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Revista Eletrônica de Enfermagem. 2008;10(1):124-136.

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__________________________________________________________________________ARTIGO ORIGINAL

A violência na vida cotidiana do idoso: um olhar de quem a vivencia

Violence in elder daily life: A sight of who is facing it

La violencia en la vida cotidiana del anciano: una mirada de quien la vivencia

Maria Josefina da SilvaI, Thirza Menezes de OliveiraII, Emanuella Silva JoventinoIII,


Gerídice Lorna Andrade de MoraesIV

RESUMO Qualitative research, using two focal groups in


interviews as instrument of collection of data,
Diante do envelhecimento populacional, a realized with twelve elders attended in a Basic
violência contra o idoso surge como um Unit of Health of the Family of Fortaleza-CE. The
problema social, político e de saúde. Objetiva-se collection of the data occurred in January and
conhecer as percepções do idoso sobre February of 2006. The elders tell that violence is
violência; identificar quais os tipos de violência a "lack of respect" and that they are reached by
que o afetam; detectar como ele reage frente a the urban violence, institutional and intra-
um ato que considera violência; relatar se há familiar. The confrontation of the elders varies
diferença de reação dependendo da pessoa in accordance with the place and the agent of
agente da violência/agressão; descobrir a quem the violence. When they feel attacked the elders
ele recorre quando se sente agredido. Estudo appeal to relatives and to God. From this study
qualitativo, utilizando-se de entrevista com dois can be perceived the importance to promote
grupos focais como instrumento de coleta de education for the citizenship in the scope of the
dados, realizadas com doze idosos em uma aging in the society, but, must in the health
Unidade Básica de Saúde da Família de services, aiming the valuation, the respect for
Fortaleza-CE. A coleta dos dados ocorreu em elders and the guarantee of the elders rights.
janeiro e fevereiro de 2006. Os idosos relatam a
violência como a “falta de respeito” a que são Key words: Elder abuse; Aged rights;
sujeitos pela violência urbana, institucional e Domestic violence; Social behavior.
intra-familiar. As reações de enfrentamento dos
idosos variam de acordo com o lugar e o agente RESUMEN
da violência. Quando se sente agredido o idoso Delante del envejecimiento de la populación, la
recorre aos parentes e a Deus. A partir deste violencia contra el anciano surge como un
estudo pode-se perceber a importância de problema social, político y de salud. Se objetiva
promover educação para a cidadania no âmbito conocer las percepciones del anciano sobre
do envelhecimento na sociedade em geral, mas, violencia; identificar cuáles los tipos de violencia
sobretudo, nos serviços de saúde, visando à que lo afecta; detectar cómo él reacciona frente
valorização do idoso, o respeito a ele e a a un acto que considera violencia; relatar se
garantia de seus direitos. hay diferencia de reacción dependiendo de la
persona agente de la violencia/agresión;
Palavras chave: Maus-tratos ao idoso; Direitos descubrir a quien él recurre cuando se siente
dos idosos; Violência doméstica; agredido. Estudio cualitativo, utilizándose de
Comportamento social.

ABSTRACT I
Enfermeira. Mestre em Sociologia. Doutora em
In the presence of the population eldering, the Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da
violence against the elders appears as a social, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza- Ceará. E-mail:
political and healthy problem. The objective of mjosefina@terra.com.br
this research is to know the perceptions of the II
Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do
elders about violence; to identify which types of Ceará. Bolsista de Iniciação Científica CNPQ/PIBIC/UFC. E
mail: thirza_enfermagem@yahoo.com.br
violence affects them; to detect how they react III
Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do
to an act considered violence; it also tells if Ceará. Bolsista do Programa Especial de Treinamento – PET
elders have different reactions depending on the – Enfermagem. E mail: manujoventino@yahoo.com.br
IV
agent of the violence/aggression and discover Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Programa Saúde da
Família da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
to whom they appeal when feeling attacked. geridice@uol.com.br

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entrevista con grupos focales como instrumento estudio puédase percibir la importancia de
de colecta de datos, realizadas con doce promover educación para la ciudadanía en el
ancianos atendidos en una Unidad Básica de ámbito del envejecimiento en la sociedad en
Salud de la Familia de Fortaleza-CE. La colecta general, pero, sobre todo, en los servicios de
de los datos ocurrió en enero y febrero de 2006. salud, visando a la valorización del anciano, el
Los ancianos relatan que violencia es la falta respeto a él y la garantía de sus derechos.
“de respeto” y que son alcanzados por la
violencia urbana, institucional y familiar. Las Palabras clave: Maltrato al anciano; Derechos
reacciones de enfrentamiento de los ancianos de los ancianos; Violencia doméstica; Conducta
varían de acuerdo con el lugar y el agente de la social.
violencia. Cuando se siente agredido el anciano .
recurre a los parientes y Dios. A partir de este

INTRODUÇÃO idoso, freqüentemente, é denominada maus


A violência contra o idoso, semelhante à tratos e abusos.
praticada contra a criança, é, certamente, uma As formas de violência podem ser
de suas formas mais cruéis. Afinal, estes podem intrafamiliar, estrutural ou institucional. A
ser indivíduos vulneráveis devido à fragilidade violência intrafamiliar é “toda ação ou omissão
física ou à dependência a outras pessoas por que prejudique o bem estar, a integridade
questões de incapacidades funcionais. física, psicológica ou a liberdade e o direito ao
Na sociedade que envelhece observa-se pleno desenvolvimento de um membro da
uma antinomia: ao mesmo tempo em que se família. Pode ser cometida dentro ou fora de
estimula de todas as formas, o prolongamento casa, por qualquer integrante da família que
da vida, pouco se valoriza o ser que envelhece. esteja em relação de poder com a pessoa
Há uma cobrança velada para que o idoso seja agredida. Inclui também as pessoas que estão
autônomo, independente, sem doenças ou se na exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem
presença destas, que estejam controladas e laços de sangue”(2).
com capacidade funcional preservada. Ou seja, Entende-se por violência estrutural aquela
a pessoa deve ser longeva, mas preservando o infligida por instituições clássicas da sociedade,
vigor e o frescor da juventude. Sabe-se que as quais expressam os esquemas de dominação
esta é uma luta fadada ao insucesso. Não há de grupos sociais e do Estado. Devido a isso se
como evitar o desgaste e a decadência do corpo encontra arraigada ao cotidiano da população,
da pessoa que envelhece, assim como o de passando a ser considerada como algo natural.
qualquer outro ser vivo. Mas, quem não quer Assim, as pessoas tornam-se vulneráveis, pois
envelhecer? Todos sonham com uma vida muitas vezes não a compreendem como
longa, saudável, alegre e junto aos seus entes violência, considerando apenas como
significantes. incompetência dos governantes e responsáveis.
A violência é um dos muitos aspectos da Dessa forma, a violência estrutural não é
vida moderna que causa temor ao idoso, por contestada, pois, para muitos, pode significar a
isso, cabe discutir um pouco acerca desta, de desestabilização da ordem social(3).
suas múltiplas formas de se evidenciar e do que De acordo com o Ministério da Saúde,
problematiza sua compreensão. violência institucional relaciona-se àquela
Violência, segundo a Rede Internacional exercida pelos serviços públicos, por ação ou
para a Prevenção de Abusos ao Idoso, é “o ato omissão, podendo incluir desde a dimensão
único ou repetido, ou a falta de uma ação mais ampla da falta de acesso à saúde até a má
apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer qualidade dos serviços. Abrange abusos
relacionamento onde haja uma expectativa de cometidos em virtude das relações de poder
confiança que cause dano ou angústia a uma desiguais entre usuários e profissionais dentro
pessoa mais velha”(1). A violência contra o das instituições, inclusive por uma noção mais
restrita de dano físico intencional(2).

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Os idosos mais vulneráveis aos maus ao detalhamento do conteúdo encontrado nos


tratos são os dependentes física ou mesmos por não ser o objeto de estudo desse
mentalmente, principalmente, aqueles que trabalho especificamente.
possuem déficits cognitivos, alterações de sono, Mesmo diante da constatação da violência
incontinência ou dificuldades de locomoção, diária nas mais diferentes formas, grande parte
necessitando por isso de cuidados intensivos em dos idosos maltratados ou violentados não toma
suas atividades da vida diária. Situações que a iniciativa de denunciar seu agressor, pelos
representam risco elevado são comuns quando mais diferentes motivos, inclusive por não
o agressor é dependente econômico do idoso, perceber o evento como agressão ou violência,
quando o cuidador consome abusivamente dada sua “naturalização”. Portanto, é necessário
álcool ou drogas, apresenta problemas de saúde conhecer as representações elaboradas pelo
mental ou se encontra em estado de elevado idoso sobre violência e maus tratos, assim como
estresse na vida cotidiana(4). suas estratégias para vencê-las ou minimiza-
No entanto, a violência contra o idoso não las.
chama tanto a atenção como aquela perpetrada Tendo em vista a transição demográfica
contra mulheres e crianças. Estes casos atual e os graves dados sobre a violência
ocupam, diariamente, destacados lugares em praticada contra os idosos é relevante a análise
nossos meios de comunicação. a respeito das formas de violência cometidas
A violência acompanha o homem ao longo contra os mesmos, para que se possa melhorar
de sua história, mas ainda é pouco estudada a qualidade de vida desta população.
como fenômeno social, especificamente quando No presente estudo, objetiva-se conhecer
direcionada ao idoso. Data de 1988 os primeiros as percepções dos idosos sobre o que seja
estudos, nos Estados Unidos, sobre a violência; avaliar os tipos de violência que o
temática(5). afetam; detectar como ele reage frente a um
Em levantamento bibliográfico com os ato que considera violento; identificar
descritores “violência” e “idoso” no banco de diferenças de reação dependente do agente da
dados Bireme, encontra-se no Medline, no violência/agressão e conhecer a quem ele
período de 1997-2007, quarenta e sete (47) recorre quando se sente agredido.
referências, das quais seis (6) focalizam como
objeto de estudo o idoso: dois versam sobre METODOLOGIA
aspectos gerais de violência; dois referem-se a Estudo exploratório, descritivo, com
cuidadores; e dois a violência doméstica contra abordagem qualitativa por se valer da razão
o idoso. Apenas no final da década de 90 é que discursiva e por estudar fenômenos que,
apareceram as primeiras investigações e a necessariamente, nos remete à interpretação
preocupação com os maus-tratos praticados realizada pelo observador(7).
contra idosos no Brasil(6). No banco de dados O desenvolvimento do estudo se deu em
LILACS, no período de 2003-2007 estão uma Unidade Básica de Saúde da Família
catalogadas três (3) referências; no SciELO, (UBASF) pertencente à rede municipal de saúde
agora sem limite de período de publicação, de Fortaleza-CE, na qual funciona um grupo de
encontram-se onze (11) artigos, destes, quatro idosos que são acompanhados em ações de
referem maus tratos em idoso, ambos de 2007; saúde na UBASF, sob a coordenação de uma
violência doméstica; violência dos cuidadores enfermeira da equipe do Programa Saúde da
direcionada ao idoso dependente; estudos sobre Família. Os idosos do referido grupo foram
notificação de ocorrências e psiquiatria forense. convidados a participarem da pesquisa, tendo
O banco de dados da OPAS registra sido sua seleção de acordo com o interesse dos
apenas uma (1) referência com os descritores idosos, cuja participação foi de livre vontade,
referidos e que abordam a escalada da violência sem qualquer forma de coerção.
na América Latina. Cabe destacar que a quase Os dados foram coletados durante os
totalidade de artigos no SciELO foram meses de janeiro e fevereiro de 2006. Para
posteriores ao ano de 2003. Não nos detivemos tanto, utilizou-se a técnica de grupo focal.

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Trata-se de uma técnica qualitativa, não- foi submetido à avaliação do Comitê de Ética
diretiva, cujo resultado visa o controle da em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará,
discussão de um grupo de pessoas, a qual se sendo aprovado com protocolo nº 330/05. Vale
inspira em práticas de entrevistas não- ressaltar que os participantes do estudo
direcionadas e grupais, mais comumente assinaram o termo de consentimento livre e
utilizada na psiquiatria(8). Optou-se por este esclarecido.
método por proporcionar ao pesquisador
agilidade da coleta de dados, apreensão de um RESULTADOS E DISCUSSÃO
fenômeno que emerge das interações grupais, As falas dos participantes da pesquisa
relação direta com os participantes e amplitude foram construídas a partir de um cotidiano,
de diversificação de respostas(9). cujos fatos se organizam segundo a
No início de cada encontro utilizaram-se compreensão de que a violência - fenômeno
técnicas de musicoterapia com o intuito de estudado – é parte deste cotidiano. A violência
descontrair os participantes. Além disso, para o explícita diariamente na mídia é entendida por
desenvolvimento do grupo contou-se com um alguns, como sinônimo de poder e imposição de
facilitador e dois relatores, os quais eram, respeito, além disso, estes a possuem como rito
respectivamente, uma enfermeira da UBASF e da moda, sendo um importante aspecto
duas acadêmicas de Enfermagem pertencentes problematizador na sociedade(11).
ao grupo de pesquisa “A saúde do idoso: Assim, para identificar a violência é
aspectos sócio-culturais, político-econômicos e necessário concebermos o que esta representa
biológico-funcionais” do Departamento de em um processo de intersubjetividade,
Enfermagem da Universidade Federal do Ceará identificar suas características e a proximidade
(UFC). que possui com cada indivíduo, uma vez que
Foram realizados dois grupos focais, cada provoca reações e atitudes peculiares(12). O
um composto por seis idosos, na própria ambiente social do idoso entrevistado se
UBASF. Os encontros duraram em torno de uma caracteriza pela violência estrutural(2-3), pobreza
hora e foram gravados com a permissão dos e carência de artefatos comunitários e
participantes. Foi explicitado para os institucionais para a satisfação das demandas
participantes que todas as opiniões seriam do mesmo. É nesse contexto que o idoso,
igualmente relevantes para a pesquisa e a motivado pela longevidade alcançada e disposto
garantia do anonimato das informações a ter uma participação social mais visível, emite
prestadas. Com este intuito, cada um deles seu discurso sobre a violência a ele dirigida. São
escolheu um codinome, o qual poderia ser o pessoas que não vêem seus direitos serem
nome de uma cor ou de uma flor, sendo o efetivados na prática cotidiana, por isso, torna-
mesmo utilizado para a identificação das falas se necessária a (re) elaboração das concepções
citadas ao longo do texto. de violência que se distanciam da doxa sobre o
Para a organização dos dados, as falas fenômeno.
foram organizadas pelas similitudes dos A apresentação dos dados obedece à
significados dos discursos dos sujeitos da categorização teórica da pesquisa, tais como:
pesquisa, considerando o contexto de cada concepções de violência, tipos de violência que
expressão verbal. Para tanto se utilizou o afetam o idoso, reação frente a um ato que
método de análise de discurso que visa “a considera violência, reação frente ao agente da
compreensão de como um objeto simbólico violência/agressão e estratégias de
produz sentidos, como está investido de enfrentamento à mesma.
significância para e por sujeitos”(10).
Os aspectos éticos e legais envolvendo Concepções de violência elaboradas pelos
pesquisa com seres humanos foram idosos
respeitados, segundo as normas para pesquisa No que diz respeito ao conceito, sabe-se
com seres humanos da Resolução 196/96 do que as palavras não têm significado intrínseco,
Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto passando a tê-lo na medida em que pessoas as

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utilizam em diferentes situações e modos. exatamente o contrário(1). Assim, seus direitos


Entretanto, conceito não é juízo de fato instituídos nos termos das leis são ignorados,
tampouco juízo de valor. De forma abrangente, desrespeitados ou até ridicularizados, chegando
pode ser compreendido como a formulação de ao limite da violência física, como poderemos
uma idéia, através do contexto da vida real, observar em algumas falas.
adequando-as em relação a cada situação(13).
No caso do conceito de violência, por se Tipos de violência que afetam o idoso
tratar de uma idéia abstrata, não deveria ser A violência é situada nos discursos dos
associada a qualquer tipo de imagem. Porém, sujeitos da pesquisa a partir dos espaços de
os entrevistados, ao ouvirem a palavra convivência social, institucional e intra-familiar,
violência, criam uma imagem relacionada ao semelhante ao que encontramos na literatura(1-
2)
que eles vivenciam no seu cotidiano, como . Percebemos que a convivência social diz
assaltos, brigas e confusões. respeito às situações de coexistência no
Situando a complexidade e a polissemia ambiente ecológico, cultural, político e espacial,
que envolve o conceito de violência, ao cujo sentido é a falta de respeito interpessoal,
discorrer sobre esse aspecto, os idosos conforme as falas dos idosos: “a gente dá o
confirmaram a variedade de percepção e de sinal para o ônibus e quando ele pára é com
compreensão sobre o que esta representa. ignorância; os motoristas odeiam passe-livre;
As percepções acerca do que seja passam pela lama e molham a gente toda de
violência focalizaram-se nas atitudes com propósito. Aí quando você vê um idoso todo
relação aos atos praticados contra os sujeitos sujo é por causa da falta de compreensão do
do estudo, assim “violência é a falta de respeito motorista [...]” (Margarida); “fica ruim de subir
com o idoso” (Margarida); “violência é falar com no ônibus porque tenho um braço doente
grosseria com o idoso” (Amarelo). porque uma velha de uns 90 anos caiu em cima
Mesmo diante da complexidade de de mim quando subia num ônibus” (Cambraia).
conceituação, os idosos participantes da A ideologia do “velho”, do “passado”, no
pesquisa aproximaram o que entendem sobre sentido de superação, leva a atitudes
as múltiplas formas de violência ao seu viver desrespeitosas. O passe-livre para a pessoa
cotidiano. Os aspectos sociais incluídos nas falas idosa em transportes coletivos, que cumpre
destacam a “falta da respeito”, caracterizada ditames da política distributiva(15), é entendido,
como uma forma de violência que se expressa por alguns, como um ‘privilégio’ frente aos
não só pela agressão física, mas por valores demais. O sentido subjacente a este tipo de
culturais presentes no contexto geracional atitude preconceituosa é o entendimento, pela
destas pessoas. maioria da população que desconhece as leis de
O discurso que denuncia que “o idoso não proteção a grupos diferenciados na sociedade,
é respeitado. Acham que é coisa que não serve como idoso, gestantes, crianças, adolescentes e
mais” (Orquídea) tem a compreensão da outros, como privilégio, surgindo os
exclusão social, do descarte do idoso, visto pela questionamentos: se todos pagam sua
sociedade como alguém sem utilidade, que dá passagem, por que o idoso deverá entrar de
trabalho, dor de cabeça e atrapalha o graça? Se todos têm que ficar na fila do banco,
andamento da vida em geral. Este mesmo por que o idoso pode “furá-la”? Acresce que
fenômeno ocorre na família, nas relações entre empresas utilizam este direito como modo de
gerações. Este aspecto também foi destacado agilizar seus funcionamento e, não raro,
em estudo sobre as representações sociais de contatam idosos como office-boys. Se todos
idosos sobre o processo de envelhecimento(14) têm que chegar cedo no “posto de saúde” para
A “falta de respeito” expressa pela maioria conseguir uma ficha de atendimento, por que o
dos idosos nas suas relações cotidianas, traduz idoso passa à frente?
o discurso da “desconstrução” da pessoa idosa, Os idosos participantes da pesquisa
o que se constitui em uma antinomia, uma vez relataram, com bastante freqüência, como
que as políticas voltadas a este grupo buscam sendo violência a falta de respeito dos

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motoristas e empresas de transporte coletivo. eles como violência, percorre todas as etapas
Este fato é corroborado pela literatura que do ciclo vital da criança ao próprio idoso. Estes
ressalta que a violência, neste aspecto, relatam que as crianças e jovens não respeitam
acontece desde o design dos ônibus que as pessoas mais velhas, seja utilizando
possuem escadas altas dificultando o acesso, expressões grosseiras como ‘Ah, tu é velha, tá
até o desrespeito que se expressa na fora do tempo!’(Azul) ou ‘Você não é minha
insensibilidade dos funcionários das empresas mãe!’ (Papoula). Atitudes como estas ocorrem
de transportes coletivos. Afinal, inúmeros pelo fato de que valorizamos a cultura do
condutores não param nos pontos quando vêem efêmero, do agora, do descartável, do novo,
os idosos, aceleram e freiam bruscamente. novíssimo, pois amanhã já pode ser “velho”. O
Além disso, alguns usuários dos coletivos não próprio idoso tenta disfarçar os traços do tempo
respeitam a legislação de assento prioritários a como forma de evitar a rotulação.
essa população(16), e fingem estarem dormindo Nos tempos atuais, as gerações vivem
para não cederem o assento no transporte segmentadas em espaços exclusivos. A família
coletivo. deu lugar às tribos urbanas. Diferentemente do
Os participantes citam outras situações de sentido mais tradicional, que aponta para
violência no cenário de convivência social, como alianças mais amplas, nas sociedades urbano-
se pode observar “[...] as crianças e os jovens industriais evocam-se particularismos,
já não respeitam mais os idosos. Falam: -“Ah, estabelecem-se recortes, expõem-se símbolos e
tu é velha, tá fora do tempo”! Desfazem dos marcas cujos significados são restritivos aos
idosos [...]. Até na igreja, as crianças ficam seus integrantes. Esta constatação ocorre
correndo, e se você reclama, elas falam: “você quando se visita determinados espaços sociais
não é minha mãe!”Nem dão o lugar pro idoso onde cada sub-cultura estabelece seu quartel-
sentar.” (Lírio); além disso “[...] hoje são general. Assim, na cidade de Fortaleza, a
ignorantes com eles [idosos]. O menino tacou o exemplo de outras capitais, existem os espaços
peão na minha canela [perna], porque eu pedi específicos para o pessoal de dança de rua,
para ele parar de brincar um pouco para eu góticos, emos, cults, roqueiros e tantos outros.
passar, porque sou doente das pernas. Já Em uma sociedade onde o efêmero é
jogaram uma bila [bola de gude] de aço em valorizado, a bagagem de experiências de vida
mim e eu já fui empurrada por uma criança de já não é tão útil. O que o idoso, em gerações
8 anos, sem eu ter feito nada, só porque ela anteriores representava, já não tem mais lugar
quis” (Cambraia). em uma sociedade aonde a informação chega a
A convivência simultânea entre pessoas de cada um em tempo real. Esta experiência
várias gerações faz com que sejam colocadas acumulada pelo longo tempo de vida não é mais
lado a lado diferentes visões de mundo e útil. Hoje se pode tudo, se quer tudo, sabe-se
valores, reforçados pelo preconceito de de tudo, basta acessar a internet que está
inflexibilidade à mudanças pelos idosos, disponível em qualquer lugar. As lan houses se
gerando conflitos. Além disso, a sociedade têm espalham até pelos subúrbios mais carentes das
presenciado um distanciamento entre as cidades, basta uma linha telefônica. A
gerações, sobretudo em se tratando das superficialidade do efêmero invalida a
pessoas que se encontram na dita “terceira profundidade da vida experienciada. O que
idade”. Convive-se com uma realidade na qual serviu para meus avós – os idosos de hoje –
cada faixa etária busca o seu espaço social, não me serve mais, é passado, descartado ou,
distanciando o contato com pessoas de simplesmente, está fora do tempo.
diferentes idades(17). O idoso vem de uma cultura familiar e
Desta forma, o número de estratégias que social onde o respeito ao mais velho era
permitam maior possibilidade de sobrevivência sagrado. Era motivo de castigo se alguma
de um vínculo familiar e inter-geracional deve criança “ousasse” se intrometer em uma
resultar proveitoso para todos. As atitudes de conversa de adultos, deixasse de dar o lugar a
intolerância para com o idoso, traduzidos por um adulto ou esquecesse de fazer uso de

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palavras como por favor, dê licença, muito acidentes, sobretudo em se tratando de idosos
obrigado, desculpe(18) entre outras, há muito com limitações físicas decorrentes da idade
riscadas do vocabulário da sociedade pós- avançada.
moralista. “Numa sociedade baseada na A cidade de Fortaleza, mesmo nas áreas
manifestação e na afirmação da liberdade em que a população residente tem maior poder
individual, o imemorial culto aos antepassados, aquisitivo, caracteriza-se pela irregularidade das
irremediavelmente perde consistência, uma vez suas calçadas, seja na altura ou nos declives
admitindo que cada um é livre e, antes de tudo, para entradas de carros das residências; na
vive para si mesmo”(19). largura, quando se “aproveita” parte destas
Outro aspecto ressaltado pelos idosos para aumentar as áreas construídas ou ainda
entrevistados foi a falta de convívio com normas nas áreas mais movimentadas, onde existem
de etiqueta: “eu adoro dar “bom dia”, “boa estacionamentos que obrigam os pedestres a
tarde” e “boa noite”, mas quando vou dar um disputarem espaço com os automóveis. Com
bom dia o povo responde com ignorância: - isso, grande parte dos idosos encontra
Negócio de “bom dia!” (Cambraia). Os próprios limitações na sua autonomia de ir e vir pela
idosos justificam tais atitudes “são as pessoas cidade e até pelos arredores de suas
que não tem amor próprio, sem união e paz” residências. O envelhecimento ativo depende de
(Amarelo). fatores como a existência de ambientes físicos
Neste sentido, a violência perde a adequados à idade, “podendo isto representar a
conotação de imposição e de força, para ser diferença entre independência e dependência
compreendida como falta, negação ou para todos os indivíduos, mas especialmente
ignorância frente a normas sociais para aqueles em processo de
estabelecidas(2). Por isso mesmo torna-se tão envelhecimento”(1).
chocante. A violência não é um evento recente. Na categoria de violência em meio à
As sociedades antigas eram orientadas pela convivência social, destaca-se ainda, a violência
violência, basta ler o Código de Hamurabi – generalizada das ruas, onde o jovem encontra
primeira redação unificada de um corpo de leis - espaço para a expressão máxima de uma
e pela guerra. A instituição do Estado que liberdade, cujos valores são significativamente
constrange o desejo belicoso do homem, diferentes dos valores éticos e morais que
mesmo que pela força, na condição de protetor ampararam o viver da geração dos que hoje são
contra a violência, é comparado ao Leviatã pelo idosos. Pode-se identificar a violência urbana
pensador Thomas Hobbes em seu livro como relevante para o idoso, visto que afeta a
homônimo. A violência deixa de ser “natural” ou todos indiscriminadamente. Assim, a sociedade
o único meio de se conseguir impor a vontade. atual é colocada como violenta, como se
Na pós-modernidade, o homem abre mão da expressa Rosa e Margarida nas falas: “a
violência brutalizada contra o outro pelo desejo violência não é só contra o idoso, é com todo
de bem-estar e de realização pessoal(19) mas, mundo. O tratam mal” (Rosa), além de “já fui
nem por isso esta deixa de existir. Só é assaltada, roubada” (Margarida).
renovada em formas mais indolores sem, Nos últimos anos o Brasil vem assistindo,
contudo, deixarem de ser violência. em princípio com certo estupor, mas,
Outro aspecto relevante nas falas dos posteriormente, com apatia, cenas de violências
idosos entrevistados é quando expressam que a nos noticiários, jornais, na vizinhança de sua
violência social decorre também da falta de residência ou mesmo em sua própria casa.
infra-estrutura da cidade e da carência de Assim a violência está presente na vida de cada
civilidade na convivência coletiva, por parte de um, atingindo a sociedade em geral, inclusive
seus moradores. Afinal, certos participantes da os idosos. Isso é patente e indiscutível,
pesquisa relataram que algumas pessoas refletindo-se no aumento geométrico de
colocam restos de construção nas calçadas, programas televisivos e radiofônicos que
geralmente estreitas e com pisos escorregadios, versam sobre a temática.
o que favorece que o transeunte possa sofrer

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O que nas gerações passadas eram radical do bem estar e da realização de si


consideradas violações graves de normas mesmo tornando o outro um figurante. Esta
sociais – roubar crianças, idosos e mulheres – redução do relacionamento humano torna o
por ferirem os códigos de honra da indivíduo menos desejoso do confronto violento.
‘malandragem’, hoje é fator de atração para tais Mas, por outro lado, na família não acontece
delitos, uma vez que o “velho é mais fraco” não dessa forma. Por ser “exatamente onde o
resistindo aos ataques de pessoas fisicamente relacionamento inter-humano não se institui
mais potentes. A apatia é diferente da sobre a base da indiferença, isto é, no meio
alienação. A apatia pós-moderna é familiar e entre amigos é que a violência é mais
diferentemente do niilismo de Nietzsche, o freqüente [...] ela se desencadeia em prioridade
convite ao “repouso” e ao desengajamento sobre [...] os que ocupam a nossa proximidade
emocional. A indiferença cresceu. As figuras íntima, aqueles com quem convivemos todos os
sagradas da sociedade como pai, mãe, mestre, dias em casa”(19).
foram banalizadas. Há um esvaziamento da O sentido da fala dos idosos participantes
autoridade, no qual tudo se confunde e se da pesquisa quando expõem a violência
superpõe(19). intrafamiliar, inclusive a física, praticada por
A violência estrutural foi mais um aspecto filhos ou netos está no impacto que esta
referido pelos idosos, podendo ser observada na provoca. O cenário doméstico deveria ser o
fala: “violência é o que estamos passando ambiente de refúgio, segurança e onde deveria
porque a prefeita não está fazendo o que era haver, por tradição, o exercício da autoridade
pra fazer; a gente chega no posto e não é bem do idoso. A busca pela autoridade pode ser
atendida” (Rosa). É evidente que as ações notada quando o idoso diz “quando o meu neto
advindas do Estado encontram-se aquém do me faz raiva, eu digo pra ele que quem manda
esperado pela população. sou eu” ’(Lilás), contudo muitas vezes esse
Observou-se também a violência domínio do idoso não mais existe. No entanto,
institucional presente nas falas dos idosos, ainda se encontra presente na crença que o
quando citaram a inadequação física das idoso possui de tentar resgatá-lo.
unidades de saúde onde eles são assistidos, e Por outro lado, o idoso também pode ser o
em relação ao tratamento a eles dispensados agente da violência. Diante das escassas
pelos funcionários e profissionais de saúde: condições econômicas, as questões relativas aos
“violência é a falta de respeito com o idoso. Não proventos da previdência social, descaso da
tem lugar pra sentar nas filas, chega as pernas sociedade para as condições de vida do ancião,
tremem, eu me apoio nas paredes. Se eu poderão elevar as taxas de violência como
pudesse sentar no chão, eu sentava, mas não expressa a seguinte fala: “eu já vi jovem que
sou nem palhaço!” (Orquídea). trata bem o idoso e o idoso tratando o jovem
Além disso, os idosos referiram a violência mal (...)” (Rosa).
intra-familiar: “o meu marido só me ameaçava, A convivência social, expressa por
mas nunca fazia nada. E quando o meu neto me relações frias ou inamistosas, pode provocar
faz raiva, eu digo pra ele que quem manda sou dinâmicas interpessoais que conflitam com
eu” (Margarida). “O idoso não é respeitado. valores de sociabilidade. Assim, o idoso que
Acham que é coisa que não serve mais” convive a violência cotidianamente acaba por
(Papoula). “Em casa, havia muita desavença. assimilar a ideologia da violência como
Tenho uma filha doente, a doença dela é mecanismo para se impor como pessoa e como
nervosa, há uns três anos ela batia em mim, instrumento de exercício da autoridade. Por
batia no pai, batia em todos com tapas. Hoje outro lado, o ser idoso não é, necessariamente,
ela ainda diz, ameaça, mas não vem mais” pacífico, cortez e gentil. Pode também ter um
(Lírio). caráter belicoso, agressivo, como se observa na
A indiferença com que as relações se fala de Cambraia: “tem idoso que não respeita o
estabelecem na sociedade atual se deve à outro idoso”.
“hiperabsorção individualista”, ou seja, a busca

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É preciso entender ainda que o idoso é um reproduz um discurso que não lhe pertence,
adulto que envelheceu, agora com suas mas que o idoso gostaria que fosse seu.
características mais acentuadas. A passividade A maioria dos idosos entrevistados não
do idoso pode ser uma estratégia deste para se reage diante de um ato violento, talvez pelo
manter aceito no interior da família. O mito de fato de não se sentir no direito de interferir ou
que os idosos devem ser sempre disponíveis, por medo de agravar a situação: “Eu fico
afáveis, mansos, corteses, passivos, os impede calada, não faço nada, não fico violenta”
de agirem por sua própria vontade, ou seja, (Rosa); “Não digo nada” (Verde). Entretanto,
retira-lhes sua autonomia. Fazendo isso, eles não basta representar intelectualmente o que se
podem ser rejeitados como agressivos e está estimulado a fazer. Além do pensamento, é
problemáticos. Cabe lembrar que a preservação preciso ter vontade, querer operacionalizar a
desta autonomia é responsabilidade da idéia racionalizada. Do contrário, o ato humano
sociedade, mas, principalmente, da família(15). não se realiza. Alguns idosos externam seus
Apesar do que foi dito a respeito da sentimentos, através de orações ou do choro,
violência cotidiana, alguns participantes da como se estes aliviassem ou representassem
pesquisa não souberam identificar os focos de seu desabafo, já que pensam não poder fazer
violência: “até hoje tá tudo bem” (Orquídea); mais nada.
“não tem [violência], todo mundo me respeita” O ato humano é a exteriorização daquilo
(Azul). que se intenciona fazer. Ocorre através da
atuação da vontade. A exteriorização de nossas
Reação frente a um ato de violência idéias ou intenções está acompanhada pelo
A reação dos idosos escutados em relação desejo de concretização. O querer é exigência
à violência varia desde não tomar nenhuma de realização, faz vir à luz o que é desejado,
atitude, até externar, mas de forma tímida e representado, afinal, a nossa vontade tem
com curiosidade, frente à violência urbana. atuação efetiva. Toda práxis ou ação torna-se
As reações dos idosos entrevistados diante criação, obra, efetuação, realização, sob a
de eventos violentos traduzem com clareza o interferência de nossa vontade(20).
sentido da agressão, expressando fragilidade e A reação do idoso frente ao agressor,
incapacidade de reação. As explicações são tanto no ambiente familiar quanto no social, é
várias, indo desde o medo de reação “(...) A débil ou, simplesmente, inexistente. Quando se
única coisa que eu faço é rezar quando chego trata de uma violência que acontece dentro de
em casa”, até a banalização desta, como casa, eles reagem: “às vezes em casa meu filho
expressa esta fala: “se eu ver uma violência e é grosseiro comigo, quando meu neto não me
não tiver faca ou bala, eu vou lá olhar”. Este respeita eu taco uma surra nele” (Vermelho).
fato deve-se à banalização da violência, em que Talvez isso ocorra por se tratarem de pessoas
imagens e informações se repetem que lhes são próximas, assim o exercício da
sucessivamente no dia-a-dia, seja na rua, autoridade, embora fragilizado ou mesmo
dentro dos lares ou veiculadas nos meios de inexistente, ainda está muito presente no
comunicação. imaginário do idoso. Então, este se impõe para
É interessante observar a fala que busca que o ato violento não se repita.
uma explicação elaborada, utilizando o discurso Percebemos ainda que a reação depende
da mídia e do politicamente correto: “se for de quem seja o agressor: “se for em casa
uma violência de briga mesmo, eu ligo pra reclamo na mesma hora [...]. Numa loja, eu
polícia [...]. Se for outra violência, como no pergunto o porquê da agressão” (Lírio).
posto quando não conseguimos uma ficha e Entretanto para outros esta relação não ocorre,
ainda nos colocam na fila de espera, eu falo, como no seguinte caso: “não reajo não, porque
reclamo [...]” (Papoula), mas, ato contínuo, o tenho medo, né, de reagir. Mesmo se for em
idoso diz: “mas aí são ignorantes comigo; então casa, eu não reajo de jeito nenhum” (Rosa).
fico parada e não faço nada”. Essa fala remete a
idéia de passividade, pois é uma fala que Estratégias de enfrentamento à violência

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Quando se analisa os conteúdos Nacional do Idoso(15). Esta omissão, por parte


discursivos das estratégias de enfrentamento da do idoso e daqueles que o assistem como
violência por parte do idoso, percebe-se um profissionais de saúde se deve também à falta
paradoxo. Embora a família, em algumas destas estruturas de defesa nos níveis locais ou
situações, seja violenta com o idoso, é nela que à inacessibilidade a tais serviços, quando estes
ele busca ajuda quando esta violência acontece já se encontram implantados.
fora do circuito familiar. Nesse momento, O Estatuto do Idoso e a Política Nacional
entram em cena os parentes mais próximos e do Idoso não são considerados pelos mais
com os quais o idoso possa contar como: velhos, seja pelo desconhecimento ou pela falta
“[apelo] ao meu filho, mas digo que ele fique de credibilidade que as estruturas
calado, que não vá arrumar confusão, porque tô governamentais inspiram aos cidadãos, talvez
só desabafando com ele” (Rosa); “[recorro] ao por isso eles não recorram. O Estatuto garante
meu sobrinho, ele decide as coisas por mim” o direito à saúde integral do idoso, incluindo
(Papoula); “digo pra minha irmã. Só tenho ela” programas de assistência médica e
(Orquídea); “eu conto tudo pra minha filha, odontológica; atenção às doenças específicas
confio muito nela. Me sinto mais leve quando dos idosos; atendimento domiciliar,
conto pra ele, fico aliviada. Serve como um fornecimento gratuito de medicamentos;
desabafo” (Lírio). Nessas falas nota-se o sentido vedação da cobrança diferenciada nos planos de
de grupalidade, de pertença, de membro de um saúde, em razão da idade; assistência imediata
conjunto que se une para defender os seus, e prioritária onde está assegurada a atenção
mesmo que o grupo não esteja fora do contexto integral, bem como políticas de prevenção,
da violência em seu sentido lato sensu. promoção, proteção e recuperação da saúde do
Mesmo com todas as restrições que a idoso. Além da conquista de direitos
modernidade impôs ao idoso com relação às fundamentais, o Estatuto confere aos idosos a
expectativas familiares, percebe-se que ainda é proteção de penalidades para crimes cometidos
grande a importância da família para ele, a contra eles(15).
partir do momento em que recorre a esta
unidade quando necessita de apoio ou quando CONSIDERAÇÕES FINAIS
se sente agredido. Ao se realizar este estudo, buscou-se
Ademais, para os idosos participantes da conhecer o cotidiano da população idosa, com
pesquisa, a espiritualidade mostra-se presente, especial destaque para a questão da violência,
pois, para ele, Deus representa poder, força e que acarreta graves conseqüências para a
apoio incomparável nas situações em que se sociedade, além de gerar um aumento da
acha incapaz de agir, sendo, muitas vezes, a demanda nos serviços de saúde.
única forma que eles possuem para fazer Assim, a pesquisa permitiu uma
justiça. Pode-se perceber nesta fala: “entrego a aproximação a problemática da violência
Deus, Deus que faça justiça” (Margarida). No cotidiana, na visão dos idosos que, muitas
entanto, cerca de metade dos idosos vezes, representam as principais vítimas da
entrevistados não recorre a ninguém quando se mesma. O estudo possibilitou a apreensão do
sente agredida. conceito de violência para os idosos, identificar
Ao longo do diálogo nos grupos focais, os tipos de violência que os afetam, suas
nenhum idoso direcionou suas expectativas de reações diante de um ato que consideram
resolução às instâncias de poder que existem violência. Foi possível verificar ainda que há
para defendê-los. Segundo o Estatuto do Idoso diferença de reação dependendo do agente da
no artigo 19, em caso de suspeitas ou violência, e identificar a quem eles recorrem
confirmação de maus-tratos contra o idoso, quando se sentem agredidos.
existe a obrigatoriedade de comunicar aos Em relação às suas percepções sobre o
órgãos competentes, seja ele autoridade que seja violência, grande parte dos idosos
policial, Ministério Público, Conselho Municipal citou-a como sendo a falta de respeito para com
do Idoso, Conselho Estadual do Idoso, Conselho ele por parte da sociedade em geral, sendo

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identificada nos espaços de convivência social, Além disso, os idosos citaram também que as
nos serviços comunitários, nas instituições crianças e jovens não possuem o mínimo
governamentais e na família. A expectativa de respeito para com o idoso, afirmaram que são
uma convivência respeitosa, com delicadeza, ignorantes, agressivos, chegando ao ponto de
onde fosse possível desfrutar os anos de vida praticar até mesmo agressões físicas.
acrescidos das gerações anteriores, os recursos Nesse contexto, os idosos relataram a
sociais, tecnológicos e farmacológicos colocados falta de convívio saudável e cortês. Quando
à disposição do prolongamento da vida foram cumprimentam a alguém não recebem uma
de certa forma, frustrados, frente ao contexto resposta positiva a estas saudações. Apesar do
de violência, expressos nas suas mais variadas que foi revelado, alguns participantes da
formas. pesquisa não souberam identificar focos de
Dentre os tipos de violência que os violência em seu cotidiano. Vale ressaltar ainda
afetam, alguns idosos identificam em seu que alguns dos idosos exemplificaram casos em
cotidiano a violência institucional, devido ao que o idoso também se constitui no agente da
atendimento, muitas vezes negligente, violência.
inadequada estrutura dos órgãos públicos, Em relação à reação dos idosos à
inclusive nos postos de saúde, os quais não são violência, esta, em alguns casos, é inexistente
apropriados nem arquitetônica nem ou, quando acontece, é vivenciada por eles de
funcionalmente. Por outro lado, o déficit forma solitária e temerosa, havendo ainda
quantitativo de profissionais de saúde frente à aqueles que banalizam a violência urbana,
clientela, provoca uma competição que, se não agindo de maneira curiosa diante dos fatos,
for gerenciada com sabedoria, leva a exclusão mas sem ousar nenhuma atitude resolutiva.
do idoso, por não ser ágil, por não ter condições Em se tratando da reação do idoso frente
de “madrugar” nas filas, por não dispor de ao agressor, esta se mostrou frágil ou
dinheiro para pagar alguém que guarde seu inexistente. Quando a violência é praticada
lugar nas filas quase intermináveis. dentro do domicílio, os participantes relataram
Além disso, referem a violência intra- que reagem, não expressando sua fragilidade
familiar, citando episódios de agressão física e para as pessoas com quem convivem, afinal,
psicológica praticados contra eles nos seus em alguns casos estas são as próprias
próprios lares. Os participantes da pesquisa promotoras de atos violentos. Já quando fora de
relataram ainda a violência generalizada, como casa, eles referem que questionam o motivo da
assaltos, seqüestros, furtos, assassinatos que violência, no entanto, não reagem.
afetam à sociedade como um todo; a Quanto às estratégias de enfrentamento
inadequada estrutura física da cidade, que do idoso contra a violência, percebe-se que
muitas vezes, fomentam a ocorrência de embora, algumas vezes, a família esteja na
acidentes como quedas. Pelo exposto, percebe- origem da violência, é a ela que o idoso recorre
se que a organização das grandes cidades não quando se sente ameaçado ou lesado,
favorece ao idoso, as calçadas são de difícil evidenciando a importância dos laços familiares
acesso, os transportes são adequados somente diante das situações difíceis vivenciadas. Além
para os hábeis e rápidos, o que não são disso, o idoso dirige-se a Deus em busca de
características próprias do idoso. Este fica, justiça, no entanto, grande parte dos idosos
literalmente, para trás. entrevistados não recorre a ninguém quando se
No entanto, uma especial atenção foi dada sente agredida.
pelos idosos à maneira como são tratados pelos Nesse sentido, é necessário que os
funcionários das empresas de transportes profissionais, principalmente enfermeiros,
coletivos, quando não respeitam o direito de conheçam os fatores de risco e os sinais de
acesso que a legislação lhes assegura, além da alerta referentes à violência contra os idosos,
própria dificuldade que eles encontram para visto que estes são responsáveis por
adentrar nos ônibus tendo em vista a sua providenciarem um acompanhamento mais
inadequada conformação espacial para este fim. rigoroso deste idoso, inclusive aconselhando-os

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a denunciar os maus-tratos aos órgãos inclusive, alterar profundamente a organização


competentes. da sociedade. Requer, portanto, a compreensão
Entretanto, além destas alternativas do que seja aceitável ou não para este grupo, e
disponíveis é indispensável que cada cidadão a violência, nos seus variados aspectos, está
tenha consciência e respeito pelo próximo, presente nesta preocupação.
sobretudo, quando este se trata de um idoso, O tempo de hoje é o instante. O tempo do
afinal ele representa o passado e a direção que idoso está distante, por isso, ele, muitas vezes,
tomaremos no futuro. A partir deste estudo não se encaixa na sociedade. Na produção dos
constata-se a importância de promover discursos dos idosos, o que prevalece é o
educação para a cidadania, principalmente, confronto entre valores morais e culturais. A
referente à questão do envelhecimento, nas geração passada foi criada em uma modelo
famílias e na sociedade em geral. Dessa forma, cultural que já não existe e o modelo novo não
é fundamental a valorização do idoso, o respeito combina com estes valores trazidos ao longo do
a ele e a garantia de seus direitos. tempo. Em alguns casos, entende-se que o que
Vale destacar ainda, a importância da acontece é muito mais um confronto de valores
necessidade de uma ampla campanha para e de expectativas ancoradas em padrões morais
divulgação dos avanços na legislação referente do que mera violência.
ao idoso como forma da sociedade entender as Porém, se ela é assim entendida para
peculiaridades e direitos deste grupo etário. A aqueles que vivem essa fase da vida hoje,
compreensão do que seja violência para a poderá ser problema também para as gerações
pessoa idosa contribui para um futuras, o que requer uma sistemática mudança
redirecionamento nas relações institucionais e da cultura humana para a valorização do idoso,
sociais com o idoso, inclusive desmistificando as bem como da garantia de uma vida digna e
idéias preconcebidas com relação à pessoa saudável.
idosa e passando a entendê-la como uma
categoria a mais de cidadãos. REFERÊNCIAS
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partir a compreensão das atitudes de violência ativo: uma política de saúde. Gontijo S,
segundo a ótica do idoso é o respeito ao translator. Brasília: Organização Panamericana
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mesmo tempo, o sentido de proteção, quando agentes comunitários de saúde. Brasília
esta se fizer necessária. (Brasil): Ministério da Saúde; 2001.
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