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MORAES, Eliane Robert. 1994. Sade, a Felicidade Libertina.

São Paulo, Imago

 Dissertação em filosofia, USP, 1990 (livro 1994).

APRESENTAÇÃO:
11  Esse livro não busca coerência.
11  Tensão entre biografia e obra.
15  Sade não é apóstolo da liberdade sexual.

A VIAGEM
26  experiência
31  alegria
32  surpresa, diversão, prazer.
33  mais, ainda. A imaginação é insaciável.

40  Vida = existência empírica, corpórea e carnal. Não há vida após a morte.


50 Materialismo Iluminista  nervos, eletrobiologia.

45-6  verossimilhança: imaginação + observação.

49  Viagem não é rito de passagem (47) é fundadora e condição de possibilidade do


deboche

51  scientia sexualis e ars erotica se unem em Sade: aptidão + aprendizagem.

O CASTELO
58  abismo, vertigem, caos.
59  o mal insuportável, a destruição como meta.
63  isolamento.

81  na obra sadeana aparece mais a prosperidade do vício que o infortúnio da virtude.


O gosto pelo mal.

93  a imaginação como forma de escapar do isolamento e da prisão (Foucault)

O TEATRO
102  a desigualdade é lei da natureza. Há uma classe de submissos e uma de senhores.
104-5 Imitar a natureza (cópia, mimeses, representação). A natureza é destrutiva.
104-107  idas e vindas entre o natural e o artificial culminam no teatro.

112  vestimentas: transvestir, seduzir, inverter, iludir, disfarçar.


114  comediante: perda de identidade?
120  espetáculo, acumulação de papéis, movimento.
121  consciência da ilusão.
122  disfarce como forma política, afirmação da liberdade.
123-4  identidade e máscaras (Goffman)

128  teatro como cura: criminoso ou doente (história da loucura).

134  Não é perversão, é preferência. Não é desvio, é multiplicidade.


136  mnemotécnica da dor não existe em Sade.

O BANQUETE
142  mais comida, mais apetite, mais desejo (Campbell).
143  não há fome, não há necessidade, apenas satisfação de gostos.
156-7  recusa da carência, foco na fartura.

145  luxo não é hedonismo, é divisão de classes.


157  a felicidade está na comparação, no privilégio.

158  afirmação do particular.

163-4  comida: restauração, engorda, assassinato, sujeita.


166-7  Pureza e Perigo (Douglas) + xingamento animal (Leach).
174  consumo, excesso (Bataille).

176  autofagia é limite.

O BOUDOIR
177  O Boudoir é a unidade mínima de espaço nas obras de Sade, podendo ser
considerado uma espécie de locus da concentração da luxúria e da libertinagem.
É um local de descontração e informalidade, diferente dos grandes salões com
pompa e opulência. Tem poucos objetos: apenas aqueles necessários para a “impureza”.

178  Já aqui se delineia o dualismo central neste texto: entre vida social e intimidade,
a primeira vista como cheia de cerimônia, a segunda como transparente.

 O boudoir é um local de segredos eróticos. A etimologia da palavra nos dá uma pista


quanto a isto: está ligada a montanhas altas e inacessíveis. Tudo isto indica isolamento,
privacidade, este tema novo que aparece, e busca um novo vocabulário [citar 179-180].

179  Este tema se reflete na arquitetura, que nos dá pistas sobre as mudanças de modo
de vida das classes dominantes ocorridas no séc. XVIII: separa-se a criadagem dos
patrões; separa-se cada pessoa em seu quarto individual; separam-se locais de trabalho,
estudo e socialidade. Temos aí três movimentos: um de separação física das classes
sociais, um de individualização e criação da intimidade e um de fragmentação do
indivíduo em camadas ou papéis sociais.

 [Esta mudança no modelo de uma nobreza e uma realeza mais pública para uma mais
privada, que se associa mais com seus pares, com seus amigos íntimos (ver parte sobre
Maria Antonieta, p. 181, comparar com os rituais de banho descritos por Elias) poderia
ser visto como um aburguesamento desta elite, agora mais individualizada? A Criação
do escritório já indicaria uma valorização do trabalho, um aburguesamento?]

 Foco na intimidade, e nos valores atrelados a ela: infância, educação, amor materno,
responsabilidades domésticas e sexualidade. Moraes indica que os quatro primeiros
temas foram desenvolvidos por Rousseau, sobre a idéia de lar. Já a sexualidade foi
desenvolvida por Sade, sobre a idéia do boudoir.
 Ambas as idéias atacam de certa maneira o homem público, visto como escondido
atrás de máscaras, sem revelar seu verdadeiro eu. Paralelo com Goffman
(“representação do eu”).

 Benjamin Constant apresenta uma diferenciação entre uma liberdade “dos antigos”,
ligada à esfera pública, à realização de si na comunidade; e uma liberdade moderna, que
possibilita o “livre exercício das paixões pautado pela independência individual” (181).
[Possível paralelo com Habermas: esfera pública x esfera privada?]

 Vemos, com a emergência do romantismo, um triunfo do individual sobre o social,


que é também um triunfo da interiorização.

 Isto reflete na literatura: os diários, os romances epistolares, as autobiografias e o


romance erótico marcam este surgimento da intimidade.

182-183  neste movimento, a maternidade ganha importância, o cuidado e o carinho


com os filhos passa a ser visto mais e mais como natural, instintivo, e, portanto quase
obrigatório para as mães.

 Mas em Sade há uma inversão de valores: mães são assassinadas, incestos são
cometidos [ex do padre em 120 dias]. Aqui prevalecem os segredos que deveriam ser
inconfessáveis. O boudoir, portanto é o inverso do lar.

 No lar o homem é justo, caridoso, amoroso, como deve ser, na vida pública, o bom
cidadão, na visão de Rousseau, para quem o lar é a ante-sala da sociedade. Aqui deve
haver transparência. É por isto que para Rousseau, o homem é aberto para o exterior,
para a natureza, para os outros [tema da paisagem].

 Em Sade o homem é fechado em si mesmo, e foge da luz do sol. Podemos sumarizar


a contraposição Sade X Rousseau como uma entre Comunitarismo radical e
Individualismo radical.

II  O tema da torre como chave importante no romance gótico, do qual a obra de Sade
se aproxima. A torre é vista como uma forma de observação de dentro pra dentro, de
dentro da torre para dentro de si. A interiorização aqui significa fechar-se em si (187).

 Mas em Sade aparece pouco a torre, isto porque o movimento essencial não é a
subida, a busca por uma elevação do espírito, mas a descida, de forma que Sade
apresenta a inversão de um dualismo clássico [CITAÇÃO LONGA 187-188].

 [poderíamos pensar, valendo-se desta fusão entre espírito e carne, e no movimento


descendente em Sade, em uma ligação com a idéia do grotesco em Bakhtin, pois para
este autor o grotesco valoriza o chamado baixo corporal: orifícios, protuberâncias,
ramificações e excrescências, tais como a boca aberta, os órgãos genitais, seios, falo,
barriga e nariz. Temas importantes em Sade.]

 Em Sade valorizam-se as entranhas do corpo e entranhas da terra, a descida ao


inferno, marcada pela imagem de um abismo no centro do salão. É a recusa total da
elevação e do ar livre.
 Esta é também a negação total do outro. A solidão aqui é tema fundamental, o
erotismo de Sade é sempre auto-erotismo, seja sobre a forma de onanismo ou sobre a
forma da objetificação das pessoas, que serão meros objetos do prazer do libertino: não
serão “parceiros sexuais”. O auto-erotismo [lembremos de Foucault & Sennet] é visto
como a negação da vida em função da imaginação – mas em Sade ele é visto como
afirmação última de si, recusa dos códigos sociais em prol do prazer e da vontade puras
do libertino. Em prol de sua natureza. (190) [Bataille: sodomia em Sade como principal
ato transgressor]

III - 191-192  No Iluminismo a filosofia é vista como iluminadora do mundo e do


humano. Diderot elogia a razão, em detrimento da emoção, defende um epicurismo,
contra as grandes paixões [EVV – intensidade x extensão]. A Sociedade é vista assim
como domesticação necessária do homem, que de outra forma seria monstruoso [Elias,
Hobbes]. Assim, Razão : sociedade :: paixão : solidão.

 Mas em Sade, os libertinos são como monstros solitários, para os quais é preciso
“muita filosofia para entender”, ou melhor: uma filosofia que vai além do iluminismo,
que vai além das razões, uma filosofia do corpo e das paixões (193) [“Franceses, mais
um esforço se quereis ser republicanos”].

195  esta é a filosofia do libertino, que ilumina tudo, até o que os Iluministas
preferem deixar na obscuridade. Há uma enunciação dos desejos, das vontades e dos
prazeres, uma mistura entre pensamento e carne, reflexão e paixão. [estrutura de
“filosofia na alcova”]

 A iluminação buscada pela filosofia libertina é também uma ampliação total, por isto
o espelho é uma imagem boa: permite a onivisão, a multiplicação e a saturação. Tudo se
torna infinitamente repetido, deixa de ser estranho, incomum. [estrutura de “120 dias”].

IV  Moraes aponta para duas formas de conhecimento: a do etnólogo, que busca a


experiência fora de si, no mundo; e a do filósofo, que se vira para dentro. Na figura do
libertino ambos estão apresentes [“Justine”]. Mas o segundo modo (filósofo) é visto
como mais “profundo” e por isto exige um distanciamento maior, que em Sade aparece
como apatia (198).

 Apatia remete a duas tradições clássicas e ascéticas distintas: o estoicismo e o


epicurismo. Mas a apatia em Sade não é nem uma nem outra, mas um caminho para se
atingir um máximo de prazer e crueldade, um máximo de realização de si, a partir da
indiferença emocional, alcançando uma felicidade temporal, material e corporal, uma
felicidade de ateu (200). [exemplo do assassinato x casa queimada].

 Para alguns leitores de Sade, como Deleuze e Hénnoff, esta felicidade é espiritual, no
fim das contas. Mas para Moraes, isto é deixar de lado a proposta corporal de Sade de
uma subversão da “espiritualização do erotismo” (201).

 A crueldade e o erotismo de Sade são frutos da sensibilidade dos órgãos, elas


implicam em uma pesquisa do corpo, em um exercício dos sentidos. Se a reflexão deve
se submeter aos sentidos, então não há separação entre corpo e alma.
203  Esta reflexão feita com a carne pode ser feita no boudoir, na reclusão. A
proposta sadeana anteciparia então um romantismo para o qual o critério de verdade é
íntimo e pessoal, não externo e universal. Um critério de verdade não iluminista. [idéia
de natureza em Sade: Nietzsche, Espinosa, Hobbes, conatus].

205  Este momento é um momento de ascensão dos livros e declínio das artes
públicas. O Romance aparece como forma de comunicação à distância e forma de troca
de segredos da alma.

 A intimidade em Sade (diferente da apresentada por Foucault) é vista como uma


conquista necessária para a realização do homem, para que ele não se submeta ao social.
E de fato a obra de Sade é uma recusa do processo civilizador, da domesticação, em
busca de uma felicidade cruel e corpórea, que terminará por ser considerada doentia.
[Krafft-Ebing... depois Sade: todo mundo “foi” perverso].

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