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Projeto para Edital de Auxílio à Pesquisa Wenner-Gren/PPGAS-MN

Proponente: Ellen Fernanda Natalino Araújo – Discente de doutorado (2018-2021)

Título
Os Fulni-ô no Nordeste: por uma etnografia dos possíveis

Resumo
A pesquisa aqui proposta tem por objetivo a produção de uma etnografia centrada na
socialidade (Wagner 1974; Strathern, 1988) do povo indígena Fulni-ô – que habita a
região da Serra do Comunaty, entre o Agreste meridional e o sertão sub-médio Rio São
Francisco no Estado de Pernambuco, em uma terra indígena localizada na circunscrição
do município de Águas Belas. Junto ao português, também são falantes de uma língua
própria, o yathê. (ISA, 2017). De acordo com um levantamento de 2014, o povo
Fulni’ô possui atualmente 4.689 integrantes. Inspirada por uma vertente etnológica
desenvolvida nos estudos das sociedades indígenas amazônicas, denominada
economia simbólica da alteridade (VIVEIROS DE CASTRO, 2002[2013], p.335), e em
etnografias junto a grupos indígenas supostamente “aculturados” (GALVÃO, 1956) ou
“emergentes” (OLIVEIRA, 1999), como as de Peter Gow (1991) junto aos ‘nativos do
Baixo Urubamba’, Susana Viegas (2007) com os Tupinambá do sul da Bahia e Clarissa
Lima (2013) sobre os Xucuru de Pernambuco esta investigação pretende compor uma
etnografia dos Fulni-ô ao descrever os princípios de organização social e a cosmologia
desse povo. A pesquisa será conduzida através da realização de trabalho de campo
intensivo, a ser realizado durante doze meses, na Terra Indígena dos Fulni-ô. Durante
esse tempo morarei na casa de uma família Fulni-ô – com quem já habitei durante os
meses de janeiro e fevereiro de 2019. A intenção é partilhar da vida diária dos Fulni-ô,
vivendo de acordo com o ritmo de seus afazeres, cotidianos e eventuais, e contribuir
para estes.

Abstract
The research proposed here aims at the production of an ethnography centered on
sociality (Wagner 1974; Strathern, 1988) of the Fulni-ô indigenous people - inhabiting
the region of the Serra do Comunaty, between the southern Agreste and the sub-
middle of river Rio São Francisco in the State of Pernambuco, in an indigenous land
located in the circumscription of the municipality of Águas Belas. Along with
Portuguese, they are also speakers of a language of their own, the yathê. (ISA, 2017).
According to a 2014 survey, the Fulni'ô people currently have 4,689 members. It was
inspired by an ethnological strand developed in the studies of indigenous Amazonian
societies, called the symbolic economy of alterity (VIVEIROS DE CASTRO, 2002 [p.335]),
and in ethnographies with allegedly "acculturated" indigenous groups (GALVÃO, 1956)
or "Emergent" (OLIVEIRA, 1999), such as those of Peter Gow (1991) with the 'natives of
Baixo Urubamba', Susana Viegas (2007) with the Tupinambá of southern Bahia and
Clarissa Lima (2013) on the Xucuru of Pernambuco research aims to compose an
ethnography of the Fulni-ô in describing the principles of social organization and the
cosmology of this people. The research will be conducted by performing intensive
fieldwork, to be carried out for twelve months, in the Fulni-ô Indigenous Land. During
this time I will live in the home of a Fulni-ô family - with whom I have lived in the
months of January and February 2019. The intention is to share the daily life of the
Fulni-ô, living according to the rhythm of their daily tasks and contribute to them.

Palavras-Chave
Indígenas do Nordeste, Fulni-ô, Etnografia
Indigenous peoples of the Northeast, Fulni-ô, Ethnography

Dados da proponente
Ellen Fernanda Natalino Araújo

17/08/1987, Volta Redonda, RJ – Brasil

2014 – Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais, Universidade Federal


Fluminense
2016 – Mestrado em Antropologia, PPGA – Universidade Federal Fluminense
2018-2021 – Doutorado em andamento em Antropologia Social, PPGAS-MN, UFRJ

Orientadora
Luisa Elvira Belaunde Olschewski

Localização geográfica da pesquisa


Terra Indígena Fulni-ô adjacente ao município de Águas Belas, no estado de
Pernambuco, Brasil.

Área e sub-área da antropologia


Antropologia; Etnologia indígena

Datas previstas de início e fim da pesquisa


01/08/2019 a 30/07/2020
Questão 1 - Descreva o objetivo da sua pesquisa. Qual será o foco da sua
investigação? Qual é a sua principal questão? Quais outras questões você deverá
responder para que possa abordar a questão central?

A pesquisa aqui proposta tem por objetivo a produção de uma etnografia


centrada na socialidade (Wagner 1974; Strathern, 1988) do povo indígena Fulni-ô –
que habita a região da Serra do Comunaty, entre o Agreste meridional e o sertão sub-
médio Rio São Francisco no Estado de Pernambuco, em uma terra indígena localizada
na circunscrição do município de Águas Belas, banhada pelo rio Ipanema, afluente do
Rio São Francisco. Junto ao português, também são falantes de uma língua própria, o
yathê. (ISA, 2017). De acordo com um levantamento de 2014, o povo Fulni’ô possui
atualmente 4.689 integrantes.
O ‘contato’ com os Fulni-ô remonta à época da invasão europeia de suas terras,
no século XVII, época em que portugueses e holandeses ‘expandiram’ suas incursões
colonialistas até o interior da região atualmente denominada Nordeste brasileiro.
Antes desse ‘mau encontro’, eles viviam na região da Serra do Comunaty e a Serra dos
Cavalos, entre os rios Ipanema e Tapera, em um espaço que se estende do atual
município de Águas Belas, no estado de Pernambuco até os limites com atual estado
de Alagoas (SCHRÖDER, 2011). Apesar da imprecisão das informações históricas,
documentos relativos ao ‘período da colonização’, dão conta de que os Fulni-ô,
referidos como Carnijós, foram aldeados em meados do século XVIII, por missionários
católicos, possivelmente junto a outros grupos indígenas – prática comum à época da
expansão pastoril europeia pelo sertão nordestino. No final do século XIX, com a
extinção dos aldeamentos, uma comissão do governo determinou que aos Fulni-ô
caberia à posse de uma área total de 11.505 ha, a qual foi dividido em 427 lotes
distribuídos às famílias indígenas. (SCHRÖDER, 2011). No entorno do território
‘quadrado’ cedido aos Fulni-ô, estabeleceu-se a cidade de Águas Belas que possui
atualmente uma população estimada em 40.235 habitantes (BRASIL/IBGE, 2014), com
os quais o grupo indígena mantém uma relação de tensão e conflitos variados.
O antropólogo alagoano, Estevão Pinto, em sua etnografia dedicada ao grupo,
publicada em 1956, indica que os Fulni-ô descenderiam de uma população referida
como Carnijó e que fora aldeada em meados do século XVIII, por missionários
católicos, em um aldeamento denominado Aldeia da Alagoa da Serra do Comonaty
(vila do Penedo), na época da expansão pastoril em direção ao interior sertanejo
levada a cabo pela coroa portuguesa mediante a distribuição de sesmarias a colonos
interessados (PINTO, 1956, p.56-67). Ainda na caracterização de Estevão Pinto, os
Fulni-ô comporiam, junto dos Flokasá e Fola, “uma das frações ou clãs do grupo dos
Carnijós que habitavam o vale do Ipanema” e tornaram-se hegemônicos após uma
guerra entre os subgrupos. Durante seu trabalho de campo, o etnólogo relata ter
ouvido dos mais velhos que os Fulni-ô emigraram para a região da Serra do Comunaty,
“em busca de terras em que a caça fosse abundante” (1956, p.65), vindos do médio
São Francisco, de uma localidade denominada ‘Pé de Banco’, nas proximidades da Ilha
da Assunção, defronte ao município de Cobrobó, PE. Os Fulni-ô estariam, assim,
“dentro de um círculo de elementos culturais, senão idênticos, pelos menos
aparentados, do qual fazem partem, provavelmente, [outros grupos indígenas como]
os Pancararu, os Shucuru, os Tushá, os Shocó, etc.” (1956, p.67).
Por sua vez, a historiadora Mariana Albuquerque Dantas, confrontando um
leque maior de fontes históricas, ressalva a impossibilidade de traçar uma
continuidade inequívoca entre os “Carnijós habitantes do Ipanema e da serra do
Comunaty, em 1749, e aqueles que habitavam Aguas Belas, no século XIX e começo do
século XX”, em virtude de ser uma região de colonização e contato muito antiga,
marcada pelos intensos deslocamentos e interações entre os diversos grupos indígenas
e destes com as populações não indígenas do entorno compostas por sesmeiros,
trabalhadores livres, negros escravizados, etc. (DANTAS, 2010, p.50-51).
Cercados pela cidade, confinados em uma área muito inferior ao território que
ocupavam tradicionalmente, os Fulni-ô levam a vida por meio da agricultura
(mormente de feijão e milho) e praticam as atividades de caça, pesca e coleta – esta
última, principalmente a da palha de Ouricuri com a qual produzem diversos artefatos,
tanto para uso quanto para comercialização. Muitos deles possuem trabalhos
assalariados, outros ocupam postos na Funai, na escola indígena, etc. Em relação à
organização social, Pinto (1956) descreve a existência de cinco clãs hierarquizados
entre si. Há duas figuras tradicionais e centrais à função política, o cacique e o pajé. E
desde a década de 1990, os Fulni-ô estabeleceram um ‘conselho’ deliberativo
composto por membros mais jovens do grupo (MELO, 2011). Todos os anos, entre os
meses de setembro e novembro, os Fulni-ô mudam-se da aldeia sede para Aldeia do
Ouricuri, onde realizam um ritual religioso interditado a não indígenas e de grande
centralidade para o grupo.
Inspirada por uma vertente etnológica desenvolvida nos estudos das
sociedades indígenas amazônicas, denominada economia simbólica da alteridade
(VIVEIROS DE CASTRO, 2002[2013], p.335), e em etnografias junto a grupos indígenas
supostamente “aculturados” (GALVÃO, 1956) ou “emergentes” (OLIVEIRA, 1999),
como as de Peter Gow (1991) junto aos ‘nativos do Baixo Urubamba’, Susana Viegas
(2007) com os Tupinambá do sul da Bahia e Clarissa Lima (2013) sobre os Xucuru do
sertão pernambucano, a presente investigação pretende compor uma etnografia dos
Fulni-ô ao descrever os princípios de organização social e a cosmologia desse povo.
Seguindo a mais tradição clássica da antropologia, essa pesquisa se guia pela questão:
o que fazem e o que dizem os Fulni-ô e porque fazem e dizem isso ou aquilo; de modo
mais específico pretendo responder às seguintes perguntas: como se estruturam suas
relações de parentesco? que fundamentos estão na base de sua matriz relacional?
Qual concepção de pessoa e corpo formulam? Que categorias de alteridade, entre
pessoas, animais, plantas e espíritos estão relacionados? Como os Fulni-ô podem ser
aproximados dos demais grupos indígenas do Nordeste e dos ameríndios como um
todo?

Questão 2 - Explique como a sua pesquisa dialoga com os trabalhos da antropologia


e outras disciplinas. Sobre quais evidências você construirá o seu argumento? Dê
exemplos de diferentes linhas de trabalho com as quais você está em diálogo e
explique de que modo pode avançar as discussões propostas por elas.

A literatura etnológica vem estudando os povos indígenas situados na região


nordeste do Brasil a partir de uma abordagem histórica (Oliveira, 1999) que busca
descrever os processos sociais desencadeados a partir do ‘contato’ com a sociedade
ocidental. As análises centram-se, em geral, nas distintas estratégias políticas que tais
grupos empreendem de modo a construir suas identidades étnicas (em uma dinâmica
referida como etnogêse) e obter direitos territoriais e específicos diante do estado
brasileiro. Os trabalhos de Arruti (1995, 1996,1997,1999,2006); Grunewald (1993);
Barreto Filho (1994); Messeder (1995); Brasileiro (1996, 1999) e Grunewald (2001) são
exemplos desta abordagem que se “circunscreve[m] ou à etnogênese (reivindicação da
diferença étnica, ressurgimento étnico ou emergência de novas identidades. e) ou à
análise de criatividade cultural no gerar de tradições” (VIEGAS, 2007, p.66).
Em relação especificamente aos Fulni-ô, Hernández (1983) e Foti (1991)
produziram, em pesquisa de mestrado, trabalhos a partir dessa linha teórica
dedicando-se o primeiro às relações interétnicas e de classe em Águas Belas e o
segundo ao tema dos segredos culturais através dos quais este grupo forjaria os
elementos constitutivos de sua identidade. Mais recentemente Dantas (2002) e
Campos (2006) escreveram respectivamente tese e dissertação dedicadas à construção
da identidade étnica do grupo. Peres (1992) e Schröder (2008) realizaram trabalhos
sobre os processos de territorizalização (OLIVEIRA, 1999) e demarcação da terra
indígena.
Sem desconsiderar a importância que tais trabalhos possuem na economia da
disciplina antropológica e, principalmente, para as lutas reivindicatórias dos povos da
região nordeste, a pesquisa aqui proposta se afasta dessa abordagem da ‘antropologia
histórica’ “que pressupõe que os modos de vida dos povos que experimentam durante
largo tempo os efeitos do capitalismo terão que ser compreendidos em resultado
desses processos históricos de colonização política e econômica” (VIEGAS, 2007, p.61)
para ir na direção de outra (desenvolvida principalmente no estudos dos grupos
amazônicos) que busca compreender “o que esses povos fizeram da história”
(VIVEIROS DE CASTRO, 1999, p.165). Isto é dizer que interessa a esse trabalho
compreender a vida social contemporânea dos Fulni-ô em suas múltiplas relações
internas e externas, levando em conta eventos e transformações considerados
importantes da perspectiva deles. Na esteira de Gow (1991), pretende-se aqui “lida[r]
com a história de dentro da cultura dos povos nativos”.
Os trabalhos de Susana Viegas (2007) com os Tupinambá do sul da Bahia e
Clarissa Lima (2013) junto aos Xucuru do sertão pernambucano, são pioneiros na
tratativa dos grupos do Nordeste “a partir da experiência vivida” e pela integração do
conhecimento etnográfico acerca desses grupos nos debates americanistas, mediante
múltiplas estratégias comparativas (VIEGAS, 2007, p.68). Tais etnografias demonstram,
a despeito da antiga situação de “contato” vivida por esses grupos que se pode traçar
uma continuidade entre os princípios de organização social destes com aqueles
situados no contexto etnográfico da Amazônia. Entre os povos referidos, por exemplo,
as categorias de pessoa e corporalidade assumem alguma centralidade em suas
sociocosmologias e as relações de parentesco constituem-se em um dos principais
fundamentos de suas socialidades.
Seguindo por essa linha, que muito contribui para romper o isolamento da
região etnográfica do Nordeste, no âmbito da etnologia brasileira, este projeto visa
compor uma etnografia abrindo-se à possibilidade e ao desafio de descrever os
princípios sociocosmológicos que constituem os Fulni-ô enquanto uma coletividade
específica. O estudo de Estevão Pinto (1956) é considerado a única etnografia
propriamente dita dedicada aos Fulni-ô (SCHRÖDER, 2011). O título da monografia
“Fulniô – os últimos tapuais” é indicativo do ponto de vista da “aculturação” (Galvão,
1956) que subjaz à sua descrição. Malgrado as interdições que os Fulni-ô impõe ao
conhecimento por não-indígenas dos distintos aspectos que constituem suas
estruturas sócio-culturais, Estevão Pinto logra em descrever os “traços culturais”
específicos ainda existentes entre os Fulni-ô, e apesar de sua ênfase assimilacionista
traz à tona dados etnográficos relativos a esse povo, apresentando aspectos da
organização social clânica, da língua yathê e do ritual religioso Ouricuri que jamais
haviam sido publicados.
Por meio da condução de um trabalho de campo intensivo, que não se realiza
entre os Fulni-ô, desde 1950, a presente pesquisa poderá oferecer uma imagem desse
grupo nos tempos atuais de modo a não apenas contribuir para complementar o
conjunto bibliográfico referente a esse povo, como também para oferecer uma
descrição desde outra perspectiva, não aquela que aponta para o fim de sua
existência, ou que enfatiza apenas os processos internos voltados à relação com a
sociedade nacional supostamente englobante, mas para uma que busca descrever a
matriz relacional que esse povo enreda e por meio da qual fabricam suas diferenças.
Pois bem, nesses tempos em que a “alteridade tende a perder toda a aspereza”
como diz GUATARRI (2001 [1989], p.8), estou interessada em compreender e
etnografar o comum (no termos de Stengers) em torno do qual os Fulni-ô se reúnem e
o que os “faz pensar, imaginar, criar, de modo que o que cada um faz importa para os
outros”. Não estou interessada propriamente nos sinais diacríticos expressivos de sua
cultura particular, mas, se posso dizer assim, aos seus pertencimentos, à força presente
em suas vidas e que os permitem ser outra coisa que nós. Porque os Fulni-ô não
desaprenderam a reunir-se em torno de um comum é que podem criar quase
infinitamente um campo de possíveis de modo a reiventar suas vidas continuamente e
resisitir às barbáries que o ocidente vem-lhes impondo há trezentos anos. É esse
campo de possíveis, tecido na vida cotidiana, que essa pesquisa pretende descrever.

Questão 3 – Que evidências você deverá coletar para responder à sua questão
central? Como você vai proceder para coletar e analisar essas evidências?

A pesquisa aqui proposta será conduzida através da realização de trabalho de


campo intensivo, a ser realizado durante doze meses (agosto/2019 a julho/2020), na
Terra Indígena dos Fulni-ô. Durante esse tempo morarei na casa de uma família Fulni-ô
– com quem já habitei durante os meses de janeiro e fevereiro de 2019. A intenção é
partilhar da vida diária dos Fulni-ô, vivendo de acordo com o ritmo de seus afazeres,
cotidianos e eventuais, e contribuir para estes. Os dados etnográficos que comporão a
monografia, serão coletados de acordo com a metodologia clássica da disciplina,
através da observação participante (MALINOWSKI, 1922), da composição de diário de
campo, da realização de entrevistas mais dirigidas e de pequenos censos e do
aprendizado da língua yathê, acompanhando as aulas realizadas na escola da aldeia e
pelas gramáticas já existentes. Levando em conta a diversidade e o tamanho do
conjunto populacional composto por quase 5.000 pessoas, pretendo passar períodos
mais prolongados na companhia de pessoas de sexo, faixa etária e papéis sociais
distintos.
Após e durante transcrição e organização do material as análises dos dados
serão realizadas realizada mediante o processo de escrita e da comparação com
monografias dedicadas a outros grupos indígenas, não apenas da região do nordeste,
mas dos ameríndios como um todo.

Questão 4 – Como você vem se preparando para fazer essa pesquisa? Descreva a sua
competência linguística, recursos técnicos, pesquisa prévia e qualquer outra
experiência relevante. Descreva outros trabalhos que você tenha feito em relação a
esse projeto e explique como essa pesquisa relaciona-se a outras pesquisas que você
já realizou.

Conclui em 07/2016 o curso de Mestrado em Antropologia pelo Programa de


Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense. Em minha
dissertação, desenvolvi uma pesquisa bibliográfica e comparativa relacionada aos
contextos de consumo e à reflexividade indígena referentes à planta de tabaco entre
alguns povos indígenas sul-americanos a partir de dados etnográficos presentes em
livros, teses e dissertações que reuni ao longo dos dois anos de pesquisa. Apesar de ter
sido meu desejo inicial, no mestrado não tive a oportunidade de realizar trabalho de
campo por conta do curto tempo para a realização do curso e também pela pouca
disponibilidade de recursos. Por meio do percurso entre variadas bibliografias
dedicadas aos ameríndios distribuídos por toda a extensão continental creio que pude
formar um conhecimento geral acerca dessas sociedades para basear o estudo mais
específico que pretendo realizar no doutorado restrito a um grupo indígena, os Fulni-ô
de Pernambuco. Perseguindo os usos e narrativas do tabaco, dei-me conta também do
potencial analítico que as chamadas ‘plantas de poder’ possuem para o estudo desses
grupos em específico ao operarem como espécie de “dobradiça” (LEVI-STRAUSS, 2004
[1967]) entre dimensões internas e externas daqueles mundos.
Minha intenção inicial junto aos Fulni-ô era a de conduzir uma pesquisa a partir
dos agenciamentos da planta jurema que eu supunha possuir centralidade naquela
sociocosmologia. Um colega antropólogo – após conhecer alguns homens Fulni-ô na
cidade fluminense de Petrópolis em uma “vivência” indígena em que se preparavam e
bebiam infusões daquela planta – visitou-os na aldeia no ano de 2016, e, ao voltar,
compartilhou comigo que acreditava ser lá um locus interessante para eu conduzir
uma pesquisa de campo sobre a jurema. Minha aposta era que a jurema poderia abrir
a sociocosmologia indígena em direção a sociocosmologia afro-brasileira uma vez que
essa planta também está presente em religiões de matriz-africana praticadas
principalmente no nordeste brasileiro. Após passar trinta e dois dias em campo, entre
os meses de janeiro e fevereiro deste ano, e de ouvir deles a vontade de ver escrito
um trabalho que possa reconstituir sua vida social de forma abrangente, decidi-me por
ampliar o escopo da pesquisa a fim de realizar uma etnografia detalhada da
socialidade daquele grupo, sem realizar de saída um recorte específico. Contudo, sigo
interessada em compreender as concepções e usos que os Fulni-ô vertem com as
plantas, como a jurema, e de integrar estas em uma matriz relacional mais ampla.
Antes de chegar ao campo, estava com muito receio do que os Fulni-ô iriam
achar de mim à primeira vista. A literatura antropológica que havia lido, antes de
chegar lá, contribuía, e, muito, para que eu me sentisse daquele jeito: destaca-se em
vários escritos a desconfiança característica desse grupo indígena em relação aos
pesquisadores; falava-se até em queima de etnografia imprópria por revelar “segredos
culturais” - aquela escrita por Estevão Pinto, em 1956 (FOTI, 2011). Ciente de que o
sucesso da prática antropológica depende da qualidade das relações constituídas entre
o pesquisador e o grupo de pessoas com quem se deseja pesquisar, tinha medo de ser
despachada logo no primeiro dia, de fazer perguntas impróprias, de me expressar mal.
Assim, desde minha partida, período que andava lendo textos da filósofa belga Isabele
Stengers, o que mais afligia me não era propriamente minha capacidade de tolerá-los,
ou de conjurar a maldita tolerância que viesse a sentir como nos exorta a autora, mas
o fato se os Fulni-ô seriam (ou melhor, serão) capazes de me tolerar.
Minha pouca experiência em campo tende a confirmar o que se diz sobre a
interdição aos não-indígenas do conhecimento das particularidades de seus rituais
sagrados, da cosmologia de seus mundos, etc. Mas minha pouca experiência também
me mostrou que essa dimensão, longe de constituir um domínio separado da vida dos
Fulni-ô, ao qual eles só recorreriam a fim de afirmar suas identidades perante as
pessoas não indígenas e o estado brasileiro e que eles precisariam manter escondido
como quem esconde um tesouro do branco pilhador - atravessa as ações cotidianas e
os discursos do dia-a-dia. Praticamente todos os dias escutei sobre fatos corriqueiros
ocorridos no último Ouricuri, quase todos os Fulni-ô me falavam da percepção e
importância daquele ritual em suas vida. Diante disso, creio que a questão do segredo,
se é um limite para a pesquisa junto aos Fulni-ô certamente não é o no sentido
geográfico daquilo que encerra e separa os Fulni-ô do outro e impede qualquer ato
comunicativo, se é um limite, creio que seja mais no sentido matemático, daquele que
descreve o comportamento de uma função na medida que seu argumento se aproxima
de um determinado valor, o segredo, pregnante que é àquela vida, funcionaria então
como uma espécie de vetor que aponta para as dimensões que importa àquela vida. A
chave do enigma não seria, creio, decifrá-lo, mas segui-lo, uma vez que a partir dele os
Fulni-ô se enredam em sucessivos processos de diferenciação.
Questão 5 – Qual será a contribuição do seu projeto para a teoria antropológica? A
missão da Wenner-Gren Foundation é apoiar pesquisas inovadoras na antropologia,
que fazem mais do que simplesmente adicionar dados a um corpo de conhecimento
pré-existente. Descreva como seu projeto trará novos insights para o campo como
um todo.

Ao ser conduzido junto a um grupo indígena considerado dentro da


antropologia, por muito tempo, como ‘aculturado’ ou ‘assimilado’, e isolado em uma
região etnográfica específica, os ‘grupos indígenas do Nordeste’, este projeto poderá
contribuir com as teorias antropológicas preocupadas em compreender como tais
coletividades concebem a história e as mudanças em suas estruturas sociais na esteira
do que propôs Gow (1991) e Sahlins (1993). Ao oferecer uma imagem contemporânea
de um grupo com longo histórico de relações inter-étnicas, creio que poderá vir à tona
diferentes estratégias por meio das quais eles selecionam os eventos importantes em
sua historicidade e através disso compõe uma coletividade específica diante de uma
sociedade nacional que pretensamente os engloba.
Em relação especificamente à etnologia dos povos indígenas sul-americanos,
essa pesquisa poderá contribuir para integrar o estudo dos grupos situados na região
do nordeste com aqueles das região amazônica (seguindo as propostas de Viegas,
2007; e Lima, 2013). Além disso, creio que será interessante testar, em outro contexto
etnográfico um dos aspectos mais característicos que a etnologia concebe para os
ameríndios, qual seja sua “abertura ao outro” (LEVI-STRAUS, 1993) focalizando um
grupo com longo histórico de contato e que empreendeu diferentes estratégias para
se relacionar com o exterior. Ao compor um quadro de como os Fulni-ô compõe os
elementos de sua cultura com os de outras sociedades, brasileira e outras indígenas,
este trabalho poderá contribuir também para adensar as teorias etnográficas da
mistura, oferecendo uma imagem específica que poderá ser capaz de iluminar aquelas
propostas para outros ameríndios ou coletividades afor-brasileiras.

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Orçamento

Item Valor Justificativa


Recursos para deslocamento até a
T.I. Fulni-ô, sem incluir os custos
Passagem aérea Rio de Janeiro x Recife (ida e volta) R$1.190
Deslocamento com deslocamentos internos de
mototáxi para os quais não é
Passagem rodoviária Recife x Águas Belas (ida e volta) R$161 possível emitir recibos.
Total R$1.351

Recursos para alimentação diária,


Alimentação e Medicamentos (R$500 p/mês x 12 meses) R$6.000 eventuais medicamentos, aluguel
Subsistência no Campo do quarto e despesas da casa da
Estadia mensal (R$250 mês x 12 meses) R$3.000 família que irá me receber dentro
da T.I.
Total R$9.000
Custo Total Deslocamento e Subsitência R$10.351

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