digestos justinianeus, a Littera boloniensis, os quais foram transformados em textos
escolares do ensino na Universidade” (idem).

11 No original: “The really astonishing fact is that on the point of legal techniques the
English lawyers have much more in common with the Roman lawyers than do the
nineteenth century pandectists who expressly followed the Roman tradition... It may be
a paradox but it seems to me the truth is that there is more affinity between the Roman
jurist and the common lawyer that there is between the Roman jurist and his modern
civilian sucessor” (ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. An introduction to comparative law,
3. ed. Oxford: Clarendon Press, 1998. p. 186).

12 Le mot jurisprudence doit être effacé de notre langue.

13 QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Estudos de direito político. Coimbra: Coimbra Editora,


1989. p. 205.

14 MONTESQUIEU. De l’espirit des lois. Livro XI. capítulo VI. apud DAHRENDORF, Ralf. A
confusion of powers: politics and the rule of law. Modern Law Review, 1977. p. 8. nota
13.

15 Sinteticamente, observa Rodrigo de Oliveira Kaufmann: “Essa concepção, que


permaneceu -majoritariamente desde o século XVIII nos estudos científicos, e que
pregava a natureza eminentemente dedutiva e formal de todos os ramos do
conhecimento, inclusive das ciências do espírito, defendia também que a interpretação,
nesse diapasão, teria uma função acessória, de menor relevância”.
“Entretanto, não demorou muito para que essa estrutura teórica que pretendia explicar o
direito começasse a demonstrar suas fraquezas e falhas. É provável que o tempo de vida
dessas teorias tenha durado somente pelo lapso suficiente para que o direito fosse,
enfim, considerado como ciência e tenha alcançado sua autonomia, fixando suas
fronteiras com os demais ramos do conhecimento. Logo, portanto, percebeu-se que as
teorias dedutivas e monológicas não explicavam de forma satisfatória o fenômeno
jurídico e que havia uma série de situações nas quais o jurista, na sua atividade,
revelava sim um aspecto criativo e dialético, o que repercutia em todo o sistema por
meio de seu movimento estrutural dialógico. O sistema jurídico fechado entrou em crise,
uma vez que não conseguia prever todos os casos que a realidade apresentava” (A
teoria da tópica jurídica em Theodor Viehweg. O raciocínio jurídico na filosofia
contemporânea. São Paulo: Carthago Editorial, 2002. p. 61-120, especialmente p. 63 e
69).

16 Ensina-nos Ana Paula de Barcellos: “Do ponto de vista sociológico, duas das
características mais marcantes das sociedades contemporâneas nos últimos cinqüenta
anos são o aprofundamento da complexidade das relações humanas em seus vários
níveis e, em certa medida como uma decorrência desse primeiro fato, a crescente
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

pluralidade existente dentro das sociedades” (Ponderação, racionalidade e atividade


jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 7).

17 Diz Aharon Barak, Juiz da Suprema Corte de Israel, que: “Nada escapa do direito. O
mundo está permeado pelo direito: qualquer coisa e tudo é ‘juridicizável’”. Na língua em
que isso foi dito: “Nothing falls beyond the purview of judicial review. The World is filled
with law: anything and everything is justiciable”.

18 DWORKIN, Ronald. Taking rights serioulsy. Cambridge (Mass.): Harvard University


Press, 1977. Capítulo. 9, Reverse Discrimination. p. 224.

19 Outros exemplos podem ser citados: “1. A licença é direito também do filho, pois sua
finalidade é ‘propiciar o sustento e o indispensável e insubstituível convívio, condição
para o desenvolvimento saudável da criança’ (TRF da 3ª Região, MS n.
2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela qual a
adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença remunerada. 2. Pelas
mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação à garantia de
tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e cuidado nos primeiros
meses de vida, sob o fundamento de falta de previsão constitucional ou legal para a
concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias, no caso de adoção ou de guarda
concedidas a casal homoafetivo. De todo modo, após a ADI n. 132 não mais se concebe
qualquer tipo de discriminação ou mesmo restrição legal em razão de orientação sexual.
E, como consectário lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser
assegurados os mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem
aquelas que têm origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas
uniões (STF, ADI n. 4277, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.11). 3. Assim, a licença
remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação de 60 (sessenta) dias
prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida ao casal
homoaefetivo, independentemente do gênero, no caso de adoção ou guarda de criança
de até 1 (um) ano de idade. 4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o
pedido de reconsideração e o agravo legal da União” (TRF3, AI
0032763-15.2012.4.03.0000/MS, 5ª T., Des. Fed. André Nekatschalow).
E ainda, recente caso do TJSP envolvendo demora em realização de cirurgia de paciente
com grave moléstia, confira-se: “Reexame necessário. Necessidade de realização de
procedimento cirúrgico. Cirurgia prevista no SUS. Previsão orçamentária. Autora que
estava na fila, mas teve a cirurgia desmarcada sem que nova data fosse fixada. Demora
de mais de 4 anos para a realização de cirurgia que não se justifica. Reexame necessário
desprovido”.

Inteiro teor: “Assim, não poderia a autora ficar aguardando a realização de cirurgia, sem
que lhe fosse dada nenhuma previsão para a sua realização, principalmente quando a
cirurgia agendada foi desmarcada sem previsão de nova data. E, caso a justificativa para
a demora na realização de cirurgia decorresse da superlotação dos hospitais, caberia à
apelante demonstrar que toda a rede hospitalar teria carência de vagas ou ainda que
existiriam casos mais urgentes que justificassem um tratamento prioritário em
detrimento da autora, cujo quadro clínico é bastante grave dado o tempo que foi
obrigada a conviver com a lesão, que sabidamente inviabiliza a sua locomoção e
causa-lhe muitas dores” (TJSP; Remessa Necessária 1011334-82.2016.8.26.0477;
Relator (a): Fernão Borba Franco; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro
de Praia Grande – Vara da Fazenda Pública; j. 19.12.2017).

20 “O juiz, mesmo quando é livre, não é inteiramente livre. Ele não é o cavaleiro errante
à procura do seu ideal do Belo e do Bom. Dele se espera que extraia a sua inspiração de
princípios. Ele não deve ceder a sentimentos momentâneos, a vaga e indisciplinada
benevolência. Deve exercitar sua discricionariedade informada pela tradição, obedecendo
ao método da analogia, disciplinado pelo sistema e subordinado à necessidade primordial
de ordem na vida social”. No original: “The judge, even when he is free, is still not
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

wholly free. He is not a Knight-errant roaming at will in pursuit of his own ideal of beauty
or of goodness. He is to draw his inspiration from consecrated principle. He is not to
yield to spasmodic sentiment, to vague and unregulated benevolence. He is to exercise a
discretion informed by tradition, methodized by analogy, disciplined by the system and
subordinated to the primordial necessity of order in the social life” (CARDOZO, Benjamin
N. The nature of judicial process. Yale University Press, 1921. p. 102-103).

21 No original: Coherence, “in the sense that the multitudinous rules of a developed
legal system should ‘make sense’ when taken together” (MACCORMICK, Neil. Legal
reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1978. p. 152).

22 No original: “For the purposes of this lecture it is sufficient to define jurisprudence as


the study of the general principles of law and their systematic arrangement”
(GOODHART, A L. Essays in jurisprudence in the common law. Cambridge, at the
University Press, 1931. p. 27 [destaques nossos]).

23 No original: “This coherence should, to a certain extent, be conserved or maintained


by new law, and legal principles provides, in this sense, guidance for courts and
continuity in law, where there are […] cases that are not governed by any pre-existing
rules” (ALEXANDER, Larry; e SHERWIN, Emily. Judges as rulermakers. Common Law
Theory. New York: Cambridge University Press, 2007. p. 43).

24 An economic perspective on stare decisis. Chicago-Kent Law Review, v. 65, 1989. p.


63-92.

25 Por isso é que a influência da jurisprudência tem sido objeto de reflexão também de
autores do civil law. Diz Michele Taruffo: “Pesquisas desenvolvidas em vários sistemas
jurídicos demonstraram que a referência a preceddentes há muiito tempo não é mais
uma característica peculiar dos sistemas de common law, estando hoje presente em
todos os sistemas, também de civil Law”. No original: Ricerche svolte in vari sistemi
giuridici hanno dimostrato che il riferimento al precedente non è più da tempo una
caratteristica peculiare degli ordinamenti di common law, essendo ormai presente in
qausi tutti i sistemi, anche di civil law (Precedente e giurisprudenza, cit., p. 7).

26 Afinal de contas: “[...] expectativas sobre deveres impostos pela lei dependem não só
da própria lei mas também do que prevalece nos tribunais”. No original: […]
expectations about legal obligations depend nor only on the prevailing judicial practice
(KORNHAUSER, Lewis A. An economic perspective on stare decisis. Chicago – Kent Law
Review, v. 65, 1989. p. 78).

27 No original: “people should not be like dogs that only discover that something is
forbidden when the stick hits their noses” (CAENEGEM, R. C. Van. Judges, Legislators &
professors, cit., p. 161).

28 Como preferem dizer os alemães, ao aludirem ao princípio da confiança. ALEXY,


Robert; DREIER, Ralf. Precedent in the Federal Republic of Germany. In: MACCORMICK,
Neil; SUMMERS, Robert S. (Coord.). Interpreting precedents, a comparative study.
Dartmouth Publishing Company (etc). p. 17-64, especialmente p. 19.

29 Autores antigos do common law já observavam que: “há, consequentemente, duas


forças constantemente trabalhando: (1) a tendência de se afastar da regra existente sob
o impulso de se corrigir injustiças; (2) a tendência inconsciente de se afastar do direito
como decorrência de um erro. Esses dois fatores são suficientemente relevantes para
transformar em muito difícil a tarefa de predizer o modo como o Direito vai ser
aplicado”. No original: “there are, therefore, two forces constantly at work: (1) the
tendency to depart from the applied law under a conscious impulse to correct injustice;
(2) the unconscious tendency to depart from the applied law under the influence of
error. These two factors of growth are sufficiently pervasive to make the task of
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

predicting the application of law very difficult. [...]”. (KOCOUREK, Albert. An introduction
to the science of law. Boston: Little, Brown and Company, 1927, § 4, p. 7).

30 “Muitas razões, como por exemplo, mal entendidos, raciocínio defeituoso, falhas na
percepção ou desvios ligados a obtenção de vantagens, para falar de poucas, levam à
discordâncias sobre o sentido de normas jurídicas. Em sociedades pluralísticas,
entretanto, a falta de estabilidade e a problematização sobre os sentidos da norma é
resultado, sobretudo, de um conflito sobre diversas concepções do que seja bom, que
competem umas com as outras”. No original: “Many reasons, such as
misunderstandings, faulty reasoning, failures in perception or biases linked to vantage
points, to name a few, may be responsible for disagreements on the meaning of legal
norms. In societies that are pluralistic in fact, however, destabilization and
problematization of meanings is traceable, above all, to the conflict among competing
conceptions of the good.” (grifamos) (ROSENFELD, Michel. Just interpretations: law
between ethics and politics. Londres: University of California Press, 1998. p. 276).

31 Aproximadamente nesse sentido, ALEXY, Robert; DREIER, Ralf. Statutory


interpretations in the Federal Republic of Germany. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS,
Robert S. (Coord.). Interpreting precedents, a comparative study. Dartmouth Publishing
Company, 1991, I, 1. p. 74.

32 Sobre a situação italiana, em que há jurisprudência contraditória, alterações bruscas


e situações, às vezes, caóticas v. TARUFFO, Michele; TORRE, Massimo la. Precedents in
Italy In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (Coord.). Interpreting precedents, a
comparative study. Dartmouth Publishing Company, 1997. p. 17 e ss.

33 OTEIZA, Eduardo. El problema de la uniformidad de la jurisprudencia en America


Latina. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, Buenos Aires, ano VI, n. 10, 2007.
p. 158-215.

34 Conselho Nacional de Justiça. Dados do Justiça em números. Acesso em: 18.01.2019.


Disponível em:
[www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf].

35 No original: “[...] that is, regard for precedent is necessary for the rule of law, but it
is also necessary that bad principles not permanently embalmed the law. These
necessities are always in tension with one another, and their resolution is always an
imperfect one, involving a choice between relative evils” (MARKMAN, Stephen.
Precedent: tension between continuity. The law and the perpetuation of wrong decisions.
Texas Law Review of Law and Politics, v. 8. p. 283.

36 No original: “helps courts to remember their institutional role, transcending the


moment” (MARKMAN, Stephen, ob. loc. cit.).

37 No original: “I am not convinced that the integrity of the law is strengthened when
the processes of interpretation are supplanted by the personal preferences of judge”
(Ibid. p. 286).

38 No original: “[...] such as reputation and fear of informal criticism” (DUXBURY, Neil,
cit., p. 16).

39 O distinguishing acontece quando não se aplica um precedente a um caso, porque


este caso apresenta uma peculiaridade qualquer, que justifica o afastamento da regra
fixada anteriormente daquele caso, embora o precedente sobreviva.

40 O overruling acontece na decisão em que se aplica regra diferente da adotada em


decisões anteriores, anunciando-se que a regra afastada está superada.

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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

41 No original: “[...] rarely if ever exists outside fictional literature” (DUXBURY, Neil, cit.,
p. 16).

42 “A falta de decisões estáveis sobre qualquer tema possibilita aos jurisdicionados


‘testar’ o juiz ou o Tribunal, aumentando o número de ações, criando um verdadeiro
caos. Isso não só atrapalha o trabalho desses, como também tira a credibilidade do
Poder Judiciário como um todo, na medida em que dois casos semelhantes acabam
sendo decididos diferentemente” (CAMARGO, João Ricardo. O novo desenho estrutural
dos embargos de divergência no STJ traçado pelo Código de Processo Civil de 2015.
Revista de Processo, São Paulo, v. 272, p. 271-296, out. 2017

43 No original: “[...] is likely a practice to increase the power of the decisionmaking


institution [...] Internal consistency strengthens external credibility” (SCHAUER,
Frederick. Precedent. Stanford Law Review, v. 39, fev. 1987. p. 600).

44 Por exemplo, a divergência jurisprudencial quanto à isenção da COFINS sobre


receitas auferidas a título de mensalidades pagas por alunos às instituições de ensino
sem fins lucrativos. O tema foi objeto de julgamento, de acordo e para os fins de
repetitivo, no STJ, sob o tema n. 624. Na ocasião do julgamento, tendo em vista a
relevância da questão, foram oficiadas inúmeras associações de ensino sem fins
lucrativos. Ao final do julgamento, o Tribunal reconheceu a isenção de COFINS para
entidades sem fins lucrativos.

45 Vejam-se, por exemplo, casos já julgados que envolvem a não incidência de


contribuição previdenciária sobre vale-transporte, mesmo pago em dinheiro, e sobre
aviso-prévio indenizado. Ambos os casos, embora não idênticos, devem ser decididos da
mesma forma, visto que, abstratamente, possuem a mesma identidade: espécie
“benefício”, natureza da verba “indenizatória” (STJ, REsp 1.614.585/PB, 2ª T., j.
13.09.2016, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 07.10.2016).

46 No direito brasileiro, muito mais frequentemente para casos idênticos.

47 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a


nova função dos tribunais superiores (2002). 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2018. passim.

48 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2018. p. 458-459. (g.n.)

49 Nesse sentido, observa em parecer, Carlos Roberto Barbosa Moreira: “Havia, pois,
argumentos que deveriam ter sido apreciados, mas não o foram; plenamente cabíveis e
procedentes, em consequência, os embargos de declaração opostos pelo SINTRES, nos
quais se denunciam as omissões do acórdão embargado e por meio dos quais se postula
sua reforma, de modo a que seja rejeitada a preliminar nele indevidamente acolhida. A
hipótese se insere entre aquelas nas quais doutrina e jurisprudência admitem efeitos
infringentes aos embargos de declaração, levando-se em conta a omissão no exame de
argumento relevante, que, se acolhido, poderia conduzir a resultado diverso. A
propósito, diz o Enunciado 278 do TST: ‘A natureza da omissão suprida pelo julgamento
de embargos declaratórios pode ocasionar efeito modificativo no julgado’. A hipótese
claramente sugere a aplicação da tese. Da mais recente produção do Superior Tribunal
de Justiça, cabe destacar acórdão cuja tese central certamente aproveita ao consulente
na demonstração da possibilidade de recebimento de seus embargos declaratórios com
efeitos modificativos: referimo-nos ao REsp 493.877-SP, assim ementado: ‘Embargos de
declaração. Argumento não apreciado. Embargos com efeito modificativo. Ação de
cobrança. Título executivo prescrito– O juiz pode apreciar nos embargos de declaração
fundamento arguido na réplica para afastar a alegação de falta de interesse de agir do
credor que tem título executivo e propõe ação ordinária. Tendo sido afirmado na réplica
que o credor assim agia porque o título já estaria vencido há muito tempo, portanto já
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Carga normativa das decisões do juiz e suas
consequências inexoráveis

não tinha força executiva, o juiz que enfrenta esse argumento nos declaratórios pode
atribuir a este efeito modificativo e alterar a sentença anterior para permitir o
prosseguimento da ação. Recurso não conhecido’ (4.ª T., rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, j. 05.06.2003, DJU 15.12.2003, p. 316). O caso julgado pelo STJ guarda óbvia
semelhança com o que se estuda neste parecer, uma vez que, em ambos, havia
argumento, suscitado pela parte mas não apreciadona decisão da causa, que
teoricamente poderia conduzir o órgão judicial a resultado inverso (no precedente aqui
transcrito, acolheu-se preliminar de ausência de interesse de agir, conquanto o autor
houvesse procurado demonstrar a necessidade de recorrer ao processo de
conhecimento, diante da perda de eficácia executiva de seu título, em decorrência da
passagem do tempo; na hipótese em análise, o Tribunal Superior do Trabalho extinguiu
o processo por impossibilidade jurídica do pedido, embora o autor da ação rescisória,
sem êxito, houvesse tentado chamar a atenção do órgão judicante para a real natureza
da decisão rescindenda e para o entendimento sumulado no Supremo Tribunal Federal,
nitidamente contrário à tese prevalecente na decisão embargada)” (BARBOSA MOREIRA,
Carlos Roberto. Embargos de declaração, possibilidade de seu provimento, com
alteração do acórdão embargado, se este deixou de examinar argumento suscitado pelo
embargante, cuja apreciação pode conduzir a resultado diverso. Revista de Processo,
São Paulo, v. 29, n. 116, p. 239-250, set.-out. 2004).

50 Em monografia sobre o tema, alinhando-se ao que já é defendido por nós em outros


trabalhos, João Ricardo Camargo afirma que “Os Embargos de Divergência são
instrumento refinado de uniformização de teses jurídicas. No novo CPC há instrumentos
de uniformização que não se prestam a este tipo de sofisticação, sendo destinados, a
grosso modo, a uniformizar questões de massa, que envolvem direitos individuais
homogêneos, em cuja análise a questão de fato e de direito passa a ser relevante, como,
por exemplo, no IRDR. Os Embargos de Divergência, todavia, se diferenciam do IRDR,
por exemplo, porque prescindem da identidade absoluta dos fatos subjacentes a ambos
os processos cujas decisões são confrontadas. Aquele é um instrumento mais específico
para absorver decisões conflitantes, como se utilizasse de um instrumento tópico para
determinada patologia, enquanto este é um instrumento mais genérico para o seu
tratamento” (CAMARGO, João Ricardo. O novo desenho estrutural dos embargos de
divergência no STJ traçado pelo Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo,
São Paulo, v. 272, p. 271-296, out. 2017).

51 Noticia-nos que “há uma ‘jurisprudência defensiva’, instrumentalizada pela Súmula


420, que impede tratamento isonômico dos valores das indenizações por danos morais
dentro do próprio Tribunal. O STJ editou em 2010 a Súmula 420 a fim de impedir o
conhecimento dos Embargos de Divergência que buscassem discutir os valores de danos
morais. Tal Súmula foi editada em virtude dos seguintes leadingcases: AgRg nos EREsp
507.120/CE; AgRg nos EREsp 506.808/MG; AgRg nos EAg 646.532/RJ; AgRg nos EREsp
510.299/TO, entre outros. Todos esses acórdãos têm em comum o fundamento de que o
valor da indenização fixada a título de dano moral é determinado pelas peculiaridades de
cada caso concreto, tornando-se inviável a comparação entre acórdãos” (CAMARGO,
João Ricardo. O novo desenho estrutural dos embargos de divergência no STJ traçado
pelo Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo, São Paulo, v. 272, p.
271-296, out. 2017).

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