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PARKER,R. & BARBOSA, R. (orgs.). Sexualidades Brasileiras.

Rio de Janeiro: Relume


Dumará: ABIA: IMS/UERJ, 1996.

LIMA, Lana Lage de Gama: “Confissão e Sexualidade”.

Santo Agostinho: pecado original é a soberba. Libido é a rebelião da carne contra o


espírito. Antes do pecado original, controlávamos nosso apetite sexual.
São Boaventura: pecado original foi transmitido a todos. Somos todos pecadores.
Luxúria é um conceito que veio a englobar, a partir do Séc XI, toda uma
classificação de vícios da carne. Entre este século e o XIII, substitui-se a penitência pela
confissão normatizada nos manuais. Neles, algumas regras como a de que o pároco deve
morar perto de sua “freguesia”, e a de que a confissão expontânea deve preceder ao
interrogatório. Tais regras tem como fim fazer transparecer os conflitos particulares. A
confissão coloca-se, assim, entre a normatização dos teóricos da Igreja (canonização) – que
generalizam em suas proibições e sanções – e a vivência pessoal dos conflitos religiosos
(especialmente da carne). Tais manuais, eram, pois, como guias práticos.
A luxúria é vista como a cópula gozada desordenadamente. Só há ordem no deleite
sexual dentro do matrimônio, e mesmo assim apenas se o fim é a procriação ou o
pagamento da obrigação sexual. A luxúria foi tomada como uma loucura obsessiva não
muito distante da possessão demoníaca.

HEILBORN, Maria Luiza: “Ser ou Estar Homossexual”.

O texto se insere numa ampla e crescente discussão acerca de identidade sexual.


Identidade  conjunto de marcas sociais que posicionam o sujeito no contexto
social. Não é reificada ou estática, sendo modelada em três dimensões: 1) atributos que
classificam o sujeito (idade, classe, gênero, etc.); 2) significação social dos eixos
classificatórios anteriores (entre outros), maneiras como se inter-relacionam e negociam-se.
3) expressão e corporificação de marcas em significados para si e para os outros.
É necessário enfatizar que este processo é simultaneamente exterior ao sujeito e objeto de
uma interiorização, movimento este que se aproxima da idéia de habitus em Bourdieu.
Identidade social é, assim, a moldura possível onde os sujeitos podem existir e se expressar;
um formato que não lhes é propriamente oferecido, porque parta tal supor-se-ia que seres
sociais pudessem existir previamente à inserção na vida coletiva. (137)
Assim, a constituição da identidade sexual é uma parte central do processo maior de
constituição identitária (ao menos no ocidente). Para Heilborn (que se apoia em Bozon,
Parker, Gagnon e outros), “a sexualidade não possui uma essência a ser desvelada, mas é
antes um produto de aprendizado de significados socialmente disponíveis para o exercício
dessa atividade humana” (137).
A centralidade provêm do fato de que a sexualidade ocupa um locus privilegiado de
verdade do sujeito, na cultura ocidental. Heilborn aqui se utiliza de Foucault, e sua análise
de certos pontos de História da Sexualidade I é esclarecedora:
A proposição insiste que a localização dos sujeitos num mapa social é realizada na
modernidade através de uma explicitação desejante das pessoas, ou seja: a escolha de
determinadas práticas sexuais revelaria a natureza dos indivíduos, situando-os frente aos
outros. Esta forma de classificação veio deslocar parcialmente o esquema de inserção social
anterior que situava os sujeitos a partir de seus laços nas redes de parentesco. (138).
O sujeito definiria sua identidade em parte através da orientação erótica, e não
poderia jamais colocar sua sexualidade entre parênteses, uma vez que ela produz (ou é
produzida por) uma sensibilidade especial, específica.
As mulheres homossexuais estudadas por Heilborn, entretanto, insistem em dizer
que enquadram-se em um universo que vai muito além da orientação sexual, o qual é
necessário observar para compreender suas concepções acerca da própria identidade. A
homossexualidade não define suas identidades.
Problema do coming out: alguns afirmam a declaração explícita do
homossexualismo como limitadora das potencialidades dos indivíduos. Outros – em
especial os militantes de movimentos homossexuais – crêem que esta posição é covarde,
calculista e individualista. Contra os militantes, afirma-se que a própria relação pode ser
mais importante que o sexo do parceiro, e que a homossexualidade não é uma essência:
seria mais um estar do que um ser.
Vemos as duas posições como marcante de um contexto social bastante específico:
Brasil urbano, plural, de classe média intelectualizada e politizada. Dentro dele, fazem
sentido discussões e dilemas próprios do individualismo moderno. Nota-se uma
ambivalência no discurso nativo de constituição da identidade, ambivalência esta
impulsionada por constrangimentos sociais que, quando não limitam as escolhas, limitam
ao menos sua colocação em discurso, fazendo necessária uma administração da identidade.
Trata-se de uma concepção de pessoa, que enseja um distanciamento crítico frente às convenções
sociais e torna plausível crer que tudo é determinado pelo social menos o próprio enunciante da fala. É uma
flagrante ambivalência, mas é dela que resulta esse discurso sobre identidade sexual. Mantê-lo em perspectiva
ajuda a esclarecer como é possível em determinados contextos entender-se como homossexual e em outros
não. O desafio colocado para a análise é entender a não linearidade da significação; o permanente
deslocamento do sentido em termos situacionais, afastando a interpretação de uma inconsistência de postura
discursiva por parte desses(as) nativos(as). Presencia-se, nesse caso, o fato mais geral de as identidades
sociais não se constituírem de modo linear, nem necessariamente explícitas. Nessa configuração da pessoa
nem tudo é solar. É possível deixar na sombra, não nomeadas certas dimensões da construção e si e uma delas
é o espaço entre o desejo e a elaboração de um identidade sexual marcada. Esse hiato não é vazio; é
construído pelo princípio ético de compromisso com a mudança, que integra / estrutura o universo de valores
em exame (142-3)

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