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KLOSSOWSKI, Pierre. Sade, meu próximo. São Paulo, Brasiliense, 1985.

ADVERTÊNCIA

Excesso de Romantismo no cap. 3. As propostas do cap. 2 (pp. 9-10) não foram


aprofundadas:

O FILÓSOFO CELERADO

Filósofo de bem X filósofo celerado – pensamento como fim do ser X pensamento


favorecendo uma atividade mais vigorosa.
Sade aplica princípio lógicos de seu tempo (razão universal, generalizante) em uma
contra-generalidade dos atos perversos, tornando, de certa maneira, contraditória a própria
razão. Isto porque os filósofos contemporâneos de Sade rejeitaram Deus como ilógico,
fonte das monstruosidades. A razão universal pura levaria igualdade e liberdade a todos,
partindo de um comportamento que seguisse normas racionais. Mas os atos impuros e
estranhos à idéia de igualdade e preservação da espécie que os homens (e os personagens
de Sade) faziam, contrariam, de muitas maneiras, a tal razão universal. Se a razão livrou o
pensamento de deus, Sade emancipa o pensamento da própria razão;
Dupla experimentação: “ 1. A da representação do sensível, no ato aberrante; 2. A
da representação descrita” (19)
Relação entre a execução do ato e sua atualização pela escrita: a escritura interpreta
o ato, colocando o sensível (a propensão a agir) e a razão lado a lado, aviltando a última e
censurando a primeira em um mesmo movimento. Rejeita Deus por considerar o sentir um
imperativo moral, mas não deixa de considerar a razão (agora “perversa”) um ultraje.
Sade não procurou dotar a perversão de uma conotação positiva, não procurou
livrar-se da idéia de ultraje que a razão normativa trás. A transgressão vira, assim, um tema
central.
O Ateísmo integral significa que o princípio de identidade desaparece com o
garante absoluto deste princípio; portanto, que a propriedade do eu responsável é moral e
fisicamente abolida. Conseqüência principal: a prostituição universal dos seres. Esta não é
senão a parte da monstruosidade integral repousando na insubordinação das funções de
viver, na ausência de uma autoridade normativa da espécie.
Ora, a necessidade de transgredir vem contrariar, de maneira paradoxal, essa dupla
conseqüência do ateísmo; a expropriação do eu corporal e moral anterior à prostituição
universal ainda seria instituível: ou seja, no sentido utópico do falastério de Fourier, baseado
no “jogo das paixões”.
Mas, no momento em que você instituída esta comunicação, não haveria mais a
tensão necessária ao ultraje: o sadismo nela se dissiparia – a menos que se criassem
deliberadamente, pelo “jogo” regras à infringir (como sucede, aliás, nas sociedades secretas
imaginadas por Sade). (21-22)
A noção de propriedade e de ordem geram um acúmulo de energia que torna a
transgressão necessária – sem a propriedade moral do corpo individual, prostituir,
transgredir seria um ato vazio. A diferença entre os sexos, digamos, faz da sodomia um ato
perverso, de insubordinação. A monstruosidade integral sendo atingida, desapareceriam os
“monstros” – uma utopia inalcançável. Já que é só dentro das normas e das instituições, da
linguagem estruturada, que se pode avaliar um ato como “monstruoso”. Outrossim, livrar-
se da monstruosidade é impossível, já que a transgressão, para Sade, é, inerente à ordem –
ela é uma explosão da energia acumulada graças a um obstáculo.
A perversão, em Sade, não é uma patologia, mas uma avaliação de consciência. Ela
aparece sobre a forma de paixão ou de mania  a subordinação do prazer a um gesto único
/ idéia fixa: “o perverso persegue a execução de um gesto único; é a questão de um instante.
A existência do perverso torna-se a perpétua expectativa do instante em que possa executar
este gesto” (25). A existência é reduzida a um detalhe – uma espécie de superindividuação
que leva ao esgotamento do próprio indivíduo das funções de viver.
O gesto do perverso possui significação obscura e retroalimentativa. Este gesto pode
ser interpretado por Sade, que geralmente o faz sobre a forma de sodomia – o principal ato
de contrageneralidade (seu significado-chave) pois fere a lei da propagação da espécie e
“testemunha assim a morte da espécie num indivíduo” (27). Transgressão, destruição do
organismo em torno do qual todas as perversões gravitam.
Importante notar que a perversão, em Sade, é dada – ele não procura explicá-la
racionalmente. O personagem de Sade surge no mundo cotidiano, no centro das
instituições: não provavelmente para criticá-las, mas para demonstrar que sua existência
implica no triunfo das perversões.
O gesto singular do perverso esvazia a generalidade da palavra, já que brota dela e é
singular. Todos são singulares, o geral é ser único. Desta forma, somos todos cúmplices do
perverso, transgressão tem conexão com a censura do sujeito, mas Sade não vê estes dois
atos em sua simultaneidade contraditória, mas em momentos sucessivos: insurreição,
transgressão e intimidação, a última exercida pelo sujeito fora de si. Há reiteração apática
do ato eliminaria, através de uma insensibilidade voluptuosa, a intimidação.

SADE E A REVOLUÇÃO

Os intelectuais libertinos como Sade aliaram-se ao povo, durante a Revolução, mas


não podem demonstrar seu pensamento para este, pois, mesmo que os homens ajam de
acordo com estas idéias – de violação e sacrilégio – eles não as aceitam.
O ideal republicano coloca o Mal como uma ameaça constante: por não deixa-lo
eclodir, ele se faz sempre presente (latente). Sade crê que o Mal, através da perversidade.
Deve ser colocado todo para fora, a fim de que consuma a si mesmo e permita a paz,
chegando-se assim ao homem integral.
A Revolução Jacobina não visava o homem integral, mas o homem natural, de
forma que era inimiga dos objetivos de Sade. Além disso, este via a derrubada da
monarquia por uma nação “antiga e corrompida” como incapaz de regenerá-la moralmente.
A nova liberdade (fundada no ateísmo, pois o Rei era o representante de Deus) elevaria a
criminalidade a seu clímax.
Hierarquia teocrática: temor a Deus e fim do Estado de Natureza (hobbesiano?).
Ligação: Deus  Rei  Senhor  Servo. Responder ao senhor é responder indiretamente
à Deus. Se Deus não existe, coisa que o senhor (ateu) pode vir a dizer, a estrutura perde
forças, perde legitimidade, e o servo não mais irá aceitar ficar por baixo, reintroduzindo-se
assim a lei da selva. O edifício só continuará de pé se Deus não morrer na mente do servo
(o que manteria a legitimação religiosa), ou se o senhor libertino buscar outra legitimação
(racional?) que não torne o servo um escravo.
Quando o senhor libertino mata Deus, este é um preâmbulo para o regicídio pelas
mãos da nação. A nação vê a morte do rei como ato de matar um inimigo em uma guerra.
Sade vê parricídio, morte de Deus – de onde não há como brotar fraternidade, já que se é
como Caim.
Após o assassinato do Rei, a nação pretende voltar à justiça, à inocência: a guerra
foi só contra o tirano, mas, para Sade, isto é impossível – marcado pelo assassinato, o
Estado, que pretende basear-se na liberdade, perde o direito de punir os outros criminosos e
assassinos – e, com a morte de Deus, a felicidade individual e o egoísmo, passam a ser
guias – um Estado imoral não pode exigir que os indivíduos sejam morais. A República
deverá colocar-se, desta forma, em um Estado de movimento e insurreição perpétuas.
Utopia do Mal: Estado virtual da sociedade moderna. Utopias do bem abstraem o
mal. A utopia do mal de Sade engendra o mal num ciclo vicioso de tédio e perpetração do
mal ad infinitum.
Parece que Sade se torna partidário da Revolução apenas para denunciar as forças
obscuras dissimuladas em valores sociais pelos mecanismos de defesa da coletividade.

ESBOÇO DO SISTEMA DE SADE

A filosofia dos personagens de Sade passa do racionalismo de Voltaire e dos


enciclopedistas ao materialismo de Hollbach e La Mettrie sem se importar com
contradições. “Sade pretende assim provar que é o temperamento que inspira a escolha de
uma filosofia e que a própria razão que invocam os filósofos de seu tempo não é mais que
uma forma de paixão” (78). Sade, diferente de seus personagens, parece por horas preso,
para Klossowski, à filosofia iluminista, à explicação mecanicista do homem, movido pelo
interesse, e não por outros fatores esotéricos. Mas Sade subverte este princípio, quando
argumenta acerca da falta de liberdade imposta aos homens pelos seus reflexos fisiológicos
– nos momentos nos quais a perversão comanda. Da perda de liberdade original para forças
obscuras surge a procura desta liberdade, e daí a confusão entre o que foi perdido na origem
e o que foi perdido agora.
Para Sade, assim como para os Iluministas, o homem triunfa sobre Deus. Sem
religião, o papel das virtudes oscila em sua obra: ora, através da razão, a moral semi-cristã
(amor ao próximo) mantém-se apesar da inexistência de Deus (Diálogo entre um Padre e
um Moribundo); ora o vício triunfa como em Os infortúnios da virtude. Aqui, “a
consciência, ainda moral, é apenas o casulo que se romperá sobre a germinação dialética
dos problemas que se coloca essa consciência” (82). Mesmo a Providência faz um retorno
no discurso deste livro. O pensamento de Sade é mesmo dialético: não se contenta em negar
ou aceitar Mal, retoma-o, problematiza-o.
Relação negativa com Deus: seu ateísmo não é fino, mas quase uma forma de
sacrilégio, sendo as perversões uma provocação a um Deus ausente. O objetivo é o Mal (a
partir do livre arbítrio), mas, sem a medida do Mal (Deus), a libertinagem perderia todo o
sentido. Deus reaparece, aqui, invertido, culpado, por permitir que o Mal exista, torna-se o
criminoso original, o que acaba por permitir a maldade por parte dos homens com seus
vizinhos. O homem mal foi formado à imagem e semelhança de um Deus mal. Temos aí a
relação negativa com o próximo: a felicidade vem do mal que causo ao outro, como Deus é
feliz pelo mal que me causa. Distorção/inversão da idéia de amor ao próximo.
Prazer da comparação surge na contemplação de pessoas desgraçadas. A igualdade
impediria, assim, a felicidade, a inexistência da doença impediria que se goze a saúde. A
necessidade de prolongar o sofrimento da vítima, entretanto, aproxima o carrasco desta,
submetendo-o, também, a uma espécie de sofrimento – relação amor-ódio. Brota, desta
relação, a separação radical entre fortes e fracos, nobres e povo: mesmo que o nobre
libertino “rebaixe-se”, ele continua com o direito de ditar a moral, problematiza-la,
experimentá-la.
Sade inverte o caráter positivo da substituição iluminista de Deus pela natureza em
estado de movimento perpétuo – trata-se de uma tragédia. O Mal é aferido também à
natureza, e a conduta torpe aparece como uma forma de imitá-la odiando-a. Dialética de
pertencimento/refutação de uma natureza que é suprema instância, mas que pode ser
julgada moralmente. Confusão Deus / Natureza: última como derradeiro elemento presente
do primeiro.
Discurso do Papa: natureza cria o homem segundo suas leis, mas depois o abandona
a viver sobre as leis humanas ele poderá, agora, multiplicar-se ou aniquilar-se. Mas o
homem acaba por subjugar a natureza, através de escolhas. Neste sentido, apenas o
criminoso agiria conforme a natureza, ao subjugar outros humanos. – são os celerados que
impõem movimento ao mundo. Sade visa, assim, integrar a crueldade num sistema
cósmico, dando-la função – aparece aqui a violência criadora, a destruição positiva. Porque
Sade não separa o orgânico do inorgânico, pulsão erótica de pulsão de morte, o animado e o
inanimado – a morte e a vida, sobre a forma da putrefação, da dissolução, o que nos remete,
é claro, ao eterno retorno nietzscheano.
Crime/conhecimento: conhecer a natureza a qual se pertence é necessário, e a única
maneira de faze-lo é agir, como ela, através do crime.
Amor-ódio ao próximo: passo em direção à liquidação de si e de outrem: o desejo,
absoluto soberano (dependente da comparação, lembremos), torna o outro nada para mim,e
e, desta forma, torna-me nada para ele,e, assim, por comparação, nada em relação a minha
própria existência. O pensamento de Sade esbarra, portanto, em um niilismo moral. O livre
desejo, o fluxo ininterrupto das perversões, das anomalias, para ser criativo, chega a ser
niilista – um paradoxo.
São os personagens de Sade que representam estas “anomalias” do desejo.
Anomalias que só são “anormais” na medida em que são colocadas reflexivamente pela
consciência. Outro paradoxo: o desejo é natural e naturalmente anômalo (perverso) na
medida em que parte de um egocentrismo primário, também natural. O problema é o terror
da individuação aliado à questões que partem de uma lógica individual – desejo se
confunde com indivíduo, intenção com impulso.
Ora, foi a partir daí que Sade tentou encontrar uma saída para a necessidade de
destruir, por uma negação da destruição, já que seu conceito de natureza destruidora de
suas próprias obras identificava a destruição coma pureza do desejo. Eis aí o propósito de
sua moral da apatia, cuja terapêutica deve alcançar esta renúncia à realidade de si mesmo.
A prática da apatia, tal como a sugerem os personagens de Sade, supõe que o que
se nomeia alma, consciência, sensibilidade, coração, são apenas as diversas estruturas que a
concentração das forças impulsionais afeta. Elas podem elaborar a estrutura de um órgão de
intimidação sob a pressão do mundo dos outros, como a de um órgão de subversão sob a
pressão interna dessas forças, isto sempre de maneira instantânea. Mas são sempre os
mesmos impulsos que nos intimidam ao mesmo tempo que nos insurgem. (109)
O desejo, remetente à destruição, para se manter, deve sê-lo de forma apática, ou
seja, de forma a excluir o outro da consciência – executando através de atos a sangue-frio e
não na embriaguez, que poderia depois trazer remorso.
Para que nada nunca seja novamente preenchido pela realidade do outro e de mim
mesmo, nem pelo gozo nem pelo remorso, preciso desaparecer numa reiteração sem fim de
atos que me arrisco a deplorar, já que suspendendo-os, a realidade do outro me retorna, ou
de superestimar o gozo que eles me proporcionam, visto que eu tributo a mim mesmo esse
gozo ou essa mágoa, ou os tributos ao outro, que seria a sua origem. (111)
O gozo perde-se, tornando comedido, na execução de atos apáticos, para não
destruir a si mesmo, mas a faz assim mesmo. O pensamento de Sade cria obstáculos para si
mesmo, em uma reflexão que se assemelha à sua idéia de perpétuo movimento.

SOB A MÁSCARA DO ATEÍSMO.

As idéias e atos dos personagens de Sade (reveladores, em que sentido, das suas
próprias?) não compreendem os mistérios de Deus, da Natureza, do Mal, do Nada. Algo se
mantém constante (e o opõe aos iluministas): o sentimento de pureza original e queda do
espírito, de um tempo atual preenchido por uma crescente degradação  não há progresso,
no mito sadista; daí a idéia de crime puro, que, no movimento destruição/criação traria de
volta a pureza original.
Já que a idéia de pureza é desvinculada de Deus, e ligada a destruição, apesar de
continuar sendo uma qualidade absoluta, ela fica perdida entre o desejo de continuar pura e
o de queda – especialmente sobre a imagem da virgem. A virgem é o maior objeto de
desejo, exaspera a virilidade, sob a forma de crueldade e destruição. Crueldade também da
própria virgem, que se faz inacessível  ódio a virgindade, a este estado absurdo que
marca a derrota inicial  dilema da virilidade: é impossível não desejar a pureza, é
impossível não desejar destruí-la.
Outro aspecto que parece importante, mas que foi pouco explorado por Klossowski
é a necessidade de repouso de quase todos os personagens de Sade, após cometerem suas
perversões... Fuga do remorso?
“Para a virilidade maldita, a crueldade é o meio de suplantar a experiência da perda
do objeto amado: ela cede à crueldade o objeto que lhe foge e nela encontra uma exaltação
que lhe foi recusada no amor” (130). Contrário do amor romântico.
O tempo e o tédio provocado pela perda do sentimento de eternidade – delectatio
morosa – o homem entregando sua alma à morte, devido ao tédio – entregando, no caso de
Sade, ao gozo. Retendo em sua mente as imagens que surgem no devaneio, mas sem poder
realizá-la Sade acaba tendo que negar a si mesmo. “Ao inverso da alma crédula, que se
define pela presença de Deus como sua própria afirmação, a alma de Sade, ao ocultar sua
exasperação inata sob uma consciência atéia, se define a primeira vista como sua própria
negação“ (135-136). Sade então recorre ao esquecimento – e assim à recriação incessante
das mesmas fantasias – para não perder a consciência completamente. Estas fantasias são
transformadas em atos pelos seus personagens, que, entretanto são incapazes de consumar
os fatos de uma vez por todas.
Há ainda outros modos de delectatio morosa: o deboche experimental aproxima
Sade de Sacher-Masoch:
Consistindo a felicidade não no gozo mas no desejo de romper os freios que se
opõem ao desejo, não é na presença. Mas na expectativa dos objetos ausentes que se gozará
desses objetos – isto é, que se gozará de sua presença real destruindo-os (crimes do
deboche) ou, se eles decepcionam e parecem se recusar à presença (em sua resistência ao
que se aspiraria a lhes fazer sofrer), serão maltratados para torná-los ao mesmo tempo
presentes e destruídos (137-138).

APÊNDICES:

I Crítica a idéia de vontade geral, que coloca a massa majoritária (após a reclusão do
individual) como representante da espécie humana. Colocaria-se aqueles que desta vontade
mais se afastassem como monstros, mas nesse movimento que exclui o erro, exclui-se
também a sensibilidade – excluindo-se, assim, qualquer forma de fraternidade.

II Psicanálise: ódio ao pai constitui o conflito dos homens. Sade seria o inverso: tem
ódio à mãe. O Édipo invertido, que se alia ao pai e volta toda sua agressividade à mãe. Os
delitos desta justifica, os crimes do pai abandonado, e ele mesmo cometer o mal seria sua
única forma de pagar sua dívida com o pai. “O ‘sadismo’ de Sade seria, pois, a expressão
de um fator de ódio primordial, que teria ‘escolhido’ a libido agressiva para melhor poder
exercer sua missão: a de castigar o poder materno sob todas as suas formas e de subverter-
lhe as instituições” (146).
Ódio aos valores femininos: fidelidade, piedade, gratidão... Estendidos a sua esposa
e a todas as mulheres, que, em sua obra, partem de uma posição tirânica mas devem ser
reduzidos ao simples objeto de prazer do homem.
A gratidão com a mãe (e com todos) deve ser deixada de lado, sobre a sombra do
egoísmo natural: dar a vida é também uma atividade que se fez para si mesma. Então,
porque agradecer?
A mulher idealizada por Sade é Juliette, aquela sem vínculos sociais – não mão e
não esposa – daí o louvor à sodomia e ao sexo não-reprodutivo. Por isso, também, a
identificação e cumplicidade com o pai, que é o sombrio destruidor de sua própria família.
“A sodomia e o incesto, Sade os exalta como os atributos da paternidade: o pai deve romper
os grilhões conjugais que o impedem de gozar fisicamente de seus filhos: nenhuma lei
natural se opõe a isso” (151).
A virgem inacessível corresponde, em muitos sentidos, à mãe (em seu aspecto de
pureza idealizado) – mas, sob uma forma descontínua (a correspondência não é completa,
coisa que muitos psicanalistas não vêem), a mãe não pode ser virgem. Mas, de qualquer
maneira, mantém-se o caráter maniqueísta: ódio à mãe, amor ao pai.

III Impossibilidade de esgotar todas as formas de prazer X desejo frenético de fazê-lo.

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