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ABSTRACT I
Enfermeira. Mestre em Sociologia. Doutora em
In the presence of the population eldering, the Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da
violence against the elders appears as a social, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza- Ceará. E-mail:
political and healthy problem. The objective of mjosefina@terra.com.br
this research is to know the perceptions of the II
Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do
elders about violence; to identify which types of Ceará. Bolsista de Iniciação Científica CNPQ/PIBIC/UFC. E
mail: thirza_enfermagem@yahoo.com.br
violence affects them; to detect how they react III
Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do
to an act considered violence; it also tells if Ceará. Bolsista do Programa Especial de Treinamento – PET
elders have different reactions depending on the – Enfermagem. E mail: manujoventino@yahoo.com.br
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agent of the violence/aggression and discover Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Programa Saúde da
Família da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
to whom they appeal when feeling attacked. geridice@uol.com.br
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entrevista con grupos focales como instrumento estudio puédase percibir la importancia de
de colecta de datos, realizadas con doce promover educación para la ciudadanía en el
ancianos atendidos en una Unidad Básica de ámbito del envejecimiento en la sociedad en
Salud de la Familia de Fortaleza-CE. La colecta general, pero, sobre todo, en los servicios de
de los datos ocurrió en enero y febrero de 2006. salud, visando a la valorización del anciano, el
Los ancianos relatan que violencia es la falta respeto a él y la garantía de sus derechos.
“de respeto” y que son alcanzados por la
violencia urbana, institucional y familiar. Las Palabras clave: Maltrato al anciano; Derechos
reacciones de enfrentamiento de los ancianos de los ancianos; Violencia doméstica; Conducta
varían de acuerdo con el lugar y el agente de la social.
violencia. Cuando se siente agredido el anciano .
recurre a los parientes y Dios. A partir de este
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Trata-se de uma técnica qualitativa, não- foi submetido à avaliação do Comitê de Ética
diretiva, cujo resultado visa o controle da em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará,
discussão de um grupo de pessoas, a qual se sendo aprovado com protocolo nº 330/05. Vale
inspira em práticas de entrevistas não- ressaltar que os participantes do estudo
direcionadas e grupais, mais comumente assinaram o termo de consentimento livre e
utilizada na psiquiatria(8). Optou-se por este esclarecido.
método por proporcionar ao pesquisador
agilidade da coleta de dados, apreensão de um RESULTADOS E DISCUSSÃO
fenômeno que emerge das interações grupais, As falas dos participantes da pesquisa
relação direta com os participantes e amplitude foram construídas a partir de um cotidiano,
de diversificação de respostas(9). cujos fatos se organizam segundo a
No início de cada encontro utilizaram-se compreensão de que a violência - fenômeno
técnicas de musicoterapia com o intuito de estudado – é parte deste cotidiano. A violência
descontrair os participantes. Além disso, para o explícita diariamente na mídia é entendida por
desenvolvimento do grupo contou-se com um alguns, como sinônimo de poder e imposição de
facilitador e dois relatores, os quais eram, respeito, além disso, estes a possuem como rito
respectivamente, uma enfermeira da UBASF e da moda, sendo um importante aspecto
duas acadêmicas de Enfermagem pertencentes problematizador na sociedade(11).
ao grupo de pesquisa “A saúde do idoso: Assim, para identificar a violência é
aspectos sócio-culturais, político-econômicos e necessário concebermos o que esta representa
biológico-funcionais” do Departamento de em um processo de intersubjetividade,
Enfermagem da Universidade Federal do Ceará identificar suas características e a proximidade
(UFC). que possui com cada indivíduo, uma vez que
Foram realizados dois grupos focais, cada provoca reações e atitudes peculiares(12). O
um composto por seis idosos, na própria ambiente social do idoso entrevistado se
UBASF. Os encontros duraram em torno de uma caracteriza pela violência estrutural(2-3), pobreza
hora e foram gravados com a permissão dos e carência de artefatos comunitários e
participantes. Foi explicitado para os institucionais para a satisfação das demandas
participantes que todas as opiniões seriam do mesmo. É nesse contexto que o idoso,
igualmente relevantes para a pesquisa e a motivado pela longevidade alcançada e disposto
garantia do anonimato das informações a ter uma participação social mais visível, emite
prestadas. Com este intuito, cada um deles seu discurso sobre a violência a ele dirigida. São
escolheu um codinome, o qual poderia ser o pessoas que não vêem seus direitos serem
nome de uma cor ou de uma flor, sendo o efetivados na prática cotidiana, por isso, torna-
mesmo utilizado para a identificação das falas se necessária a (re) elaboração das concepções
citadas ao longo do texto. de violência que se distanciam da doxa sobre o
Para a organização dos dados, as falas fenômeno.
foram organizadas pelas similitudes dos A apresentação dos dados obedece à
significados dos discursos dos sujeitos da categorização teórica da pesquisa, tais como:
pesquisa, considerando o contexto de cada concepções de violência, tipos de violência que
expressão verbal. Para tanto se utilizou o afetam o idoso, reação frente a um ato que
método de análise de discurso que visa “a considera violência, reação frente ao agente da
compreensão de como um objeto simbólico violência/agressão e estratégias de
produz sentidos, como está investido de enfrentamento à mesma.
significância para e por sujeitos”(10).
Os aspectos éticos e legais envolvendo Concepções de violência elaboradas pelos
pesquisa com seres humanos foram idosos
respeitados, segundo as normas para pesquisa No que diz respeito ao conceito, sabe-se
com seres humanos da Resolução 196/96 do que as palavras não têm significado intrínseco,
Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto passando a tê-lo na medida em que pessoas as
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motoristas e empresas de transporte coletivo. eles como violência, percorre todas as etapas
Este fato é corroborado pela literatura que do ciclo vital da criança ao próprio idoso. Estes
ressalta que a violência, neste aspecto, relatam que as crianças e jovens não respeitam
acontece desde o design dos ônibus que as pessoas mais velhas, seja utilizando
possuem escadas altas dificultando o acesso, expressões grosseiras como ‘Ah, tu é velha, tá
até o desrespeito que se expressa na fora do tempo!’(Azul) ou ‘Você não é minha
insensibilidade dos funcionários das empresas mãe!’ (Papoula). Atitudes como estas ocorrem
de transportes coletivos. Afinal, inúmeros pelo fato de que valorizamos a cultura do
condutores não param nos pontos quando vêem efêmero, do agora, do descartável, do novo,
os idosos, aceleram e freiam bruscamente. novíssimo, pois amanhã já pode ser “velho”. O
Além disso, alguns usuários dos coletivos não próprio idoso tenta disfarçar os traços do tempo
respeitam a legislação de assento prioritários a como forma de evitar a rotulação.
essa população(16), e fingem estarem dormindo Nos tempos atuais, as gerações vivem
para não cederem o assento no transporte segmentadas em espaços exclusivos. A família
coletivo. deu lugar às tribos urbanas. Diferentemente do
Os participantes citam outras situações de sentido mais tradicional, que aponta para
violência no cenário de convivência social, como alianças mais amplas, nas sociedades urbano-
se pode observar “[...] as crianças e os jovens industriais evocam-se particularismos,
já não respeitam mais os idosos. Falam: -“Ah, estabelecem-se recortes, expõem-se símbolos e
tu é velha, tá fora do tempo”! Desfazem dos marcas cujos significados são restritivos aos
idosos [...]. Até na igreja, as crianças ficam seus integrantes. Esta constatação ocorre
correndo, e se você reclama, elas falam: “você quando se visita determinados espaços sociais
não é minha mãe!”Nem dão o lugar pro idoso onde cada sub-cultura estabelece seu quartel-
sentar.” (Lírio); além disso “[...] hoje são general. Assim, na cidade de Fortaleza, a
ignorantes com eles [idosos]. O menino tacou o exemplo de outras capitais, existem os espaços
peão na minha canela [perna], porque eu pedi específicos para o pessoal de dança de rua,
para ele parar de brincar um pouco para eu góticos, emos, cults, roqueiros e tantos outros.
passar, porque sou doente das pernas. Já Em uma sociedade onde o efêmero é
jogaram uma bila [bola de gude] de aço em valorizado, a bagagem de experiências de vida
mim e eu já fui empurrada por uma criança de já não é tão útil. O que o idoso, em gerações
8 anos, sem eu ter feito nada, só porque ela anteriores representava, já não tem mais lugar
quis” (Cambraia). em uma sociedade aonde a informação chega a
A convivência simultânea entre pessoas de cada um em tempo real. Esta experiência
várias gerações faz com que sejam colocadas acumulada pelo longo tempo de vida não é mais
lado a lado diferentes visões de mundo e útil. Hoje se pode tudo, se quer tudo, sabe-se
valores, reforçados pelo preconceito de de tudo, basta acessar a internet que está
inflexibilidade à mudanças pelos idosos, disponível em qualquer lugar. As lan houses se
gerando conflitos. Além disso, a sociedade têm espalham até pelos subúrbios mais carentes das
presenciado um distanciamento entre as cidades, basta uma linha telefônica. A
gerações, sobretudo em se tratando das superficialidade do efêmero invalida a
pessoas que se encontram na dita “terceira profundidade da vida experienciada. O que
idade”. Convive-se com uma realidade na qual serviu para meus avós – os idosos de hoje –
cada faixa etária busca o seu espaço social, não me serve mais, é passado, descartado ou,
distanciando o contato com pessoas de simplesmente, está fora do tempo.
diferentes idades(17). O idoso vem de uma cultura familiar e
Desta forma, o número de estratégias que social onde o respeito ao mais velho era
permitam maior possibilidade de sobrevivência sagrado. Era motivo de castigo se alguma
de um vínculo familiar e inter-geracional deve criança “ousasse” se intrometer em uma
resultar proveitoso para todos. As atitudes de conversa de adultos, deixasse de dar o lugar a
intolerância para com o idoso, traduzidos por um adulto ou esquecesse de fazer uso de
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palavras como por favor, dê licença, muito acidentes, sobretudo em se tratando de idosos
obrigado, desculpe(18) entre outras, há muito com limitações físicas decorrentes da idade
riscadas do vocabulário da sociedade pós- avançada.
moralista. “Numa sociedade baseada na A cidade de Fortaleza, mesmo nas áreas
manifestação e na afirmação da liberdade em que a população residente tem maior poder
individual, o imemorial culto aos antepassados, aquisitivo, caracteriza-se pela irregularidade das
irremediavelmente perde consistência, uma vez suas calçadas, seja na altura ou nos declives
admitindo que cada um é livre e, antes de tudo, para entradas de carros das residências; na
vive para si mesmo”(19). largura, quando se “aproveita” parte destas
Outro aspecto ressaltado pelos idosos para aumentar as áreas construídas ou ainda
entrevistados foi a falta de convívio com normas nas áreas mais movimentadas, onde existem
de etiqueta: “eu adoro dar “bom dia”, “boa estacionamentos que obrigam os pedestres a
tarde” e “boa noite”, mas quando vou dar um disputarem espaço com os automóveis. Com
bom dia o povo responde com ignorância: - isso, grande parte dos idosos encontra
Negócio de “bom dia!” (Cambraia). Os próprios limitações na sua autonomia de ir e vir pela
idosos justificam tais atitudes “são as pessoas cidade e até pelos arredores de suas
que não tem amor próprio, sem união e paz” residências. O envelhecimento ativo depende de
(Amarelo). fatores como a existência de ambientes físicos
Neste sentido, a violência perde a adequados à idade, “podendo isto representar a
conotação de imposição e de força, para ser diferença entre independência e dependência
compreendida como falta, negação ou para todos os indivíduos, mas especialmente
ignorância frente a normas sociais para aqueles em processo de
estabelecidas(2). Por isso mesmo torna-se tão envelhecimento”(1).
chocante. A violência não é um evento recente. Na categoria de violência em meio à
As sociedades antigas eram orientadas pela convivência social, destaca-se ainda, a violência
violência, basta ler o Código de Hamurabi – generalizada das ruas, onde o jovem encontra
primeira redação unificada de um corpo de leis - espaço para a expressão máxima de uma
e pela guerra. A instituição do Estado que liberdade, cujos valores são significativamente
constrange o desejo belicoso do homem, diferentes dos valores éticos e morais que
mesmo que pela força, na condição de protetor ampararam o viver da geração dos que hoje são
contra a violência, é comparado ao Leviatã pelo idosos. Pode-se identificar a violência urbana
pensador Thomas Hobbes em seu livro como relevante para o idoso, visto que afeta a
homônimo. A violência deixa de ser “natural” ou todos indiscriminadamente. Assim, a sociedade
o único meio de se conseguir impor a vontade. atual é colocada como violenta, como se
Na pós-modernidade, o homem abre mão da expressa Rosa e Margarida nas falas: “a
violência brutalizada contra o outro pelo desejo violência não é só contra o idoso, é com todo
de bem-estar e de realização pessoal(19) mas, mundo. O tratam mal” (Rosa), além de “já fui
nem por isso esta deixa de existir. Só é assaltada, roubada” (Margarida).
renovada em formas mais indolores sem, Nos últimos anos o Brasil vem assistindo,
contudo, deixarem de ser violência. em princípio com certo estupor, mas,
Outro aspecto relevante nas falas dos posteriormente, com apatia, cenas de violências
idosos entrevistados é quando expressam que a nos noticiários, jornais, na vizinhança de sua
violência social decorre também da falta de residência ou mesmo em sua própria casa.
infra-estrutura da cidade e da carência de Assim a violência está presente na vida de cada
civilidade na convivência coletiva, por parte de um, atingindo a sociedade em geral, inclusive
seus moradores. Afinal, certos participantes da os idosos. Isso é patente e indiscutível,
pesquisa relataram que algumas pessoas refletindo-se no aumento geométrico de
colocam restos de construção nas calçadas, programas televisivos e radiofônicos que
geralmente estreitas e com pisos escorregadios, versam sobre a temática.
o que favorece que o transeunte possa sofrer
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É preciso entender ainda que o idoso é um reproduz um discurso que não lhe pertence,
adulto que envelheceu, agora com suas mas que o idoso gostaria que fosse seu.
características mais acentuadas. A passividade A maioria dos idosos entrevistados não
do idoso pode ser uma estratégia deste para se reage diante de um ato violento, talvez pelo
manter aceito no interior da família. O mito de fato de não se sentir no direito de interferir ou
que os idosos devem ser sempre disponíveis, por medo de agravar a situação: “Eu fico
afáveis, mansos, corteses, passivos, os impede calada, não faço nada, não fico violenta”
de agirem por sua própria vontade, ou seja, (Rosa); “Não digo nada” (Verde). Entretanto,
retira-lhes sua autonomia. Fazendo isso, eles não basta representar intelectualmente o que se
podem ser rejeitados como agressivos e está estimulado a fazer. Além do pensamento, é
problemáticos. Cabe lembrar que a preservação preciso ter vontade, querer operacionalizar a
desta autonomia é responsabilidade da idéia racionalizada. Do contrário, o ato humano
sociedade, mas, principalmente, da família(15). não se realiza. Alguns idosos externam seus
Apesar do que foi dito a respeito da sentimentos, através de orações ou do choro,
violência cotidiana, alguns participantes da como se estes aliviassem ou representassem
pesquisa não souberam identificar os focos de seu desabafo, já que pensam não poder fazer
violência: “até hoje tá tudo bem” (Orquídea); mais nada.
“não tem [violência], todo mundo me respeita” O ato humano é a exteriorização daquilo
(Azul). que se intenciona fazer. Ocorre através da
atuação da vontade. A exteriorização de nossas
Reação frente a um ato de violência idéias ou intenções está acompanhada pelo
A reação dos idosos escutados em relação desejo de concretização. O querer é exigência
à violência varia desde não tomar nenhuma de realização, faz vir à luz o que é desejado,
atitude, até externar, mas de forma tímida e representado, afinal, a nossa vontade tem
com curiosidade, frente à violência urbana. atuação efetiva. Toda práxis ou ação torna-se
As reações dos idosos entrevistados diante criação, obra, efetuação, realização, sob a
de eventos violentos traduzem com clareza o interferência de nossa vontade(20).
sentido da agressão, expressando fragilidade e A reação do idoso frente ao agressor,
incapacidade de reação. As explicações são tanto no ambiente familiar quanto no social, é
várias, indo desde o medo de reação “(...) A débil ou, simplesmente, inexistente. Quando se
única coisa que eu faço é rezar quando chego trata de uma violência que acontece dentro de
em casa”, até a banalização desta, como casa, eles reagem: “às vezes em casa meu filho
expressa esta fala: “se eu ver uma violência e é grosseiro comigo, quando meu neto não me
não tiver faca ou bala, eu vou lá olhar”. Este respeita eu taco uma surra nele” (Vermelho).
fato deve-se à banalização da violência, em que Talvez isso ocorra por se tratarem de pessoas
imagens e informações se repetem que lhes são próximas, assim o exercício da
sucessivamente no dia-a-dia, seja na rua, autoridade, embora fragilizado ou mesmo
dentro dos lares ou veiculadas nos meios de inexistente, ainda está muito presente no
comunicação. imaginário do idoso. Então, este se impõe para
É interessante observar a fala que busca que o ato violento não se repita.
uma explicação elaborada, utilizando o discurso Percebemos ainda que a reação depende
da mídia e do politicamente correto: “se for de quem seja o agressor: “se for em casa
uma violência de briga mesmo, eu ligo pra reclamo na mesma hora [...]. Numa loja, eu
polícia [...]. Se for outra violência, como no pergunto o porquê da agressão” (Lírio).
posto quando não conseguimos uma ficha e Entretanto para outros esta relação não ocorre,
ainda nos colocam na fila de espera, eu falo, como no seguinte caso: “não reajo não, porque
reclamo [...]” (Papoula), mas, ato contínuo, o tenho medo, né, de reagir. Mesmo se for em
idoso diz: “mas aí são ignorantes comigo; então casa, eu não reajo de jeito nenhum” (Rosa).
fico parada e não faço nada”. Essa fala remete a
idéia de passividade, pois é uma fala que Estratégias de enfrentamento à violência
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identificada nos espaços de convivência social, Além disso, os idosos citaram também que as
nos serviços comunitários, nas instituições crianças e jovens não possuem o mínimo
governamentais e na família. A expectativa de respeito para com o idoso, afirmaram que são
uma convivência respeitosa, com delicadeza, ignorantes, agressivos, chegando ao ponto de
onde fosse possível desfrutar os anos de vida praticar até mesmo agressões físicas.
acrescidos das gerações anteriores, os recursos Nesse contexto, os idosos relataram a
sociais, tecnológicos e farmacológicos colocados falta de convívio saudável e cortês. Quando
à disposição do prolongamento da vida foram cumprimentam a alguém não recebem uma
de certa forma, frustrados, frente ao contexto resposta positiva a estas saudações. Apesar do
de violência, expressos nas suas mais variadas que foi revelado, alguns participantes da
formas. pesquisa não souberam identificar focos de
Dentre os tipos de violência que os violência em seu cotidiano. Vale ressaltar ainda
afetam, alguns idosos identificam em seu que alguns dos idosos exemplificaram casos em
cotidiano a violência institucional, devido ao que o idoso também se constitui no agente da
atendimento, muitas vezes negligente, violência.
inadequada estrutura dos órgãos públicos, Em relação à reação dos idosos à
inclusive nos postos de saúde, os quais não são violência, esta, em alguns casos, é inexistente
apropriados nem arquitetônica nem ou, quando acontece, é vivenciada por eles de
funcionalmente. Por outro lado, o déficit forma solitária e temerosa, havendo ainda
quantitativo de profissionais de saúde frente à aqueles que banalizam a violência urbana,
clientela, provoca uma competição que, se não agindo de maneira curiosa diante dos fatos,
for gerenciada com sabedoria, leva a exclusão mas sem ousar nenhuma atitude resolutiva.
do idoso, por não ser ágil, por não ter condições Em se tratando da reação do idoso frente
de “madrugar” nas filas, por não dispor de ao agressor, esta se mostrou frágil ou
dinheiro para pagar alguém que guarde seu inexistente. Quando a violência é praticada
lugar nas filas quase intermináveis. dentro do domicílio, os participantes relataram
Além disso, referem a violência intra- que reagem, não expressando sua fragilidade
familiar, citando episódios de agressão física e para as pessoas com quem convivem, afinal,
psicológica praticados contra eles nos seus em alguns casos estas são as próprias
próprios lares. Os participantes da pesquisa promotoras de atos violentos. Já quando fora de
relataram ainda a violência generalizada, como casa, eles referem que questionam o motivo da
assaltos, seqüestros, furtos, assassinatos que violência, no entanto, não reagem.
afetam à sociedade como um todo; a Quanto às estratégias de enfrentamento
inadequada estrutura física da cidade, que do idoso contra a violência, percebe-se que
muitas vezes, fomentam a ocorrência de embora, algumas vezes, a família esteja na
acidentes como quedas. Pelo exposto, percebe- origem da violência, é a ela que o idoso recorre
se que a organização das grandes cidades não quando se sente ameaçado ou lesado,
favorece ao idoso, as calçadas são de difícil evidenciando a importância dos laços familiares
acesso, os transportes são adequados somente diante das situações difíceis vivenciadas. Além
para os hábeis e rápidos, o que não são disso, o idoso dirige-se a Deus em busca de
características próprias do idoso. Este fica, justiça, no entanto, grande parte dos idosos
literalmente, para trás. entrevistados não recorre a ninguém quando se
No entanto, uma especial atenção foi dada sente agredida.
pelos idosos à maneira como são tratados pelos Nesse sentido, é necessário que os
funcionários das empresas de transportes profissionais, principalmente enfermeiros,
coletivos, quando não respeitam o direito de conheçam os fatores de risco e os sinais de
acesso que a legislação lhes assegura, além da alerta referentes à violência contra os idosos,
própria dificuldade que eles encontram para visto que estes são responsáveis por
adentrar nos ônibus tendo em vista a sua providenciarem um acompanhamento mais
inadequada conformação espacial para este fim. rigoroso deste idoso, inclusive aconselhando-os
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