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Valeria dos S.

Moraes-Ornellas

Ensino e Aprendizagem para


Professores de Ciências e Biologia
1ª Edição

Rio de Janeiro 2019


R. B. Ornellas
Copyright © 2019 por Valeria dos S. Moraes-Ornellas
Todos os direitos reservados.

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utilização em qualquer formato e através de quaisquer meios de comunicação,
seja integral ou parcialmente, sem a permissão prévia por escrito da autora.

ISBN: 978-85-65362-16-0

Editor R. B. Ornellas
CNPJ: 14.764.463/0001-34
Tel.: (21) 99725-0211
Email: rbornellas@gmail.com
Sumário

Introdução
Desenvolvimento e aprendizagem
Introdução
1) Jean Piaget
1.a) Desenvolvimento da criança
1.b) Epistemologia Genética
2) Lev Vygotsky
2.a) Modelos de desenvolvimento
2.b) Zona de desenvolvimento proximal
3) Henri Wallon
4) David Ausubel
Conclusão
Referências
A Psicologia Escolar e Educacional
Introdução
1) Principais correntes teóricas
2) Diálogos com a LDB
2.a) Alguns elementos principais da LDB
2.b) Reflexões de profissionais da área
2.c) Alguns pontos fundamentais
3) A Psicologia e questões educacionais da atualidade
3.a) Dificuldade de aprendizagem, repetência e evasão escolar
3.b) Bullying (ou a violência nas escolas entre alunos)
3.c) Educação inclusiva
Conclusão
Referências
Concepções sóciofilosóficas de Educação
Introdução
1) As Pedagogias Não-Críticas da Educação
1.a) Tendência Liberal Tradicional
1.b) Pedagogia Renovada ou Escola Nova
1.b.1) Tendência Liberal Renovada Progressivista
1.b.2) Tendência Liberal Renovada não-Diretiva
1.c) Pedagogia Liberal Tecnicista
2) As Teorias Crítico-Reprodutivistas e as Pedagogias Críticas da
Educação
2.a) Pedagogia Libertadora
2.b) Pedagogia Libertária
2.c) Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos
Conclusão
Referências
Antropologia e Sociologia da Educação
Introdução
1) Antropologia da Educação
2) Sociologia da Educação
3) Mais diálogos da Antropologia com a Educação
3.a) Antropologia e Educação no Brasil
3.b) Antropologia da Criança e da Infância
Conclusão
Referências
A formação do professor de Ciências e Biologia
1) Educação Inclusiva
Referências
Conclusão
Introdução
O desenvolvimento da pessoa humana acontece através de
interações dela como agente ativo para com seu meio e do meio em
direção a ela. A pessoa humana é um conjunto de componentes
concretos (objetivos) e abstratos (subjetivos). O meio onde ela se
encontra inserida não é apenas composto por agentes biológicos.
Ele é também social, histórico e cultural. Jean Piaget desenvolveu
sua teoria baseado principalmente em como os mecanismos
biológicos do desenvolvimento interagem com aspectos psicológicos
da aprendizagem. A parte histórico-social de tal processo foi
enfatizada por Lev Vygostky, de modo que as teorias dos dois
autores são bem complementares. Ambas têm sido utilizadas por
muitos educadores que procuram compreender o construtivismo que
alguns percebem como algo intrínseco à cadeia de ensino-
aprendizagem.
Porém, nem todos concordam que Vygotsky seja construtivista.
Independente de serem ou não ambos construtivistas, Piaget vê a
ação individual como o principal fator de aquisição de conhecimento,
enquanto Vygostky entende que esta função cabe ao ambiente
social. Aqui se considera que os dois elementos são
interdependentes, pois as reorganizações internas do indivíduo
acontecem muitas vezes por causa de suas interações com o
contexto social. A sociedade por sua vez, desde um ponto de vista
weberiano, é o resultado das ações dos indivíduos. Portanto, tem-
se diferentes pontos de vista que, quando intercruzados, oferecem
uma visão muito mais esclarecedora do ensino e da aprendizagem
do que se seus processos forem observados apenas de maneira
reducionista.
Partindo de determinados intercruzamentos, estabeleceram-se
concepções sócio-filosóficas de Educação. Dependendo de como
cada época preferiu considerar a função dos diferentes agentes no
meio social, desenvolveram-se distintas maneiras de inserir os
alunos na sociedade. Seja com o objetivo de manter o estado das
coisas e/ou a ordem social, seja com o objetivo de transformar a
sociedade, os educandos são percebidos como agentes da
dinâmica social. Mas, não restam dúvidas que, dentre as
concepções de Educação que foram estabelecidas, as que
favorecem a aprendizagem transformadora são as que merecem ser
mais bem compreendidas. Afinal, é preciso haver o estabelecimento
de modelos educacionais que realmente contribuam para a
emancipação do ser humano.
Porém, o sistema educacional Brasileiro ainda está longe de
alcançar um estado equilibrado, que ultrapasse as limitações
impostas pelo modelo mais tradicional da Pedagogia Liberal. Resta
muito a se fazer para que palavras-chave da Educação, como
aprendizagem significativa, educação inclusiva, alfabetização
científica e epistemologia da infância, deixem de ser apenas objetos
de inspiração de mentes libertárias e libertadoras. Estes e outros
termos vêm sendo empregados com frequência pelos que desejam
ver o mundo transformando-se na medida em que as mentes que o
compõem se transformam.
Para que isto realmente aconteça, é necessário que se
repensem muitas fórmulas consideradas inequívocas por terem sido
aceitas sem se pensar no relativismo das opiniões que as
construíram. Afinal, mesmo o que um dia se considerou
comprovação em Ciência, agora se discute se de fato pode
continuar a ser considerado assim. A epistemologia revê as
maneiras de se pensar as certezas científicas, mostrando que o
conhecimento muitas vezes é algo provisório. Desta forma, o
processo de produção de inovações acadêmicas é bastante
dinâmico e deve ser compreendido como tal.
Franz Boas demonstrou que isto é verdade, quando, por meio de
muitas incursões ao mundo de sociedades diferentes da sua, pode
compreender que conceitos amplamente aceitos na sua época
poderiam estar precisando de reparos. Partindo de tal percepção,
ele então revisou o que se compreendia como raça, como cultura
(no singular) e como evolução. Seus achados antropológicos, bem
como sua maneira de estudar as culturas humanas (no plural)
precisam ser levados em consideração quando o que se deseja é
reformular a Educação para que ela se torne um mecanismo de
inclusão. No entanto, para que isto seja realmente realizado, deve-
se começar pela ampliação do que se compreende por Educação
Inclusiva. Para tanto, a Antropologia realmente tem muito a oferecer
à área da Educação.
A Antropologia da Criança e da Infância quer fazer perceber a
criança como um ser inteiro com seu ambiente, transformando-se e
sendo transformado. Ela é auto-organizante, assim como o adulto
também o é. No entanto, este auto-organizar-se se dá por meio do
que se é, e não obrigatoriamente do que se quer que a criança seja.
Por este motivo, Margareth Mead trabalhou uma antropologia
cultural que considerava os inadaptados. Tal conceito precisa ser
levado em consideração dentro do que se denomina Educação
Inclusiva. Muitos dos problemas em Educação contemporânea,
como dificuldade de aprendizagem, repetência, evasão escolar e
bullying, refletem as lacunas que ainda existem e que precisam ser
superadas.
A Psicologia da Educação tem muito a oferecer no que se refere
à superação de algumas destas lacunas. Ela pode contribuir
significativamente para a catalização de reflexões, a
conscientização dos papéis que cada ator tem a desempenhar no
processo educativo e a implantação de programas que visem o
aprimoramento do ensino e da aprendizagem. Cabe aos
profissionais das outras áreas do conhecimento aprenderem a
interagir tanto com os Psicólogos Escolares e Educacionais quanto
com o conhecimento acumulado pelos Sociólogos, Antropólogos e
demais Educadores. Os professores de Ciências e Biologia e os
formadores destes professores precisam, da mesma forma,
participar de tal processo interdisciplinar com consciência dos
papéis que têm a desempenhar. A sequência deste livro trata de tais
questões, expondo um raciocínio que, se for bem compreendido e
aprimorado através da prática, com certeza irá fortalecer a cadeia
de eventos do ensino e da aprendizagem.
Desenvolvimento e aprendizagem
Introdução
A aquisição de conhecimento é um elemento importante do
desenvolvimento humano, sendo objeto de estudo de vários ramos
da Ciência. Aqui há uma influência maior principalmente de dois
deles, a Psicologia e a Epistemologia. Além do que, porque ao se
falar de Educação, não há como ficar ausente de quatro autores -
Jean Piaget, Lev Vygotsky, Henri Wallon e David Ausubel -, eles são
abordados neste capítulo. Tais autores divergem em muitas de suas
opiniões, mas se complementam através de outras delas. Um foco
importante tanto de suas convergências quanto divergências é a
aprendizagem. Ela é compreendida por Piaget como um dos
diferentes modos de aquisição de conhecimento. Ferracioli (1999, p.
188) explica a percepção piagetiana sobre a aprendizagem estrito
sensu, que é conhecimento ou desempenho resultante da
experiência do tipo físico, ou do tipo lógico-matemática ou de
ambos.
Ela difere da percepção e da compreensão instantânea por
evoluir no tempo, por inferências, as quais são construídas por
assimilações e acomodações, que constróem novos esquemas
cognitivos. Além da percepção e da compreensão imediata, para o
autor, outros modos de adquirir conhecimento são: indução,
coerência pré-operatória (ou equilibração) e dedução (Ferracioli
1999, p. 187). Piaget e Vygotsky desenvolveram teorias em torno da
interação da aprendizagem com o desenvolvimento humano.
Enquanto os estudos de Piaget acentuam os aspectos estruturais e
as leis essencialmente universais (de origem biológica) do
desenvolvimento, os de Vygotsky enfatizam os aportes da cultura, a
interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental
(Ivic 2010, p. 13).
Dentro da reflexão construtivista sobre desenvolvimento e
aprendizagem de Jean Piaget, tais conceitos se interrelacionam,
sendo a aprendizagem a alavanca do desenvolvimento. Na
perspectiva piagetiana, o desenvolvimento das funções biológicas é
a base para os avanços na aprendizagem.
“Já na chamada perspectiva sócio-interacionista,
sócio-cultural ou sócio-histórica, abordada por L.
Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a
aprendizagem está atrelada ao fato de o ser
humano viver em meio social, sendo este a
alavanca para os dois processos (Rabello e Passos
2019, p. 4)”.
Baseado em suas compreensões, Piaget propôs um sistema de
fases do desenvolvimento das crianças, o que também foi feito por
Henri Wallon. No entanto, os autores divergem em muitas de suas
opiniões. Wallon desenvolve suas concepções teóricas dentro da
Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia Genética. Portanto,
é possível, apesar das divergências, encontrar aberturas para
associar algumas das ideias dele com as de Piaget e Vygotsky.
A teoria walloniana enfatiza bastante o papel da afetividade no
processo de ensino-aprendizagem, o que faz dela algo bem
peculiar. Já David Ausubel, desenvolveu sua abordagem teórica em
torno da aprendizagem significativa. Este texto apresenta as
principais propostas de cada um dos quatro autores, exemplos da
aplicação das mesmas no ensino de Ciências e Biologia e,
finalmente, algumas conclusões que as aproximam em algo
integrado e útil para a mente do educador. É importante conhecer as
teorias dos quatro autores e saber correlacioná-las de maneira
integrada. Seus conceitos e mecanismos propõem formas de se
pensar o ato educatico, ao expor aspectos da aprendizagem e do
desenvolvimento. Na sequência, são considerados alguns dos
principais destes aspectos.
1) Jean Piaget
Piaget (1896-1980), devido à sua formação inicial em Ciências
Naturais, considerava a inteligência tão natural como qualquer outra
estrutura orgânica, mais acreditava que ela fosse mais dependente
do meio do que qualquer outra. Por causa desta influência da
Biologia na sua formação, ele podia olhar para os processos da
mente a partir de um ângulo de visão orgânico. Porém, tendo
seguido uma trajetória inter e transdisciplinar, envolvendo a
Psicologia e a Epistemologia, Jean Piaget conseguiu perceber
mecanismos que não são apenas biológicos propriamente ditos,
embora também percebesse a contraparte biológica que os
causava. Ele é um excelente exemplo para os estudiosos das
Ciências Biológicas, pois, ao transpor às fronteiras deste campo do
conhecimento, pode fazer importantes achados, os quais são
relevantes para todos os profissionais da área educativa.
Munido de tal instrumental, com apenas 28 anos de idade, ele já
escrevia A Linguagem e o Pensamento da Criança (1924); e dois
anos depois, A Representação do Mundo na Criança. Nestes livros,
o autor tece importantes raciocínios em torno do desenvolvimento
da inteligência através da linguagem e da maneira de explicar
aspectos do mundo subjetivo. Seus raciocínios são ampliados ao
longo dos seus anos de atividades e sua obra torna-se muito
extensa. Seus escritos são complexos e muito elucidativos, mas
algumas pessoas consideram-nos de difícil leitura e/ou
compreensão. No que diz respeito à Psicologia, Piaget queria dar
uma explicação biológica para o conhecimento. Por este motivo, ele
pensou muito em adaptação das estruturas mentais ao meio. Isto
faz da sua obra um material muito rico para todo estudioso do
processo educativo, mas também para o praticante do ensino e da
aprendizagem.
Educadores de Ciências e Biologia podem aprender a aplicar
seus conhecimentos na aquisição de compreensões sobre como
aprender e ensinar, além de obterem preciosas explicações acerca
de como ensinar Ciências e Biologia mais especificamente. Quanto
à sua atitude e seu engajamento no campo da educação, sua
posição o levou naturalmente a reconhecer, desde o princípio de
sua participação ativa como estudante, o caminho privilegiado para
incorporar o método científico na escola. Portanto, ele propõe uma
escola sem coerção, na qual o aluno é convidado a experimentar
ativamente, para reconstruir por si mesmo, aquilo que tem de
aprender. Este é, em linhas gerais, o projeto educativo construtivista
de Piaget, conforme apresentado por Munari (2010), a partir do qual,
descreve-se aqui algumas linhas gerais acerca do desenvolvimento
da criança e da Epistemologia Genética.
1.a) Desenvolvimento da criança
Segundo Piaget (1999), a vida mental da criança evolui em
direção a um equilíbrio (o espírito adulto). O processo através do
qual ocorre o desenvolvimento é uma equilibração progressiva ou
“uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um
estado de equilíbrio superior” (p. 13). A equilibração promove uma
interação balanceada de três outros fatores do desenvolvimento -
hereditariedade (ou maturação), experiência física e transmissão
social. É preciso haver contato do sujeito com o meio para que haja
aprendizagem, a partir do que, as leis da equilibração regem os
processos de assimilação e acomodação.
O processo de equilibração pode ser definido como um
mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema
coerente que visa a levar o indivíduo a construção de uma forma de
adaptação à realidade. Haja vista que o objeto nunca se deixa
compreender totalmente, o conceito de equilibração sugere algo
móvel e dinâmico, na medida em que a constituição do
conhecimento coloca o indivíduo frente a conflitos cognitivos
constantes que movimentam o organismo no sentido de resolvê-los
(Terra 2019).
Em síntese, toda experiência é assimilada a uma estrutura de
idéias já existentes (esquemas) podendo provocar uma
transformação nesses esquemas, ou seja, gerando um processo de
acomodação. Compreenda-se assimilação como o processo a partir
do qual, para compreender o mundo, o sujeito usa de seus
esquemas ou estruturas cognitivas, a fim de lançar hipóteses à
interpretação do que quer conhecer, partindo do que já conhece.
Quando algo novo exige mudança do sistema cognitivo, pois
contradiz hipóteses possíveis de interpretação a partir dos
esquemas ou estruturas congitivas anteriores, é preciso haver
acomodação. Valentini (2019, p. 6) descreve que

“O ato inteligente é a atividade em que ocorre


equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.
(...).Quando o sujeito é capaz de integrar o novo
conhecimento aos instrumentos cognitivos
construídos por modificação, melhoramento e
superação das formas anteriores de pensar,
conceber e interpretar a realidade, cessa a sua ação
reequilibradora, pois ele atingiu um novo patamar de
equilíbrio, superior e melhor do que os conquistados
anteriormente. Quando o sujeito tem consciência de
que é capaz de se autosuperar, apropriando-se do
objeto de conhecimento, aparece o prazer também
presente nesse processo”.

Piaget (1999) explica que quanto mais móveis são as funções


superiores da inteligência e da afetividade, mais haverá mobilidade
– o fim do crescimento autoriza o progresso espiritual. Até atingir
este fim, em todos os níveis, a ação é desencadeada por um
interesse, seja ele fisiológico, afetivo ou intelectual. Porém, o
interesse varia de um nível mental a outro e as explicações obtidas
pela inteligência assumem formas diferentes mesmo que tenham
sido desencadeadas por interesses semelhantes. Cada estágio do
desenvolvimento constitui, pelas estruturas que o definem, uma
forma particular de equilíbrio. Cada ação exterior ou interior é
impulsionada por um motivo, o qual se traduz na forma de uma
necessidade (manifestação de um desequilíbrio).
A necessidade finda quando se atinge novo equilíbrio e,
portanto, Piaget assume que a ação humana é um movimento
contínuo e perpétuo de reajustamento e equilibração. Valentini (s.d.)
menciona os dois tipos de experiência, a partir das quais, segundo a
Teoria Piagetiana, se procede à equilibração: a) física, composta por
descobertas das propriedades físicas dos objetos e das ações
exercidas sobre eles por abstração simples ou empírica, do que
resulta a construção do conhecimento físico; e b) lógico-matemática,
formada por abstrações reflexivas que criam relacionamentos entre
os objetos e coordenam mentalmente tais relações sem precisar da
experiência física, do que resulta a construção do conhecimento
lógico-matemático. As fases do desenvolvimento de Piaget resultam
de um ou ambos os tipos de experiência.

1.b) Epistemologia Genética


Terra (2019) classifica o campo de experimentação de Jean
Piaget como uma linha interacionista que constitui uma tentativa de
integrar as posições dicotômicas de duas tendências teóricas que
permeiam a Psicologia em geral - o materialismo mecanicista e o
idealismo. A autora comenta que ambas estão marcadas pelo
antagonismo inconciliável de seus postulados que separam de
forma estanque o físico e o psíquico. Trata-se tal antagonismo de
uma herança “do dualismo radical de Descartes que propôs a
separação estanque entre corpo e alma, id est, entre físico e
psíquico” (Terra 2019).
Piaget, procurando uma conciliação, formula então o conceito de
epigênese, argumentando que "o conhecimento não procede nem
da experiência única dos objetos nem de uma programação inata
pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com
elaborações constantes de estruturas novas" (Piaget 1976 apud
Freitas 2000, p. 64). Isto significa dizer que o processo de
socialização da psique reorganiza formas biologicamente
constituídas da mente. Sendo assim, Piaget percebia haver uma
relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a
conhecer. Esta é a base do conhecimento fenomenológico da
consciência, para o qual o mundo é para o ser humano aquilo que
ele consegue perceber como mundo. Dentro disto, Piaget tinha
interesse profundo em torno da apreensão de significados e de
como eles se encaixam em lógicas ao longo do processo formativo
da mente humana.
O homem é possuidor de uma estrutura biológica que o
possibilita desenvolver seu sistema mental, no entanto, este fato per
se não assegura o desencadeamento de fatores que propiciarão o
seu desenvolvimento, haja vista que este só acontecerá a partir da
interação do sujeito com o objeto a conhecer. Por sua vez, a relação
com o objeto, embora essencial, da mesma forma também não é
uma condição suficiente ao desenvolvimento cognitivo humano, uma
vez que para tanto é preciso, ainda, o exercício do raciocínio. Por
assim dizer, a elaboração do pensamento lógico demanda um
processo interno de reflexão (Terra 2019). Neste sentido, Munari
(2010) lembra que

“Não se aprende a experimentar simplesmente


vendo o professor experimentar, ou dedicando-se a
exercícios já previamente organizados: só se
aprende a experimentar, tateando, por si mesmo,
trabalhando ativamente, ou seja, em liberdade e
dispondo de todo o tempo necessário (Piaget 1949,
p.39)”.

O conhecimento é construído a partir das interações com o


mundo. Trata-se de um processo dinâmico e dialético e o sujeito
ativo atuando neste processo é ponto chave da Teoria Piagetiana.
Ele não ocorre apenas de fora para dentro, nos moldes do
empirismo, “o sujeito sofrendo passivamente a influência do meio.
Nem tampouco é considerado inato e já presente no sujeito”
(Valentini s.d., p. 1). O objetivo da Epistemologia Genética é saber
em que condições se desenvolve a inteligência e como o
conhecimento progride dos aspectos mais inferiores aos mais
complexos e rigorosos. O sujeito ativo no seu meio sofre a influência
da ação deste sobre si, sendo capaz de transformar a realidade na
qual interage e de transformar a si mesmo, construindo seus
conhecimentos, ou seja, sua inteligência. Para Piaget, “a inteligência
é uma atividade organizadora a partir da qual os objetos adquirem
significações, podendo ser compreendidos (Valentini 2019, p. 3)”. A
inteligência dá significado ao mundo, construindo o conhecimento; e
isto é epistemológico.
Baseado em seus estudos, observações e experimentos, ele
estabeleceu um construtivismo genético. É construtivismo porque a
aprendizagem deve ocorrer por descoberta e é genético por ter
influência da herediteriedade, porém não só isto. Piaget considerava
também a importância da experiência física e da transmissão social
como fatores psicogenéticos, os quais estão submetidos às leis da
equilibração. Ele apontava que a orientação do aluno tinha que ser
guiada por ele mesmo e deveria-se estimular a reinvenção das
verdades. Afinal, “a formação humana dos indivíduos é prejudicada
quando verdades, que poderiam descobrir sozinhos, lhes são
impostas de fora (Sartório 2010, p. 210)”.
Seria necessário para o indivíduo o máximo de experimentação,
pois o que não passasse pela experiência seria adestramento.
Portanto, Piaget desejava que o professor deixasse de ser um
conferencista e passasse a estimular a pesquisa e o esforço, ao
invés de apenas transmitir soluções já prontas. O professor deveria
assumir a postura de animador, aderindo ao espontaneísmo.
Embora devesse dar orientação sobre os conceitos teóricos, toda
verdade a ser adquirida precisaria ser reinventada pela criança ou
reconstruída e não simplesmente transferida. Além do que, não se
deveria exigir “pleno aproveitamento em todas as áreas do
conhecimento, pois alguns alunos poderiam apresentar tendências
ou habilidades para algumas disciplinas específicas (Sartório 2010,
p. 10).”. Piaget também considerava que as crianças só podem
chegar a algumas conclusões após terem obtido certo
amadurecimento interno.
De modo que, cabe ao educador saber identificar o estado da
consciência de cada criança, segundo a fase em que ela está,
descobrindo deficiências e facilidades. Embora elas devam ser
avaliadas a partir dos mesmos critérios, deve-se considerar, no
entanto, que, conforme descrito por Ferracioli (1999): a) a ordem de
sucessão das fases de desenvolvimento piagetianas é constante,
mas as idades podem variar (segundo o grau de inteligência e o
meio social); b) cada estágio tem certa estrutura, em função da qual
ocorrem as principais reações; e c) as estruturas são integrativas e
não se substituem umas às outras – cada uma resulta da
precedente, integrando-a como estrutura subordinada, e integra-se
à estrutura seguinte. Sendo assim, há uma metodologia a se
empregar na Educação, a qual Piaget também desenvolveu,
composta por: observação do comportamento espontâneo da
criança, observação do comportamento provocado por uma situação
experimental e diálogo estabelecido entre o pesquisador e a criança
(Ferracioli 1999, p. 181).
Tal metodologia deve ser aplicada a partir de uma leitura
específica que se faça da Teoria de Piaget. Munari (2010) menciona
duas leituras: 1) a psicológica, na qual a cultura é considerada um
tipo de edifício que se constrói progressivamente e dá-se “ao
conceito de estágio o sentido de etapa precisa e necessária para a
construção do edifício da cultura (p. 24)”, etapa esta que é biológica;
e 2) a epistemológica, que entende a cultura como uma rede, que
tem plasticidade e capacidade de auto-organização, a qual vincula,
em movimento ativo, certo número de conceitos e de operações
mentais. A leitura epistemológica de Jean Piaget vê estágio como
uma espécie de estruturação ou reestruturação repentina desta rede
de operações mentais. Ela é aqui mais realçada por ter Piaget
concluído sobre a necessidade do método científico na escola. Já
que a criança precisa aprender tateando por ela mesma.
Experimentando, elas aprendem de um jeito paralelo ao que se
percebe em Epistemologia da Ciência. Isto origina uma leitura
epistemológica do construtivismo genético de Piaget, em
contraposição a uma leitura apenas psicológica.
Piaget chegou a formular sua famosa hipótese de um
“paralelismo” entre os processos de elaboração do conhecimento
individual e os processos de elaboração do conhecimento coletivo,
ou seja, entre a psicogênese e a história das Ciências (Piaget;
Garcia 1983 apud Munari 2010). Por pensar o desenvolvimento da
inteligência desta forma, quanto ao ensino das Ciências Naturais,
Piaget alertou:

“Aqueles que, por profissão, estudam a psicologia


das operações intelectuais da criança e do
adolescente sempre se surpreendem com os
recursos de que dispõe todo aluno normal, desde
que se lhe proporcionem os meios de trabalhar
ativamente, sem constrangê-los com repetições
passivas. (...) Desse ponto de vista, o ensino das
ciências é a educação ativa da objetividade e dos
hábitos de verificação (Piaget 1952, p. 33 apud
Munari 2010)”.

Um tentativa de aplicação desta abordagem teórica no ensino de


Ciências e Biologia é a de Guimarães et al. (2012). Os autores
buscam apoio na Epistemologia Genética de Piaget para tentar
resolver alguns problemas associados ao ensino de Ciências em
zoológicos. O que eles selecionam da abordagem do autor é: a)
“direcionar a aprendizagem fundamenta-se essencialmente em
gerar um desequilíbrio (novo problema) que determina que o
indivíduo faça um esforço para atingir um novo reequilíbrio” (p. 2); b)
“os elementos conceituais que são preconcebidos pelos estudantes,
são progressivamente reconstruídos de tal forma que se acomodem
em estruturas epistemológicas” que se tornam cada vez mais
complexas (p. 4); e c) a interação social pode ter importante papel
nos processos de apropriação de conhecimento, ao tornar
disponível para o aluno os diferentes pontos de vista que se
estabelecem em torno das discussões sobre um determinado tema.
Baseados em tais premissas piagetianas, os autores consideram
que indagações podem gerar lançamentos de hipóteses e
construção de modelos que visam alcançar respostas. O professor
precisa estar atento a como o sujeito observa o objeto, concebe a
novidade e quais as experiências antecedentes que traz acerca do
mesmo. Sendo assim, Guimarães et al. (2012) estruturaram uma
cartilha para uso dos professores durante visitas ao serpentário do
zoológico. Esta cartilha sugere que se cause um desequilíbrio inicial
em torno da questão: “o formato da cabeça tem relação com o fato
da serpente ser peçonhenta? (p. 10)”. À indagação, segue uma
investigação científica pelos alunos, que tem por finalidade
proporcionar-lhes aprendizagem “a partir do aspecto de
desequilíbrio que está associado à questão para a investigação
sugerida”.
Abordagens deste tipo podem ser realizadas em sala de aula, no
pátio da escola ou em visitas a instituições e/ou a áreas verdes e
parques. Tanto faz onde se esteja com os alunos, pois o que importa
é a condição do professor de raciocinar em torno dos processos que
quer ensinar. Proporcionar alfabetização científica se parece com a
atitude de fazer Ciência, porque tanto uma quanto a outra atividade
exige um pensamento construtivo-epistemológico de quem ensina.
O professor de Ciências e Biologia em sua própria formação precisa
encontrar isto dentro de si, pois seu objeto de estudo e de ensino é
passível a descobertas e a reinvenções. Neste sentido, a Teoria de
Piaget tem muito a proporcionar para a mente que quer esclarecer-
se sobre ela mesma, de modo a poder ensinar outras a também
descobrirem-se como mentes científicas em constante
funcionamento.
2) Lev Vygotsky
Vygotsky (1896-1934) teve ampla formação na área das Ciências
Humanas, tendo estudado direito, Filosofia e História. Ele também
teve imersões em Línguas e Linguística, Estética e Literatura, Teatro
e Cinema. Ivic (2010) comenta que “a primeira obra de Vygotsky,
que o conduziu definitivamente para a psicologia, foi Psicologia da
arte (1925)”. Buscando palavras-chave que definem a especificidade
da Teoria de Vygotsky, este autor menciona: “sociabilidade do
homem, interação social, signo e instrumento, cultura, história,
funções mentais superiores”; e propõe uma frase com a mesma
função: “teoria socio-histórico-cultural do desenvolvimento das
funções mentais superiores (p. 15)”.
Neves e Damiani (2006) discorrem sobre as diferentes
denominações e classificações atribuídas ao pensamento de
Vygotsky. Elas comentam que, segundo Newton Duarte (Duarte
1999), no Brasil, encontramos: socioconstrutivismo,
sociointeracionismo, sociointeracionismo-contrutivista e
construtivismo pós-piagetiano. No entanto, já que nenhuma dessas
denominações aparece na obra de Vygotsky, as autoras sugerem
que se dê preferência à denominação mais usada, que é Teoria
Sócio-Histórica. Afinal, os teóricos vinculados a esta corrente de
pensamento preocupavam-se sempre em caracterizá-la naquilo em
que ela se diferenciava das demais, ou seja, sua abordagem
histórico-social do psiquismo humano (Neves e Damiani 2006, p. 7).
O autor tinha interesse na síntese do homem como ser biológico,
histórico e social. Ele enfatizava o importante papel do contexto
temporal, da interação do homem com o outro no espaço social e da
linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Dentro da sua
abordagem, “o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a
partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, por
meio de um processo denominado mediação (Rabello e Passos s.d.,
p. 2)”. Na abordagem vygotskyana, o homem é visto como alguém
que transforma e é transformado nas relações sociais e culturais de
sua época.
Neves e Damiani (2007, p. 7) comentam que
“é possível constatar que o ponto de vista de
Vygotsky é que o desenvolvimento humano é
compreendido não como a decorrência de fatores
isolados que amadurecem, nem tampouco de
fatores ambientais que agem sobre o organismo
controlando seu comportamento, mas sim como
produto de trocas recíprocas, que se estabelecem
durante toda a vida, entre indivíduo e meio, cada
aspecto influindo sobre o outro”.

Portanto, não há uma somatória entre fatores inatos e


adquiridos, mas a interação dialética que se dá, desde o
nascimento, entre o ser humano e o meio social e cultural em que
se insere. Este é um mecanismo muito importante que atua na vida
de qualquer sujeito, independente da sua idade. Através dele,
adquirem-se habilidades e conhecimentos, mas também traumas,
medos e fugas. Desta forma, a autocompreensão ecossistêmica
individual é condição essencial para que haja o estabelecimento de
uma psicologia de si mesmo. Lev Vygotsky, baseado no que ele
percebeu nas suas pesquisas e vivências, propôs modelos de
desenvolvimento e o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
os quais são descritos a seguir.

2.a) Modelos de desenvolvimento


Vygotsky desenvolve uma teoria do desenvolvimento mental
ontogenético que é também uma teoria histórica do
desenvolvimento individual. Trata-se, portanto, de uma concepção
genética de um fenômeno genético, da qual pode-se extrair um
ensinamento epistemológico (Ivic 2010, p. 12). O principal
questionamento que levanta se desenvolve em torno de como os
fatores sociais podem modelar a mente e construir o psiquismo.
Neves e Damiani (2006, p. 6) sugerem que a resposta que ele
apresenta para tal questão “nasce de uma perspectiva semiológica,
na qual o signo, como um produto social, tem uma função geradora
e organizadora dos processos psicológicos”.
Os signos seriam de vários tipos e agiriam internamente no
homem, causando-lhe transformações, que supostamente o
transferem da condição de ser biológico a de ser sócio-histórico.
Vygotsky acreditava que todos os signos internos à consciência são
engendrados pela trama ideológica semiótica da sociedade. Se
olharmos apenas para este elemento da Teoria de Vygotsky vamos
ver nela a não inclusão da possibilidade criativa do indivíduo de
inventar signos inéditos e de propô-los à sociedade. Mas, sabe-se
que este é um processo legítimo de produção cultural e reinvenção
da cultura e dos próprios mecanismos sociais. Além do que, aqui
sugere-se uma leitura mais sistêmica das ideias vygotskyanas.
Afinal, o ser sócio-histórico é também um ser biológico e a semiótica
da sociedade faz parte da dialética que há intrínseca a tal dupla
condição.
Ao longo de sua construção teórica, Vygotsky defendeu teses
sobre a sociabilidade precoce da criança, das quais originou uma
teoria do desenvolvimento infantil. Ele dizia que o “o bebê é um ser
social no mais elevado grau”. Afinal, o ser humano não pode
desenvolver-se como espécie mantendo-se isolado dos demais
seres de sua espécie. Para as crianças, os adultos são “portadores
de todas as mensagens da cultura”, pois certas categorias de
funções mentais superiores não se desenvolveriam sem o aporte
construtivo das interações sociais. Aqui se insere o processo de
transformação “de fenômenos interpsíquicos em fenômenos
intrapsíquicos” ou “dos instrumentos do comportamento social em
instrumentos de organização psicológica individual”, conforme
mencionados por Ivic (2010, p. 17).
Um exemplo importante deste mecanismo é a interação entre
pensamento e linguagem. A linguagem é introduzida pelo adulto
como instrumento de comunicação e interação social, depois se
transforma em “instrumento de organização psíquica interior da
criança (p. 18)”. Seguindo esta linha de raciocínio, Ivic (2010)
apresenta seus dois modelos de desenvolvimento. O primeiro é
derivado da relação entre pensamento e linguagem. Vygotsky
considerava que o desenvolvimento é um processo natural, o qual é
reforçado pela aprendizagem. A aprendizagem seria um meio, o
qual coloca à disposição do sujeito “os instrumentos criados pela
cultura que ampliam as possibilidades naturais do indivíduo e
reestruturam suas funções mentais (p. 19)”.
Neste processo, dois tipos de estímulos ou instrumentos são
empregados, tendo sido classificados como: a) auxiliares externos,
que servem para dominar os objetos (a realidade exterior); e b)
instrumentos exteriores que podem produzir mudanças internas
(psicológicas). Neste sentido, um instrumento importante enfatizado
por Vygotsky é a aquisição de sistemas de conceitos científicos, a
qual acontece no período escolar e muda profundamente a maneira
de pensar da criança. Porém, além dos auxiliares externos, existe
em alguns elementos da sociedade, como em obras culturais,
instrumentos psicológicos que podem ser interiorizados. A língua
escrita é um exemplo disto. “O indivíduo (como também o grupo
cultural) que tem acesso à língua escrita não é simplesmente
alguém que possui um saber técnico a mais. A língua escrita e a
cultura livresca mudam profundamente os modos de funcionamento
da percepção, da memória e do pensamento (Ivic 2010, p. 22)”.
O segundo modelo de desenvolvimento vygotskyano trata da
educação, a qual é responsável pelo desenvolvimento que foi
denominado artificial. No primeiro modelo, ela era um reforço ao
processo natural do sujeito que envolve aprendizagem. Aqui ela é
vista desde outro ângulo de visão, sendo percebida como fonte
independente de desenvolvimento. Este modelo o conduziu à
descoberta da dimensão metacognitiva de tal processo, através do
qual a criança se desenvolve, enquanto adquire conhecimento. A
metacognição deve ser cultivada no ensino escolar, daí o porquê da
importância de se trabalhar com os alunos os sistemas de conceitos
científicos. Tudo isto é bem verdadeiro e importante na vida da
pessoa humana, principalmente para aqueles que se dedicam a
estudar com interesse e vontade. Porém, Ivic (2010, p. 29), em uma
crítica construtiva e coerente, comenta que os instrumentos
culturais, como mecanismos de Vygotsky,

“não podem ser apenas agentes de formação


mental; eles contribuem igualmente para o
desenvolvimento geral, por exemplo, no caso da
formação de espíritos fechados, dogmáticos,
estéreis, exatamente porque os indivíduos tiveram
interações com produtos da cultura que eram
portadores de instrumentos e de mensagens dessa
natureza”.

Isto fica bem claro para quem observa às condições do mundo


atual, onde existe tanta desigualdade social, violência, degradação
do meio natural e da moral humana e tantas outras formas de
desarranjo da consciência. Além de espíritos fechados, dogmáticos
e estéreis, pode-se incluir nesta crítica a formação de espíritos
levianos, corruptos, alienados e destituídos da vontade de crescer
em conhecimento e em moralidade. Seria possível listar muitos
agentes de formação mental que competem para o desenvolvimento
de sujeitos com tais tendências. Mas, no caso da Teoria de
Vygotsky, ela se volta ao papel essencial da educação, que é
oferecer os instrumentos, as técnicas interiores e as operações
intelectuais, de modo a que ela própria seja o desenvolvimento
artificial da criança.

2.b) Zona de desenvolvimento proximal


Uma maneira de aprimorar o desenvolvimento da criança é
através da participação de adultos. Professores, pais e outros atores
associados à vida de quem está em processo de formação devem
dar assistência ao sujeito em formação. Eles são chamados
mediadores na teoria sócio-histórica de Lev Vygotsky. Para ele, “a
criança não deveria ser considerada isolada de seu contexto
sociocultural, (...). Seus vínculos com os outros fazem parte de sua
própria natureza (Ivic 2010, p. 32)”. Se seus vínculos são ignorados,
não é possível analisar seu desenvolvimento e sua educação ou
diagnosticar suas aptidões. Eles são tão importantes, que o autor
compreendeu que o desenvolvimento humano acontece em dois
níveis: o primeiro é o nível de desenvolvimento real, que compõe-se
do conjunto de atividades que a criança consegue resolver sozinha.
“O segundo nível é o de desenvolvimento potencial: conjunto de
atividades que a criança não consegue realizar sozinha mas que,
com a ajuda de alguém que lhe dê algumas orientações adequadas
(um adulto ou outra criança mais experiente), ela consegue resolver
(Zanella 1994)”. Enquanto o primeiro nível, refere-se às funções
psicológicas que a criança já construiu, o segundo indica o
desenvolvimento prospectivamente, ou seja, ele se refere ao futuro
da criança. A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é a
distância entre estes dois níveis e, segundo Vygotsky (1984 apud
Zanella 1994), “define aquelas funções que ainda não
amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções
que amadurecerão, mas que estão, presentemente, em estado
embrionário".
A ZDP tem, portanto, a ver com a aquisição pela criança do que
ela não conseguiria adquirir sem a assistência de um adulto. “Esta
zona é definida como a diferença (expressa em unidades de tempo)
entre os desempenhos da criança por si própria e os desempenhos
da mesma criança trabalhando em colaboração e com a assistência
de um adulto (Ivic 2010, p. 32)”. Pode-se pensar em um exemplo
bem clássico, que é o do uso da linguagem dentro das
conformidades de um determinado idioma. Este exemplo é bem
familiar ao ser humano e ilustra com precisão o fato considerado por
Vygotsky que, além do aparato biológico da espécie para realizar
uma tarefa, o indivíduo também precisa participar de ambientes e
práticas específicas que propiciem esta aprendizagem.
“Não podemos pensar que a criança vai se desenvolver com o
tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer
sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas
aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta (Rabello
e Passos 2019, p. 4)”. As aprendizagens que ocorrem na ZDP
fazem com que a criança se desenvolva ainda mais. De modo que,
para Vygotsky, aprendizagem, desenvolvimento e ZDP são
indissociáveis. Sendo assim, é na Zona de Desenvolvimento
Proximal que a aprendizagem com a participação de um professor
vai acontecer. O professor deve servir, portanto, como um mediador
entre a criança e o mundo. Neste sentido, ele deve oferecer ao
aluno oportunidades de pensar cientificamente o mundo em que se
insere e a sociedade a qual pertence.
Vygotsky considerava que a aquisição de sistemas de conceitos
científicos muda profundamente a maneira de pensar da criança,
integrando o processo de metacognição. Por este motivo, se seu
enfoque for aplicado a uma aula de botânica, por exemplo,

“poder-se-ia dizer que, para ele, o essencial não é o


conhecimento das categorias taxionômicas, mas o
domínio do procedimento de classificação -
definição e aplicação dos critérios de classificação,
classificação dos casos limite ou ambíguos,
produção de novos elementos de uma classe e,
antes de tudo, aprendizagem da execução das
operações lógicas que ligam as diferentes classes
entre elas, etc (Ivic 2010, p. 31)”.

Desta forma, ajuda-se o aluno a desenvolver funções mentais


através de auxiliares externos, ao invés de apenas fornecer
recursos para memorização. Vistas a partir deste ângulo, as aulas
de Ciências e Biologia podem incentivar crianças e adolescentes a
gostar de trabalhar com suas operações lógicas. Para tanto, pode-
se fazer uso de aulas práticas, projetos desenvolvidos pelos alunos,
investigações, observações na natureza, entre outras estratégias. O
fato é que aplicar as teorias de desenvolvimento e aprendizagem
significa sair do circuito vicioso de dar apenas aulas expositivas, nas
quais o aluno pode desenvolver, como reflexo da atitude do
professor, um tipo de apatia para com atividades que exigem
iniciativa, criatividade e inteligência. As teorias de Piaget e Vygotsky
ensinam a ir além disto; e as de Wallon e Ausubel enriquecem ainda
mais este arsenal de conhecimentos e propostas de prática escolar.
3) Henri Wallon
Durante muito tempo, a afetividade foi desconsiderada, devido à
herança positivista que a classificava como “não-científica”, apesar
de uma grande demanda de queixas escolares serem
principalmente levantadas a partir do referencial afetivo. Wallon
(1879-1962) então desenvolveu uma teoria centrada na relação
entre afetividade e cognição. Sua teoria contribui para a
compreensão do ser humano como pessoa integral, dentro do que,
a relação professor-aluno e a escola são valorizadas. Ele traz a
noção de domínios funcionais - da afetividade, do ato motor, do
conhecimento e da pessoa -, os quais são ”construtos teóricos que
ajudam na compreensão dos processos de desenvolvimento” e
“indicadores na condução dos processos ensino/aprendizagem”
(Ferreira e Acioly-Régnier 2010).
Dentro disto, Mahoney e Almeida (2005) consideram alguns
pontos que podem indicar direções para um ensino-aprendizagem
mais produtivo e satisfatório, tanto para o professor quanto para o
aluno. São eles: o processo de integração em dois sentidos, a
concepção de afetividade e a evolução da afetividade nos diferentes
estágios do desenvolvimento. Os dois sentidos do processo de
integração de Wallon são: a integração organismo-meio e a
integração dos conjuntos funcionais. Estes elementos compõem a
teoria psicogenética walloniana, segundo a qual “o desenvolvimento
da pessoa se faz a partir da interação do potencial genético, típico
da espécie, e uma grande variedade de fatores ambientais
(Mahoney e Almeida 2005, p. 8)”.
As condições do meio podem modificar as manifestações das
determinações genotípicas. Logo, esta teoria considera que a
constituição biológica da criança, as circunstâncias da sua
existência e a possibilidade de escolha pessoal contribuem para a
evolução e a diferenciação individual. A integração dos conjuntos
funcionais a que o autor se refere tem quatro componentes:
cognitivo, afetivo, motor e a pessoa. Eles são sincréticos em sua
ação, mas também causam emoções e sentimentos mais
específicos. No entanto, tais conjuntos funcionais alternam-se em
predominância e em função dos estágios de desenvolvimento, de
modo que alguns estágios são classificados como centrípetos
(afetivos) e outros como centrífugos (cognitivos). Wallon dá ênfaze
especial ao domínio afetivo e considera que a afetividade “apresenta
diferentes manifestações que irão se complexificando ao longo do
desenvolvimento e que emergem de uma base eminentemente
orgânica até alcançarem relações dinâmicas com a cognição, como
pode ser visto nos sentimentos (Ferreira e Acioly-Régnier 2010, p.
26)”.
Em suas construções, o autor interage bastante com a
Fenomenologia de Merleau-Ponty, segundo a qual o mundo é
inseparável do sujeito e o sujeito é inseparável do mundo, mas de
um mundo que ele mesmo projeta. Isto significa dizer que a pessoa
interpreta-se conforme o que consegue perceber que o seu mundo é
e, ao mesmo tempo, compreende o mundo de acordo com quem é
como pessoa. Wallon assume uma concepção deste tipo da relação
entre homem e mundo e a contempla em sua abordagem. Ferreira e
Acioly-Régnier 2010 (p. 27) completam: “assim, podemos
compreender a afetividade, de forma abrangente, como um conjunto
funcional que emerge do orgânico e adquire um status social na
relação com o outro e que é uma dimensão fundante na formação
da pessoa completa”. Ela existe em diferentes expressões, as quais
na concepção walloniana são: as emoções, os sentimentos e a
paixão.
Emoções são sistemas de atitudes, reveladas pelo tônus. Elas
existem sob o predomínio da ativação fisiológica, sendo que, na
criança, aparecem como resposta a estímulos musculares
(sensibilidade proprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva)
e externos (sensibilidade exteroceptiva). Wallon as considera uma
forma concreta de participação mútua e uma forma primitiva de
comunhão. Os sentimentos, por sua vez, não implicam reações
instantâneas e diretas como na emoção, sendo considerados
mecanismos de ativação representacional. Como tal, eles tendem a
reprimir a emoção e estão mais definidos no adulto, que tem mais
controle do que a criança sobre o ato de observar e saber agir. Já a
paixão está relacionada com o aparecimento do autocontrole para
dominar uma situação, caracterizando-se por ciúmes, exigências e
exclusividade.
Em Wallon, a evolução da afetividade acontece nos seguintes
estágios:
1) 1º estágio — impulsivo-emocional (0 a 1 ano) —
quando a criança tem sensibilidades proprioceptiva
(sensibilidade dos músculos) e interoceptivas (sensibilidade
das vísceras), portanto, neste estágio, há importância dela
ligar-se ao seu cuidador.
2) 2º estágio — sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) –
nele desenvolvem-se a fala e a marcha, passando a haver
sensibilidade exteroceptiva para com o mundo externo,
sendo adequado oferecer diversidade de situações e
espaço e disposição de responder às suas constantes e
insistentes indagações.
3) 3º estágio —personalismo (3 a 6 anos) – é normal
nesta fase, descobrir-se diferente das outras crianças e do
adulto, devendo-se oferecer atividades específicas para
cada uma e a possibilidade de escolha pela criança, dando-
se oportunidades para que ela se expresse.
4) 4º estágio — o categorial (6 a 11 anos) – ideal para
atividades cognitivas de agrupamento, classicação,
categorização em vários níveis de abstração, por haver
predomínio da razão, devendo-se levar em consideração o
que o aluno já sabe.
5) 5º estágio —puberdade e adolescência (11 anos em
diante) — quando acontece busca de uma identidade
autônoma, mediante atividades de confronto, auto-
afirmação, questionamentos; e a identicação das diferenças
entre ideias, sentimentos, valores próprios e do outro,
inclusive para com o adulto, portanto, deve-se dar
expressão e discussão às diferenças.
Nestes estágios, ocorre alternância dos domínios funcionais,
sendo que os estágios impulsivo-funcional, personalista e o da
puberdade e adolescência são mais centrípetos (ou afetivos). Os
estágios sensório-motor e projetivo e o categorial são mais
centrífugos (ou cognitivos). No adulto, Wallon considera haver um
equilíbrio entre "estar centrado em si" e "estar centrado no outro",
um equilíbrio nas direções para dentro — conhecimento de si
(centrípeto) — e para fora — conhecimento do mundo (centrífugo).
Porém, o desenvolvimento para atingir tal equilíbrio “não ocorre de
forma linear e contínua, mas apresenta movimentos que implicam
integração, conflitos e alternâncias na predominância dos conjuntos
funcionais (Ferreira e Acioly-Régnier 2010, p. 29)”. Além do que,
pode-se perceber muitos desnivelamentos no estado de equilíbrio
do desenvolvimento de adultos.
Importa compreender que, como parte de tal processo, a
afetividade e a cognição se revezam, prevalecendo alternadamente
ao longo dos estágios de desenvolvimento wallonianos. A cognição,
assim como a afetividade, já existe dentro da pessoa e brota a partir
dos mecanismos orgânicos. No entanto, ela adquire complexidade e
diferenciação na relação dialética do sujeito com o meio social.
Neste processo, a linguagem é considerada um fator primordial. A
pessoa é a síntese dos conjuntos funcionais (afetivo, motor e
cognitivo) e da integração dinâmica entre o orgânico e o social; e a
criança tem um estatuto de pessoa, devendo ser entendida naquele
momento evolutivo no qual se encontra. Ela não é como um “vir a
ser” incompleto ou “um menor” a quem falta algo próprio do adulto
(Ferreira e Acioly-Régnier 2010, p. 29).
Portanto, a aplicação da teoria walloniana exige que o educador
compreenda seu aluno de maneira integrada, percebendo que ele
tem muitas dimensões a serem consideradas. Uma visão unilateral
que privilegia apenas uma ou outra de tais dimensões não compete
com a visão integral que Wallon promove. É difícil encontrar na
literatura acadêmica relatos sobre a aplicação desta teoria no ensino
de Ciências e Biologia. Mas, alguns trabalhos tem investigado a
influência da relação afetiva no processo de ensino-aprendizagem.
Dentro da realidade Brasileira, Paula e Cunha (2001) encontraram
“uma relação direta entre o modo do professor agir em sala de aula
e uma resposta positiva dos alunos para suas aulas” (p. 7).
A maioria dos alunos que responderam seu questionário afirmou
que “o melhor professor é aquele mais comunicativo e que se
interessa mais pelo aluno”, ressaltando “a positividade de um
professor afetuoso, amigo e que sabe respeitar o aluno como
pessoa” (p. 8). “Os professores valorizaram tanto quanto os alunos a
qualidade das interações em sala de aula (p. 10)”, no entanto,
quando eles não conseguem manter um bom relacionamento com a
turma, não conseguem obter o interesse e o bom rendimento dos
seus alunos. Guimarães et al. (2007) afirmam que o “professor que
se apresenta mais afetuoso acaba influenciando até mesmo no
apreço do aluno por determinados conteúdos de Física”. Sendo
assim, estes autores consideram que “a interação professor-aluno
precisa ser pautada por menor formalismo e maior humanismo (p.
8)”.
Em adição a estes achados de Guimarães et al. (2007), em uma
turma de Biologia, Carpim (2014) encontrou que mesmo os alunos
que não pretendem seguir carreira nesta área se sentem motivados
com tal objeto de conhecimento por causa da relação afetiva que se
estabeleceu entre eles e a professora da disciplina. Portanto,
conhecer a teoria de Wallon e procurar aplicá-la no ensino de
Ciências e Biologia é fundamental para que objetivos pedagógicos e
educacionais sejam atingidos. A afetividade é importante na vida
pessoal e a escola não pode ser separada da pessoalidade do
aluno. Afinal, ele passa boa parte dos seus dias neste ambiente,
travando contato com conteúdos, outros alunos, professores e
demais funcionários. Todos estes atores deveriam preocupar-se
com suas próprias saúdes emocionais e com as dos alunos.
4) David Ausubel
Moreira (2012) apresenta uma excelente revisão das ideias de
Ausubel sobre aprendizagem significativa, a qual é aqui resumida.
No final do resumo, acrescento um estudo de caso que eu mesma
proponho baseado em algumas das premissas ausubelianas. Tais
premissas são desenvolvidas em torno da aprendizagem
significativa, que pressupõe interação “com algum conhecimento
especificamente relevante já existente na estrutura cognitiva do
sujeito que aprende (p. 2)”. Em torno de tal questão, Moreira (2012,
p. 2) descreve que

“Tanto por recepção como por descobrimento, a


atribuição de significados a novos conhecimentos
depende da existência de conhecimentos prévios
especificamente relevantes e da interação com
eles”.(...). “Nesse processo, os novos
conhecimentos adquirem significado para o sujeito e
os conhecimentos prévios adquirem novos
significados ou maior estabilidade cognitiva”.

Dentro de tal processo de construção cognitiva, o subsunçor ou


ideia-âncora é muito importante, o qual pode ser tanto um símbolo
que já tenha um significado para quem aprende quanto qualquer
outra coisa. Um conceito, proposição, modelo mental, imagem ou
um conjunto de significados que se interligam. Tudo que tenha
significado pode resultar em um ponto de ancoragem. Ele é então
um conhecimento específico, cuja ausência não daria significado a
outros conhecimentos. Afinal, não teria como fazer a tessitura de
uns com os outros, de modo a que o novo faça sentido para quem
tenta o receber. Um conhecimento prévio pode estar mais ou menos
estável e adquirir novos significados, corroborando significados já
existentes.

“O complexo organizado de subsunçores e suas


interrelações, em um certo campo de
conhecimentos, poderia ser pensado como
constituindo a estrutura cognitiva de um indivíduo
nesse campo. (...). Há subsunçores que são
hierarquicamente subordinados a outros, mas essa
hierarquia pode mudar se, por exemplo, houver uma
aprendizagem superordenada, na qual um novo
subsunçor passa a incorporar outros. (...). Por outro
lado, um conhecimento que ocupa uma dada
posição em uma certa hierarquia de subsunçores
poderá ocupar outra posição, inclusive pouco
importante, em outra hierarquia, em outro campo de
conhecimentos. Isso significa que as hierarquias de
subsunçores não são fixas dentro de um mesmo
campo de conhecimentos e variam de um campo
para outro (Moreira 2012, p. 5)”.

Ausubel também considera que a estrutura cognitiva humana


está submetida a dois processos principais: a) diferenciação
progressiva, que acontece por meio das interações de um dado
subsunçor com outros conhecimentos, o que faz com que ele
adquira novos significados, tornando-se mais rico, refinado,
diferenciado, servindo de ancoradouro para novas aprendizagens
significativas; e b) reconciliação integradora, que elimina diferenças
aparentes, resolve inconsistências, integra significados e faz
superordenações, integrando e dando origem a novos significados
ao que em certo momento pode ter causado uma impressão caótica.
Moreira (2012) comenta que a diferenciação progressiva está
mais relacionada à aprendizagem significativa subordinada. Já a
reconciliação integradora acontece na menos frequente (mas, não
menos importante) aprendizagem significativa superordenada. É
subordinada a aprendizagem que gera algo novo, seja uma ideia,
conceito, proposição, mais abrangente. Neste caso, como o nome
deste tipo de aprendizagem diz, conhecimentos prévios passam a
estar subordinados à lógica que ela produz. Na aprendizagem
subordinada acontece de um novo conhecimento adquirir significado
integrado a outro prévio mais relevante e/ou abrangente. Sendo
assim, percebe-se que a estrutura cognitiva prévia afeta a
aprendizagem e é afetada por ela.
Os subsunçores são, portanto, interativos, dinâmicos e nunca
estáticos, pré-determinados e para sempre os mesmos. Eles se
modificam e assumem novos significados na medida em que vão
havendo as interações que dão conformações sempre novas à
estrutura cognitiva. No entanto, Ausubel considera que, para haver
aprendizagem significativa:

1) O material de aprendizagem deve ser potencialmente


significativo, ou seja, ele precisa ter lógica e relevância; e

2) O aprendiz deve apresentar uma predisposição para aprender,


estando disposto a modificar, enriquecer, elaborar e dar significados
ao material na sua estrutura cognitiva.

Acontece que esta predisposição para aprender tem a ver


também com os subsunçores presentes na estrutura cognitiva do
sujeito. Os primeiros deles que se formam surgem da experiência
concreta com exemplos de objetos e eventos e/ou geralmente com
a mediação de adultos. Eles são adquiridos por inferência,
abstração, discriminação, descobrimento, representação, estando
envolvidos em sucessivos encontros do sujeito com instâncias de
objetos, eventos e conceitos. A partir destes subsunçores iniciais, o
aluno “passa a aprender cada vez mais em função dos subsunçores
já construídos e a mediação pessoal (geralmente da professora ou
professor) passa a ser uma negociação de significados, aceitos e
não aceitos no contexto de um determinado corpo de
conhecimentos (Moreira 2012, p. 10)”.
O processo da fase adulta – de assimilação ausubeliana
(diferente da piagetiana)-, se dá entre conhecimentos novos e
prévios e não como uma interação sujeito-objeto (como na
assimilação de Piaget). Quando o professor percebe que o aluno
não dispõe de subsunçores para receber determinado assunto, ele
pode fazer uso de: a) um organizador expositivo, que faz a ponte
entre o que o aluno sabe e o que deveria saber; e/ou b) um
organizador comparativo, para ajudar a discriminar novos elementos
por comparação com outros já disponíveis na estrutura cognitiva.
Um exemplo de organizador expositivo em Biologia é a menção ao
que o aluno conhece sobre o papel ecológico de um leão na savana
africana e o papel de uma anta na floresta amazônica, se o que se
quer é ensinar o conceito de nicho ecológico. Um organizador
comparativo seria comparar o leão na savana africana com a onça
na floresta amazônica se o que se quer é ensinar o conceito de
predador de topo de cadeia.
Ainda com relação à aprendizagem significativa, ela ocorre
quando há incorporação, compreensão e capacidade de enfrentar
situações novas a partir do que se aprende. Este tipo de
aprendizagem difere da aprendizagem mecânica por dar-se esta
última quando ocorre armazenamento do conhecimento sem
compreensão e significado. Entre ambas, existe uma “zona cinza”,
dentro da qual ocorre grande parte da aprendizagem. De forma
semelhante, existe uma “zona cinza” entre aprendizagem receptiva
e aprendizagem por descoberta. A aprendizagem é receptiva
quando não precisa ser descoberta, mas recebida, o que não
implica passividade, pois exige captação de significados,
ancoragem, diferenciação progressiva e reconciliação integrativa por
parte do aluno.
Já a aprendizagem por descoberta “implica que o aprendiz
primeiramente descubra o que vai aprender. Mas, uma vez
descoberto o novo conhecimento, as condições para a
aprendizagem significativa são as mesmas: conhecimento prévio
adequado e predisposição para aprender (Moreira 2012, p. 13)”. Há
vários tipos de aprendizagem significativa:

- Subordinada – através da qual novos conhecimentos adquirem


significados a partir de significados mais abrangentes já presentes
na estrutura cognitiva;
- Superordenada – que conta com processos de abstração,
indução e síntese;
- Combinatória – por interação com outros conhecimentos já
existentes na estrutura cognitiva;
- Representacional – baseada em um símbolo que representa
aquilo que ainda não é apreendido, e se aproxima da aprendizagem
mecânica, mas o símbolo tem um significado;
- Conceitual – por percepção de regularidades em eventos ou
objetos; e
- Proposicional – dá significado a novas ideias de uma
proposição formada por palavras e conceitos.

Em todos os casos, pode haver esquecimento do que se


aprendeu. No entanto, na aprendizagem significativa o
esquecimento é residual e o conteúdo pode ser reaprendido
facilmente. Desta forma, visando atingi-la, o professor tem que
considerar os seguintes pontos:
(a) a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa facilitam
a aprendizagem em situações de ensino e devem ser usadas como
princípios programáticos da matéria de ensino, assim como
organizadores prévios, se os alunos não têm os subsunçores
adequados, e princípios de organização sequencial e de
consolidação (antes de introduzir novos conhecimentos); (b) a
linguagem que vai do professor para os alunos e volta deles para o
professor, pois se não se perceber que houve aprendizagem, deve-
se tentar trabalhar de novo de outro jeito os conteúdos; (c) na
avaliação, Ausubel sugere propor ao aprendiz uma situação nova,
não familiar, que requeira máxima transformação do conhecimento
adquirido.
Tendo todas estas questões em mente, procurei desenvolver um
estudo de caso em torno da aprendizagem significativa que
provavelmente ocorre entre indígenas em situações originais,
envolvendo conhecimentos da ecologia de porcos-do-mato na
Amazônia (Moraes-Ornellas 2019). Considerei ter havido “ruptura
com a cadeia de eventos ecossistêmicos que uniam alguns povos
com a fauna nativa devido à inserção da Educação formal no meio
onde eles vivem”. No entanto, sugeri que se poderiam restaurar
práticas tradicionais através de uma “educação baseada na terra”.
“Este tipo de intervenção envolve o conceito de aprendizagem
significativa de David Ausubel, além de práticas contextualizadas de
Educação Indígena e conservação da etnobiodiversidade”.
Além do que, hipotetizei ser possível “obter novos referenciais
para o ensino das Ciências Biológicas e para a Educação Ambiental
de cidadãos urbanos que vivem em ecossistemas Amazônicos”.
Estes novos referenciais existiriam na educação das crianças
indígenas, as quais

“geralmente têm como seu principal ambiente de


aprendizagem a casa onde vivem com seus pais e
as adjacências a ela. No entanto, o próprio meio as
ensina a relacionarem-se com alguns dos
componentes dos ecossistemas. De modo que, uma
parte de sua educação, elas adquirem do contato
com os adultos, outra parte das trocas entre elas e
para com seu meio”.

Desenvolvendo-se desta maneira, os povos indígenas


estabeleceram originalmente interações ecológicas importantes com
os ecossistemas a que pertencem. De forma que, acredito ser
possível “obter lições deste tipo de pedagogia e, a partir delas,
chegar-se ao que se está buscando na interseção dos universos
Indígenas Amazônicos com a Ecologia dos porcos-do-mato. Afinal,
o que se quer desenvolver consiste também em uma restauração de
elos que existiram antes do modelo de sociedade capitalista da
atualidade se formar”. Este exercício se daria na interface “entre:
aprendizagem significativa, restauração de etnobiodiversidade,
Educação Indígena, manejo sustentável e ensino de Ciências
Biológicas”.
Trata-se de um exemplo de projeto que pode envolver alunos
Indígenas nas suas escolas (e/ou em escolas formais), adultos
Indígenas e não-indígenas, alunos de Biologia e professores. Pode-
se analisar a importância do contexto para que haja aprendizagem
significativa, bem como o valor dela dentro da interação da pessoa
humana com o seu meio. Sendo assim, muitos dos conteúdos que
são tratados neste livro, são ilustrados nesta prática em forma de
proposta investigativa. Dela certamente resultarão muitas lógicas
que ainda nem estão expressas como subsunçoras da própria
autora, mas passarão a compor os subsunçores de outros sujeitos
que venham a atuar com ela. É assim que se deve procurar praticar
as ideias ausubelianas.
Conclusão
Piaget e Vygotsky são contemporâneos e, embora tenham
atuado independentemente, desenvolveram teorias que se
complementam reciprocamente. Para ambos, o desenvolvimento da
criança produz mudanças qualitativas, com determinantes
complexos que têm ação interativa e dialética. O sujeito é um
agente ativo que age sobre o meio e, quando o faz, transforma-se,
transformando-o. No entanto, Piaget focou sua atenção mais em
como a parte biológica do desenvolvimento interage com aspectos
psicológicos da aprendizagem, enquanto Vygostky explorou mais as
interferências das interações sociais sobre os indivíduos. Os dois
autores não assumem os paradigmas inatista e empirista, portanto,
não concordam que exista uma natureza humana essencial ou alma
(inatismo); e que as informações necessárias para adquirir
conhecimento são captadas do meio exterior pelos sentidos
(empirismo).
Alguns os consideram construtivistas e interacionistas, ou seja,
suas teorias explicam que o sujeito tem potencialidades, as quais,
por meio de suas interações permitem-lhes adquirir conhecimento.
Outros entendem, no entanto, que Vygotsky não possa ser
classificado como interacionista, por desconsiderar uma natureza
humana pré-determinada. Também se discute se ele pode ser
considerado construtivista, já que, embora Piaget tenha considerado
a influência do meio social sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem, ele o fez de um jeito diferente de Vygotsky.
O fato é que o principal fator de aquisição de conhecimento para
Piaget é a ação individual e para Vygotsky é a interação com o
ambiente social. Piaget enfatiza o desenvolvimento por
reorganizações internas do indivíduo e Vygotsky por interação com
o contexto social. Vygotsky é dualista e distingue desenvolvimento
natural e desenvolvimento cultural – os aspectos individuais
influenciam o contexto social; enquanto para Piaget não há esta
dicotomia, já que o sujeito unifica o natural e o social – este último é
uma variável que influencia os processos biológicos. Estas
diferenças não devem, no entanto, ser causas de distanciamento
das abordagens dos dois autores, pois suas contribuições à
compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento têm muitos
pontos de convergência e interatividade.
Quanto a Henri Wallon, ele focalizou na relação entre afetividade
e cognição; e David Ausubel, por sua vez, preocupou-se mais com
os mecanismos que garantem a aprendizagem significativa. Porém,
Wallon desenvolveu, de maneira semelhante a Piaget e Vygotsky,
uma teoria psicogenética. Nela é dada importância às interações do
potencial genético do sujeito com muitas variáveis do meio, o que
contribui para a evolução e a diferenciação individual. Tal processo
interativo sustenta a existência dos conjuntos funcionais no
indivíduo, os quais interagem em rede. Portanto, as ideias
wallonianas apontam para a necessidade da educação considerar o
ser humano desde um ponto de vista integral.
Dentro disto, as trocas afetivas no ambiente educacional tem
grande importância, pois moldam o interesse e a motivação de
alunos e de professores. Se não há este tipo de troca, dificilmente
acontece a aprendizagem significativa conforme ela é descrita por
Ausubel. Afinal, este tipo de aprendizagem exige que haja, se
necessário, muitas tentativas do professor para fazer com que o
aluno compreenda os conteúdos que está procurando ensinar.
Compreender significa saber os significados de um jeito que seja
possível ao aluno utilizar dos mesmos em novas situações.
David Ausubel introduz vários elementos da cadeia de ensino-
aprendizagem, como a diferenciação progressiva, a reconciliação
integradora, a organização sequencial e a conciliação. O professor
precisa cuidar com o cumprimento de sua tarefa, conhecendo na
prática o significado dos conceitos propostos por estes quatro
autores. Eles dão conta de expressar para o universo da educação
muitas das interações mais importantes, a partir das quais pode-se
ir descobrindo o evento do ensino que resulta em aprendizagem
pelos alunos. Isto deve acontecer conforme os estágios em que eles
se encontram, de maneira contextualizada pelo momento sócio-
histórico, com o envolvimento das concepções de afetividade (de
Wallon) e guiando-se pelos eventos que sugerem que haverá
aprendizagem significativa.
Os professores de Ciências e de Biologia podem aproveitar de
tais teorias para desenvolverem suas técnicas, assim como os
professores dos demais campos do conhecimento. Mas, há a
possibilidade de verem o que ensinam como na Epistemologia
Genética de Piaget, que pressupõe o acréscimo de inteligência
através de descobertas sucessivas, as quais se acrescentam umas
às outras, gerando conhecimento (o que é típico da Ciência em
geral). Além do que, a teoria sócio-histórica de Vygotsky ensina a
quem leciona nas Ciências Naturais a procurar fornecer
oportunidades de experimentação, nas quais pode-se trabalhar mais
com os processos que a mente apreende do que propriamente as
nomenclaturas e classificações científicas. Tudo isto pode ser
realizado, enfim, buscando levar às salas de aula o equilíbrio entre
"estar centrado em si" e "estar centrado no outro" que é típico do
adulto, de modo a direcionar a aprendizagem para que ela, de
alguma forma, possa se tornar significativa.
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A Psicologia Escolar e Educacional
Introdução
É importante para todo profissional da área do ensino saber
identificar as funções do Psicólogo Escolar e Educacional e saber
interagir com elas. Para tanto, a primeira questão a se pensar diz
respeito à identidade do profissional da Psicologia em si. Bock et al.
(1999), ao introduzir o conceito de Psicologia, acabam usando do
termo em plural, Psicologias, esclarecendo que existem muitas
vertentes desta ciência. Os autores comentam que ela surgiu como
tal no final do século 19, libertando-se da Filosofia e definindo seu
objeto de estudo - o comportamento, a vida psíquica, a consciência.
Houve então delimitação do seu campo de estudo e formulação de
métodos de estudo e teorias. Como parte de tal processo, a
subjetividade foi fixada como objeto das Psicologias.

“A subjetividade é a síntese singular e individual que


cada um de nós vai constituindo conforme vamos
desenvolvendo-nos e vivenciando as experiências
da vida social e cultural; é uma síntese que nos
identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de
outro lado, na medida em que os elementos que a
constituem são experienciados no campo comum da
objetividade social (Bock et al. 1999, p. 28)”.

Sendo a subjetividade algo tão fundamental para o


desenvolvimento e a aprendizagem humanos, a Psicologia se
tornou muito importante para a prática educativa. Por não haver
como separar os elementos subjetivo do objetivo do campo da
aprendizagem, a ciência psicólogica, através de muitas de suas
correntes teóricas tem múltiplas influências sobre a compreensão do
processo educativo. Mesmo em suas origens, algumas abordagens
acabaram originando pressupostos e alternativas de ação educativa
que foram fundamentais para a prática pedagógica. O
funcionalismo, de William James (1842-1910), participou de um
processo construtivo de um raciocínio unilateral que compreende o
uso da consciência pelo ser humano como estratégia de adaptação
ao meio.
Titchener (1867-1927) também causou uma convergência entre
os objetivos da Psicologia e o das Ciências Naturais. Fundador do
estruturalismo, ele considerava ser preciso reduzir a consciência a
seus elementos mais essenciais e ligá-los às suas condições
fisiológicas. Os estados elementares da consciência eram vistos
como estruturas do sistema nervoso central. Tanto o funcionalismo
quanto o estruturalismo são, portanto, reducionistas; e suas ideias
acabaram sendo revistas ao longo do processo de desenvolvimento
da Psicologia. Mas, elas tiveram influências sobre outras correntes
que vêm sendo consideradas mais importantes para a Educação na
atualidade.
De forma semelhante, o associacionismo, de Thorndike (1874-
1949), também estabeleceu pressupostos que continuam sendo
aplicados no processo educativo da atualidade. Segundo ele, a
aprendizagem se dá por um processo de associação das ideias, das
mais simples às mais complexas. Isto é a base de muitos dos
processos que foram sendo propostos pelas diferentes correntes
teóricas que surgiram. Dentre elas, aqui são comentadas seis
vertentes, a partir das quais se procura tecer um raciocínio de
síntese em torno da relação da Psicologia com o processo
educativo. As vertentes comentadas são: o behaviorismo, a gestalt,
a Psicanálise, a Psicologia Sócio-Histórica, a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia da Aprendizagem.
1) Principais correntes teóricas
O behaviorismo teve origem a partir de James Watson (1913),
sendo também chamada de Teoria Comportamental. Considerava a
Psicologia como uma ciência sem alma, biológica apenas,
funcionalista, das interações indivíduo-ambiente e dos
comportamentos operantes. Visão esta preocupante, já que um
corpo sem alma pode acabar sendo considerado um objeto a ser
manipulado de fora para dentro. E de fato, na continuidade da
história da Psicologia, a vertente se transformou em um
behaviorismo radical, por Skinner. Para o autor, a aprendizagem
resulta da ação sobre o meio e do efeito dela resultante. Quando
uma ação tem um resultado gratificante, ela costuma causar
apreensão do seu significado. Portanto, um aluno pode aprender por
ser submetido a reforços positivos e negativos que, por sua vez,
podem causar processos condicionados de esquiva e fuga.
A partir de tais maneiras de compreender a aprendizagem,
alguns processos educativos tornaram-se punitivos. Rodrigues e
Rufino (s.d., p. 8) acreditam que

“Não se pode anular a eficácia de alguns agentes


punitivos na educação para a convivência social,
como nos atesta o exemplo das leis, das normas
existentes (...)”. Porém, “uma vez que se mecaniza o
ser humano, não é possível pensar na construção
de um ser ético, porque tal construção demanda a
liberdade. Sendo assim não há meios ideais de ter
uma boa educação sem ética, ela só passará a
existir quando a liberdade de escolha do outro não
for anulada, uma vez que a ação correta tem que
partir da moralidade do próprio sujeito formada
durante seu processo de aprendizagem, adquirida,
por sua vez, pelo sentimento, pelas intenções, pela
experiência com o meio etc”.

A compreensão de que uma boa educação exige mais do que


punição e recompensa, fez com que outras alternativas de pensar a
Psicologia da Aprendizagem se desenvolvessem. Lima (1990, p. 5)
comenta que o paradigma experimental behaviorista se revelou
insuficiente como modelo de compreensão do comportamento
humano. “Para sair do impasse em que se viu por esta insuficiência,
a Psicologia Norte-Americana se volta aos processos internos,
dando início ao predomínio do cognitivismo” – de Jean Piaget.
Henklain e Carmo (2013), no entanto, assinalam contribuições da
análise do comportamento e da filosofia behaviorista radical para a
Educação. Uma delas foi ver o homem como sujeito ativo e não
como mero receptáculo que sofre passivamente as influências do
ambiente. Sendo assim,

“Um dos papéis cruciais do professor envolve criar


condições que facilitem e garantam aprendizagem.
A sua função primordial é ensinar. (...). A mudança
de comportamento do aluno (alteração de suas
relações com o meio) é o que, fundamentalmente,
evidencia aprendizagem. (...). Se o aluno persiste
não conseguindo solucionar um problema é porque
o ensino não ocorreu. Um dos papéis cruciais do
professor envolve criar condições já que ensinar
envolve a ação do professor e a aprendizagem do
aluno. Dessa definição deduz-se que ensinar e
aprender são dois processos interdependentes
(Henklain e Carmo 2013, p. 712-713)”.

Para acompanhar o aluno, o professor behaviorista precisa


registrar e monitorar o desenvolvimento dele ao longo de todo o
processo de ensino. O trabalho é focado pelas necessidades
específicas de cada aluno em particular e não pelas necessidades
médias da maioria. “O professor precisa ter critérios claros de
reforçamento, de modo a fortalecer apenas demonstrações reais de
evolução e/ou de aprendizado (Henklain e Carmo 2013, p. 715)”. E
os reforçadores não devem resumir-se a estrelinhas ou outros tipos
de prêmios e condecorações. É importante que o aluno aprenda a
reconhecer e a relacionar-se com reforçadores do seu progresso.
Se isto acontece, está havendo progresso também da relação
professor-aluno. Portanto, percebe-se que o behaviorismo forneceu
muitos benefícios à maneira de se compreender o processo
educativo e de se aprimorar o monitoramento do mesmo processo
realizado pelos professores.
Mais sistêmica do que o behaviorismo, a gestalt teve origem da
Fenomenologia. Ela considera que “entre o estímulo que o meio
fornece e a resposta do indivíduo, encontra-se o processo de
percepção. O que o indivíduo percebe e como percebe são dados
importantes para a compreensão do comportamento humano” (Bock
et al. 1999, p. 77). Portanto, esta corrente criticou a pretensão de se
querer desprezar a consciência, pela impossibilidade de controlar
esta variável. Ela considera que o comportamento não pode ser
estudado de maneira isolada de um contexto mais amplo, pois,
tratado desta forma, ele pode perder seu significado. Além do que,
dependendo de como percebemos um estímulo, damos
desencadeamento ao nosso comportamento. O conjunto de
estímulos determinantes do comportamento é o meio, que pode ser:
geográfico e comportamental.

“O meio geográfico é o meio enquanto tal, o meio


físico em termos objetivos. O meio comportamental
é o meio resultante da interação do indivíduo com o
meio físico e implica a interpretação desse meio
através das forças que regem a percepção
(equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade).
(...)”. A tendência a “juntar os dois elementos é o
que a Gestalt denomina de força do campo
psicológico (Bock et al. 1999, p. 81)”.

Esta força nos faz sempre procurar pela boa-forma em tudo o


que vivenciamos. A boa-forma está nas situações vividas de
maneira tão clara que permite sua percepção imediata. Se não a
obtemos, fica mais difícil perceber a relação parte/todo. Às vezes,
uma figura-fundo se elucida sem precisar de esforço por parte do
observador, o que se denomina insight. Este termo é bem
importante na Educação e designa uma compreensão imediata ou
uma espécie de entendimento interno. Sendo assim, a gestalt
reconhece que: experiências passadas facilitam novos insights,
estímulos devem estar organizados de modo a facilitar a percepção,
o professor deve apresentar conteúdos de forma clara e integrada -
do todo para as partes – atividades contextualizadas, interligadas
umas com as outras e não repetitivas ou para memorização. Isto
vem a aparecer muitas vezes mais em outras correntes da
Psicologia do Ensino e da Aprendizagem. Afinal, a consciência é em
si um todo feito por partes interligadas, não podendo ser separada
do mundo que percebe como tal (na Fenomenologia de Merleau-
Ponty).
Dentro disto, Sigmund Freud considerou que até mesmo as
questões do psiquismo humano deveriam ser investigados
sistematicamente e de maneira científica. Ele então criou a
Psicanálise, que é, ao mesmo tempo, teoria, método de
investigação e prática profissional em torno do funcionamento da
vida psíquica (p/ o autoconhecimento e a cura através do
autoconhecimento). Atualmente, ela vem sendo exercida de muitas
outras formas, como psicoterapias, aconselhamento, orientação,
trabalho com grupos e instituições. Mas, há também aplicação na
educação (como em Anna Freud). Ribeiro (2014, p. 24) relata que,
entre 1909 e 1912, o próprio Freud considerou que “o processo
analítico tem um componente educativo, pois a cura poderia ser
vista como uma educação tardia”. Um ano após esse período, a
Educação e a análise passam a ser vistas como ciências
complementares, sendo defendido que a Educação deveria ter
como fim último impedir a formação da neurose, facilitando os
canais para a movimentação das pulsões para um bom caminho. A
Psicanálise estaria, assim, no papel de reeducação do que escapou
à educação primeira.
Mas, em 1925, Freud revê seu pensamento e considera que
“Educação não pode ser percebida apenas pelo seu aspecto
preventivo das neuroses e afirma que se deve evitar confundir o
trabalho pedagógico ou mesmo substituí-lo por uma intervenção
psicanalítica. Em outras palavras, o professor não é um psicanalista
(Ribeiro 2014, p. 24)”. O professor deve ensinar e, através do
ensino, o aluno poderá desenvolver sua estrutura cognitiva, de
modo a se emancipar, dando um fim às necessidades que o
psicanalista procura resolver. Mas, de qualquer forma, o professor,
assim como o analista, pode despertar afetos no aluno (e vice-
versa). Trata-se de um processo de transferência e
contratransferência bastante complexo, uma teia de representações,
expectativas e desejos inconscientes.
Esta teia pode desembocar em fracasso escolar ou marcar a
vida do aluno para sempre. Isto porque, conforme a Psicanálise
demonstra, tanto aluno como professor têm o inconsciente, o pré-
consciente e o consciente. Ambos os lados desta relação
desenvolvem mecanismos de defesa, como: a) recalque, com
supressão de uma parte da percepção da realidade, o que deforma
o sentido do todo; b) formação reativa, que visa esconder as
verdadeiras motivações; c) projeções de algo de si para o mundo
externo sem perceber que está projetando; d) racionalização de algo
inaceitável, para usar às vezes como desculpa. Enfim, é
fundamental considerar que, como Freud sempre afirmou, a
realidade psíquica é real, mesmo que não seja objetiva. E esta
realidade existe em todos nós, ainda que esteja escondida nas
nossas relações. É preciso levar-se em conta mais esta variável no
processo educativo, portanto.
Menos voltada à interioridade humana, a Psicologia Sócio-
Histórica tem origem de Vygotsky (ver capítulo anterior), sendo
também chamada Psicologia de Orientação Sócio-Cultural. Bock et
al. (1999) mencionam como alguns dos seus princípios:

- O homem tem funções superiores porque tem vida social e cultural


e elas não podem ser vistas apenas como resultado da maturação
de um organismo;
- Não existe uma essência eterna e universal do homem, sendo que
o indivíduo é construído por interações com o meio e os outros
homens;
- “O homem é um ser ativo, social e histórico” e tanto sua ação
quanto suas necessidades são produzidas em sociedade, pois ele
não é apenas biológico;
- As relações sociais modificam-se à medida que se desenvolvem
as necessidades humanas e a produção que visa satisfazê-las;
- O pensamento humano transforma-se em algo cada vez melhor,
em consciência, sendo a linguagem um instrumento dela;
- O homem histórica e socialmente localizado deve ser o objeto da
Psicologia; e
- “Os fenômenos sociais estão, de forma simultânea, dentro e fora
dos indivíduos, isto é, estão na subjetividade individual e na
subjetividade social (Bock et al. 1999, p.120)”.

Se nos orientarmos por esta visão de Vygotsky, perceberemos


as pessoas modificando umas às outras em sociedade e
transformando à sociedade. Esta, ao transformar-se, terá outras
influências sobre a pessoa humana. Tal visão se complementa à
percepção da Psicanálise dos elementos inconsciente,
préconsciente e consciente de cada pessoa, seja ela aluno ou
professor. Está neste complexo humano a potencialidade de
construir interações infindáveis. Por meio delas, influenciamo-nos,
embora ainda que com recalques, formações reativas, projeções e
racionalizações. Mesmo estes componentes de cada um, interagem,
gerando o campo psicológico coletivo. Como os percebemos,
depende da fase em que estejamos do nosso desenvolvimento, o
que é assunto tratado na Psicologia do Desenvolvimento.
Esta vertente estuda o desenvolvimento do ser humano em
todos os seus aspectos: físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e
social — desde o nascimento até a idade adulta. Ela teve origem de
Jean Piaget, que considera que o desenvolvimento humano é tanto
mental como orgânico (ver capítulo anterior). Na sua lógica, são
descritas formas de se perceber, compreender e se comportar
diante do mundo, próprias de cada faixa etária. Isto, quando
aplicado ao processo educativo, possibilita que se planeje o que e
como ensinar, sendo importante considerar que hereditariedade,
crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e meio
influenciam o desenvolvimento. Sendo assim, a escola tem
importante função a desempenhar na vida das pessoas.
As clássicas fases do desenvolvimento de Piaget, cujas
principais características aqui mencionadas foram obtidas de Bock
et al. (1999), são as seguintes:
a) Sensório-motor (0 a 2 anos) – fase de percepção e
movimentos, quando os recém-nascidos fazem exercícios
dos aparelhos reflexos e aos cinco meses já coordenam
movimentos; com um ano admitem que um objeto continua
a existir, mesmo sem vê-lo; e aos dois anos já usam de
meios para alcançar objetos, demonstram escolhas afetivas,
têm atitude ativa e participativa e fala imitativa; c/ o
desenvolvimento corporal, surgem novos comportamentos.

b) Período Pré-Operatório (2 a 7 anos) – há o


aparecimento da linguagem c/ exteriorização da vida interior,
c/ três fases principais do desenvolvimento do pensamento:
a) na primeira, há exclusão da objetividade; b) na segunda,
seus desejos e fantasias são usados para explicar o mundo
objetivo; c) na terceira, a criança procura a razão causal de
tudo (fase dos porquês). Nesta etapa, elas ainda não
conseguem colocar-se desde o ponto de vista do outro,
mas, têm sentimentos interindividuais (como respeito aos
que julgam superiores), seus interesses se ampliam
(surgindo uma escala de valores) e surge a coordenação
motora fina (como para a escrita, por exemplo).

c) Período das Operações Concretas (7 a 11 ou 12 anos


de idade) – ocorre a superação do egocentrismo cultural ou
social, capacidade de integrar com lógica pontos de vista
diferentes, de realizar uma ação dirigida para um fim (e
revertê-la para seu início) e de estabelecer relações de
causa-efeito e formar o conceito de número; surgem novos
sentimentos morais (como “o respeito mútuo, a honestidade,
o companheirismo e a justiça, que considera a intenção na
ação”), a vontade que atua em conflitos de intenções (entre
dever e prazer, por exemplo), fortalecimento do sentimento
de pertencer a grupos de colegas, com elaboração de
formas de organização grupal e validação de regras e
normas.
d) Período das Operações Formais (11 ou 12 anos em
diante) – desenvolve-se a capacidade de abstrair e
generalizar, de criar teorias sobre o mundo, principalmente
sobre aspectos que gostariam de reformular; de reflexão
espontânea e de tirar conclusões de puras hipóteses; há o
livre exercício de submeter o mundo real aos sistemas e
teorias criados pelo pensamento; comportamento anti-social
e de afastamento da família; vontade de transformar a
sociedade; conflitos afetivos para com os adultos e desejo
de aceitação dentro do grupo de amigos; os interesses são
diversos e mutáveis, tendendo a estabilizar no adulto.

Tais informações precisam ser integradas ao conhecimento do


professor sobre o que ele precisa ensinar, de modo que o como
ensinar se torne mais evidente. É também necessário observar, nas
diferentes faixas etárias dos alunos, que vai havendo um aumento
gradual do desenvolvimento cognitivo. Este fato permite uma
compreensão mais clara e complexa dos problemas e das
realidades significativas que os atingem.
Portanto, seus conteúdos afetivo-emocionais e sua forma de
estar no mundo também mudam. Integrado a isto, para Vygostky, o
desenvolvimento infantil é afetado por três aspectos: instrumental,
cultural e histórico. A princípio, os adultos procuram incorporar as
crianças às suas relações e à sua cultura. Os processos
interpsíquicos funcionam durante as interações delas com os
adultos. À medida que as mesmas crescem, os processos se
tornam também intrapsíquicos. Além do que, o adulto interpreta os
movimentos e expressões verbais da criança e devolve o que
resulta de sua interpretação à elas. Estas questões têm bastante
convergência com a Psicologia da Aprendizagem, já que ela
também se desenvolveu sobre influência das ideias de Jean Piaget
e Vygotsky (mais informações no capítulo antecedente).
Nela a aprendizagem é vista como um “processo de organização
das informações e de integração do material à estrutura cognitiva
(Bock et al. 1999, p. 153)”. Ela é de dois tipos principais: a)
mecânica - com pouca ou nenhuma associação com conceitos já
existentes na estrutura cognitiva e propensa ao esquecimento; b)
significativa – quando um novo conteúdo relaciona-se com
símbolos, ideias, conceitos e/ou proposições já presentes na
estrutura cognitiva, sendo, portanto, menos propensa ao
esquecimento duradouro. Baseado nestes dois tipos de
aprendizagem, existe: a) aprendizagem por condicionamento,
resultante de conexões entre estímulo-resposta e geralmente
mecânica; e b) aprendizagem cognitivista, que resulta da
organização das informações adquiridas e integração entre elas, de
modo a obter-se um sentido maior das mesmas em seu conjunto.
No cognitivismo, os significados não são entidades estáticas, são
pontos de partida para atribuição de outros significados; portanto, o
processo cognitivo prevê: “compreensão, transformação,
armazenamento e utilização das informações (Bock et al. 1999, p.
152)”. Além do que, a relação do sujeito com o mundo externo tem
consequências na organização interna do conhecimento. Os pontos
de ancoragem (ideias-âncora ou subsunçores, segundo David
Ausubel) são informações ou idéias relevantes, as quais,
organizadas, dão origem a conceitos. Todas estas informações
fazem do processo educativo algo bastante complexo, sendo que o
intercruzamento dos conteúdos propostos pelos diferentes autores e
correntes da Psicologia engrandecem-na.
2) Diálogos com a LDB
A Psicologia Educacional precisa ser compreendida como uma
área das Ciências Psicológicas que tem como principal função
compreender, acompanhar e aprimorar o processo ensino-
aprendizagem. Por muito tempo ela esteve sendo mal
compreendida e/ou confundida, devido a diferentes causas. Andaló
(1984) aborda a associação feita entre a Psicologia Escolar e a
Psicologia Clínica, da qual teria tido origem. Sendo assim, ela
esteve associada no pensamento de educadores, pais e alunos (e
ainda é associada muitas vezes) a uma abordagem preventiva da
saúde mental e/ou com problemas de ajustamento e adaptação. O
que é considerada uma “visão conservadora e adaptativa”,

“uma vez que os problemas surgidos ficam


centrados no aluno, isto é, a responsabilidade dos
insucessos e dos fracassos recai sempre sobre o
educando. O papel do psicólogo escolar seria então
o daquele profissional que tem por função tratar
estes alunos-problema e devolvê-los à sala de aula
bem ajustados (Andaló 1984, p. 43)”.

Andaló (1984) também comenta que trata-se este de um


processo que torna os professores mal acostumados a entregarem
seus alunos supostamente “difíceis” nas mãos de um profissional
mais apto do que eles para lidar com a questão. No entanto, tal
visão deturpada do potencial de ação deste profissional das
Ciências Psicológicas vem sendo transformada por novas
produções acadêmicas. A LDB 9394/1996 fornece referenciais para
a Educação no Brasil, dentre os quais muitos deles podem ser
empregados para um esclarecimento maior do profissional da
Psicologia Escolar e Educacional bem como dos demais
profissionais que interagem com ele em diferentes instâncias do
processo educativo. São abordados aqui alguns elementos principas
da LDB, reflexões de profissionais da área da Psicologia Escolar
sobre sua atuação mediante esta Lei e pontos fundamentais que
podem direcionar as ideias a respeito da atuação deste Psicólogo.
Estes elementos precisam ser pensados por qualquer profissional
da Educação, inclusive os que pertencem à área das Ciências
Biológicas, pois estarão sempre tendendo a atuar em interface com
a área da Psicologia Educacional.

2.a) Alguns elementos principais da LDB


Sem querer entrar na discussão acerca do quão democrático e
fidedigno foi o processo de criação e implementação deste
instrumento, faço uma análise geral em torno de alguns dos seus
conteúdos. A Lei no. 9394, de 20 de dezembro de 1996, contém dez
títulos, sendo que o título I traz um conceito de Educação Escolar.
Os demais nove títulos tratam de: princípios e fins da Educação
Nacional, direito à Educação e dever de educar, organização da
Educação Nacional, níveis e modalidades de Educação e Ensino -
composição dos níveis escolares, Educação Básica, Educação
Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Profissional
Técnica de Nível Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação
Profissional, Educação Superior, Educação Especial -, profissionais
da Educação, recursos financeiros, disposições gerais e transitórias.
Olhando estas divisões do ensino e percebendo-as no meio
onde estamos, é possível ter-se uma melhor compreensão de
níveis, sequências e do todo que se procura construir através de
todas tais divisões. Por este motivo, é bom ter um olhar mais
abrangente que analise mesmo que vagamente o conjunto da Lei
para, então, partir para o estudo das suas partes. No título I,
encontra-se uma concepção do que se pretendeu denominar
Educação Escolar no âmbito desta Lei. Nele foi incluída uma
compreensão de educação como algo mais abrangente do que
apenas o que ocorre dentro das escolas. Ela se dá “na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil
e nas manifestações culturais (Art. 1º)”.
Nesta parte da LDB, considera-se também que a educação deve
estar associada ao mundo do trabalho e à vida social. Quanto aos
princípios e fins, diz-se ser a educação um dever da família e do
Estado, inspirada em liberdade e solidariedade (Art. 2º), sendo que
a Lei assegura: igualdade de acesso, liberdade para
aprender/ensinar, coexistência entre ensino público e privado,
continuidade da educação ao longo da vida, respeito a pluralidades
e à etnodiversidade, dentre outras questões (Art. 3º). Portanto,
pensa-se a educação desde um ponto de vista do que ela
representa enquanto mecanismo social e familiar, além de escolar.
Ela também é considerada como o processo que transforma a
pessoa, tornando-a apta à vida em sociedade.
Indo adiante, o título III, do Direito à Educação e do Dever de
Educar, envolve temas como a garantia de vaga para cada criança
que complete quatro anos em escola pública. E a seguir são
apresentadas as subdivisões do ensino, as quais são: Educação
Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e a Educação de Jovens
e Adultos fora da idade normal e ainda: transporte, material didático,
merenda escolar, assistência à saúde, ensino noturno, assistência
especializada para deficientes, atendimento educacional para aluno
internado, etc (Art. 4º). Dava-se uma ideia de um processo com o
qual agora já nos encontramos mais acostumados e que, além de
seccionar o ensino de acordo com uma lógica diferente do que havia
até então, apresenta medidas necessárias que precisariam ser
adotadas nas escolas. Estas medidas deveriam ser consoantes à
administração pelos órgãos governamentais, os quais constavam do
título IV, que trata da organização da Educação Nacional.
Tal organização se divide entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios. São colocadas as funções de cada uma
delas, da seguinte maneira: a) é função da União, coordenar a
Política Nacional da Educação, devendo para tanto: elaborar o
PNEd – Plano Nacional de Educação, manter as instituições
federais de ensino, prestar assistência às demais esferas, assegurar
processo nacional de avaliação do rendimento escolar e das
instituições de ensino superior, entre outras providências; b) os
Estados têm que organizar seus sistemas de ensino, distribuir
responsabilidades com os Municípios e atuar em consonância com
o plano nacional; e c) cabe aos Municípios atuar em consonância
com as outras duas esferas, distribuindo verba a fim de assegurar o
ensino gratuito e baixando normas para seus sistemas de ensino.
Dentro deste processo organizativo, a escola tem suas
incumbências, as quais são tratadas pelo artigo 12. São
incumbências da escola: elaboração de proposta pedagógica,
administração de pessoal e recursos, cumprimento do plano de
trabalho dos docentes, articulação com famílias e comunidade e
cultura de paz (c/ conscientização contra violência e bullying). Cabe
aos docentes, participar de tudo isto (Art. 13º). Portanto, há uma
complexidade organizacional política e, ao mesmo tempo, funcional
prática envolvendo os conteúdos da LDB. Ademais, em várias
instâncias desta Lei, é mencionada a gestão democrática do ensino
público. Como tem funcionado esta gestão é uma questão a ser
analisada, fugindo, no entanto, do escopo deste texto.
Apesar de que ela pode ser também um aspecto da atuação do
Psicólogo Educacional na vida de uma escola e/ou da comunidade
educativa do Brasil como um todo – neste último caso, em fóruns de
debates, na pesquisa acadêmica, etc. Esta maneira de atuar irá ser
direcionada aos níveis e modalidades de Educação, os quais
aparecem no título V com mais detalhes. Eles estão divididos em: I -
educação básica, formada pela Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio e II - Educação Superior (Art. 21º). No
que se refere à educação básica em geral, a forma de organização
pode ser variável (se em séries anuais, ciclos semestrais, etc),
sendo que a LDB prevê que o calendário escolar deverá adequar-se
às peculiaridades locais (inclusive climáticas e econômicas),
podendo-se organizar classes com alunos de séries distintas para o
ensino de línguas/artes, além de outras questões.
No que tange à atuação em Psicologia Educacional, são
importantes os seguintes artigos de Lei (e parágrafos):

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino


fundamental e do ensino médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e dos educandos.
§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do povo brasileiro, especialmente
das matrizes indígena, africana e européia.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino


fundamental e de ensino médio, públicos e privados,
torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena. (...).

Art. 28. Na oferta de educação básica para a


população rural, os sistemas de ensino promoverão
as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região,
especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias


apropriadas às reais necessidades e interesses dos
alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo
adequação do calendário escolar às fases do ciclo
agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Ademais, a seção III deste mesmo título, propõe-se a assegurar


“às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem” (isto aparece também na
seção IV, art. 35-A, § 3º, com relação ao ensino médio). Ainda o
título VIII, das Disposições Gerais, volta a tratar da questão
Indígena, sendo que o art. 78 dispõe os seguintes dois objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e


povos, a recuperação de suas memórias históricas;
a reafirmação de suas identidades étnicas; a
valorização de suas línguas e ciências;
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o
acesso às informações, conhecimentos técnicos e
científicos da sociedade nacional e demais
sociedades indígenas e não-índias.

Também é mencionada a inclusão no currículo de conteúdos


sobre os direitos das crianças e adolescentes e o estudo sobre os
símbolos nacionais (como tema transversal). Tais temáticas são
necessárias para que haja o respeito às diferenças e a Educação
Inclusiva. Neste sentido, cabe notar que a LDB também contempla à
questão do ensino religioso, que é assim referenciado:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é


parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.

Como fazer para que haja adequação do calendário escolar às


fases do ciclo agrícola e às condições climáticas nas zonas rurais,
adequação dos conteúdos curriculares e metodologias apropriadas
às reais necessidades e interesses destes alunos, recuperação das
memórias históricas Indígenas e a reafirmação de suas identidades
étnicas? Como manter o compromisso da escola para com a
diversidade religiosa em um país tão plural em etnias e culturas
como o Brasil? Questões como estas nos aproximam de interfaces
que se formam obrigatoriamente entre Educação, Sociologia e
Antropologia. A Psicologia Educacional tem importante função
mediadora e catalizadora dos debates construtivos que devem
haver.
Na sequência, é desenvolvida uma reflexão que envolve estas e
outras temáticas que são levantadas pela própria LDB, embora
representem preocupações que existem nas agendas de pesquisa e
de análises crítico-reflexivas daqueles que vêm dedicando-se ao
pensar acadêmico acerca da Psicologia Escolar e da Educação.
Outros conteúdos da LDB não são aqui analisados, embora não
sejam menos importantes. Na verdade eles mereceriam um trabalho
muito mais meticuloso de exame, descrição e articulação de ideias e
fazeres da parte de qualquer pessoa que deseje raciocinar sobre as
funções desta Lei no Brasil.

2.b) Reflexões de profissionais da área


Há alguns apanhados teóricos de profissionais da área da
Psicologia Escolar e Educacional que tratam das implicações da
LDB sobre o campo de ação que lhes é específico. Em torno do livro
de Raquel Guzzo (1999), intitulado “Psicologia Escolar: LDB e
Educação Hoje”, Silva (1999), comenta que a obra mostra
“conseqüências, necessidades e perspectivas (para a Psicologia
Educacional) diante da nova conjuntura com a implantação” da LDB
9394/1996. Esta autora ressalta a necessidade da ressignificação
da atuação do Psicólogo Educacional (que perdeu espaço para o
Psicopedagogo), conforme disposto por Almeida, no quarto capítulo
do livro. Almeida menciona a falta de “clareza e lucidez suficientes
sobre os determinantes filosófico ideológicos de determinadas
teorias psicológicas”, o que ela considera que se deve “às
dissociações freqüentes entre teoria e prática”.
Tal dissociação resulta no não alcance das finalidades e
objetivos “da ação e intervenção do psicólogo na escola”. Sendo
assim, no sexto capítulo, Witter

“Aponta na LDB possibilidades implícitas de atuação


do psicólogo escolar e, enfatiza a necessidade deste
psicólogo escolar além de suas funções,
atualizações e cursos de pós-graduação, estar
sempre engajado com pesquisa, a qual deve ter
destaque em sua formação para ser um bom
profissional pesquisador”.

Esta questão da melhoria da qualidade na formação do


Psicólogo Escolar e Educacional é também enfatizada por Zilda Del
Prette (1999). Dada a importância do artigo desta autora para a
temática aqui tratada, segue uma boa parte de reflexão obtida a
partir das conclusões dela. Dentre estas conclusões, a autora fala
sobre a dicotomia entre “os docentes pesquisadores das
universidades” e os “profissionais liberais, graduados em
Psicologia”. Estes últimos geralmente não produzem conhecimento
sobre suas intervenções, nem divulgam suas experiências, estando
geralmente alocados em escolas particulares.
A autora ressalta a necessidade de haver a superação desta
dicotomia e maior articulação com profissionais de outras instâncias
institucionais. Ela também menciona que as restrições impostas
pela LDB à profissionalização do Psicólogo na área educacional
agrava esta questão. E de fato o que inevitavelmente resulta deste
tipo de distanciamento é o despreparo crítico do profissional que
atua nas escolas e eventualmente a descontextualização da mente
que apenas educa nas universidades sem o contato com o meio
escolar. Logo, faz-se necessário haver maior aproximação entre
estes dois aspectos, os quais foram intitulados Psicologia
Educacional (mais acadêmica) e Psicologia Escolar (às vezes quase
clínica e preventiva).
Por este motivo, hoje prefere-se tratar de uma Psicologia Escolar
e Educacional, a qual é mais abrangente do que as duas alas
dicotomizadas, dando conta do processo ensino-aprendizagem,
conforme estudado pelas principais correntes teóricas da Psicologia
relacionadas ao processo educativo. Del Prette (1999) também
sugere que para a concretização dos objetivos da LDB é preciso:
cuidadoso exame das relações entre os objetivos proclamados e as
condições que permitem que eles sejam tornados reais; e do
“currículo oculto” imposto pelos produtos e subprodutos das
condições efetivamente dispostas no contexto educacional. Neste
caso, o conhecimento psicológico sobre “programação e avaliação
do ensino constitui uma importante ferramenta de análise e
intervenção sobre o processo e os produtos educacionais
associados às condições pedagógicas da escola” (p. 15).
Com relação à flexibilização do currículo, a partir de uma base
nacional unificada que deve ser complementada por uma
diversificada, isto remete Del Prette a um raciocínio em torno de
como um psicólogo que se especializa na área educacional poderia
funcionar como um mediador e catalizador. Ela comenta que “a
construção de um projeto pedagógico não se constitui tarefa
simples” e exemplifica com a noção de cidadania. A cidadania pode
ser entendida como objetivo da educação escolar, estando
intrínseco a ela a aquisição de atitudes, habilidades e valores
associados aos direitos e deveres de todo ser humano, bem como
ao respeito para com as diferenças e a consciência crítica sócio-
histórica.
É também questão de cidadania obter instrução para a vida no
ambiente familiar e em outros espaços, o que aparece na LDB; e
Del Prette diz corroborar com uma perspectiva ecológica (de
Bronfenbrenner) e sócio-cultural (em Vygotsky) da construção da
subjetividade. Segundo a autora, esta busca de relações mais
produtivas entre a escola e demais instâncias educativas da
sociedade são demandas potenciais perante as quais o Psicólogo
Educacional poderia atuar. Além do que, serviços psicoeducacionais
também têm relação com demandas de projetos adequados à faixa
de idade dos 0 aos 6 anos, para a qual a lei reconhece a
necessidade de ensino em creches e pré-escolas.
A Psicologia teria igualmente “muito a contribuir em termos de
instrumentos e procedimentos válidos e confiáveis de avaliação e de
interpretação”, o que poderia até ampliar a abrangência da
avaliação meramente quantitativa colocada pela LDB. Uma
avaliação psicoeducacional deveria incluir “além dos objetivos
acadêmicos tradicionais, indicadores do desenvolvimento de
atitudes, valores e habilidades que compõem a filosofia e os
objetivos da educação básica (Del Prette, 1999, pp. 18-19)”. Afinal,
se o que se pretende oferecer aos alunos são lições de cidadania e
de transformação da consciência para a vida em sociedade e o
mundo do trabalho, é preciso transmitir-lhes mais do que os
conteúdos das matérias.
Para que isto possa se tornar viável, o artigo 25 fala de “alcançar
relação adequada entre o número de alunos e professores” e o
artigo 34 em ampliação do período letivo diário. Del Prette (1999, p.
20) comenta que mudanças assim abrem espaço para

“propostas de inovações metodológicas e de


atividades diversificadas para uma atenção mais
específica às dificuldades de aprendizado dos
alunos. (...). A atuação do Psicólogo, em parceria
com outros profissionais do ensino, poderia fazer as
traduções necessárias das teorias psicológicas em
métodos pedagógicos”.

A autora, neste seu importante capítulo do livro de Guzzo,


lembra que dentre o que a LDB contempla, estão oportunidades
adicionais de atuação para Psicólogos Educacionais: a educação à
distância (Artigo 80), a Educação Especial como modalidade da
Educação Escolar (capítulo V) e a educação continuada (capítulo VI,
no que tange à formação de professores).
Adicionalmente, ela sugere que o Psicólogo esteja atento às
possíveis distorções conjunturais da nova LDB, compondo os fóruns
em defesa das diretrizes legítimas. Aliás, esta é uma questão
pertinente a todo profissional da área educativa. Se deixarmos de
focalizar nossas atenções em como as políticas públicas estão
sendo estabelecidas, elas apenas virão até nós já prontas. Daí não
haverá mais o que fazer, exceto executá-las com o que elas contém,
mesmo que não acreditemos no que elas significam para a nossa
prática docente. Neste sentido, resta lembrar o que Wuo (2000, p.
79) aborda ao tratar da LDB e a Psicologia Escolar. Ele chama a
atenção para o que ainda Del Prette (1999) escreve sobre a "visão
equivocada e restritiva da Psicologia na área educacional”. Essa
restrição é evidenciada na referida Lei, porque nela não é prevista a
inclusão do Psicólogo no quadro funcional da escola.
Como fica então este Psicólogo? Ele deixa de existir por isto?
Obviamente que não, porém há uma necessidade clara de haver
organização entre os que atuam na área e ação. Vera Lúcia Gomes
(1999 apud Wuo 2000, p. 80), no mesmo livro de Guzzo, baseada
em sua tese de Doutoramento, apresenta

“queixas sobre a atuação do Psicólogo na escola.


Essas queixas podem ser enquadradas em dois
grupos: a) as condições funcionais do Psicólogo; e
b) incapacidade do Psicólogo de atender as
necessidades da escola e dos alunos. Decorre,
portando, do segundo grupo de queixas, as
questões sobre a formação do Psicólogo Escolar,
sobre as definições e comprometimentos de sua
atuação”.
Volta à tona mais uma vez a questão da formação deste tão
importante profissional. Dentro disto, Almeida (1999 apud Wuo
2000, p. 80) adverte que “contradições, desajustes entre referencial
teórico e falta de associação entre a teoria e prática denunciam
atividades de profissionais descontextualizados e acríticos” em
Psicologia Escolar. A descontextualização de profissionais em
qualquer área de atuação é muito grave, o que aliada à dissociação
entre teoria e prática compromete a qualidade de ensino. De forma
semelhante ao que acontece na Psicologia, em Ciências e Biologia,
torna-se improvável que o professor desatualizado e
descontextualizado consiga inserir o aluno na esfera compreensiva
da dinâmica científica. Visando pensar um pouco mais sobre esta
questão, seguem mais elementos sobre a atuação na Psicologia
Educacional.

2.c) Alguns pontos fundamentais


Del Prette (1999, p. 28-29) finaliza seu artigo propondo outras
opções de atuação do Psicólogo Educacional em ambiente escolar
ou não, compondo um quadro para alternativas na escola. Dentro
deste quadro, ela menciona assessorias: ao projeto pedagógico e à
elaboração de instrumentos de avaliação, de programas especiais
de ensino e de atividades complementares, de alternativas de
reestruturação das relações funcionais entre segmentos da escola,
de intervenção nas interações de sala de aula, de dinamização dos
espaços e eventos da escola, de programas especiais para pais e
participação na orientação, para treinamento e desenvolvimento
técnico-profissional e formação da identidade positiva de
professores.
Adicionalmente, o Conselho Federal de Psicologia apresenta
uma lista de funções do Psicólogo Escolar. Esta lista contém os
seguintes itens, os quais apresento aqui resumidamente:
1) Aplicar conhecimentos psicológicos na escola,
concernentes ao processo ensino-aprendizagem, em
análises e intervenções psicopedagógicas;
2) Analisar as relações entre os diversos segmentos do
sistema de ensino e sua repercussão no processo de ensino
para auxiliar na elaboração de procedimentos educacionais
capazes de atender às necessidades individuais;
3) Prestar serviços diretos e indiretos aos agentes
educacionais, como profissional autônomo, orientando
programas de apoio administrativo e educacional;
4) Desenvolver estudos e analisar as relações homem-
ambiente físico, material, cultural e social quanto ao
processo ensino-aprendizagem e produtividade educacional;
5) Desenvolver programas visando a qualidade de vida
e cuidados indispensáveis às atividades acadêmicas;
6) Implementar programas para desenvolver as
habilidades básicas para aquisição de conhecimento e o
desenvolvimento humano;
7) Validar e utilizar instrumentos e testes psicológicos
como subsídios ao plano escolar, à equipe escolar e à
avaliação da eficiência dos programas educacionais;
8) Pesquisar dados sobre a realidade de escolas em
seus multiplos aspectos, visando desenvolver o
conhecimento científico.

Analisando este material escrito, tem-se uma visão abrangente


do que cabe ao Psicólogo Escolar e Educacional realizar. Andaló
(1984) sugere que o Psicólogo Escolar atue “como agente de
mudanças dentro da instituição-escola, onde funcionaria como um
elemento catalizador de reflexões, um conscientizador dos papéis
representados pelos vários grupos que compõem a instituição”.
Vendo a questão desde este ângulo, qualquer outro profissional da
Educação irá em algum momento de sua trajetória precisar interagir
com aspectos deste campo de exercício teórico e prático. Seja nas
escolas ou nas universidades, sempre haverá a necessidade do
pensamento psicológico, o mesmo que foi desenvolvido através da
interseção que se forma entre as correntes teóricas da Psicologia
que têm relação com o processo educativo. Portanto, conclui-se ser
preciso conhecer melhor este profissional, de modo que se possa
atuar em uníssono de interesses e competências com ele.
3) A Psicologia e questões educacionais da
atualidade
Debate-se se de fato problemas educacionais contemporâneos,
como a violência nas escolas, as dificuldades de aprendizagem e a
evasão escolar, são causados por distúrbios dos alunos. Nakamura
et al. (2008), analisando a queixa escolar, comentam que a forma
mais comum de avaliação de um suposto insucesso de alunos
costuma ser inadequadamente psicologizante e patologizante.
Citando Azevedo (2000), os autores consideram que “o psicólogo
escolar busca uma atuação clínica na escola, decorrência das
expectativas da própria escola por este tipo de atendimento
individualizado, que solucione o maior número de problema dos
alunos num curto espaço de tempo, por meio da aplicação de testes
psicológicos”.
Porém, nem sempre se conseguem soluções através de um
tratamento para questões deste tipo, colocando a culpa em apenas
um dos seguintes segmentos: o aluno, a escola, a família ou a
sociedade. Freire e Aires (2012), abordando a questão do bullying,
afirmam ser necessário “compreendê-lo como resultante de
problemas que estão inseridos em todos esses ambientes e nas
relações que ocorrem entre eles, tendo, portanto, uma visão
ecológica do fenômeno”. Além do que, conforme Moro (1995, p.
141) questiona: “que fazemos nós os que, em princípio, trabalhamos
a nível acadêmico com a produção de conhecimento e, ao mesmo
tempo, com a formação do profissional da educação?”
A autora apresenta informações que sugerem que dados
estatísticos distorcem a realidade e que na verdade, ao contrário do
que se costuma acreditar, as crianças querem estudar sim. Falta
investir mais na motivação de professores para que haja aumento
de suas competências e em programas de avaliação de resultados
educativos e de eficiência das escolas. Para tanto, são necessárias
politicas públicas eficientes, mas também que haja a associação
positiva e convergente entre a prática pedagógica e a produção
científica na área da Educação, o que inclui a Psicologia
Educacional. A própria Maria Lúcia Moro (1995, p. 142)
acertadamente coloca que julgamos que o conhecimento que
produzimos é útil para solucionar problemas educacionais e que
alguém deve estar usando dele.
Então, vem à tona a questão da limitação da nossa própria
competência em tornar interessantes e acessíveis à prática do
professor tal produção e em exercer alguma influência em decisões
técnico-pedagógicas. Esta questão e outras vêm sendo empregadas
para explicar problemas educacionais; e serão aqui melhor
analisadas em interseção com: 1) dificuldade de aprendizagem,
repetência e evasão escolar; 2) bullying (ou a violência nas escolas
entre alunos); e 3) Educação Inclusiva. No entanto, preferimos
adotar sempre uma perspectiva ecológico mais holística de tudo
isto.

3.a) Dificuldade de aprendizagem, repetência e evasão escolar


Moro (1995, p. 139-140) propõe que: a) a Psicologia da
Educação já tem um acervo de conhecimentos acerca do processo
ensino-aprendizagem que pode ser bem aplicado na solução de
problemas educacionais; e b) o fracasso escolar não é do aluno,
mas da escola. Ela afirma que as crianças têm competência para a
aprendizagem, porém a escola não promove aprendizagem
significativa que aproveite tal competência. Evasão e repetência
seriam, portanto, indicadoras de queda de produtividade e perda de
qualidade do sistema educacional. O aproveitamento do acervo de
conhecimento acumulado pela Psicologia na prática do ensino e da
aprendizagem poderia suprir os alunos de um melhor e mais
estimulante processo educativo.
Podemos rever muitos tópicos tratados pelas principais correntes
teóricas da Psicologia (ver no início deste capítulo), de modo a
encontrar muitas formas de enfrentamento das supostas
dificuldades que os professores encaram nas escolas. Ademais,
existem na Psicologia Escolar e Educacional muitos instrumentos
para fazer frente a outros dos entraves também mencionados por
Moro (1995, p. 140) em sua análise. A autora cita: a) instabilidade
político-institucional em contraposição à necessidade de
planejamento de longo-prazo típico da Educação; b) ambiguidade
política para com as dimensões quantidade e qualidade na gestão
da Educação; c) ausência de mecanismos de avaliação da
qualidade do sistema de ensino; e d) escassez de processos
informativos da sociedade civil, a qual se estivesse bem informada
poderia pressionar mais os governos.
Algumas soluções para ao menos uma parte de tais questões
são propostas pela LDB, cuja aplicação prática depende, em muitas
instâncias do conhecimento acumulado pela Psicologia Educacional
(ver subdivisão anterior deste mesmo capítulo). Neste sentido, é
importante que haja reflexão constante por parte do profissional da
área. Pois, como sugerido por Nakamura et al. (2008, p. 428), “ainda
há uma grande defasagem na formação do psicólogo brasileiro,
sendo necessária maior ênfase nas questões sociais e
educacionais”. Faz-se necessário haver por parte mesmo dos
jovens profissionais que estão se preparando como estagiários e/ou
estudantes a compreensão de que queixas escolares devem ser
compreendidas como problema social e historicamente produzido, e
não somente como um processo isolado e individual, que careça de
tratamento emocional.
Não adianta apenas rotular os alunos de doentes, preguiçosos
ou desmotivados e, a partir de então, começar “a busca por
tratamento, sem considerações a respeito das relações existentes
no ambiente escolar (Nakamura et al. 2008, p. 424)”. Tem que haver
maior integração e reflexão entre pais, escola e alunos para
compreender o processo da produção do fracasso escolar, além de
se procurar entender quais as condições da situação e do local da
queixa. Afinal, o desenvolvimento humano é, conforme definido por
Bronfenbrenner (1989, p.191 apud Alves 1997), "o conjunto de
processos através dos quais as particularidades da pessoa e do
ambiente interagem para produzir constância e mudança nas
características da pessoa no curso de sua vida". Sendo necessário
enfrentar a propensão à desistência dos alunos, que causa
dificuldade de aprendizagem, repetência e evasão, a partir de uma
visão mais ecológica dos mesmos.
Alves (1997) comenta a Ecologia do Desenvolvimento Humano
de Bronfenbrenner, explicando alguns dos seus elementos. Dentre
tais explicações, ela cita alguns dos conceitos mais importantes
desta corrente teórica. São eles: a) microssistema – o ambiente
onde a pessoa em desenvolvimento focalizada estabelece relações
face-a-face estáveis e significativas, com reciprocidade, equilíbrio de
poder e afeto (como o ambiente familiar); b) mesossistema - um
conjunto de microssistemas (ex.: a família - nuclear e extensa -, a
escolinha, a vizinhança, etc); c) exossistema - ambientes onde a
pessoa em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas
relações que neles existem afetam seu desenvolvimento (como a
diretoria da escola, que toma decisões que irão afetar o aluno
diretamente); e d) macrossistema - abrange os sistemas de valores
e crenças que permeiam a existência das diversas culturas, e que
são vivenciados e assimilados no decorrer do processo de
desenvolvimento (como o âmbito planetário globalizante).
Uma abordagem ecológica dos alunos precisa conter dados
relativos ao maior número de sistemas dos quais a pessoa
focalizada participa. Portanto, trata-se de uma abordagem que
privilegia estudos longitudinais, contextualizados e abrangentes,
embora seja possível focalizar mais fortemente em torno de um ou
outro de tais sistemas, desde que não se ignorem aspectos relativos
aos demais sistemas. Quanto mais abrangente for este tipo de
análise, maiores as chances de se estabelecerem intervenções bem
sucedidas. Afinal, de nada adianta fragmentar à pessoa do aluno e
aos problemas da escola, tendo eles bases holísticas, as quais
envolvem até mesmo o psiquismo dos professores (ver informações
sobre a Psicanálise no início deste capítulo).

3.b) Bullying (ou a violência nas escolas entre alunos)


A violência é uma parte importante da situação de interação
deficiente que existe entre diferentes segmentos da sociedade.
Quando ela adentra às escolas e se propaga entre alunos, é
rotulada bullying, assim com também em outros ambientes. Freire e
Aires (2012, p. 56), descrevem bullying como “um fenômeno que se
refere a ações agressivas e gratuitas contra uma mesma vítima, que
ocorrem num período prolongado de tempo e são marcadas pelo
desequilíbrio de poder”. São citadas as sensações de abandono e
insegurança por parte das vítimas e de impunidade e poder por
parte dos agressores. Também descreve-se que ele pode ser: a)
direto – na forma de apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos,
ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal estar aos
alvos; b) indireto - envolve atitudes de indiferença, isolamento,
difamação e exclusão contra o agredido; e c) ciberbullying - por uso
de e-mails, mensagens de celulares, fotos digitais e sites pessoais
difamatórios.
Machado (2011) caracteriza o bullying como espelho do contexto
social e familiar, dos programas televisivos, videojogos, internet e da
incapacidade que as escolas têm em responder à indisciplina, bem
como de deficiências legislativas e de comportamentos de
agressividade presentes no seu contexto. Ela também descreve
algumas consequências deste tipo de violência na escola, a qual
afeta os seguintes três níveis do universo estudantil:

1) Vítimas, as quais podem desenvolver dificuldades na


interação social, baixa autoestima, insegurança, frustração,
sentimentos depressivos, diminuição do rendimento escolar
e até tentativas de suicídio;
2) Agressores, que, por terem necessidade de ser o
centro das atenções e sentir prazer em ameaçar e humilhar,
partem para um incorreto desenvolvimento moral, com
possibilidade de envolvimento a longo prazo em situações
de delinquência maiores, podendo chegar ao
aprisionamento; e
3) Outros, os observadores, alunos que preferem não se
envolver com medo de represálias, mas que têm
sentimentos negativos quanto aos fatos que observam.

Alguns fatores considerados culpados por Machado (2011) são:


a) contexto escolar distanciado do contexto socio-cultural; b) a
escola parecer destinada a transmissão de conhecimentos teóricos
através da repetição e memorização; e c) o ambiente escolar não
promover autonomia, reflexão, espírito crítico, trabalho cooperativo e
criatividade. Aqui embora concorde com os autores, vejo que a má
índole de alguns alunos também merece ser pensada como uma
das causas principais de sua agressividade na escola. Inclusive
alguns alunos deste tipo geralmente nem se interessam por
reflexão, espírito crítico e trabalho cooperativo, mesmo quando tais
elementos são lhes ofertados por um ou outro professor. No entanto,
é de fato necessário saber lidar também com a má índole, a qual
sim precisa ser tratada com base em parâmetros obtidos da
experiência clínica da Psicologia, mas não só isto.
Faz-se necessário haver buscas teóricas e metodológicas em
torno da questão sistêmica ou ecológica dos alunos. Como fazer isto
ainda está em aberto para que o esforço acadêmico venha a
decifrar o que é preciso e o que é preciso ser decifrado se encontra
na interação entre teoria e prática e, portanto, na não dicotomização
da atuação do psicólogo e demais profissionais da área
educacional. Machado (2011) continua sua análise, mencionando a
acusação de

Souza (2006) contra a escola, por não promover as


relações pessoais e afetivas dos alunos, estando
centrada no rendimento escolar dos mesmos. Por
sua vez, Santos (2004) salienta que a escola recorre
a metodologias pedagógicas que não promovem a
transformação do papel do aluno. Além do que, a
agressividade é às vezes promovida pelos próprios
professores e funcionários contra os alunos.

Formas de enfrentamento do bullying mencionadas por Freire e


Aires (2012) têm sido: projetos de leis, disque denúncias, e a
entrada da polícia na escola como uma forma de intimidação. Mas,
para a autora, é preciso ao invés disto envolver “medidas
psicopedagógicas e preventivas que levem em consideração
aspectos sociais, psicológicos e econômicos”. Ademais, a autora
propõe uma abordagem ecológica dos indivíduos envolvidos,
conforme colocada por Bronfenbrenner (1996).

“O indivíduo tem papel ativo e interativo nas


mudanças que ocorrem no contexto em que está
inserido. A interação entre a pessoa e os ambientes
é, então, bidirecional, ou seja, da mesma forma que
as estruturas ambientais influenciam no
desenvolvimento e comportamento do indivíduo,
este também pode provocar alterações no seu
contexto”.

Sendo assim, não se deve enfrentar os problemas com receitas


prontas e fechadas, já que o bullying irá “se apresentar de formas
diferentes em cada contexto” (Machado 2011, p. 57).

“A atuação do psicólogo escolar/educacional exige a


capacidade de analisar e apreender as múltiplas
relações que caracterizam a instituição escolar e os
agentes nela envolvidos, além de identificar as
necessidades e possibilidades de aperfeiçoamento
dessas relações”. (...). “Será no campo das relações
estabelecidas dentro da instituição e desta com o
ambiente no qual está inserido que o profissional de
Psicologia terá condições de desenvolver novas
alternativas para o seu trabalho” (Machado 2011, p.
58).

Machado (2011) também sugere: observação direta e


sistemática das situações e comportamentos agressivos dos
indivíduos no meio, questionários, entrevistas e atividades
individuais – a fim de avaliar a escola e os alunos para obter
informação concreta sobre a real extensão do problema, além de
uma lista de outras estratégias de intervenção do psicólogo escolar
e educacional. Esta lista inclui:

1) Estimular o controle e inibição das pulsões e, ao


mesmo tempo, conhecer mecanismos fisiológicos e
possibilidades de catarse, então usar da cooperação,
conhecimento de etnias e estabelecimento de amizades
para controlar as pulsões;
2) Mudar práticas de ensino voltadas apenas ao
sucesso educativo, considerando as relações interpessoais
e o contexto mais relacionado às características dos alunos;
3) Desenvolver práticas que fomentem igualdade,
justiça, reciprocidade, solidariedade e outros sentimentos
positivos;
4) Mudar a organização estrutural e curricular do
contexto escolar;
5) Alterar os materiais pedagógicos e criar espaços de
debate e discussão;
6) Oferecer apoio psicossocial aos agressores e às
vítimas;
7) Intervir, integrando professores, alunos e funcionários
e no nível familiar;
8) Criar clubes de alunos, os quais criariam ações de
sensibilização, diretrizes e sanções, atividades lúdicas,
jornal escolar e panfletos; e
9) Ter o Psicólogo Escolar atuando na formação de
professores e funcionários e sendo um espaço aberto para
os alunos.

Portanto, percebe-se ser a questão bem complexa e cheia de


detalhes que precisam ser trabalhados se o que se quer é sua
minimização ou ainda melhor sua eliminação do ambiente escolar. O
fato é que com tantas cenas de violência sendo cotidianamente
oferecidas às crianças e adolescentes, inclusive nos seus lares, fica
difícil controlar o que elas cultivam em suas vidas afetivas. Mas,
Bronfenbrenner oferece uma Ecologia do Desenvolvimento Humano
que poderia ser tida como a base das relações do ser humano com
sua própria espécie dentro de qualquer instituição social e dele para
tudo mais que compõe sua experiência sócio-histórica e educativa.
Resta aprendermos a aplicar todo o conhecimento acumulado, de
modo a que possa haver a efetiva transformação das condições dos
alunos nas escolas.

3.c) Educação inclusiva


Para Dazzani (2010, p. 365), escola inclusiva é aquela que
recebe e educa todo tipo de criança, incluindo as que possuam
desvantagens severas. O termo também envolve a diversidade
étnica, social e religiosa, enquanto exclusão “não se resume ao fato
de que a criança está fora do espaço físico da escola, mas fora do
espaço simbólico da cultura e da economia (p. 365)”. Ou seja, pode-
se excluir alunos moralmente, através das atitudes para com eles,
por pertencerem a famílias que cultuam atitudes e escolhas e
ambientes culturais diferentes dos que a maioria prefere escolher
(inclusive os professores). Uma tentativa de lidar com isto pode ser
localizada na própria LDB, que sugere que a educação seja
inclusiva, mostrando preocupações para com o aluno do campo, o
aluno Indígena e as diferentes religiões de cada um.
Mas, além disto, Dazzani (2010, p. 365) também comenta a falsa
promessa da inclusão, que surgiu no processo de massificação da
educação pública dos anos 1970. Sugeria-se que a escola seria
aberta e daria as mesmas oportunidades para todos

“E o sucesso ou o fracasso seria


decorrência das aptidões e da inteligência
de cada um. Essa falsa promessa de
inclusão coloca sob suspeita o indivíduo-
aluno e retira do Estado e da escola a
responsabilidade de promover a inclusão,
outorgando ao aluno a tarefa de incluir-se na
massa homogênea que tem competência,
aptidão e inteligência para aprender”.

Em torno deste tipo de situação excludente, Moro (1995) critica o


Decreto no. 2325/1993 – PR. A autora demonstra que este
instrumento de política pública mascara problemas mais sérios da
qualidade do ensino básico. Ao mascarar, desvia então a atenção
do que de fato seria mais importante trabalhar. O Decreto torna os
quatro anos das séries iniciais do Ensino Fundamental um Ciclo
Básico, dentro do qual não há repetência e existe contraturno com
professores especiais para dar reforço aos alunos com dificuldades.
A crítica que a autora desenvolve está exatamente em torno da
intenção óbvia do governo de mascarar suas dificuldades de lidar
com a educação, distorcendo a percepção dela por manipulação de
indicadores - a evasão escolar e a repetência nas séries iniciais.
Além do que, o sistema de contraturno e reforço também
pressupõe que todo aluno tem que acompanhar o padrão da
maioria, mesmo que para tanto tenha que receber o reforço.
Ademais, a autora também questiona com inteligência se
“permanecer e avançar na escola básica que, em geral, aí está,
quer dizer aprender mais e melhor? Significará que a questão da
qualidade do ensino esteja sendo atendida? (p. 145)”. De fato, não
basta investir em uma parte da questão, evitando segmentos do
processo educacional que eventualmente possam ser mais
complicados de lidar.
O que fazer então? Moro (1995, p. 148) ainda pergunta: “e sobre
as contribuições da psicologia para ajudar a dar outro rumo a este
estado de coisas?” Ela volta a afirmar que “os conhecimentos estão
sempre presentes a nível de discurso, mas pouco ou nada é dele
efetivado na real prática educativa”. Mas, será importante que se
faça acontecer na sala de aula à aplicação das contribuições da
Psicologia? Isto significa melhorar a prática escolar lembrando que
esta prática “é, por excelência, campo de verificação de muitas das
hipóteses da psicologia (p. 149)”. Interagindo com tal campo de
verificação, Dazzani (2010, p. 367), lista o que estudiosos da
Psicologia Escolar e Educacional sugerem que se faça a fim de
tornar a escola inclusiva. Ela lista:

a) Crítica reflexiva da Psicologia Educacional que se baseia


demais na Psicologia Clínica;
b) Reflexão sobre os desafios da educação no Brasil
contemporâneo, também sociológicos, políticos, culturais e
propriamente pedagógicos (e eu acrescento ecológicos);
c) Investigação da queixa escolar e do fracasso escolar;
d) Um novo perfil do psicológo para a realidade educacional e
social Brasileira;
e) Reflexão sobre a formação teórico-epistemológica deste
psicólogo;
f) Novas formas de avaliação e de estratégias de intervenção
psicológica;
g) Consonâncias com a LDB e os PCNs – Parâmetros
Curriculares Nacionais; e
h) Necessidade da pesquisa e produção de conhecimento.
A autora ainda acrescenta mais algumas considerações sobre o
trabalho do psicólogo educacional, dizendo ser preciso lembrar que:
1) o estudante está sob influências sistêmicas; 2) “os problemas,
dificuldades e queixas devem ser considerados no interior de uma
ordem institucional e social onde a criança vive, e não um problema
exclusivo da própria criança (p. 373)”; 3) o estudante pode ter
interesses e espectativas que não se ajustam c/ as demandas da
escola; e 4) a meta do psicólogo deve ser explicitar, compreender e
enfrentar as relações entre os atores educacionais.
Portanto, mais uma vez chegamos ao processo descrito por
Bronfenbrenner sobre a Ecologia do Desenvolvimento Humano.
Ademais, contribuições de autores clássicos da Psicologia que têm
influências na compreensão educativa, como Piaget, Vygotsky,
Wallon e Ausubel (ver capítulo sobre o assunto neste livro),
precisam ser vivenciadas pelo pensamento prático do educador que
forma professores. Será assim que os professores poderão saber
lidar melhor com o processo de ensino-aprendizagem, contribuindo
com a escola inclusiva. No capítulo sobre o ensino de Ciências e
Biologia, há uma discussão adicional sobre Educação Inclusiva
dentro deste âmbito mais específico.
Conclusão
Tudo o que aqui se colocou ainda é pouco se o que se deseja é
analisar toda a contribuição da Psicologia ao processo educativo.
Voltadas mais propriamente às principais correntes teóricas da
Psicologia relacionadas ao processo educativo, pode-se encontrar
informações consistentes neste texto. Partimos do behaviorismo, o
qual ensina que o professor precisa tratar de cada aluno em
particular como um universo único. Este universo particular estará
apto a receber reforços e responderá a eles de alguma maneira que
é apenas sua. Isto porque, conforme comprova a gestalt, entre o
estímulo e a resposta há o processo da percepção, o qual é
específico a cada ser.
Tal mecanismo também é enfatizado pela Psicanálise, que trata
dos universos conscientes, inconscientes e preconscientes do aluno
como quem trata dos seus pacientes. Afinal, a relação professor-
aluno, em muitos momentos, lembra à relação do psicanalista com o
paciente (e vice-versa). Mas, tal relação precisa ser estabelecida
com vistas a que a aprendizagem significativa se manifeste entre os
alunos. Para que isto aconteça, é preciso entender como funcionam
as diferentes fases do desenvolvimento da pessoa humana.
Conforme descrito por Jean Piaget, elas designam o que a criança
ou adolescente pode receber e, portanto, como e o que o professor
deve ensinar.
Sendo assim, é necessário que se saiba organizar a matéria que
se lecionará, de modo a que o resultado planejado por quem ensina
seja a interação das partes do conhecimento no seu todo, gerando
sentidos e pontos de ancoragem para mais aprendizagem. Tanto os
sentidos quanto as ancoragens se formulam em um processo de
mão-dupla, de fora para dentro e de dentro para fora. Vygotsky
enfatizou a primeira via, mas Piaget mostrou que o ser humano
muda também desde a atividade interna dos sujeitos. Sendo assim,
é preciso aprender com a Psicologia a gerar a integração entre o
psiquismo e o mundo objetivo que está onde o aluno está e o
compõe. Estes dois lados de todos nós se transformam como parte
da vida em sociedade, que também nos transforma.
Sendo assim, os problemas nas escolas associados à
dificuldade de aprendizagem, violência entre alunos e inclusão
devem ser analisados a partir de um ângulo de visão mais
ecológico. Não adianta culpar apenas os alunos por situações como
repetência, evasão e outros eventos que desfavorecem à relação
dos professores com os educandos. Em geral existem muitos
elementos que influenciam o interesse ou desinteresse de uma
criança, adolescente ou jovem na sala de aula, assim como também
a maneira como um estudante se relacionará com outros nas
dependências das instituições de ensino. Ademais, os acadêmicos
da Psicologia Escolar e Educacional têm argumentado que não dá
para tratar de alunos com problemas escolares como se trata de um
paciente na Psicologia Clínica.
Está na própria produção acadêmica uma boa parte da solução
para as dificuldades de aprendizagem, a repetência, a evasão, o
bullying e a inclusão. A outra parte está na prática docente em si, ou
seja, nas instituições de ensino e dentro das salas de aula. Mas,
seria necessário também haver mais boa vontade e discernimento
por parte dos governantes e demais responsáveis pela criação de
políticas públicas que influenciam à área educacional. Psicólogos
educacionais precisam interagir com as múltiplas dimensões do seu
campo de atuação, as quais envolvem pais, estudantes, alunos,
escolas, governantes e suas políticas, entre outras instâncias. Para
tanto, é importante haver um melhor preparo dos estudantes que se
tornarão os psicólogos do futuro.
Questões muito sérias de violência nas escolas precisam ser
trabalhadas pontualmente e com cuidado, pois cada caso tem suas
características próprias. Não adianta atuar com violência contra o
bullying, envolvendo o policiamento das escolas. Isto pode servir
para acalmar situações emergenciais, mas não trará soluções para
o tratamento das raízes de tais problemas. Por isto sugerem-se
medidas psicopedagógicas que envolvam algumas das múltiplas
relações que caracterizam a instituição escolar e os agentes nela
envolvidos. É impossível trabalhar com sucesso à questão do
bullying considerando apenas o histórico isolado mais recente do
aluno agressor e/ou do aluno agredido.
Várias estratégias de avaliação e acompanhamento são
sugeridas. Assim como também mudanças nas práticas de ensino,
na organização do contexto escolar, na oferta de apoio psicossocial,
entre outras ações. Para que a educação seja inclusiva, ela precisa
realmente estar atenta às necessidades específicas de todos os
alunos. No entanto, a proporção professor-aluno está bem distante
do que seria necessário para que houvesse este tipo de
acompanhamento mais efetivo. Mas, mesmo não havendo como
realizar acompanhamento caso-a-caso na maioria das escolas
públicas, é possível sim haver adaptações curriculares e
pedagógicas a fim de trabalhar de maneira mais inclusiva à
diversidade étnica, social e religiosa.
Outras providências que podem ser tomadas pelos psicólogos
educacionais têm sido mencionadas, como: uma atuação crítica
reflexiva no âmbito desta especialidade profissional, a formação de
um novo perfil de psicólogo para atuar nesta frente de trabalho, mais
produção de pesquisa coerente com as necessidades práticas, entre
outras. Tudo isto conduz a um repensar da Educação no Brasil e,
portanto, da atuação do psicólogo escolar e educacional. Os
professores de Ciências e de Biologia precisam estar cientes de
como ele funciona para, partindo de suas próprias competências
específicas, desenvolverem relações construtivas com este
profissional parceiro.
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Concepções sóciofilosóficas de Educação
Introdução
Turchiello (2017) estimula à reflexão do significado da interface
entre Filosofia e Educação. Para tanto, ela relembra as origens das
duas palavras. Educare significa nutrir, amamentar, cuidar; e
educere é trazer para fora, modificar, tirar de. Ou seja, educar é
nutrir a saída de um estado para a entrada em outro. Por sua vez,
philos significa gostar, apreciar, amar algo; e sophia é sabedoria.
Desta forma, tem-se que filosofar é dar expressão ao prazer de
estabelecer sabedoria. A referida interface conduz o raciocínio à
apreciação de dar significado coerente e lógico para o processo
educativo, o qual pretende resultar no desenvolvimento integral do
ser humano. Neste sentido, Turchiello (2017, p. 14) cita o conceito
de Filosofia de Luckesi (1994), segundo o qual “a filosofia é
entendida como um corpo de conhecimento que se constitui pela
busca do ser humano em compreender e dar sentido ao seu mundo,
à realidade”.
A partir deste esclarecimento é que se pode agir no mundo.
Desta forma, cabe à Filosofia da Educação examinar a essência do
ser humano no momento em que ele desenvolve a ação
educacional. Para Saviani (2000, p. 23 apud Turchiello 2017), “a
filosofia da educação só será mesmo indispensável à formação do
educador, se ela for encarada, tal como estamos propondo, como
uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas
que a realidade educacional apresenta”. O que corrobora com a
análise realizada por Muhl e Mainardi (2017). Estes autores
apresentam argumentações na forma de um conflito que eles
percebem entre a Filosofia e a Pedagogia. Então, afirmam que

“o que se pode perceber é que historicamente a


filosofia apresentou poucas iniciativas voltadas para
uma relação de proximidade com as questões
teóricas e práticas da educação. As obras
filosóficas, de modo geral, falam sobre a educação,
mas não tratam da presença da filosofia na prática
cotidiana dos pedagogos (p. 11)”.
Eles então consideram que a Filosofia poderia ser importante
aliada dos pedagogos desde que suas contribuições viessem a
“transformar os problemas que os educadores enfrentam no
cotidiano escolar em questões ou problemas filosóficos (p. 16)”. Ela
precisaria exercer a função de intérprete e mediadora, procurando
entabular conversações entre os saberes do mundo cotidiano
educacional e os saberes provenientes de diferentes domínios da
ação humana. Sugere-se uma reaproximação mesmo entre
conhecimento e a condição humana, tendo como ponto de partida “a
vida concreta de educadores e educandos e a prática pedagógica
que estes desenvolvem cotidianamente (p. 17)”. Por sua vez, Muhl e
Mainardi (2017, p. 19) consideram que a Pedagogia, não pode
dispensar a Filosofia, como eles relatam estar acontecendo em
muitos currículos do ensino superior.

“O abandono da filosofia no campo da educação


representa, em última instância, o abandono da
pergunta sobre o sentido da existência humana e
sobre o destino que queremos dar ao mundo.
Significa abandonar questões que historicamente
preocuparam a humanidade e que a levarem a
construir todo o arcabouço de saberes que
definimos como tradição. Significa eliminar o diálogo
crítico com a ciência, com a política, com a ética e
com o próprio senso comum. Significa, por fim,
abandonar a pergunta sobre nossa origem e nossa
destinação”.

É a partir dos questionamentos e da crítica levantados pela


Filosofia que diferentes correntes sociofilosóficas que fundamentam
distintas tendências pedagógicas foram estabelecidas. Para definir
tendências pedagógicas, Queiroz e Moita (2007) fazem uso dos
dizeres de Luckesi (1990), considerando-as como: “as diversas
teorias filosóficas que pretenderam dar conta da compreensão e da
orientação da prática educacional em diversos momentos e
circunstâncias da história humana”. Estas teorias são usualmente
divididas em: liberais e progressivas. Mas, estes dois blocos ou
eixos têm também subdivisões ou vertentes.
Tais subdivisões são expostas a seguir, conduzindo o texto ao
que se pode concluir a respeito da fundamentação dada pela
Filosofia a concepções de educação. Porém, a elas se acrescenta
mais um eixo ou bloco, partindo dos estudos de Luckesi (1994) e
Saviani (1994), conforme apresentado por Turchiello (2017). Tem-
se, então: a) as pedagogias não-críticas da Educação enquanto
redenção da sociedade; b) as teorias crítico-reprodutivistas da
Educação enquanto reprodução da sociedade; e c) as pedagogias
críticas da Educação como meio de transformação da sociedade.
Tais subdivisões, segundo seus significados e graus de propagação
no meio educativo, dão uma ideia do estado em que a consciência
de si mesmo do ser humano está na atualidade. Sobre elas, Luckesi
(1994, p. 51) sumariza:

“A tendência redentora propõe uma ação


pedagógica otimista, do ponto de vista político,
acreditando que a educação tem poderes quase que
absolutos sobre a sociedade. A tendência
reprodutivista é crítica em relação à compreensão
da educação na sociedade, porém pessimista, não
vendo qualquer saída para ela, a não ser submeter-
se aos seus condicionantes. Por último, a tendência
transformadora, que é crítica, recusa-se tanto ao
otimismo ilusório, quanto ao pessimismo
imobilizador. (...). A nós, tendo compreendido essas
tendências, cabe, filosoficamente (criticamente),
descobrir qual a tendência que orientará o nosso
trabalho. O que não podemos é ficar sem nenhuma
delas, pois, como dissemos, quando não pensamos,
somos pensados e dirigidos por outros”.
1) As Pedagogias Não-Críticas da Educação
Fundamentam-se em uma compreensão da sociedade como um
todo orgânico e harmonioso, dentro do qual os indivíduos que
destoam são marginalizados. Para estas tendências pedagógicas,
cabe a Educação contribuir com a ordem e o equilíbrio e promover a
coesão social. Ela é considerada algo externo à sociedade, sendo
esta, portanto, conforme mencionado por Turchiello (2017), uma
forma ingênua de perceber a Educação. Tais pedagogias também
entendem que as mentes das novas gerações devem ser formadas,
a fim de dar continuidade à organização social, salvando-a. Por este
motivo, elas são classificadas como redentoras da sociedade.
Ademais, as pedagogias não-críticas difundem a idéia de igualdade
de oportunidades, mas não levam em conta a desigualdade de
condições.
Afinal, as mesmas estão vinculadas ao sistema capitalista
enquanto teoria política e econômica, o qual tem como suas
principais premissas: o Estado mínimo, a Lei da Oferta e da
Procura, a defesa da propriedade privada dos meios de produção e
a estimulação do comércio e da indústria. Em meio ambiente se
reconhece que tais premissas têm causado superexploração dos
recursos naturais e destruição dos habitats naturais e das espécies
biológicas. De forma semelhante, sabe-se que não existe
desenvolvimento da produção capitalista sem desigualdade social.
Logo, o que é denominado redenção da sociedade na verdade é
altamente questionável.
Estas pedagogias são chamadas liberais, sendo suas vertentes:
a) a pedagogia tradicional; b) a pedagogia renovada ou escola nova
– progressivista ou não-diretiva; e c) a pedagogia tecnicista. Queiroz
(2007, p. 3) comenta que “para os liberais, a educação e o saber já
produzidos (conteúdos) são mais importantes que a experiência
vivida pelos educandos no processo pelo qual ele aprende. Dessa
forma, os liberais, contribuíram para manter o saber como
instrumento de poder entre dominador e dominado”. O resultado
disto é a formação de profissionais acríticos sem potencial para a
transformação da sociedade. A seguir se explicam melhor as
vertentes e suas principais características.
1.a) Tendência Liberal Tradicional
Tem por finalidade preparar os alunos para a sociedade. Dentro
disto, esta tendência considera que o caminho para o saber é o
mesmo para todos os alunos, que precisam se esforçar para
alcançá-lo. Os conteúdos são acumulados por gerações e
repassados para os educandos como verdades, mesmo que não
façam parte da realidade do aluno e da sociedade em que a escola
encontra-se inserida. O método é baseado na exposição verbal e/ou
demonstração; e o professor exige atitude receptiva dos alunos para
com este método de ensino. Ele, o educador, é figura incontestável,
o único detentor do saber que deve ser repassado para os
estudantes. Os alunos são geralmente considerados como um papel
em branco (tábula rasa), sem opinião ou personalidade própria, nos
quais o conhecimento deve ser impresso. Cabe a eles, portanto,
concordar com tudo que lhes é ensinado sem questionar. Por sua
vez, conhecimentos adquiridos fora da escola não são considerados
importantes para a construção de saberes. Os problemas sociais
pertencem à sociedade e não à escola.
A capacidade de assimilação da criança é considerada
semelhante a do adulto. Então, a progressão dos conteúdos é
definida por adultos, sem levar muito em conta as necessidades
típicas de cada fase da criança (e muito menos dos indivíduos). A
aprendizagem é receptiva e mecânica e a retenção feita por
repetição e por recapitulação. Trata-se de um ensino enciclopédico,
voltado à memorização de diversas informações. Existem
avaliações por provas (com perguntas e respostas), exercícios de
casa, interrogatórios, trabalhos, etc, a fim de saber se o aluno
aprendeu. Há reforço positivo (notas boas, por exemplo) e negativo
(notas baixas). Trata-se da tendência predominante no Brasil e em
muitos outros países ocidentais, tendo origem principalmente das
ideias de John Locke (século XVII). Ela é na verdade a causa de
dificuldades de aprendizagem, repetência, evasão, bullying,
exclusão, entre outros problemas educacionais da atualidade.

1.b) Pedagogia Renovada ou Escola Nova


Defende a formação do indivíduo como ser livre, ativo e social,
sendo o aluno o centro da relação professor-aluno. O professor é
um facilitador do ensino e o aluno é indivíduo único, diferenciado,
que vive e interage em um mundo dinâmico. Ele deve ter sua
curiosidade, criatividade, inventividade, estimulados pelo professor.
A aprendizagem é um processo interno e deve dar-se por
descoberta, experimentação e construção do conhecimento. Muitas
vezes os professores falham por não organizar seu trabalho,
alegando que os alunos é que devem conduzir o processo. O foco
do mesmo deve ser mantido na qualidade e não na quantidade, no
processo e não no produto. Tem duas ramificações: a progressivista
e a não-diretiva.

1.b.1) Tendência Liberal Renovada Progressivista


O ensino deve dar-se progressivamente através de experiências
que satisfaçam os interesses do aluno e as exigências sociais. É
dado mais valor ao desenvolvimento de processos mentais e
cognitivos do que aos conteúdos propriamente (deve-se “aprender a
aprender” e/ou “aprender-fazendo”). São empregadas tentativas
experimentais, pesquisa, descoberta e solução de problemas, de
acordo com as necessidades do aluno e etapas do seu
desenvolvimento. As escolas que aplicam desta tendência são
chamadas escolas ativas (ou escolanovistas), pois trabalham com
vivências dinâmicas do meio natural e social e o método de
resolução de problemas.
O professor deve auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo
da criança e intervem para dar forma ao raciocínio dela. Na
aprendizagem, é retido o que se incorpora por descoberta pessoal à
estrutura cognitiva do educando e que terá utilidade para a vida
dele. Trata-se de uma prática que está limitada a escolas
particulares, as quais fazem uso de métodos como: o de Maria
Montessori, dos centros de interesse de Decroly e de projetos de
Dewey. Autores Brasileiros da área da Educação, como Anísio
Teixeira e outros, escreveram o documento Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova (1932), o qual teve influência até mesmo sobre a
criação da LDB.
1.b.2) Tendência Liberal Renovada não-Diretiva
Voltada para a autorrealização e menos preocupada com
questões sociais e pedagógicas. Não pensa em disciplina rígida
como um pressuposto para a aprendizagem, mas sim na
espontaneidade. Ao invés do intelecto, o sentimento; e ao invés da
lógica, a psicologia. O professor não está no centro do processo,
mas sim o aluno. Não há imposição do conteúdo, mas sim a escolha
dos conteúdos pelos educandos. É centrada na formação de
atitudes e na mudança dentro do indivíduo, que deve estar bem
consigo mesmo e com seus semelhantes. Procura facilitar aos
estudantes os meios de buscar por si mesmos os conhecimentos
necessários para sua autorrealização.
Para tanto, a escola deve oferecer um clima favorável para que
ocorra a mudança dentro do indivíduo. O professor deve
desenvolver um estilo próprio, de um “facilitador” que ajude o aluno
a auto-organizar-se, aceitando-o como ele é. Ele se ausenta, em
determinadas etapas do processo de aprendizagem, por respeito e
aceitação da capacidade de auto-organização do aluno. A
motivação deste é um ato interno, sendo a aprendizagem um
processo de modificação das percepções. Espera-se apenas a
retenção do que é importante para o aluno, portanto a avaliação
acontece por autoavaliação. O inspirador deste processo é Carl
Rogers e um exemplo de sua prática é a da escola de Summerhill
de A. Neill (Inglaterra). Nesta escola existem 180 normas, mas todas
criadas em assembleias, nas quais cada criança e cada adulto tem
igual direito de voto.

1.c) Pedagogia Liberal Tecnicista


Educação para preparar mão-de-obra, com ênfaze na
Tecnologia. Cabe a escola aperfeiçoar o sistema capitalista,
articulando-se com o sistema produtivo. Emprega da ciência da
mudança do comportamento, visando produzir indivíduos
“competentes” para o mercado de trabalho. Comenta-se ser ela
“adestradora” ou modeladora do comportamento humano. A matéria
de ensino é apenas objetiva, com informações precisas e rápidas
contidas no material instrucional. Esta pedagogia elimina toda
subjetividade do processo de aprendizagem. Faz-se uso de
tecnologia educacional estruturada por passos sequenciais, como
módulos (por exemplo). O professor funciona como “fantoche”
executor do processo, ditado por especialistas supostamente
habilitados, neutros e imparciais.
Ele é um elo entre a verdade científica e o aluno, quem deve ser
responsivo apenas às instruções. O educando não é ensinado a
pensar, pelo contrário, deve receber o que lhe é dito sem questionar.
O foco é formar um indivíduo mecânico, racional e operacional,
dirigido para o mercado de trabalho nas empresas de tecnologia.
Nas aulas não há debates, nem espaço para relações afetivas e
pessoais. O ensino se dá por reforçamento das respostas que se
quer obter e por controle do desenvolvimento individual face a
objetivos pré-estabelecidos. A avaliação é, portanto, baseada em
objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos
observáveis e mensuráveis. Skinner e seus conceitos de
comportamento operante e estímulo reforçador são importantes
influências. Ela foi introduzida no Brasil nos anos 60, por interesse
do regime militar.
2) As Teorias Crítico-Reprodutivistas e as
Pedagogias Críticas da Educação
As Teorias Crítico-Reprodutivistas da Educação compreendem a
sociedade a partir da divisão de classes, com interesses diferentes,
sendo a marginalidade produzida pela estrutura social. Para tais
teorias, a educação não é redentora, mas reprodutora da sociedade,
tendo como função mantê-la, já que faz parte da mesma. Luckesi
(1994, p. 41) comenta que, vista a partir deste ângulo, o sistema
educacional é determinado por condicionantes econômicos, sociais
e políticos da sociedade, estando a serviço deles. Tal denominação
se refere apenas a um eixo filosófico e teórico, que demonstra como
opera a Educação na sociedade, e não a uma pedagogia. Alguns
autores demonstram seguir esta tendência, como Louis Althusser.
Luckesi (1994) apresenta algumas reflexões deste autor,
conforme ele as expõe no seu livro Ideologia e Aparelhos
Ideológicos de Estado. Um pressuposto básico desta abordagem é
que toda sociedade para perenizar-se tem que reproduzir-se. Para
haver a reprodução das condições materiais de produção é preciso
haver a força de trabalho, a qual tem duas vertentes – uma biológica
e outra cultural. A sustentação da multiplicação biológica da força de
trabalho é sustentada pelo salário, fruto do sistema de produção
capitalista. Mas, a força de trabalho tem que ser também
competente, precisando ser reproduzida desde o ponto de vista
qualitativo (cultural).
“Ou seja, torna-se necessária a formação profissional, segundo
os diversos níveis e necessidades da divisão social do trabalho
(Luckesi 1994, p. 43)”. Esta formação se dá de duas maneiras
principais: a) por aprendizagem de saberes práticos, como ler,
escrever, contar e elementos de cultura científica e literária
utilizáveis; e b) ensinando regras de “bons costumes”, segundo o
lugar a se ocupar na sociedade. Desta forma, há reproduções da
submissão (dos proletários) e da capacidade para manejar bem
(para os agentes da exploração e da repressão), segundo
determinados moldes que asseguram a sujeição à ideologia
dominante.
As Pedagogias Críticas da Educação também consideram que
existem diferentes interesses das classes sociais. Elas entendem
que o processo educacional faz parte da sociedade e não é
redentor, nem salvador, mas, um meio para a mesma realizar seu
projeto. Tais abordagens têm uma posição otimista com relação à
Educação e desejam superar as pedagogias tradicional e
renovadora. Pretendem também eliminar as dicotomias que existem
entre trabalho intelectual e trabalho manual, teoria e prática, dando
condições às classes populares de se emanciparem. São elas:
Pedagogia Libertadora, Pedagogia Libertária e Pedagogia Crítico-
Social dos Conteúdos.

2.a) Pedagogia Libertadora


Foi bastante divulgada por Paulo Freire. Está presente na
sociedade de maneira não-formal, porém muitos professores
aplicam alguns de seus pressupostos no ensino escolar. Critica as
relações do homem com a natureza e os outros homens, visando
transformá-la. Faz uso de conteúdos extraídos da prática de vida
dos educandos, nunca de fora, por “invasão cultural”. Acredita que o
mais importante é despertar uma nova forma de viver a experiência
e não os conteúdos em si. Seu método do diálogo engaja os sujeitos
educador-educando, mediatizando este diálogo. Não se trata do
professor trabalhar para o aluno, mas com o aluno.
Seus grupos de discussão autogerem a aprendizagem e, dentro
deles, o professor é um animador, que pode, no entanto, fornecer
informações mais sistematizadas aos educandos. A avaliação
acontece no âmbito da prática vivenciada entre educador-
educandos no processo de grupo; e por autoavaliação em termos de
compromissos individuais assumidos para com o grupo e seus
objetivos. Há uma relação horizontal, onde todos estão aprendendo
e a ação do professor é não-diretiva, mas ele não se ausenta (como
em Carl Rogers). A problematização de aspectos da realidade é a
motivação da aprendizagem; e aprender é ato de conhecer a
realidade concreta vivida, através de um processo de compreensão,
reflexão e crítica.

2 b) P d i Lib tá i
2.b) Pedagogia Libertária
Pretende ser uma forma de resistência à burocracia e à ação
dominadora do Estado. Trabalha o sentido de autogestão nos
alunos para a participação em mecanismos institucionais de
mudança (assembleias, conselhos, associações, etc). As matérias
são colocadas à disposição, mas não são exigidas. Os conteúdos
resultam das experiências vividas pelo grupo, a partir da
investigação cognitiva do real. A vivência grupal, por iniciativa do
próprio grupo, sem qualquer forma de poder, é seu método. O
progresso da autonomia dos educandos dá-se em um “crescendo”-
começa por contato de aberturas informais, segue por organização
do grupo (com diversas formas de participação e expressão) e então
há a execução.
A relação professor-aluno é não-diretiva e, dentro dela, o
professor é um catalizador e se mistura com o grupo. No entanto,
ele também tem liberdade como os alunos, até mesmo para não
responder a uma pergunta, se assim o desejar. A aprendizagem é
informal e o interesse em crescer dentro do grupo é autônoma. A
escola deve romper com as barreiras que a tornam um mecanismo
que delimita o ensino, o conhecimento e o saber, fazendo dela um
privilégio dos que conseguem alcançá-la e nela permanecer e/ou
avançar. O experimentado deve se tornar incorporado e utilizável
para ser apreendido, o que não tem um limite ou um ponto onde
precise terminar na vida. A pessoa é para sempre educanda, esteja
ela na função de professor em determinado momento ou de aluno.
Sendo assim, não há tentativas de avaliação. Ela é aplicada como
pedagogia anarquista e alguns autores importantes são: Cèlestin
Freinet, Francisco Ferrer y Guardia, Aida Vasquez e Fernand Oury.

2.c) Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos


Ela aborda conteúdos escolares, porém não de maneira
desvinculada da realidade dos sujeitos. A escola faz parte do todo
social e agir dentro dela também transforma a sociedade. Os
conteúdos culturais universais são reavaliados face às realidades
sociais e devem estar ligados à sua significação humana e social.
De uma experiência imediata e desorganizada de mundo, passa-se
a uma experiência sintética e organizada, com intervenção do
professor. Deste modo, pretende-se dar acesso aos conteúdos, mas
de maneira a ultrapassar estereótipos e condicionamentos. O
trabalho docente relaciona a prática vivida pelos alunos com os
conteúdos propostos.
Uma aula começa com constatação da realidade pelos
educandos, em seguida há a interação com os conteúdos propostos
e então a síntese. O professor buscará despertar necessidades no
aluno de acreditar nas suas possibilidades de ir mais longe,
incentivando sua participação ativa. Baseia-se na aprendizagem
significativa, sendo que ele precisa verificar aquilo que o estudante
já sabe antes de oferecer-lhe algo novo. O aluno tem que
compreender o que o professor está querendo dizer-lhe. A
aprendizagem se dá por síntese e a avaliação deve comprovar para
o aluno seu progresso (e não apenas para o professor).
Conclusão
Fica claro que existe uma busca constante realizada pelas
mentes que pensam a Educação como processo de ensino e
aprendizagem e de desenvolvimento integral do ser humano. Esta
mente está preocupada com a inserção dos alunos na sociedade,
porém de diferentes maneiras. Alguns preferem inseri-los com
objetivo de manter o estado das coisas e/ou a ordem social. Outros
desejam transformar a sociedade, transformando os educandos em
agentes de tal transformação. Isto pode ser verificado quando se
analisam as diferentes concepções de Educação sistematizadas da
maneira que aqui se expos. É a Filosofia, integrada à Pedagogia,
que disponibiliza ângulos de percepção de tais maneiras diferentes
de conceber o fenômeno educativo e o papel da escola no mundo
social, histórico e cultural.
Obviamente que o modelo mais tradicional da Pedagogia Liberal,
embora seja ainda bastante predominante no meio, não favorece à
aprendizagem transformadora. Nem mesmo a aprendizagem
significativa tem sido em geral por ela cultivada com muita
frequência. O resultado de seu predomínio, portanto, são os
inúmeros problemas educacionais que são enfrentados na
atualidade. Alternativas ainda um pouco conservadoras, porém,
mais bem circunstanciadas no que se conhece acerca do
desenvolvimento das crianças e do evento da aprendizagem, estão
disponíveis. São elas as tendências liberais renovadas
progressivista e não-diretiva. Porém, suas peculiaridades as fazem
estarem restritas a círculos de alunos de classes mais privilegiadas
do que a grande maioria das crianças e adolescentes do Brasil.
Já as Pedagogias Críticas da Educação existem como parte de
um processo ainda mais expressivo de emancipação da consciência
humana. No entanto, as alas conservadoras dominantes, as quais
são classificadas pelas Teorias Crítico-Reprodutivistas da Educação
como agentes de manipulação das classes proletárias (ou
dominadas), continuam pretendendo minar o crédito delas perante a
opinião pública. A Pedagogia Libertadora de Paulo Freire foi e ainda
é indevidamente criticada por mentes despreparadas e sem
escrúpulos e governantes de linhas reacinonárias liberais e neo-
liberais.
A Pedagogia Libertária se limita a existir em grupos restritos que
apreciam a crítica e a desconstrução de critérios de ordem que a
maioria pretende manter. Resta procurar por meios intermediários,
mais ou menos como proposto pela Pedagogia Crítico-Social dos
Conteúdos, nas quais há o trabalho com os conteúdos, porém
através de diferentes meios e mecanismos. A busca por um
equilíbrio na Educação ainda continua, portanto. Para o que, é
essencial haver uma caminhada conjunta entra a Filosofia, que a
tem como objeto, e a Pedagogia, que a pratica.
Referências
Luckesi, Cipriano C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez,
1994.

Muhl, Eldon H.; Mainardi, Elisa. A Filosofia da Educação nos cursos


de Pedagogia do Brasil: da obrigatoriedade à dispensa progressiva.
Filosofia e Educação, v. 9, n. 2, p. 7-22, 2017.

Queiroz, Cecília T. A. P. de; Moita, Filomena M. G. da S. C. 2007.


Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação. Campina Grande;
Natal: UEPB/UFRN.

Turchiello, Priscila. Fundamentos históricos, filosóficos e


sociológicos da Educação I. Santa Maria: Universidade Federal de
Santa Maria, 2017.
Antropologia e Sociologia da Educação
Introdução
Tosta (2011) coloca a interdisciplinaridade como necessária para
a obtenção de avanços teóricos e práticos, o que vem sendo tema
de constantes diálogos entre pesquisadores de diversos campos.
Dentro de tais diálogos, ela sugere que a ciência antropológica seja
uma esfera privilegiada por tomar como objeto de estudo o homem
e a cultura. Portanto, para a autora, entre a Antropologia e a
Educação, deve-se formar uma abordagem interdisciplinar mais
integradora, “com a consciência de que problemas e temas
educacionais e escolares (...) podem encontrar-se no caminho
dessas duas ciências”. Já, Lopes (s.d., p. 11), partindo de uma visão
sociológica da questão educacional, comenta que “só a partir da
leitura das teorias clássicas da sociologia se poderá chegar a um
entendimento mínimo do que foi (e do que é) pensar a educação”.
Em complemento a tal opinião, Friedmann (2011), ao apresentar
as principais ideias que norteiam os estudos da Sociologia e da
Antropologia no âmbito da infância, aponta a necessidade de uma
interlocução de ambas as áreas com a Psicologia do
Desenvolvimento e a Educação. De fato, ao analisarem-se tanto as
implicações do pensamento antropológico sobre a diversidade das
culturas humanas quanto as diferentes leituras que se fazem do
papel do fenômeno educativo dentro do meio social, conclui-se ser
fundamental haver a interseção Antropologia-Sociologia-Educação.
Aqui ela é em parte comentada, a partir de alguns elementos
essenciais. Pretende-se alcançar um primeiro vislumbre dos
significados desta interseção, de modo a poder-se usar do mesmo
no nivelamento profissional para a prática do processo ensino-
aprendizagem.
O enfoque mais enfático na Antropologia se deve a um interesse
específico da autora deste livro em questões que afloram da
interface que há entre esta Ciência e a Biologia. Em tal interface
existe a etnobiodiversidade, a qual tem importância fundamental no
que se refere à compreensão prática do verdadeiro significado da
Educação Inclusiva. Ademais, a Epistemologia da Infância, que
ainda está em processo de desenvolvimento, se adequa bem ao
que se conhece como processo de alfabetização científica. Outros
motivos podem ser mencionados para uma predileção pela
interação do ensino de Ciências e Biologia com a Antropologia. O
desenvolvimento de uma metodologia favorável ao estudo de campo
de populações humanas e a redefinição de conceitos importantes da
evolução são alguns de tais motivos. Estes e outros aparecem no
texto a seguir.
1) Antropologia da Educação
A Antropologia traz importantes contribuições ao processo de
ensino-aprendizagem, principalmente no que se refere à
compreensão do significado da diversidade cultural humana. Aqui
são enfocadas algumas destas contribuições, as quais foram
produzidas pela Antrologia Cultural de Franz Boas e a Antropologia
da Criança e da Infância. A Antropologia Cultural teve origem nos
EUA, a partir das descobertas de Boas. Ele nasceu na Alemanha e
doutorou-se em Física, passando a pesquisar Psicofísica, o que o
levou à Psicologia Experimental e daí para a Antropologia. Além do
que, ele também teve formação em Geografia. Forneceu muitas
contribuições para a Antropologia Cultural, trazendo à discussão os
conceitos de cultura, raça e evolução. Pereira (2011) comenta que
seu reconhecimento como antropólogo veio da obra “A Mente do
Ser Humano Primitivo”, de 1911.
Nesta obra, “Boas desmonta definitivamente o conceito de raça e
evolução ontogênica como paradigmas do pensamento
antropológico” e nega a “existência de raças humanas totalmente
definidas, demonstrando que nenhum grupo humano é
biologicamente superior a outro (Pereira 2011, p. 104)”. Ele critica o
evolucionismo e o determinismo da Antropologia Americana da sua
época e a ideia de que o ser humano primitivo pensaria de forma
pré-lógica. Ao invés disto, Pereira (2011) comenta que Boas “mostra
que as funções e os traços fundamentais da mente humana são
idênticos e que, portanto, o processo educacional pode levar uma
pessoa a desenvolver seu raciocínio, independentemente da parte
do planeta em que viva (p. 105)”. Desta forma, ele discute até
mesmo o uso do termo “primitivo” e nega a existência de relação
entre raça e cultura.
Boas insistiu no estudo das diferentes culturas que compõem a
humanidade, opondo-se à ideia que os seres humanos pudessem
ser classificados como inferiores ou superiores uns aos outros.
Desta forma, suas críticas a preconceitos e a tradições científicas e
populares que se fundamentavam em tais ideias foram constantes.
Seu conceito de cultura inclui
“a totalidade das reações e atividades mentais e
físicas que caracterizam a conduta dos indivíduos
que compõem um grupo social, coletiva e
individualmente, em relação ao seu ambiente
natural, a outros grupos, a membros do mesmo
grupo e de cada indivíduo para consigo mesmo”
(Boas 2010, p. 113 apud Pereira 2011, p. 108).

Mas, Boas demonstrava que estes aspectos também existem em


animais, de modo que tal conceito deva ainda envolver a linguagem
e outros elementos intrínsecos à atividade humana. Considerando
tais elementos, o autor defendeu um relativismo cultural, o qual se
baseou no fato que distintos costumes existem em populações
diferentes. Estes costumes se desenvolvem como resposta à ação
do meio e para com o meio, mas não só isto. Boas procurou
encontrar outras variáveis que influenciam o desenvolvimento dos
costumes. Por causa de tais variáveis serem diversificadas em sua
natureza, ele acreditou que seria melhor estudar cada cultura em
sua singularidade. Com isto, o autor difundiu o conceito de culturas,
no plural, destacando o particularismo histórico de cada uma delas e
enfatizando que cada uma se forma e se transforma ao longo do
tempo, num processo dinâmico.
Para Boas, o papel do antropólogo não era o de estabelecer leis
gerais para explicar a cultura, mas de estudar e compreender
fenômenos de culturas particulares e descobrir os sentidos que os
detentores delas atribuem às suas práticas. É preciso analisar
técnica e metodicamente as ações diárias, o universo psíquico, os
costumes e a manifestação artística de um povo para entender sua
cultura. No seu relativismo cultural, ele propôs

“a evolução como fenômeno que pode decorrer do


estado mais simples para o mais complexo dentro
de uma cultura e que esta tem o seu valor e a sua
riqueza dentro do seu próprio sistema cultural” (...).
Assim sendo, a educação está relacionada à
herança cultural e não biológica (Pereira 2011,
pp.110-111)”.
Franz Boas considerava não haver nenhuma diferença
fundamental na maneira de pensar do ser humano denominado
primitivo e do civilizado. Para ele, existiriam dois tipos de herança a
se considerar: a biológica e a cultural. A herança biológica
corresponde aos traços físicos ou genéticos dos grupos humanos a
que se pertence; e a herança cultural é adquirida a partir do grupo
social em que se vive. Uma criança indígena retirada de sua etnia
para ser criada por uma família branca, sob os moldes da educação
urbana, desenvolverá costumes, gostos e outras manifestações
culturais deste meio e família. Esta criança terá dificuldade de
manipular um arco e flecha se for colocada em contato com estes
objetos. Ela terá habilidades diferentes das crianças de sua etnia
que não tiveram os mesmos contatos com a outra cultura que ela
teve, o que não significa dizer que uma seja superior ou inferior à
outra.
Isto porque “a educação é para Boas uma espécie de
adestramento que molda o indivíduo para desempenhar funções e
reagir conforme foi educado (Pereira 2011, p. 112)”. Esta sua
posição, como se verá logo a seguir, foi reavaliada pelos
antropólogos da criança e da infância. De qualquer forma, suas
importantes contribuições mudaram a maneira de se pensar a
cultura como algo unificado e a superioridade ou inferioridade das
raças humanas. Além do que, Boas também contribuiu com
procedimentos metódicos do trabalho de campo, mostrando a
importância de integrar saberes para a obtenção de melhores
resultados nas pesquisas. Ele mesmo, integrando diferentes
conhecimentos e métodos com os quais teve contato na sua
carreira, fez grandes descobertas sobre o desenvolvimento humano.
Mais recentemente, esta maneira de ver a cultura como algo que
modela a criança é até certo ponto reavaliado pela Antropologia da
Criança e da Infância. Pires (2010) discute o conceito de cultura,
partindo da percepção de que as crianças não são tabulas rasas
que se tornam preenchidas por conteúdos que lhes são transferidos
pelos adultos. Para tanto, ela se debruça principalmente em torno
de um diálogo entre ideias de autores como Margaret Mead e Tim
Ingold, entre outros. A autora discorre que, para Margaret Mead, “os
temperamentos são individuais, a cultura age sobre eles e, embora
não seja capaz de transmutá-los, é forte o bastante a ponto de
causar grande confusão na mente das crianças e dos adultos que
não se enquadram no padrão esperado (p. 139)”.
Desta forma, Mead se refere aos inadaptados, os que não se
ajustam à cultura a que pertencem, não por fraqueza, defeito,
acidente ou doença, mas por disposição inata que os fazem
discrepantes para com as normas de sua sociedade. Ela, ao longo
de vários estudos, concentra-se em fases da vida, principalmente a
infância e a adolescência, e pergunta-se como as crianças se
tornam adultos. Na Nova Guiné, segundo Pires (2010), Margaret
Mead decide estudar “o cotidiano das crianças, como aprendem,
criam e reinventam cultura, e não o ponto final do processo de
socialização, ou seja, os adultos”. Desta forma, ela participa de um
grupo de pesquisadores da Antropologia que lançam uma proposta
diferente de pensar a influência da cultura como algo em processo,
com uma dinâmica que não se limita, sobre o desenvovlvimento da
criança.
Um importante autor desta linha do pensamento antropológico é
Tim Ingold, cujas ideias são expostas por Pires (2010) em sua
abordagem. Ingold é “contra a ideia de um substrato natural
universal pré-constituído sobre o qual a cultura seria espalhada de
maneira diversa. Em outras palavras, a ideia de que os homens são
biologicamente semelhantes e culturalmente diferentes (p. 143)”.
Embora Mead tenha uma ideia diferente sobre tal questão, sendo
ela uma discípula de Franz Boas, ao que tudo indica, sua percepção
em torno dos inadaptados tem algo a ver com isto. Mead percebia
que a partir de um substrato biológico humano, a cultura foi se
diversificando. Como explicação a isto, Ingold considera que “o
suporte biológico (se assim podemos chamar) não é semelhante em
toda parte, ele não é independente dos processos culturais e sociais
vividos pelas pessoas (p. 143)”.
Pires (2010) comenta ainda que este autor estava

“interessado em desenvolver um novo paradigma


ecológico, e para isso é necessário tomar como
ponto de partida o ‘organismo-inteiro-no-seu-
ambiente’, expressão que pretende denotar uma
totalidade indivisível e não uma unidade
binariamente composta, como talvez a expressão
‘organismo mais ambiente’ pudesse levar a crer
(Ingold, 2000, p. 19).(...). Estamos falando de um
ambiente que é relativo ao seu organismo e, além
disso, nunca se completa. Tal como um organismo
(é preciso lembrar que o ambiente também é um
organismo) ele está em contínua construção. O
ambiente é, antes de mais nada, um processo,
processo de se fazer (continuamente em companhia
dos outros organismos)” (Pires 2010, p. 144).

É importante mencionar que Merleau-Ponty, com sua


Fenomenologia da Percepção, teve influência sobre tais ideias. Por
meio de tal fenomenologica maneira de estar-se consciente no
mundo, constróem-se às experiências que se vivenciam, tornando-
as possíveis por serem elas percebidas como tal por quem as
constrói. Com tudo isto, quer-se dizer que as crianças também são
responsáveis pelo seu crescimento e desenvolvimento, sendo
agentes de sua transformação. Elas são agentes ativos e criativos,
produtoras e produtos de sua própria evolução. Uma noção parecida
é a da autopoiese de Humberto Maturana e Francisco Varela.
Segundo ela, os seres humanos são sistemas auto-organizantes ou
autopoiéticos, sendo autônomos em sua criatividade e ativos no seu
ato construtivo.
Neste sentido, Ingold critica a ideia do “fazer” (making) que
existe intrínseco ao ato de cultivar plantas, criar animais e educar
crianças. “Este fazer (making) está impregnado da ideia de algo que
tem sua fonte no mundo da sociedade (valores, normas) e é
impresso sobre um substrato de natureza que lhe é externo (a
criança como tabula rasa, ser biológico)” (Pires 2010, p. 145). Para
ele, as plantas, os animais e as crianças, ao mesmo tempo em que
são “feitos”, também se fazem. Dentro de tal processo, os seres
vivos e as pessoas tem autonomia, porém segundo suas interações
com o meio, sob as quais eles têm potencial de criação. O que
difere do conceito de uma criança que é ser passivo, que aprende; e
do adulto que é ser ativo, que ensina, em uma relação unilateral.
Este tipo de relação veria as crianças como seres associais em
que a cultura seria inculcada. Para Tim Ingold trata-se de um
processo de domesticação, assim como o das plantas e animais, o
qual teria por objetivo formar seres padronizados. Pires (2010, p.
148) argumenta que conceitos deste tipo, não levam em
consideração que:

“1) não há uma idade única para o aprendizado


cultural: não apenas as crianças aprendem, mas os
adultos não cessam de aprender; 2) as crianças
aprendem tanto quanto ensinam, dos/aos seus
pares e dos/aos adultos; 3) aprendizagem não se
faz apenas por via consciente e racional, mas
também através de outras maneiras de conhecer e
aprender”.

Portanto, não há uma cultura estática a ser passada de pai para


filho, sendo a cultura algo dinâmico que se constitui a cada
momento. Desta forma, crianças, assim como os adultos, devem ser
pensadas como parte de uma relação cocriativa e dinâmica. Vendo-
as a partir deste ângulo, elas não seriam mais vistas como seres
passivos às margens de um mundo social dos adultos, mas como
sujeitos ativos em seu próprio mundo social. Dentro desta mesma
linha de raciocínio, Friedmann (2011) apresenta um apanhado geral,
dentro do qual curiosamente deixa de incluir Tim Ingold. Por outro
lado, ela cita Margaret Mead como a primeira a, no final de década
de 1920, trazer “os estudos sobre o universo infantil para a
Antropologia, alertando sobre a influência da cultura no seu
processo de crescimento e contrapondo-se às teorias que
explicavam o comportamento infantil como sendo biologicamente
determinado”. Friedmann (2011, p. 215) relata que

“Mead recolheu e formatou o maior conjunto de


dados etnográficos sistemáticos que existe sobre
crianças em sociedades não ocidentais (3.200
desenhos infantis), defendendo a importância de
conhecer suas vidas para entender o que acontece
na adolescência”. Ela “defendia que as crianças não
nascem balinesas, por exemplo, mas tornam-se
balinesas por meio de um processo educacional que
está imerso em uma cultura, não dependendo
exclusivamente das etapas de maturação biológica
do indivíduo”.

No entanto, a autora comenta que, apesar de tais considerações


tão favoráveis a um estudo focado na Antropologia da Criança, elas
continuam a ocupar um lugar secundário e passivo em análises
antropológicas. É Charlotte Hardman (1973) que, “no seu artigo Can
there be an Anthropology of Children?, tenta, pela primeira vez,
sistematizar as tendências e contribuições na área (Friedmann
2011, p. 216)”. Ela se interessa pela circulação das tradições infantis
entre as crianças fora da influência do círculo familiar. Então se
propõe a abordar as “crianças como pessoas a serem estudadas
nos seus próprios direitos: ela procura descobrir se há, na infância,
um mundo autônomo e autorregulado que não necessariamente
reflete o desenvolvimento infantil da cultura adulta (p. 217)”.
Hardman (2001, p. 504 apud Friedmann 2011, p. 217) então
considerou: “Se concebermos a sociedade como um grupo de
entrelaçamentos, círculos sobrepostos, que, como um todo, forma
um estoque de crenças, valores, interações sociais, então a infância
(por exemplo, as crianças de quatro a onze anos) pode constituir
uma área conceitual, um segmento desse estoque”.
Partindo de seus estudos, Hardman conclui que as crianças têm
um mundo autônomo e, de certa forma, independente do mundo dos
adultos. Segundo suas observações (apud Friedmann 2011, p. 218):
a) o ambiente do playground pode ser visto como um sistema de
significados e os objetos do ambiente são incorporados no jogo, não
pelo que são neles, mas pelo significado a eles atribuídos; b) os
contextos que definem os significados do ambiente são as situações
imaginárias combinadas pelo grupo; c) um número considerável de
valores das crianças pode ser levantado, ouvindo suas falas; d)
podemos começar a compreender as crianças observando-as e
escutando-as e, depois, interpretando o material coletado com
vários métodos diferentes.
Então, Christina Toren (Inglaterra), que também é citada por
Friedmann (2011), procura construir uma nova Epistemologia sobre
a infância, juntando os saberes e práticas da Psicologia com a
Antropologia. Ainda outro apanhado interessante sobre o assunto é
o de Iturra (2000), que menciona uma “Epistemologia Infantil”. Tal
epistemologia envolveria o desenvolvimento do conhecimento ativo
e criador da criança, o que ela sabe do mundo em que vive, dos que
a rodeiam e de si mesma. Dentro disto, estão inclusos: a) o
processo de aprendizagem que é inerente à descoberta, à invenção,
à troca, à representação e recriação da realidade (típico das
crianças); e b) o processo de ensino que regulamenta a vida delas
no que está além do seu cotidiano, introduzindo, por meio da escola,
um conhecimento universal (Iturra 2000, p. 225).
Outra importante pensadora desta linha de pesquisa
antropólogica é Clarice Cohn. Esta autora prefere chamar sua linha
de pesquisa de Antropologia da Criança e não da Infância. Isto
porque, “em cada sociedade a ideia de Infância é definida de formas
diferentes e uma antropologia da criança deve ser capaz de
apreender essas diferenças”. Na sua leitura antropológica sobre a
criança, Cohn considera “que há, na infância, um processo de
produção cultural e de reprodução cultural”. Ou seja, as crianças
também criam cultura, além de reproduzir o que lhes é transferido.
Por este motivo, Friedmann (2011, p. 224) propõe que

“falar em uma cultura infantil é universalizar,


negando particularidades socioculturais. Falar em
culturas infantis é mais adequado. Mas temos que
ter o cuidado de compreender que elas podem não
ser exclusivas do universo infantil: por exemplo, as
brincadeiras infantis não constituem uma área
cultural exclusivamente ocupada pelas crianças.
Para entender o que elas fazem nessas brincadeiras
é necessário compreender sua simbologia (que
extrapola o mundo das crianças)”.
Sendo assim, Friedmann (2011, p. 228) desafia os educadores a
se posicionarem como observadores-pesquisadores-antropólogos
em prol de um conhecimento mais profundo de necessidades,
interesses e habilidades das crianças. Para tanto, as metodologias
disponíveis por ela mencionadas são: observação participante:
interação direta e contínua do pesquisador com as crianças, coleta
de desenhos e histórias elaboradas pelas mesmas, além de
registros audiovisuais. Trata-se esta de uma questão muito prática e
favorável para o ensino e a aprendizagem. Mesmo os professores
de Cências e Biologia podem fazer bom uso de tal método
antropológico em suas incursões na alfabertização científica.
2) Sociologia da Educação
Ao se defrontar com questões sociais que se referem ao
processo de ensino-aprendizagem na área das Ciências Sociais, as
atenções se remetem para a Sociologia da Educação. Dentro dela,
três são os principais autores comumente mencionados: Émile
Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Mascarenhas e Bonow (2013, p.
13) discorrem sobre o fato destes autores terem diferentes
concepções “científica, metodológica e de compreensão da relação
indivíduo-sociedade”. Mas, eles comentam que, apesar de tais
diferenças, “não é novidade considerar possível o diálogo entre eles
na pesquisa das relações sociais”. Neste sentido, em torno da
Educação, estas diferenças sustentam ora o entendimento dela
como fator que mantém a integração social, ora como fator de
antagonismo.
A primeira perspectiva é defendida por Émile Durkheim (1858-
1917), que considerava a educação um fenômeno social que
poderia ser analisado e explicado sociologicamente. Porém, para
ele os fatos sociais deveriam ser vistos como coisas, de modo a
serem investigados como algo exterior a quem investiga.
Influenciado pela concepção positivista, o autor delineou assim uma
das principais características do seu método sociológico de
investigação científica. Durkheim também considerava que estes
mesmos fatos sociais eram externos aos indivíduos e tinham poder
de coerção, de imposição. Sendo assim, para ele a educação tinha
por objetivo integrar as crianças às normas de determinada
sociedade. Esta visão é de “uma sociologia do consenso e da
ordem, da coesão social, da moral (Mascarenhas e Bonow 2013, p.
5)”. Dentro dela, a educação é considerada um bem social, que
deve ser submetida à ação do Estado, o que não significa que ela
deve ser monopolizada pelo mesmo.
Durkheim defende uma escola pública e laica, que tem por
objetivo “suscitar e desenvolver na criança um certo número de
estados físicos, intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade
política no seu conjunto e o meio ao qual se destina particularmente
(Durkheim 2009, p. 53 apud Lopes s.d., p. 6)”. Dentro dela, a
educação é então exercida pelos adultos, já que Durkheim
considera que as crianças não se encontram preparadas para a vida
social. Isto acontece porque na sociedade atual industrializada, a
divisão de trabalho é diversificada e especializada, o que o autor
chamou de Solidariedade Orgânica. Em sociedades em que a
divisão de trabalho se baseia na similitude entre os indivíduos, a
divisão de trabalho é do tipo Solidariedade Mecânica. A maior
divisão de trabalho fomenta o individualismo e o enfraquecimento da
consciência coletiva.
Desta forma, em uma sociedade industrializada, como é a atual,
“a educação teria também a função de transmitir os valores morais
necessários à manutenção da ordem social (Lopes s.d., p. 17)”.
Dentro disto, “a educação, através do sistema escolar, deverá eleger
os valores morais que estejam em consonância com os ideais da
sociedade (p. 18)”. Para tanto, ao invés de abandonar símbolos e
dogmas religiosos é necessário compreendê-los, buscando
encontrar alguma racionalidade neles. Afinal, em muitas das
concepções religiosas repousam a moral encontrada na sociedade.
Ao enfatizar desta maneira o papel da moral, o autor afirmava que
ela regula os limites da conduta humana, já que o indivíduo tem tido
dificuldade de encontrar por si mesmo estes limites. Por oferecer
limites aos sujeitos, a educação deveria ser vista como um processo
social, que não pode ser compreendido isoladamente da sociedade.
Durkheim inclusive afirmava haver no indivíduo dois seres: a) o
ser individual, formado por estados mentais particulares; e b) o ser
social, que é um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que
exprimem o grupo ou grupos a que ele pertence. Sendo assim, o
autor acreditava que a educação reforça a homogeneidade entre os
membros da sociedade, o edifica, sendo um processo de
socialização dele. Ela assegura “entre os cidadãos uma comunhão
de ideias e de sentimentos sem os quais qualquer sociedade é
impossível” (Durkheim 2009, p. 61 apud Lopes s.d., p. 6). Então,
sociedade e indivíduo são interdependentes, e é pela sociedade que
a educação se diversifica.
Por este motivo, a partir de uma certa idade, ela não pode
manter-se a mesma para todos os indivíduos, já que é preciso que o
trabalho se divida entre seus membros. De qualquer forma, o
professor, que é considerado um intérprete da sociedade, deve
atender à individualidade que há em cada criança. Ele deve procurar
diversificar seus métodos, segundo a diversidade dos
temperamentos e das características dos alunos. Quanto às práticas
educativas, elas não devem ser vistas como fatos isolados, pois
estão ligadas “num mesmo sistema em que todas as partes
contribuem para um mesmo fim (Lopes s.d., p. 7)”. A partir de tais
conceitos, a Pedagogia tem por objetivo buscar por meios de
transformar a educação, a fim de torná-la mais adequada para a
concretização dos seus fins.
Os outros dois teóricos, Max Weber e Karl Marx, não
desenvolveram análises sociológicas da educação mais
especificamente, porém fizeram alguns recortes em torno dela.
Desta forma, correntes teóricas contemporâneas têm buscado
sustentação em suas teorias. Weber (1864-1920), assim como
Durkheim, considera a educação “um meio de socialização, mas
também, de reprodução e manutenção social que seleciona e
estratifica” (Mascarenhas e Bonow 2013, p. 23). Ele questionava as
premissas positivistas e criticava a perda de sentido e de liberdade
da condição humana, a qual por força da ação social causada pela
interação dos indivíduos, se torna enjaulada por necessidades
materiais. Para ele, a sociedade é o resultado das ações dos
indivíduos. Por sua vez,

“as instituições são resultado da assimilação


subjetiva dos indivíduos com relação às regras e
normas, devido ao fato das sociedades terem se
tornado mais complexas e exigirem regramentos
para organizar a vida social. Tais regramentos se
institucionalizaram porque os atores sociais
assimilaram a sua obrigatoriedade (Mascarenhas e
Bonow 2013, p. 21)”.

A crescente racionalização das sociedades ocidentais, em


que o Estado burocrático e o capitalismo moderno vigoram, fez com
que a educação se tornasse um meio de instrumentalização dos
indivíduos para o desempenho de tarefas. Estas tarefas são
necessárias à manutenção da ordem social e, portanto, a educação
é para Weber um mecanismo de estratificação social. Dentro dela, o
autor identificou três tipos de educação (Weber 1982, p. 482 apud
Mascarenhas e Bonow 2013, pp. 21-22), as quais considerou
corresponderem a três tipos de dominação:

a) Educação carismática, baseada em aspectos mágicos,


sobrenaturais e heróicos - corresponde à dominação carismática da
antiguidade;

b) Educação humanística (ou pedagogia do cultivo), na qual, o


indivíduo é formado para ser um erudito - corresponde à dominação
tradicional humanista do patriarcalismo; e

c) Educação racional burocrática (ou pedagogia do treinamento) -


subjacente ao capitalismo -, que tem o objetivo de formar indivíduos
especializados, a partir de conhecimentos específicos, a fim de
formar profissionais.

Com a pedagogia do treinamento, a educação se torna um


serviço da manutenção de uma situação de dominação, estimulando
no indivíduo a busca por status social, poder e riqueza. Ela legitima
a desigualdade e restringe a poucos o acesso a um conhecimento
especializado. Na sociedade “capitalista-racional-burocrática, os
indivíduos distinguem-se pelas suas qualificações (havendo
necessidade de funcionários especializados, profissionalmente mais
informados)” (Lopes s.d., p. 10). Este tipo de educação contribui,
portanto, com a estratificação social. Dentro disto, Weber cita a
introdução de diplomas e certificados, que privilegia os mais
abastados, de modo a colocá-los em posições de maior status e
poder (Mascarenhas e Bonow 2013).
Karl Marx (1818-1883) vai mais a fundo nesta crítica social com
seu materialismo histórico dialético, que é uma Sociologia do
conflito, “nomeadamente, entre classes, entre forças e relações de
produção e entre progressão das riquezas e miséria crescente da
maioria” (Lopes s.d., p. 2). Para ele, a sociedade desenvolveu um
processo formado por forças produtivas, com a finalidade de
desempenhar tarefas, a fim de gerar meios e produtos necessários
para a sobrevivência. A alteração das forças produtivas originou
diferentes modos de produção, o que se dá com a mudança das
formas de produzir e das relações sociais em diferentes momentos
da história. Nos diferentes modos de produção, há relações de
dominação de uma camada social sobre a outra.
Karl Marx considerava que “os homens vivem em sociedade,
respeitam normas, estabelecem contratos de trabalho, pois assim
foram educados a fazer. Essas relações sociais estabelecidas num
determinado período histórico são vistas como normais, dificultando
a tomada de consciência (Mascarenhas e Bonow 2013, p. 24)”. Ele
então denominou a privação do trabalhador do domínio do seu
trabalho de alienação. Este trabalhador alienado tem seu saber
facilmente substituído, o que ele possui na verdade não lhe pertence
e sua liberdade de trocar serviço por salário é apenas aparente. O
sujeito (ser humano) se transforma em objeto e o objeto
(mercadoria) em sujeito (Mascarenhas e Bonow 2013, p. 24).
Integrando este processo, para Marx, “a educação existente na
sociedade capitalista não seria responsável por nenhuma
transformação. Para o autor, ela assegura a situação de dominação
da classe dominante sobre a classe dominada, em razão de que sua
ideologia está presente no discurso escolar, legitimando a
dominação (p. 25)”. Afinal, o educador é também educado dentro de
tal sistema e, portanto, seu papel é igualmente questionado por
Marx. Mas, apesar de tal postura crítica, o autor percebia a
possibilidade de disseminar a consciência cidadã, resgatando a
educação da classe governante, com a tomada de poder pela classe
trabalhadora.
Para tanto, ele estimulava um tipo de educação vinculada ao
trabalho, na qual o indivíduo receberia formação para o
entendimento do processo educativo, em paralelo ao desempenho
de atividade produtiva e visando o rompimento com a alienação.
Desta forma colocada, para Marx, a educação seria um pressuposto
de emancipação, pois permitiria formar cidadãos atuantes e
conscientes dos seus papéis. Ela articularia ensino e trabalho na
formação da criança e do adolescente, sendo fornecida em escolas-
politécnicas. Estas escolas seriam públicas e gratuitas para todas as
crianças, as quais receberiam: a) Educação intelectual; b) Educação
corporal; e c) Educação tecnológica. Esta última categoria se daria
em torno dos processos de produção. As crianças e adolescentes
seriam divididas em três categorias, dos 9 aos 18 anos, e os custos
das escolas politécnicas seriam cobertos pelas vendas de suas
produções. A educação assim organizada teria um viés político,
laico e público, sendo “meio de combate a uma alienação crescente,
típica das sociedades capitalistas (Lopes s.d., p. 4)”, com missão
emancipadora - que levaria à construção de uma nova ordem
social-, e um produto revolucionário.
3) Mais diálogos da Antropologia com a
Educação
Em adição ao que se considerou a respeito da possibilidade de
se construírem diálogos entre a Antropologia, a Sociologia e a
Educação, aqui são adicionadas mais algumas reflexões em torno
da participação da Antropologia na recriação do processo educativo.
Para introduzir tais reflexões, focaliza-se no raciocínio desenvolvido
por Gusmão (1997). Ela reflete sobre um necessário diálogo entre
Antropologia e Educação, esta “aventura de se colocar no lugar do
outro, de ver como o outro vê, de compreender um conhecimento
que não é o nosso (p. 1)”. E coloca como o principal problema
educacional a se considerar, desde o olhar antropológico, a
Educação não inclusiva.
A autora relata que Franz Boas, no início do século XX, já
alertava sobre o modelo pedagógico ocidental que iria nos conduzir
a uma Pedagogia da violência. O motivo para esta sua preocupação
é que esta sociedade e seu sistema educacional não desenvolvem
mecanismos democráticos para com as diversidades social e
cultural. Neusa Gusmão (1997, p. 5) escreve:

“Centrada num modelo cultural único e na


necessidade de colocar sob controle o diferente, a
sociedade ocidental constrói uma prática
pedagógica também única e centralizadora. O
movimento deste mundo, de que fazemos parte,
caminha da diversidade para a homogeneidade,
eixo em que também se inscreve a história da
antropologia, como ciência, e da pedagogia
ocidental, como prática”.

Por sua vez, a Antropologia Cultural de Franz Boas vê a história


de maneira múltipla e variada. Sendo assim, “a possibilidade de que
a história da humanidade não tenha seguido um único caminho e
direção faz do pensamento de Boas uma condição revolucionária na
compreensão das realidades humanas (p. 6)”. Ele critica o sistema
educativo Norte-Americano, por causa de sua prática educativa com
cunho conformista e coercitivo, que visa criar sujeitos adequados ao
sistema produtivo ideologizado para o cidadão.
Esta escola não existe como instituição independente e centra-
se em um aluno-modelo, atuando de forma autoritária, sem
considerar a diversidade da comunidade escolar. Trata-se este de
um tipo de sistema educacional que vem sendo criticado por muitos
autores e não apenas antropólogos. Mas, mais especificamente,
voltando-se à questão no que ela toca à sua própria atuação,
Gusmão (1997, p. 7) irá concluir sua reflexão, colocando que o
desafio para o antropólogo que na atualidade deslocou seu objeto
de estudo para as sociedades complexas dos centros urbanos é
fazer a aplicação coerente do que já sabe. Este profissional está
ciente que

“A relativização dos saberes e as conexões entre


saberes diversos só se fizeram possíveis em razão
das experiências vividas e da integração no mundo
e na cultura de cada um. A exigência, portanto, de
se pensar um saber e uma aprendizagem diversa,
porém de igual valor, coloca em vigência uma ética
no fazer antropológico e lhe dá uma dimensão
política afinada com seu tempo”.

Gusmão (1997, p. 7) ainda comenta que o trabalho de campo,


portanto, exige rigorosa e sistemática apreensão de uma sociedade
ou grupo em seus múltiplos aspectos, “tal como se encontram
relacionados entre si e de acordo com a representação que deles é
feita”. A cultura se torna central para a compreensão das práticas
humanas, diferenciando o homem da natureza e do animal e
expondo diferentes sistemas de interpretação da vida. Agora o
desafio está em aplicar métodos, conceitos e paradigmas às
sociedades ditas complexas e “conhecer outros mundos simbólicos
dentro do nosso próprio mundo”. Tal é a questão desafiante que
direciona os pensamentos dentro da abordagem que aqui se
constrói também. Busca-se, entre escritos de autores com formação
antropológica Brasileiros, mais argumentos para uma construção
coerente e consistente que forneça pressupostos para o que se quer
entender.

3.a) Antropologia e Educação no Brasil


Alguns problemas educacionais que existem no país se
desenvolveram junto do processo de formação da sociedade
Brasileira. Nascimento (2012) menciona o que Consorte (1997)
considera terem sido as preocupações que historicamente se
formaram na seio desta sociedade, que por sua vez estava em
processo de formação. De um lado, havia a atenção ao que se
considerava perigo de ameaça causado pelo abrasileiramento de
descendentes de imigrantes europeus. Por outro lado, havia a
necessidade de se querer erradicar as tradições culturais de origem
africana. Desejava-se a construção de um país branco, ocidental e
cristão. Desta forma, ao invés de privilegiar-se à diversidade cultural
em formação, quis-se destruí-la, por meio do desaparecimento das
matrizes culturais que, vindas de outros continentes, se agregavam
na formação deste novo povo.
Como parte de tal processo de homogeinização que se
procurava realizar, acrescentou-se a questão Indígena. Nascimento
(2012, p. 59) escreve que

“No contato entre os europeus e os povos


autóctones, não houve reflexão a respeito das
práticas educacionais dos povos indígenas, tendo o
contato, desse modo, se baseado em uma relação
assimétrica; pois os europeus tinham como preceito
básico a crença no dogmatismo de seus
conhecimentos ocidentais acumulados como
conhecimentos universais”.

O fato é que os Indígenas tinham outro jeito de aprender e de


ensinar, não delimitado como no sistema ocidental que estava
sendo introduzido no continente. O processo educacional e de
ensino/aprendizagem das crianças se relacionava completamente
às dinâmicas vividas pelos integrantes do corpo coletivo. Moraes-
Ornellas (2019), em um trabalho inicial de desenvolvimento de uma
Epistemologia do processo educacional Indígena, propõe algumas
bases “que poderão ser empregadas no enriquecimento do pensar
de futuros professores de Biologia”. Dentro disto, uma estratégia de
aprendizagem significativa da prática da caça do queixada por
jovens Índios Xavante, estudada por Welch (2015), é mencionada.
Trata-se de uma estratégia didática na qual jovens mentores
assumem a responsabilidade pelo encorajamento de protegidos
mais jovens do que eles. Os mais velhos criam oportunidades para
que os mentores e seus jovens protegidos gradualmente participem
de caçadas, de modo a aumentarem suas capacidades. Outros
estudos referenciados por Moraes-Ornellas (2019) demonstram que
crianças de algumas etnias Indígenas aprendem Ecologia não
apenas através de um canal vertical que as interconecta com os
adultos. Elas também desenvolvem um canal horizontal de
transferência entre elas do que aprendem diretamente do seu
contato com o meio natural. “Sendo assim estes pequenos
aprendizes desenvolvem sua própria Fenomenologia Educativa”.
Este tipo de processo de aprendizagem tem sido mencionado pela
Antropologia da Criança e da Infância.
Em outras situações mencionadas, Indígenas da Amazônia
Boliviana ensinam as crianças por transferência do conhecimento na
casa onde vivem e nas adjacências às mesmas. Os pais, irmãos
mais velhos e outros parentes são os responsáveis por esta
transferência. Já crianças de um grupo não Amazônico, os Mbya-
Guarani, da Argentina, desenvolvem habilidades associadas à vida
na floresta por observação, participando da vida em comunidade e
colaborando em atividades diárias em grupos multi etários, que
contam com membros mais experientes do que elas. Por outro lado,
um estudo em torno da etnia Tsimane demonstrou que a Educação
formal causou o abandono deste tipo de aprendizagem por jovens
Indígenas. Eles, devido a influências culturais diferentes das que
lhes deram origem, passaram a desejar investir na formação
pessoal para assumir outros papéis na sociedade.

“O que é problemático nesta situação é que crianças


e jovens que nasceram em contextos diferentes das
crianças urbanas da sociedade moderna perdem
contato exatamente com os processos de
socialização do conhecimento das suas etnias. A
Educação em uma perspectiva ecológica é
substituída por fenômenos educacionais os quais
(na verdade) acredita-se ser possível aprimorar a
partir do que se pode detectar ainda em algumas
comunidades Indígenas mais tradicionais. Crenças
são abandonadas, sensibilidades para com as
descobertas da fase infantil em contato com os
seres da floresta são esquecidos e valores humanos
são transformados (Moraes-Ornellas 2019, p. 6)”.

Do ponto de vista ambiental, percebe-se estar havendo depleção


de algumas populações de animais silvestres, como os porcos-do-
mato. A caça sem bases sustentáveis nas adjacências de
comunidades ribeirinhas vem sendo apontada como importante
causa deste efeito ecológico negativo. Portanto, a substituição de
uma Educação baseada no ser ecológico humano que faz parte do
meio florestal em que está pela Educação do homem urbano pode
ter consequências ecossistêmicas, além daquelas que são morais e
comportamentais para com os Indígenas propriamente. Neste caso,
a autora sugere a aplicação do conceito de “educação baseada na
terra” como parte de uma proposta de regeneração de práticas que
originalmente pertenceram a comunidades Indígenas.
Com isto, “o que se quer desenvolver consiste também em uma
restauração de elos que existiram antes do modelo de sociedade
capitalista da atualidade se formar (Moraes-Ornellas 2019, p. 7)”.
Faz-se necessário haver estabelecimento de propostas que inovem
a atuação educativa para com etnias diferentes do que existe no
meio urbano Brasileiro da atualidade. Afinal, conforme relata
Nascimento (2012), só após muitos impactos causados pela cultura
invasora dos espaços originalmente ocupados pelas várias etnias, é
que aflora uma fase em que existe um corpo significativo de
discussão e trabalho em torno da questão Indígena no Brasil, o que
envolve sua educação. O autor menciona Tassinari (2001), que
aponta a importância de premissas da Antropologia na construção
desta fase.
Tais premissas dizem respeito especificamente ao relativismo
cultural e à ênfaze no trabalho de campo detalhado e minucioso que
é preciso para que se compreendam os significados de uma
sociedade e sua cultura. Como resultado da aplicação de tais
premissas na questão Indígena Brasileira, houve uma mudança
constitucional na maneira de se lidar com a educação do sujeito que
pertence às etnias Indígenas no país. Nascimento (2012, p. 61)
lembra que a Constituição Federal de 1988

“passou a assegurar o direito das comunidades


indígenas a uma educação escolar diferenciada,
específica, intercultural e bilíngue. Os índios
deixaram de ser considerados categoria social em
vias de extinção e passaram a ser respeitados como
grupos étnicos diferenciados, com direito a manter
sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições. Além disso, a Constituição Federal
assegurou a eles o uso de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem, devendo o
Estado proteger suas manifestações culturais”.

No entanto, Nascimento (2012, p. 64) considera que mesmo a


escola Indígena da atualidade ainda “funciona dentro de uma
dinâmica totalmente diferente da dinâmica concebida e vivenciada
nas escolas da sociedade envolvente e não indígenas”. Portanto, o
autor conclui que “provavelmente a discussão, os métodos e as
técnicas – tanto dos antropólogos quando dos educadores – para se
pensar e constituir a educação escolar indígena, ainda tem um
longo caminho para sua efetivação (p. 65)”. Esta situação faz pensar
exatamente em três das principais contribuições da Antropologia
para a Educação: a) a criança tem que ser pensada desde uma
perspectiva integral e não mais apenas como receptora unilateral da
cultura que o adulto lhe transfere; b) tem que haver a valorização
das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais
que convivem no território nacional; e c) para conhecer crianças e
suas etnias é preciso haver trabalho de campo realizado na forma
de pesquisa participante.

3.b) Antropologia da Criança e da Infância


Em torno da primeira contribuição, já existe a Antropologia da
Criança e da Infância e a Epistemologia Infantil, áreas estas de
estudo que podem muito bem dialogar com a Psicologia do
Desenvolvimento e da Aprendizagem (ver capítulo referente ao
assunto). Conhecer melhor as crianças significa também transpor as
fronteiras entre etnias, a fim de transitar entre universos diferentes.
Afinal, conforme apontado por Tosta (2011), ” é preciso, então, não
perder de vista que a escola constitui e é constitutiva de
espaços/tempos de interação e de convivência entre diferentes”. Ela
deve ser um abrigo da pluralidade cultural e acolher sujeitos de
todas as idades que pertençam a distintos grupos sociais, étnicos,
religiosos, de gêneros, políticos, dentre outros.
Estes sujeitos tão variados levam “para a experiência escolar
suas visões de mundo e de homem, seus valores morais e
religiosos, marcas da tradição, preconceitos, sonhos, projetos e
desejos”- escreve Sandra Tosta (2011). Tal variabilidade pode ser
melhor compreendida através de estudos nos quais o pesquisador
precisa abstrair de sua própria condição social, a fim de procurar,
despindo-se de pré-concepções, vivenciar, experimentar e
apreender os significados que os outros exprimem em suas culturas.
Sir James Frazer, prefaciando Argonautas do Pacífico Ocidental, de
Bronislaw Malinowski (1978, p. 10), descreve alguns pressupostos
funcionalistas. Ele considera que

“O conceito de função aparece como o instrumento


que permite reconstruir, a partir dos dados
aparentemente caóticos que se oferecem à
observação de um pesquisador de outra cultura, os
sistemas que ordenam e dão sentido aos costumes
nos quais se cristaliza o comportamento dos
homens”.
Frazer descreve que Malinowski alterou radicalmente a prática
investigativa antropológica. Ele passou a viver permanentemente na
aldeia que pretendia estudar, afastado dos homens de sua própria
etnia e aprendendo a língua nativa da sociedade em estudo. Seu
método de observação direta consistia em convivência diária,
entendimento do que estava sendo dito e participação nas
conversas e acontecimentos da vida na aldeia. Sir James Frazer diz
que esta técnica consiste em um processo de “aculturação” do
observador e de assimilação das categorias inconscientes que
ordenam o universo cultural investigado. Desta forma, se consegue
fazer a apreensão inconsciente da realidade investigada e o
procedimento analítico consciente da mesma enquanto realidade
cultural.
Seria esta uma maneira de adentrar no universo de alunos de
outras etnias. Mas, como aliar o trabalho escolar com a pesquisa
aprofundada em torno de tantas realidades que são os mundos dos
alunos? Esta é uma outra questão constantemente indagada e
muitos são os profissionais da área educativa que consideram a
necessidade de se integrar conhecimento teórico e prática na
construção da experiência do ensino e da aprendizagem. A
Antropologia pode ajudar bastante na construção deste diálogo
entre diferentes universos culturais e pessoais.
Conclusão
Partiu-se da compreensão de Franz Boas de que alguns
conceitos que havia não fazem sentido, desde o ponto de vista
biológico e cultural, como o conceito de raça. Ele também criticou a
maneira determinista de se compreender a evolução, o que era (e
ainda é) muito aceita na sua época (e na atualidade) . Suas
pesquisas deixavam claro que nenhum ser humano pode ser
considerado superior a outro segundo predicados supostamente
biológicos. Ademais, Boas sugeriu culturas no plural, propagando
uma percepção de que elas são muito diversificadas, além de
dinâmicas e constantemente em transformação no seio das
sociedades a que pertencem. No entanto, ele, que foi o fundador da
Antropologia Cultural, considerou que a cultura molda os indivíduos,
dando uma impressão de unilateralidade ao processo.
Tal impressão foi reavaliada por diferentes autores, os quais
deram origem, através de suas ideias, à Antropologia da Criança e
da Infância. Dentre eles, pode-se citar Margaret Mead, Tim Ingold,
Christina Toren e Clarice Cohn como exemplos. Suas visões fazem
perceber o indivíduo como um ser inteiro com seu ambiente,
transformando-se e sendo transformado. O suporte biológico deste
ser não é independente dos processos culturais e sociais, mas o
sujeito é agente ativo e criativo para com o seu meio. As crianças
não são excessão a esta regra e dão conformação à sua própria
evolução. Elas tanto aprendem com os adultos como ensinam para
eles, sendo sistemas auto-organizantes (ou autopoiéticos) dentro do
seu próprio mundo social.
A compreensão desta visão antropológica da criança é
importante para o educador; e ela merece ser estudada de maneira
integrada com o que se compreende acerca de ensino-
aprendizagem a partir de concepções sociológicas. Neste sentido,
existem diferentes posturas que dão alicerce a muitas das
produções acadêmicas desta área. Os três autores mais clássicos
da Sociologia, que são Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx,
tinham posições diferentes quanto ao significado social da
educação. Durkheim defendia uma Sociologia do consenso e da
ordem e, portanto, considerava a educação um bem social. Sua
visão se conforma com a percepção duramente criticada pelos
antropólogos da criança, pois propagava a ideia de socialização
infantil através da escola.
Na concepção durkheimiana, o ser individual é também um ser
social, o que significa dizer que ele contém estados mentais
particulares, mas também é um sistema de ideias, sentimentos e
hábitos que exprimem o grupo social a que pertence. Até aí tudo
bem, no entanto, conforme demonstrado por muitos antropólogos
que vêm estudando a infância, considerar tal processo como um
conjunto de mecanismos unilaterais é incompleto. Weber tinha um
pouco desta crítica em si, já que ele compreendia a ação do
indivíduo na produção da ação social e da sociedade.
Este autor criticava a perda de sentido e da liberdade causada
pelo enjaulamento que o sistema impõe aos indivíduos. A
necessidade que se sustenta no tipo de desenvolvimento da
coletividade que é proposto ao sujeito, obriga-lhe a aceitar muitas
imposições. Isto causa a existência de inúmeros inadaptados,
conforme Margaret Mead denominou aos que, por um conjunto de
motivos em particular, não se ajustam à sociedade a que pertencem.
Neste sentido, Weber considerava que a educação é um agente de
seleção social e da estratificação da sociedade. Sua maneira de
organizar-se e reproduzir-se privilegia os abastados, mantendo o
estado das coisas.
Marx também enfatizou esta função da escola e da educação,
criticando-as. Para ele, a educação que assegura a dominação da
classe dominante sobre as classes dominadas não é responsável
por nenhuma transformação. Ao mesmo tempo, é intrínseca à
concepção marxista de sociedade que o processo educativo seja
empregado como instrumento de emancipação da consciência e
combate à alienação. Tais funções podem ser fortemente ativadas
se, na prática educacional e em todas suas instâncias estruturais e
funcionais, considerarmos o que as teorias antropológica,
sociológica e psicológica nos mostram acerca do processo de
desenvolvimento da criança e de como a ação social pode (ou não)
transformar o ser individual.
Tendo em vista que educar de verdade significa interagir com o
universo do aluno que está em processo de aprender, a
Antropologia e a Educação precisam de fato dialogar. Apesar de
toda dificuldade apontada pelos profissionais de ambas as áreas, as
trocas entre os dois lados desta questão deveriam ser consideradas
prioritárias desde o ponto de vista funcional da Educação. Isto
porque, sem dúvida, um dos maiores e mais abrangentes problemas
do processo educacional é a característica não inclusiva de muitos
dos sistemas de ensino que existem implementados na atualidade.
É fato concreto que a sociedade caminha em direção à redução da
diversidade para a homogeneidade, na tentativa de simplificar o que
na verdade é muito complexo para ser tratado de maneira
reducionista.
Como parte deste diálogo que deve haver entre Antropologia e
Educação é importante lembrar que Franz Boas vê a história de
maneira múltipla e variada. Ele que é considerado o fundador da
Antropologia Cultural insistiu que não seria viável deixar de
considerar a diversidade de expressões humanas que compõem a
comunidade escolar. Infelizmente, assim como aconteceu em muitos
países do mundo, a sociedade Brasileira sofreu efeitos da tentativa
de reduzir a diversidade cultural que a caracteriza desde sua
formação. Isto afetou todos os povos que se agruparam, dando
conformação ao país. Mesmo que algo de suas origens tenha sido
resguardado, o que pode-se perceber em colônias de Europeus no
interior de alguns Estados do sul, houve sim homogeinização e
continua havendo.
A comunidade Africana foi ainda mais dilacerada pela imposição
cultural, porém ainda assim foi responsável por muitos elementos
que passaram a compor manifestações artísticas e culturais
Brasileiras. Quanto ao povo Indígena, ainda é foco de estudos sobre
como compor de maneira mais eficiente o seu processo
educacional. Houve imposições de conhecimentos ocidentais, de
religiosidade externa às suas originais necessidades e de
pedagogias muito diferentes das que eles usaram antes do contato
com o povo branco. Os Indígenas tinham outro jeito de aprender e
de ensinar. Suas crianças ainda hoje demonstram aprender
Ecologia por processos na horizontal (entre elas) e na vertical (para
com adultos) quando em contato com o meio natural.
Porém, há casos de influência da educação formal do contexto
urbano enfraquecendo o ecossistema ao qual populações Indígenas
tinham um acesso natural, orgânico e biodinâmico. Desta forma,
assim como há um longo caminho para constituir uma Educação
Indígena que lhes seja favorável, também há um trajeto ainda a ser
traçado para que o processo educativo no Brasil se torne mais
inclusivo. Dentro de um processo que visa gerar tal transformação,
pode-se mencionar três principais contribuições da Antropologia
para a Educação: a de uma perspectiva integral da criança, a
valorização da diversidade étnica e cultural e o trabalho de campo
na forma de pesquisa participante.
Certamente é desafiante romper com as barreiras que se
formaram entre ambas as áreas de atuação e de estudo, afinal toda
tentativa de inter e transdisciplinaridade é bastante trabalhosa e
exige engenhosidade e criatividade. No entanto, o que haveria de
resultar de tais esforços seria um tipo de organismo escolar
composto por muitos mecanismos, mas que seria um todo, assim
como um ecossistema formado por muitas partes interconectadas.
Este organismo ou todo ecossistêmico é por enquanto ainda uma
utopia, mas, o conhecimento e a prática podem conduzir-nos
através dos processos que haverão de dar origem a algo que se
aproxime mais de sua perfeição – uma Educação para todos, que é
contextualizada, inclusiva e mais completa em seus significados.
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A formação do professor de Ciências e Biologia
A primeira coisa a se perguntar é o que exatamente significa
ensinar Ciências e/ou Ciências Biológicas? Seixas et al. (2017)
consideram que ensinar ciências significa introduzir o aluno a uma
forma de pensar sobre o mundo natural e de explicá-lo, inclusive
tendo tomado conhecimento dos conceitos, símbolos e convenções
da comunidade científica. Os autores, baseados em Trivelato (2011),
comparam o processo de estabelecer conhecimento científico ou “o
fazer ciência” e o processo de adquirir conhecimento através do
“aprender ciência” dos alunos desde os pontos de vista empirista e
não empirista. Para o empirista, fazer ciência significaria extrair o
conhecimento que já está definido nas leis e princípios científicos
que emergem dos fenômenos naturais; e aprender ciência seria
absorver informações que já estão prontas “no discurso do
professor, no livro, na lousa, nos fenômenos da natureza”.
Já o não empirista vê o fazer ciência como algo que decorre de
interpretações da realidade que envolvem, além dos fatos objetivos,
“as visões pessoais, especulações, expectativas, preferências
estéticas e motivações dos cientistas”. Nesta perspectiva, o
aprender ciência é uma síntese pessoal ou reelaboração do que é
mediado pelo professor e/ou tecnologias educacionais. Dentro disto,
o professor precisa saber o que vale a pena ou não ensinar,
reconsiderar suas estratégias a partir de sua prática, conhecer o que
os alunos precisam e estabelecer uma relação dialógica com eles.
Desta forma, ele estará desenvolvendo também sua própria
aprendizagem.
Para que haja o desenvolvimento de uma aprendizagem que se
torne necessária ao professor que trabalha com a alfabetização
científica, o professor precisa antes de mais nada entender o
significado de Ciência. Gama e Zanetic (2009, p. 3) pensam uma
possível desmistificação da palavra, o que seria “pertinente à
filosofia da ciência, e mais especificamente ao ensino de ciências
com abordagem epistemológica”. Isto porque, o conhecimento
científico é uma construção cultural naturalmente submetida à
dinâmica das mudanças de paradigma. Os autores escrevem:

“Ao percebermos que há um papel de enorme


relevância, na história da ciência, desempenhado
pelas mudanças científicas, por concepções de
mundo que foram contestadas e outras que foram
defendidas, a imagem de uma ciência estática, dada
ou inanimada é sem dúvida uma falácia a ser
evitada na educação científica (p. 2)”.

Deve-se, portanto, procurar passar para os alunos de Ciências


uma ideia sobre a diferença entre demonstração e comprovação
científicas; e manter-se isento de assumir como verdadeira a falta
de maleabilidade do empirismo acadêmico. Isto significa dizer que
nem tudo em Ciência é de fato comprovado e que mesmo o
conceito do que seria comprovação científica é também contestado
pela epistemologia. Desta forma, alguns pontos de debate em torno
do que seria ensinar Ciências e Biologia tem seu ponto de partida
em questões que foram também levantadas por Gama e Zanetic
(2009), como: existe um método científico? O conhecimento
científico desenvolve-se cumulativamente ou passa por rupturas? As
demonstrações científicas representam conclusões definitivas? A
observação empírica é um dado objetivamente à parte ou depende
de elementos de teoria?
Ademais, os autores também sugerem que estas questões
sejam pontos de debate, pois fundamentam a discussão
contemporânea acerca da Natureza da Ciência, merecendo ganhar
espaço de problematização em salas de aula. Desta forma, este
seria o primeiro ponto a se considerar no que está se pensando
como uma formação de professores que façam frente às
necessidades educacionais da sociedade atual. Ele tem relação
com outra questão que vem sendo levantada com frequência dentro
da formação de professores que é a do desenvolvimento de uma
habilidade crítico-reflexiva do profissional da Educação.
Seixas et al. (2017) propõem que o professor deveria levar os
alunos ao conhecimento enquanto constrói novos significados para
si mesmo. Para tanto, ele precisa vencer dificuldades que vêm
desde sua formação inicial, pois precisará saber usar do
conhecimento científico, das tecnologias educacionais e de
estratégias didáticas inovadoras e criativas com as quais nem teve
contato quando se formava. Sendo assim, os autores citam Nóvoa
(1996) que comenta que a formação docente não pode ser vista
como um acúmulo de cursos, de conhecimentos ou de técnicas,
mas, sim, como “um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e
de reconstrução permanente de uma identidade pessoal”.
“Na verdade, a formação docente pode ser vista como um
quebra-cabeça nunca finalizado, cujos limites encontram-se
permanentemente em aberto (Seixas et al. 2017, p. 292)”. Portanto,
o professor precisa dispor de incentivo, disposição e ultrapassar a
falta de tempo, a fim de planejar e testar novas possibilidades. Ele
também precisará adaptar esta sua necessidade à dinâmica de
funcionamento, à cultura e ao clima de trabalho de sua instituição.
Neste sentido, Nóvoa (1996 apud Seixas et al. 2017) sugere que a
formação de professores seja centrada no aluno e que se dê em
torno dos sequintes fatores: (a) organização ao redor de situações
concretas, envolvendo problemas escolares e programas de ações
educativas; (b) um conhecimento que se dá além da teoria e da
prática, envolvendo um histórico do que prevaleceu, do que foi
abandonado, etc; (c) esforço de reelaboração de um conhecimento
que não é uma mera aplicação prática de uma teoria qualquer; e (d)
mudanças nas rotinas de trabalho, não só pessoal como coletiva.
O professor precisa ser estimulado a pensar sobre suas ações e
a desenvolver autonomia, organizando-se interiormente e tomando
um posicionamento perante sua função social. Além do que, ele tem
que dominar seu “saber-fazer”, ou seja, saber usar os
conhecimentos que têm, o que não se restringe à mera aplicação do
conhecimento teórico de outros, mas é acima de tudo um saber que
se faz a partir de sua própria prática. Dentro disto, a reflexão crítica
tem importância fundamental. O conflito cognitivo deve estimular à
mudança conceitual, fazendo com que o indivíduo perceba a
inadequação de suas hipóteses em relação a novos problemas.
Desta forma, ensinar é visto, a partir da perspectiva de Seixas et al.
(2017), como a mobilização de uma ampla variedade de saberes
para adaptá-los e transformá-los pelo e para o trabalho.
No entanto, nesta visão de “saber-fazer” não é dada nenhuma
ênfaze à finalidade existencial do ato de ensinar e, portanto, de
renovar o “saber-fazer” continuamente. A finalidade existencial é o
que faz o professor vivenciar, através dos seus atos, o que é a
essência de seu “saber-fazer” no sentido de um porquê de existir e
não apenas de realizar o que faz para (e pelo) trabalho. Mas, esta é
uma questão existencialista e, portanto, filosófico prática. A
necessidade de haver respostas a ela está na interação que deve-
se procurar desenvolver também com a Filosofia da Educação. Isto
ajudaria bastante na prática crítico-reflexiva que Freitas e Villani
(2002) sugerem ser necessária para que o saber sobre o ensino
deixe de ser visto pela lógica da racionalidade técnica e incorpore a
dimensão do conhecimento construído e assumido
responsavelmente.
Estes autores adentram em outra importante questão a ser
considerada – a da formação inicial que se completa com uma
formação continuada. Eles discutem a visão que se tem de que a
formação inicial é que molda as gerações futuras de professores,
enquanto “a formação continuada deveria tentar recuperar, mesmo
que parcialmente, resultados fundamentais não conseguidos com a
formação anterior (p. 216)”. Os autores propõem uma inversão,
focalizando “a formação continuada como a fonte primária do
quadro de problemas e dificuldades efetivas enfrentadas pelos
professores em exercício (p. 216)”. Nesta análise, eles veem que a
formação continuada pode ser caracterizada por:

(a) as resistências dos professores, os quais geralmente entram nos


cursos de capacitação com “concepções, crenças e atitudes” que
“foram sendo construídas ao longo de sua inserção no contexto
escolar - enquanto aluno e fruto de sua história de vida pessoal”. Ou
seja, para os professores assim situados em seus processos
pessoais de autoformação, é comum que “teorias implícitas, valores
e crenças pessoais, que são inadequadas ao manejo do contexto
escolar” sejam teimosamente por eles mantidos (p. 216).
(b) a necessidade de uma nova relação professor-especialista,
dentro da qual a construção dos conhecimentos que orientam os
projetos de inovação pare de ser feita a partir do exterior do mundo
dos professores e das salas de aulas. Isto significaria “proporcionar
espaço para que os professores se tornem progressivamente donos
de seus projetos (p. 218)” e para que a formação continuada venha
ao encontro da solução de problemas do cotidiano escolar. Talvez,
para tanto, seja preciso diminuir as exigências quanto ao produto
que será produzido pelos processos de formação continuada.

(c) o professor precisa ter consciência crítico-reflexiva, para que ele


desenvolva constantemente reflexão na ação e reflexão sobre a
ação. Afinal, é na complexidade da sala de aula que se dá o
conhecimento profissional, pois novas situações sempre surgem e o
professor tem que encontrar suas próprias soluções.

(d) é importante que o professor se veja participando de um


processo compartilhado pela comunidade educacional (alunos e
professores), no qual todos aprendem. Dentro disto, a motivação do
professor tem que vir de dentro dele, o que se pode conseguir se
houver conscientização acerca da importância de se desenvolver a
metacognição.

(e) a emergência da subjetividade em tudo o que se faça,


contrariando o movimento que levou a Educação a se afastar do
mundo dos fenômenos psíquicos do ser humano. É preciso
convivialidade, olhar a vida e a pessoa do professor. Deve-se
rejeitar uma realidade externa que independe do observador e do
professor, sendo este visto apenas como um técnico. Não basta que
o professor conheça novas teorias nos campos da ciência e da
educação, ele precisa ser humanizado através do seu processo de
vida e de trabalho.

Como complemento a tais questões, Seixas et al. (2017, p. 290)


afirma que: “a construção de conhecimentos começa durante a
formação acadêmica, quando o professor desenvolve o hábito de
refletir sobre a própria formação, não só aquela adquirida em sala
de aula, mas aquela aprendida em suas pesquisas, leituras,
discussões e participações em eventos”. Muitas vezes, por falta
deste hábito, os professores do ensino fundamental não
desenvolvem habilidades através das quais estariam habilitados a
ensinar os conteúdos de maneira contextualizada. O resultado disto
é que os alunos continuam aprendendo ciência de maneira simplista
e sem conexão com a realidade. Dentro disto, Borges e Lima (2007)
lembram que há urgência em se reorganizar à Educação Básica
tendo como meta “criar uma sociedade com condições de vida
harmoniosas e produtivas para todos”.
No entanto, “na área das Ciências Biológicas, o ensino de
Biologia se organiza ainda hoje de modo a privilegiar o estudo de
conceitos, linguagem e metodologias desse campo do
conhecimento, tornando as aprendizagens pouco eficientes para
interpretação e intervenção na realidade” (Borges e Lima 2007, p.
166). Visando encontrar propostas e soluções para o tratamento dos
conteúdos e dos procedimentos metodológicos, estas autoras
analisaram trabalhos apresentados no I Encontro Nacional de
Ensino de Biologia (I ENEBIO), realizado no Rio de Janeiro/RJ, em
agosto de 2005.
Com base nesta pesquisa, Borges e Lima (2007) recontam
resumidamente a história de como a sociedade se organiza
refletindo na maneira como o ensino é formulado. Desta forma, o
ensino de Biologia passa por diferentes momentos, de acordo com o
momento histórico em que ele se insere. Nos anos 60, “o sistema
educacional brasileiro sofreu forte influência de educadores
americanos, tendo em vista os Estados Unidos passarem a prestar
assistência técnica e financeira ao Ministério da Educação e Cultura
(p. 167)”. Isto fez com que se desenvolvesse, no ensino de 1º e 2º
graus e no ensino superior, um Pedagogia Tecnicista, a qual
enfatizava conteúdos da ciência objetiva, sem dar muito espaço
para a subjetividade.
Tratava-se de um período em que o currículo assumiu um viés
tecnicista, com caráter profissionalizante; e o ensino de Biologia “na
maioria das escolas brasileiras, continuou a ser descritivo,
segmentado e teórico - relatam Borges e Lima (2007, p. 167)”. Já os
anos 80 foram marcados por diversas correntes educativas que
propunham a redemocratização da sociedade Brasileira, o que
afetou também o ensino de Biologia. Houve uma gama de projetos
desenvolvidos nesta década, que apresentou grande variabilidade
de concepções sobre o ensino das Ciências e mobilizou instituições
de ensino de vários tipos. Mas, foi na década de 90 que, partindo da
LDB e dos PCNs, houve a exigência de mudanças estruturais “dos
conteúdos trabalhados e das metodologias empregadas, delineando
a organização de novas estratégias para a condução da
aprendizagem de Biologia (p. 168)”.
Então, no I ENEBIO/2005, houve maior número de atividades
referentes à Educação Ambiental (21,1%), o que tem relação com a
necessidade da escola atual preparar sujeitos para lidar como
cidadãos com questões ambientais. Em termos de estratégias e
procedimentos mais utilizados pelos professores, as autoras contam
que “vinte e quatro por cento dos trabalhos divulgam atividades
extraclasse e explicitam interlocução com a comunidade em que se
situa a escola (p. 172)”. Isto condiz com o que se sabe sobre a
importância de “privilegiar o diálogo entre conhecimento
sistematizado e situações reais, vivenciadas pelos alunos fora da
escola, extraindo da realidade oportunidades de aprendizagem (p.
172)”. Borges e Lima (2007, p. 173) concluem que há a
preocupação com demandas da sociedade contemporânea, o que
exige:

a) “reorganização dos conteúdos trabalhados,


abandonando aqueles sem significação e elegendo
um conjunto de temas que sejam relevantes para o
aluno, no sentido de contribuir para o aumento da
sua qualidade de vida e para ampliar as
possibilidades dele interferir positivamente na
comunidade da qual faz parte”; e

b) “repensar as estratégias metodológicas visando à


superação da aula verbalística, substituindo-a por
práticas pedagógicas capazes de auxiliar a
formação de um sujeito competente, apto a
reconstruir conhecimentos e utilizá-los para
qualificar a sua vida”.

Estes dois pontos foram localizados nas atividades do


professores de Biologia analisados. É preciso realmente que o
profissional da área educativa seja capaz de localizar os desafios
mais urgentes a trabalhar com seus alunos. Daí mais uma vez o
porquê da constante formação continuada e atividade crítico-
reflexiva, o que possibilita uma dinâmica de permanente
reconstrução de conhecimento, saberes, valores e atitudes,
conforme sugerido por Freitas e Villani (2002). Quanto às
estratégias metodológicas, Seixas et al. (2017) sugere estar
havendo pouca utilização das tecnologias educacionais além do
livro didático. “Fazer uso de materiais diversos é importante para
que o professor qualifique o domínio do conteúdo e o aprendizado
dos alunos, exercendo, assim, uma alfabetização científica e
tecnológica (p. 295)”.
No entanto, uma atividade prática e o uso de tecnologias
educacionais devem fazer parte de uma sequência didática que
envolva outros tipos de estratégias de ensino. Tal sequência deve
procurar abranger aulas práticas, pois em Ciências e em Biologia
tudo se apreende a partir do contato com os mecanismos da vida.
Mas, Lima (2011, p. 202) sugere que aulas práticas não sejam
apenas limitadas à observação do funcionamento de roteiros de
instruções, pois se elas forem organizadas da maneira mais
favorável,

“podem contribuir para o desenvolvimento de


habilidades importantes no processo de formação
do pensamento científico e auxiliar na fuga do
modelo tradicional de ensino, em que o aluno é um
mero expectador e não participa no processo de
construção do seu conhecimento”.

Elas “têm as funções de despertar e manter o interesse dos


alunos, envolver os estudantes em investigações científicas,
desenvolver habilidades e capacidade de resolver problemas e
compreender conceitos básicos”, conforme destacado por Hofstein e
Lunetta (1982, p. 203 apud Lima 2011, p. 203). Sendo assim, a
autora, baseada nas Orientações dos Curriculos Nacionais para o
Ensino Médio de que o ensino de Biologia deve ser pautado na
alfabetização científica e nas três dimensões da mesma, definidas
por Miller (1983), comenta que, a seu ver, as aulas práticas de
Biologia podem contribuir com a aquisição de um vocabulário básico
de conceitos científicos e a compreensão da natureza do método
científico (ou seriam métodos no plural?).
Elas também podem abrir caminho para a compreensão do
impacto da Ciência e da Tecnologia sobre os indivíduos e a
sociedade. Os resultados de sua pesquisa indicam “que os alunos
consideram as aulas práticas como facilitadoras da aprendizagem,
estando presente essa ideia até mesmo naqueles que nunca
tiveram contato com esse tipo de aula (Lima 2011, p. 207)”. Afinal,
elas aumentam a interação dos alunos com os objetos dos seus
estudos, motivando o interesse na matéria. Com relação aos
professores que Lima (2011) entrevistou, todos acham as aulas
práticas importantes porque: facilitam a compreensão do aluno,
auxiliam na construção de uma visão crítica autônoma, tornam a
Biologia mais prazerosa e interessante, complementam a teoria,
aproximam do mundo real e ajudam a estabelecer relações.
Mas, apesar de haver uma quase unanimidade quanto a
importância de tais aulas, as dificuldades para a implementação das
mesmas segundo os professores são: falta de tempo para
organização do material, de segurança para controlar a classe, de
conhecimentos para organizar experiências e de equipamentos e
instalações adequadas (Krasilchik 2008, p. 87 apud Lima 2011). De
qualquer forma, é fato que elas fazem parte do processo de
alfabetização científica, o qual, no entanto, não termina na escola.
Tal processo pressupõe um tipo de educação que “não se preocupe
somente com a compreensão pelos alunos de conceitos, noções,
termos e ideias das Ciências, mas que também seja capaz de levar
para a sala de aula discussões que prestigiem o fazer científico e a
relação dos saberes construídos pelos cientistas com a vida da
sociedade (Lima 2011, p. 212)”.
Afinal, o pensamento científico pode conduzir a pessoa humana
a uma maior emancipação no que diz respeito ao conhecimento de
como é a vida. Então, a autora propõe:

“Tornar o ensino prazeroso não deveria depender


exclusivamente de estruturas e equipamentos. Aulas
práticas diferentes e inovadoras, que motivem os
alunos a pensar e construir seus conhecimentos
podem ser feitas a todo o momento, e em qualquer
lugar, no pátio da escola, em contato com a
natureza, em reflexões sobre o funcionamento do
nosso próprio corpo durante o nosso dia. Os
próprios alunos poderiam opinar a respeito daquilo
que gostariam de ter em uma aula prática e pode
ser relativamente simples dar isso a eles. O fato de
não estar em uma sala de aula convencional,
apenas ouvindo o professor transmitir o conteúdo, já
é, sem dúvida, um grande estímulo à aprendizagem
(Lima 2011, p. 213)”.

Eis alguns dos elementos que favorecem as expectativas que se


têm em torno do ensino de Ciências e Biologia que faça frente às
necessidades educacionais da atualidade. Ademais, o professor
deve entender-se como um sistema composto por: (a) suas
interações com os outros profissionais da Educação (inclusive com
a figura do Psicólogo Escolar e Educacional); (b) alguém que já
passou pelo processo de desenvolvimento que seus alunos passam
e que conhece a teoria construtivista de Jean Piaget sobre o
assunto; e (c) que sabe do que Vygotsky escreveu em sua teoria
sócio-histórica e o que os clássicos da Sociologia disseram sobre a
relação da Educação com o meio social, bem como o que os
Antropólogos Culturais demonstram sobre a diversidade das
culturas. Portanto, tudo o que se colocou neste apanhado de textos
lhe serve como material para reflexão e autoconstrução.
1) Educação Inclusiva
Quanto ao que se denomina Educação Inclusiva, parece haver
alguma confusão e/ou inversão de sentidos no uso deste termo.
Bastos et al. (2016) tratam de Educação Inclusiva como sinônimo de
Educação Especial, embora em determinado momento de sua
introdução parecem considerar que esta última faz parte da
primeira. Elas o fazem quando mencionam “uma atuação docente
centrada no aluno e no compromisso de ensino/aprendizagem para
todos, inclusive para aqueles com deficiência”. Lima (2017), em seu
Trabalho de Conclusão de Curso, trabalha em torno de tal questão.
Ele cita Rodrigues (2006, p.2), que diz:

“O conceito de Inclusão no âmbito específico da


Educação, implica, antes de mais nada, rejeitar, por
princípio, a exclusão (presencial ou acadêmica) de
qualquer aluno da comunidade escolar. Para isto, a
escola que pretende seguir uma política de
Educação Inclusiva (EI) desenvolve políticas,
culturas e práticas que valorizam o contributo ativo
de cada aluno para a construção de um
conhecimento construído e partilhado e, desta
forma, atingir a qualidade acadêmica e sócio cultural
sem discriminação”.

Uma boa discussão sobre Educação Inclusiva está no capítulo


sobre a Psicologia Escolar e Educacional, a qual considera que a
exclusão do aluno pode ser também moral e não apenas física.
Desta forma, a escola inclusiva abre suas portas para todos por
igual, independente de cor da pele, credo religioso, etnia, condição
psíquica, situação financeira e demais desigualdades que possam
existir entre alunos (e deles para com os professores). Lima (2017)
também recorre a Breitenbach (2016, p.366-367), que diz:

“(...) é importante pontuar que, embora a expressão


educação inclusiva tenha sido interpretada no Brasil
com mais ênfase na sua relação com a Educação
Especial e com o seu alunado, ela é muito mais
abrangente, e abarca diversos grupos (sujeitos) –
afro-brasileiros, camponeses, surdos, quilombolas,
deficientes, indígenas, anões, doentes crônicos,
menores abandonados, órfãos, ciganos, entre tantos
outros – que estão/estiveram fora da escola ou que
não tiveram/têm suas necessidades educacionais
atendidas pela escola”.

Apesar deste conceito ser debatido por alguns autores, na


prática dos professores Brasileiros ainda se percebe a redução do
mesmo à questão da Educação Especial. Bastos et al. (2016)
desenvolveram um trabalho que teve por objetivo compor um
repositório de boas práticas educacionais inclusivas, o que fez parte
de um programa que contemplou também a formação de
professores da rede básica de ensino e o desenvolvimento de
pesquisas sobre o tema. No entanto, as autoras trataram do tema
no escopo do aluno com deficiência, considerando este como um
desafio para o professor de Ciências. Isto porque a “área carrega a
complexidade de fenômenos que, para serem percebidos e
compreendidos, tradicionalmente, envolvem experiências sensoriais
(ver, ouvir, perceber visualmente mudanças, abstrair, comparar,
medir, analisar...) nem sempre disponíveis aos alunos com
deficiência (Bastos et al. 2016, p. 427)”.
Lima (2017, p. 10) também, ao analisar 23 artigos realizados em
torno do tema, encontrou que apenas quatro versavam sobre a
“temática da formação de professores em ciências biológicas, ou
ciências, na perspectiva inclusiva, sendo que, entre estes artigos
apenas um abordava a formação docente em ciências biológicas
especificamente direcionada às necessidades específicas em sala
de aula”. Dos quatro artigos que tinham sido desenvolvidos em torno
da inclusão, dois focavam na inclusão de pessoas com deficiências
no ensino comum. O primeiro deles versava sobre a importância
que professores formadores do curso de Ciências dão à
alfabetização científica de alunos com deficiência; e o segundo
indicava ausência de componentes curriculares voltados à formação
docente que prepare para a atuação na educação de pessoas com
deficiência nos Projetos Pedagógicos de Curso de Ciências em
determinada instituição.
O autor debate, então, se tal discrepância de significados teria
relação com o exercício de poder apresentado por fóruns de
Educação Especial e seus discursos, os quais têm restringido o uso
de termo inclusão ao atendimento de alunos com deficiência.
Baseado em tal possibilidade, Lima (2017, p. 13) sugere que tal
questão poderia vir a “fomentar discussões reflexivas sobre o que
de fato entende-se sobre educação inclusiva”. Quanto aos outros
dois artigos destes quatro desenvolvidos em torno da inclusão, eles
tinham a ver com Ciências Biológicas mais especificamente. Um
deles demonstrava que professores que lidavam com alunos
deficientes visuais não tinham recebido capacitação durante seu
processo de formação para atuar com este tipo de situação escolar.
Além do que, estes mesmos profissionais também não
receberam ofertas de formação continuada em Educação Inclusiva
nas suas instituições. O outro artigo foi desenvolvido em torno da
“importância de se estabelecer o contato dos discentes, durante a
formação inicial, com experiências de aproximação à temática da
educação especial e práticas educacionais que atendam a este
público (p.15)”. Só que mais uma vez, este também enfocou a
Educação Especial, pois foi desenvolvido em torno do contato de
alunos de Biologia com alunos da APAEs - Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais. Portanto, percebe-se duas dificuldades já
colocadas: (a) o conceito de Educação Inclusiva ainda é pouco
compreendido; e (b) existe escassez de pesquisas sendo realizadas
em torno do tema.
Ademais, Pereira et al. (2015), ao relatar uma experiência de
formação de professores para a Educação Inclusiva em Goiás,
discorrem rapidamente sobre o histórico desta questão educacional
no Brasil. Eles informam que após a Conferência Mundial que era
focada em uma Educação para todos, a qual aconteceu em 1990, e
a elaboração da Declaração de Salamanca (1994), veio a LDB.
Todos estes instrumentos trouxeram à tona a questão da Educação
Inclusiva, de modo que as escolas tiveram que se readequar,
mudando de uma abordagem de integração de alunos para outra de
inclusão. Um dos professores que participou do programa de
formação de professores relatado por Pereira et al. (2015) descreve
que, antes da LDB, em Goiânia, uma das escolas possuía classe
especial de surdos. Com a LDB, a legislação do Estado de Goiás
teve que mudar.

“(...) Com essa mudança de integração para


inclusão, esses meninos (surdos) iriam fazer parte
da classe comum, eles iriam para as salas de 5ª
serie à 8ª serie já com os demais alunos e aí estava
nossa maior preocupação, pois a gente falava que
eles não iriam dar conta nunca, mas precisavam dar
conta e nós também precisávamos dar conta deles
(Pereira et al. 2015, p. 481)”.

Baseados nas experiências deste Estado, os autores


demonstram que, em tratando-se de Educação Inclusiva, apenas a
oferta de cursos para desenvolver a prática docente é insuficiente.
Faz-se necessário “um acompanhamento contínuo de capacitação e
reavaliação da prática que os professores estão exercendo em sala
da aula, onde o mesmo passa a refletir sobre a sua prática a fim de
melhorar o desenvolvimento de sua aula. Ou seja, a formação para
a Educação Inclusiva é um processo gradativo e, desta forma,
requer uma reflexão contínua (p. 481)”. Além do que, também é
discutida a dificuldade de se transpor as dificuldades intrínsecas à
execução do ato pedagógico conforme o que as normas legais
propõem. Como exemplo disto, há o fato de que

“o Ensino de Ciências ainda hoje, após anos da


discussão proposta pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, se concretiza de maneira linear e
fragmentada, deixando de lado aspectos
interdisciplinares e contextuais previstos na LDB.
(...). Dessa forma, os problemas colocados frente à
realidade estabelecida exigem múltiplos olhares
acerca dos fenômenos educacionais, enfocando a
necessidade de se formar um professor capaz de
compreender a totalidade integradora implícita
nesse processo (p. 482)”.

Tal totalidade integradora deve ser enfocada pelos cursos que


preparam os professores para atuar no ensino de Ciências e de
Biologia. Mas, para que isto aconteça, antes de mais nada, os
professores que formam professores têm que estar preparados para
tal demanda. Neste preparo, é preciso que o professor que forma (e
o que será formado) constituam-se em sujeitos ativos na construção
e reconstrução de novas práticas pedagógicas. Isto só se tornará
possível quando um pensamento mais cíclico e integrador se tornar
realidade, tanto no que se compreende sobre a teoria do ensino e
da aprendizagem quanto na prática do que se compreende por
teoria.
Referências
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proposições da área. Journal of Research in Special Educational
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Freitas, Denise de; Villani, Alberto. Formação de professores de


Ciências: Um desafio sem limites. Investigações em Ensino de
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Ensino de Ciências: Questões problematizadoras. Encontro
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Lima, Madiel C. de. A formação inicial de professores em Ciências


Biológicas na perspectiva da Educação Inclusiva: Uma análise da
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Trajetória da formação de professores de Ciências para Educação
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Seixas, Rita H. M.; Calabró, Luciana; Sousa, Diogo O. A formação


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14, n. 1, p. 289-303, 2017.
Conclusão
Foram apontados muitos aspectos da relação integradora que
deve existir entre todos os componentes da Educação. Nenhum
deles pode deixar de ser pensado e vivenciado na prática do ensino
de Ciências e Biologia. Deve-se então começar pelo
questionamento pessoal sobre o significado social e cultural do
termo Ciência. Será que ele tem um significado que afere ao seu
objeto um status de algo que está comprovado e/ou que é
definitivo? Deve-se repensar posições que porventura sejam muito
rigorosas por terem sido baseadas no denominado rigor acadêmico
empiricista. Na verdade, a Ciência, assim como a vida, é muito
dinâmica. Isto está fartamente demonstrado na história da
humanidade.
Os paradigmas mudam assim como os pensamentos que são
por eles influenciados, o que faz com que as culturas também
mudem. A cultura educacional precisa mudar também, em
conformidade às necessidades que lhes são impostas pelo processo
sócio-histórico e ambiental que compõe o cenário no qual os alunos
e seus professores se inserem. Sendo assim, o professor de
Ciências e de Biologia deve privilegiar a atitude crítico-reflexiva, pois
seu conhecimento, assim como o conhecimento que a Ciência
propõe, é formado por um processo epistemológico. Jean Piaget
queria fazer entender que isto de fato acontece e os Antropólogos
da Criança e da Infância também pensam o desenvolvimento do
conhecimento que a criança adquire epistemologicamente.
Para entender-se como um processo epistemológico, é
importante que o professor de Ciências e de Biologia procure
interagir consciente e continuamente com a Filosofia da Educação.
Isto precisa fazer parte de sua formação, a qual começa apenas
quando ele é ainda um estudante, mas que, no entanto, deve ser
cultivada de maneira continuada. Esta contínua atividade reflexiva
estrutura o conhecimento que sempre se acrescenta, se revalida, se
reconstrói. Pensando em um processo assim é que aquele que
forma outros professores deve agir, afinal, ele é também um
professor em contínua formação.
Tal processo de continuado compartilhamento entre sujeitos que
se formam uns aos outros e contribuem com as formações de cada
um é o caminho infindável da metacognição. Ela nunca pára e nem
se esgota, dando espaço para que tudo se interligue, de modo a
formar sempre lógicas, as quais envolvem tanto a objetividade das
coisas quanto a subjetividade. Ver-se desta maneira, enquanto
professor, e aos outros professores (e também aos alunos) é até
mesmo alentador. O complexo sistema educativo se humaniza e
assume ares de elevação do ato de conhecer. Então, o mundo das
salas de aula toma outra conformação e consegue-se ser mais feliz
e estar-se mais satisfeito com o que às vezes parece aborrecer os
que consideram-se tão cheios de atividades a desenvolver e,
portanto, sem tempo para tais tipos de reflexão.
Mas, o fato é que o agrado de fazer algo que engrandece o
espírito aumenta a vontade de criar. Então, questões que ainda
continuam parecendo tão complexas podem se tornar mais simples
de serem trabalhadas. Dentre elas, pode-se incluir: a
contextualização dos conteúdos, o uso de estratégias de ensino que
preparem sujeitos para a vida prática e a criatividade para ampliar
horizontes didáticos, entre outras questões. Tudo isto pode ser
melhor acomodado quando há interesse no que se faz,
considerando-se que o fazer aumenta habilidades de quem faz.
Portanto, há enriquecimento do aluno quando o professor faz-se
mais rico em oportunidades de também aprender a partir da sua
ação pedagógica.
Sugere-se ao professor de Ciências e/ou de Biologia que viva a
experiência que quer ensinar primeiro, ou seja, que esteja
consciente dos mecanismos que precisa fazer entender em seu
próprio meio. A atitude científica tem que estar naquele que ensina
Ciência, já que se sugere haver uma alfabetização científica. Para
alfabetizar nas letras é preciso saber ler e escrever. Da mesma
forma, para alfabetizar em Ciência é preciso saber viver os
mecanismos científicos que se pretende ensinar. Faz parte dos
mesmos o conjunto de tudo o que se procurou tratar nestes escritos.
Faz parte da vida do professor procurar saber lidar com este
conjunto, de modo a cientificamente localizar-se no mundo dos
alunos que está decidido a ajudar a se tornarem mais bem
esclarecidos.

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