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DIREITO CIVIL III – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

Profa Myriam Benarrós Clementoni

SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Atlas, 2007

CONTRATOS ALEATÓRIOS - Arts 458 A 461


1. Conceito e espécie

Contrato aleatório é aquele contrato oneroso em que não há


certeza da existência da contraprestação ou da extensão desta.
Contrariamente ao contrato comutativo, não há equivalência entre a
prestação das partes, pois os contratos aleatórios são marcados pela
presença da álea (sorte) ou risco.

Em alguns tipos de contrato, o risco é inerente ao próprio tipo


contratual. Se o risco não existisse, o próprio contrato perderia sua razão
de ser. Assim, são exemplos de contrato tipicamente aleatório o seguro, o
jogo e a aposta. Enquanto no jogo e aposta a álea tem caráter
especulativo, no contrato de seguro o caráter é preventivo. Se não
existisse o risco, o jogo não existiria.

Além dos contratos tipicamente aleatórios, temos os contratos que


são, por sua natureza, comutativos, mas que podem ser transformados
em aleatórios pela vontade das partes. Exemplo clássico é o da compra e
venda de coisa futuras. Neste caso, o risco pode dizer respeito à existência
da própria coisa (emptio spei) ou apenas da quantidade da coisa (emptio
rei speratae).

2. Risco com relação à existência da própria coisa objeto do contrato


(emptio spei)

Nesta espécie de contrato aleatório, a contraprestação é devida


ainda que a prestação não venha a existir, pois o risco diz respeito à
existência do objeto (art. 458, CC). O comprador assume o risco de pagar o
preço ainda que a coisa não venha a existir.

O pagamento do preço, nesta hipótese, não terá como causa a


entrega da coisa futura em virtude do risco assumido pelo comprador.
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Não se vende a coisa propriamente dita, mas apenas a probabilidade de


ela vir a existir.

O melhor exemplo é o contrato de venda de toda a safra futura. Se o


comprador assume o risco pela existência de toda a safra se frustre em
razão de uma forte seca que assolou a região. Entretanto, se o contratante
age com dolo ou culpa e em razão disto a coisa inexiste, o outro
contratante não está obrigado a cumprir com a sua parte no contrato.

Assim, se a safra futura se frustra em razão de uma praga bastante


conhecida (broca da laranja, por exemplo) pelo fato de o vendedor não
ter-se precavido por meio de pulverização, não poderá este exigir o
pagamento do comprador, pois houve perda da coisa por culpa sua.

3. Risco com relação à quantidade da coisa futura (emptio rei sperate)

Nesta hipótese, parte-se da premissa de que a coisa objeto do contrato


existirá em qualquer quantidade e que, portanto, o preço é devido e não
sofre alteração ainda que a quantidade seja menor ou maior do que se
esperava (art. 459, CC).

Ao contrário do que ocorre na hipótese anterior, o risco assumido diz


respeito à quantidade da coisa, mas não com relação à sua existência. Se
nada vier a existir, a alienação se desfaz e o preço não será devido (art.
459, parágrafo único, CC).

Se o comprador contiver a previsão de que se adquire o que vier da


rede lançada ao mar pelo pescador, desde que algo venha, pagando-lhe
R$ 100,00, teremos a seguinte consequência:

- se nada vier, a compra e venda está desfeita (resolução) e o


comprador não terá que pagar o preço;

- se a rede contiver apenas um peixe, o comprador continua obrigado a


pagar o preço.
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O comprador só se livra do pagamento do preço se houver cul[a da


outra parte na quantidade da coisa obtida. Assim, se o pescador lança a
rede que está cheia de furos e poucos são os peixes pescados por esta
razão, pode o comprador não efetuar o pagamento do preço.

4. Risco com relação à coisa já existente

A terceira hipótese de contrato aleatório previsto em lei diz respeito


aos casos em que a coisa existe (não se trata de coisa futura), mas está
exposta a um risco.

Imaginemos o caso de o dono de certo imóvel ser réu em ação


reivindicatória pela qual um terceiro alega ser verdadeiro proprietário da
coisa. Se o réu na ação em questão resolver vender a casa e avisar ao
comprador que a coisa existe, mas há riscos de ocorrer a sua perda em
razão da demanda, estamos diante de um contrato aleatório.

Também, se o alienante avisa o adquirente que a mercadoria está


bloqueada no porto em razão de greve dos portuários e que, em razão da
demora na liberação, poderá estar com a data de validade vencida, e este
aceita assumir os riscos (certamente negociando redução de preço com o
primeiro), o negócio é válido e o preço deve ser pago, mesmo que a greve
demore muitos meses e a validade dos produtos expire.

Assim, se o adquirente, ciente do risco de perda total ou parcial da


coisa, assume o risco, o alienante terá direito ao valor integral do preço,
ainda que a coisa pereça total ou parcialmente (art. 460, CC). Não
responderá o alienante por evicção, nem por qualquer outro dano que a
coisa venha a sofrer.

Entretanto, a lei determina ser nulo o contrato em questão, se na data


da contratação o risco já havia se consumado e o contratante disto tinha
ciência (art. 461, CC). A lei não poderia prestigiar a má-fé do contratante
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que, ciente de que o risco já se consumou, não informa o outro


contratante e celebra o contrato.

Retomemos o exemplo da mercadoria do navio em questão. Se o


vendedor, na data do contrato, já sabe que o prazo de validade da
mercadoria expirou, e dolosamente oculta tal fato do comprador, não terá
direito ao preço, pois o risco já tinha se consumado. Neste caso, o risco já
não mais existia em razão de o evento estar consumado.

Da mesma forma, se determinado vendedor aliena um lote de


mercadorias que está no Iraque e, em razão da guerra, corre riscos de não
conseguir sair do país, o comprador que assume o risco pagará seu valor,
ainda que a mercadoria não chegue a seu destino. Entretanto, se o
vendedor, na data do contrato, já sabia que a mercadoria fora destruída
durante a guerra (o risco já se consumou), perde o direito ao preço, diante
de sua evidente má-fé.

Prevê a lei que se trata de causa de anulação do contrato por dolo do


contratante. Na realidade, se a coisa já não existe em razão do risco, o
contrato tem um vício na sua formação, qual seja, a inexistência do
objeto, ferindo o disposto no art. 104 do Código Civil de 2002.

Contrato Preliminar ou Pré-contrato – Arts. 462 a 466


1. Conceito e requisitos de validade

Contrato preliminar, também chamado de pré-contrato, compromisso


ou promessa de contrato, é aquele pelo qual as partes se obrigam a
celebrar o contrato definitivo.

É a criação de uma obrigação futura de contratar, obrigando as partes a


praticar os atos necessários para a contratação.

O exemplo clássico de contrato preliminar é o compromisso particular


de venda e compra de bem imóvel. As partes se comprometem a celebrar
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o contrato definitivo de venda e compra por meio de escritura pública


quando do pagamento integral do preço.

O contrato preliminar deverá ter todos os requisitos essenciais ao


contrato a ser celebrado, exceto quanto à forma (art. 462, CC). Assim, as
partes que celebram o pré-contrato devem ser capazes e seu objeto deve
ser lícito, possível, determinado ou determinável (art. 104, I e II). Sendo
juridicamente impossível a compra e venda definitiva de um terreno em
Marte, nulo será o pré-contrato. Da mesma forma, se o contrato
preliminar for firmado por absolutamente incapaz, nulo será.

Já a forma do contrato preliminar é livre. Ainda que a compra e venda


de bens imóveis cujo valor supere 30 vezes o salário mínimo vigente deva
ter forma pública (art. 108, CC), o compromisso de venda e compra pode
ser firmado por instrumento particular.

2. Espécies de contrato preliminar

São duas as espécies de contrato preliminar:

- promessa bilateral: forma-se a partir da vontade de ambas as partes,


que terão a faculdade de exigir da outra a execução do contrato que
prometeram firmar. É o caso da promessa de venda e compra de bem
imóvel, ou mesmo de cessão de quotas de determinada sociedade
comercial;

- promessa unilateral: forma-se a partir da vontade de ambas as partes,


mas apenas uma delas terá a faculdade de exigir o seu cumprimento. Seu
melhor exemplo é a opção pela qual o vendedor concede ao comprador o
direito de exercer a compra da coisa por determinado preço dentro de um
prazo acordado pelas partes. Dentro do prazo, cabe apenas ao comprador
o direito de exigir a realização do contrato. O vendedor apenas aguarda o
exercício do direito do comprador.
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3. Efeitos do contrato preliminar

a) Unilateral: sendo o contrato preliminar unilateral, o credor


terá que exercer os direitos nele previstos, no prazo fixado pelas
partes (art. 466, CC). Assim, se a opção de compra contém um
prazo de 30 dias para o exercício, superado tal prazo perde o
credor o direito de exigir a celebração do contrato definitivo.

Se o contrato preliminar não contiver prazos, caberá ao devedor assiná-


lo, dentro de um limite da razoabilidade. A questão da razoabilidade é
subjetiva e deve ser analisada no caso concreto. Em caso de conflito entre
as partes, o juiz decidirá qual é o prazo razoável para a validade do
contrato preliminar.

b) Bilateral: o contrato preliminar pode ou não conter a cláusula


de arrependimento. A cláusula de arrependimento faculta aos
contratantes o direito de se arrepender e conterá, na maioria
dos casos, a indenização para tal hipótese. Um bom exemplo de
cláusula de arrependimento será aquela com as arras
indenizatórias.

[Arras. Palavra utilizada somente no plural, que significa uma garantia ou


um sinal de um contrato como, por exemplo, o penhor. O termo arras
possui duas espécies, confirmatórias e penitenciárias.
As arras confirmatórias têm a função essencial de confirmar o contrato,
tornando-o obrigatório após a entrega do sinal. Com a confirmação as
partes contratantes, ficam impedidas de rescindir o acordo
unilateralmente, vindo a responder por perdas e danos se o fizer. Já as
arras penitenciais/indenizatórias existirão somente se as partes
contratantes estipularem o direito de arrependimento. As arras ou sinal,
no sentido penitencial, são, na realidade, uma pena convencionada que
deverá ser cumprida pela parte que se valer da faculdade do
arrependimento.
Fundamentação:
Artigos 417 a 420, todos do Código Civil
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Súmula 412 do Supremo Tribunal Federal


No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a
devolução do sinal, por quem deu, ou a sua restituição em dobro, por
quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos,
salvo os juros moratórios e os encargos do processo.]

As arras indenizatórias significam a garantia de direito de


arrependimento com a seguinte indenização: se quem deu as arras se
arrepender, perdê-las-á, e se quem recebeu as arras se arrepender,
devolvê-las-á acrescidas de seu equivalente, juros e correção monetária
(art. 420, CC). Em se tratando de loteamento urbano (matéria regida pelo
decreto n. 57/38 e pela Lei n. 6.766/79), a cláusula de arrependimento é
expressamente proibida, e a vedação é norma de ordem pública.
Se não houver cláusula de arrependimento, qualquer dos contratantes
poderá exigir do outro a celebração do contrato definitivo, concedendo
um prazo para que o efetive (art. 463, CC). A lei não diz qual será o prazo a
ser fixado pela parte. Isso porque o prazo deve ser concedido de acordo
com o caso concreto, conforme a razoabilidade, cabendo ao credor
notificar o devedor por se tratar de mora ex persona. Assim, o comprador,
tendo pago integralmente o preço, notifica o vendedor para que lavre a
escritura de venda e compra (contrato definitivo) em dez dias.
Se não o fizer no prazo concedido, pode a parte exigir judicialmente que
o faça e, neste caso, a sentença judicial substituirá a vontade da parte
renitente (art. 464, CC). Um bom exemplo em que sentença substitui a
vontade da parte se verifica quando, tendo o comprador quitado
integralmente o preço pago, sendo o compromisso irretratável e
irrevogável, propõe a ação de adjudicação compulsória da coisa. É a
chamada tutela específica da obrigação de fazer, ou seja, de celebrar o
contrato definitivo de venda e compra.
Se não quiser exigir o cumprimento da obrigação, pode a parte
prejudicada optar pela cobrança de perdas e danos em razão do
inadimplemento culposo da obrigação de fazer assumida em pré-contrato
(art. 465, CC).
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Merece elogios o dispositivo em questão ao permitir que o prejudicado


possa exigir a celebração do contrato definitivo, ao invés de simplesmente
cobrar os prejuízos causados pelo inadimplemento. Trata-se de forma
mais eficiente de o contratante conseguir o bem da vida objeto do
contrato.
Só não poderá o juiz substituir a vontade da parte se a obrigação
assumida no contrato preliminar for personalíssima, ou seja, a natureza da
obrigação se opuser à possibilidade de sentença em substituição (art. 464,
in fine, CC). Nessa hipótese, caberá à parte prejudicada apenas a cobrança
de perdas e danos (art. 465, CC).
Última indagação interessante com relação ao pré-contrato diz respeito
aos contratos reais, ou seja, aqueles em que a tradição é essencial para o
aperfeiçoamento do contrato (mútuo, depósito, comodato, contrato
estimatório). Qual seria a consequência do descumprimento de um pré-
contrato de comodato?
A questão é controvertida.
Pela posição clássica, a resposta seria apenas o pagamento das perdas e
danos. Entretanto, conforme leciona Marcos Jorge Catalan, é plenamente
possível que o juiz obrigue o contratante a celebrar o contrato definitivo,
exigindo-se a prestação contratada. Como exemplo, cita a situação em
que um museu celebra pré-contrato de comodato de uma obra de arte
para a sua exposição. As simples perdas e danos frustrariam a exposição.

4. Registro do contrato preliminar


O Código de 2002 informa que o contrato preliminar deverá ser levado
ao registro competente (art. 463, parágrafo único, CC).
O registro competente dependerá do bem objeto do pré-contrato. Se
imóvel, deverá ser registrado no Registro de Imóveis, e se móvel, no
Registro de Títulos e Documentos.
A nova regra que exige o registro do contrato preliminar contraria
orientação sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o
direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do
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compromisso de compra e venda no cartório de imóveis (Súmula 239,


STJ).
A questão que surge é a seguinte: Qual será a consequência do não-
registro do contrato preliminar? A súmula 239 foi revogada pela novo
Código?
Para a resposta, precisamos diferenciar os efeitos produzidos pelo
registro do contrato preliminar entre as partes contratantes e perante
terceiros.
Com relação às partes contratantes, parece absolutamente irrelevante
a realização de registro. É regra de direito civil que a obrigação produz
efeitos entre as partes sem a necessidade de maiores formalidades.
Assim, em nossa opinião, que não é pacífica, a adjudicação compulsória
continua a ser possível, mesmo sem que exista o registro do contrato
preliminar.
O registro só será necessário para que o contrato preliminar produza
efeitos quanto a terceiros que dele não participaram. Perante terceiros
que venham a adquirir a coisa prometida à venda, o registro será
imprescindível para se afastar sua boa-fé. Nesse sentido é o Enunciado 30
aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça federal, sob a coordenação científica do
então Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
“Art. 463. A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código
Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.”

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