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4 JORNALISMO: QUESTÕES. TEORIAS E «ESTÓRIAS»
Org. de Nelson Traquina
Colecçâo: Comunicação & Linguagens
Coordenador da colecção: José A. Bragança de Miranda
Tradução: Luís Manuel Dionísio
© Vega, 1993 (1.* edição)
ainda mais o trabalho já em si difícil dos jornalistas. Com o intuito de «corrigir» as actuações
«irresponsáveis» dos profissionais do campo jornalístico, um possível caminho seria propor,
sempre em prol de causas nobres como o segredo de Estado ou a defesa do direito ao bom nome,
alterações que visam limitar a liberdade dos jornalistas, deixando incólumes as violações de
direitos constitucionais como o acesso às fontes de informação.
Muitas vezes, essas criticas fazem também parte da acção estratégica de «gerir as
noticias» como elemento essencial da luta simbólica, na medida em que pretendem o
enfraquecimento do campo jornalístico e a sua possível postura activa, critica e autônoma.
Essas estratégias nada têm a ver com o alcance critico de muitos dos artigos que constituem
esta antologia.
O jornalismo constitui uma actividade profissional de grande dificuldade e de grande
complexidade, e, por isso, um alvo fácil de criticar. Afinal, os jornalistas são frequentemente
obrigados a elaborar a noticia, a escrever a «estória», em situações de grande incerteza, com
falta de elementos, confrontados com terríveis limitações temporais, pressionados pela
concorrência dos outros órgãos de informação. Ainda mais, precisam de seleccionar certos
acontecimentos dentro duma avalancha de múltiplos acontecimentos, fazendo escolhas quase
imediatas, sem grande tempo para refiectir sobre o significado e o alcance histórico do que
acaba de acontecer e que «precisa» de ser informado imediatamente. Como um jornalista
recentemente disse deforma eloquente numa das minhas aulas de jornalismo: ojornalista corre
o risco de só ver as árvores e não afloresta, ou ainda, se colocado lá em cima, de só ver as ár\’ores
coloridas.
Mas se a dificuldade e a complexidade precisam de ser equacionadas, o estudo do
jornalismo e das noticias têm que penetrar a visão romântica da profissão e os mitos que
encobrem a (nobrej actividade. Corresponde a um dos papéis sociais essenciais da univer
sidade e è uma obrigação profissional da comunidade acadêmica. A postura critica do estudo
e da investigação acadêmica (e a esmagadora maioria dos artigos incluídos nesta antologia
são de universitáriosj não pretende denegrir osjornalistas mas, sim, compreendera actividade
jornalística e o produto resultante dessa actividade - as notícias. Por exemplo, escreve Sigal
(citado no artigo de Traquina), saber o modo como as noticias são produzidas é a chave para
compreender o que significam. Dito isto, não se deveminimizar o alcance critico que, em certos
artigos, é feroz e põe em causa alicerces vitais do jornalismo e das noticias.
Na primeira parte da antologia, intitulada «Questões», aspectosfundamentais e noções
básicas da actividadejornalística são examinadas e criticadas: as noticias como «espelho» da
realidade (Molotch e Lester), a linguagem como mera representação das coisas (Hackett), a
dicotomia maniqueia entre objectividade e subjectividade (Rodrigues), a natureza problemáti
ca dos factos (Tuchman), dos acontecimentos (Katz) e da própria profissão do jornalismo
(Soloski), a natureza opaca e esquiva dos critérios de noticiabilidade (Galtung e Ruge;
Tuchman).
Na segunda parte, intitulada «Teorias», a teoria segundo a qual as noticias reflectem a
realidade é posta em causa e diversas explicações («teorias») são avançadas para explicar
porquê as notícias são como são. Assim, vários factores são postos em destaque: os valores e
preconceitos pessoais dos jornalistas (White), os constrangimentos organizacionais (Breed),
as rotinas e a cultura profissional (Traquina; Gurevitch e Blumler), a tirania do factor tempo
(Schlesinger), as pressões dos proprietários e dos governos (Herman), as relações (estrutura
das) entre asfontes e osjornalistas (Hall et al.). Muitos dos artigos partilham a perspectiva de
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encarar as noticias como uma construção, resultante de um processo de interacção social.
Vários autores nesta antologia criticam, directa ou indirectamente, a concepção do campo
jornalístico como «contrapoder» e avançam como conclusão que as noticias servem mais como
aliado das instituições; alguns artigos, nomeadamente os de Molotch e Lester, Hackett,
Herman, e Hall et al. vão muito mais longe e defendem que os media noticiosos são parte
integrante da reprodução de uma «hegemonia ideológica».
Na terceira parte, intitulada «Estórias», as noticias são encaradas como um produto
cultural, como artefacto que, nas palavras de Schudson.faz uso de «padrões pré-existentes»,
de convenções narrativas. Como escreve Tuchman, «dizer que as noticias são 'estórias' não é
de modo nenhum rebaixaranoticia, nem acusá-la de ser fictícia. Melhor, alerta-nospara ofacto
de a noticia, como todos os documentos públicos, ser uma realidade construída possuidora da
sua própria validade interna». O leitor ê alertado para a existência de diferentes «vozes
narrativas» (Bird e Dardenne), para a evolução histórica das formas narrativas (Schudson),
para a influência das características do meio especifico sobre as formas (Weaver), para as
diferenças nacionais na análise das narrativas jornalísticas e as subsequentes implicações
sobre a natureza das noticias (Hallin e Mancini). Por fim, Phillips oferece uma reflexão crítica
sobre o tipo de conhecimentos que as noticias fornecem, descrevendo as notícias como um
«mosaico» que privilegia o concreto, o particular e o individual.
Outro alvo de critica do conjunto dos artigos desta antologia que sobressai é a defesa de
um papel social mínimo dos jornalistas. É assim sugerido, de form a bastante clara, que os
jornalistas não são observadores passivos mas participantes activos na construção da
realidade (papel esse que osjornalistas recusam a reconhecer, em parte, devido à sua ideologia
profissional).
Ao longo da antologia, questões-chaves reaparecem: o grau de autonomia dosjornalistas
e as implicações que têm sobre o alcance da sua actuaçãoprofissional; a natureza das relações
entre as fontes de informação e os jornalistas; a dinâmica da interacção, cultura e ideologia
profissionais como factor determinante; o poder de controlo que as próprias maneiras
encontradas para levar a cabo o trabalho e as formas utilizadas para escrever a «estória»
podem ter sobre os profissionais. As dificuldades e as complexidades da profissão estão
igualmente sempre presentes ao longo da antologia quando é, por diversas vezes, posta em
evidência como pano defundo de toda a actividadejornalística, a tensão constante entre o caos
e a ordem, a incerteza e a rotina, a criatividade e o constrangimento, o agora ou o nunca.
Para alguém que conhece mal a profissão, uma leitura atenta desta antologia proporcio
nará certamente uma compreensão das grandes dificuldades, inúmeras complexidades e
tremendos desafios que esta actividade profissional enfrenta. Aliás, um dos objectivos desta
antologia é precisamente o de alertarpara a complexidade das questões e contribuirpara uma
maior compreensão desta actividade profissional de tão vital interesse para o mundo moderno
e as sociedades democráticas.
Outro objectivo fundamental desta antologia é o d e contribuir, através da investigação,
da análise e da critica, para uma maior reflexão sobre ojornalismo e o significado das noticias.
A investigação cientifica sobre o jornalismo e as noticias constitui, hoje em dia, um dos campos
de investigação mais férteis e efervescentes dentro do mais vasto campo do «media research»
ou mesmo do «comm unication research».
Esta antologia de 20 textos constitui o produto final de um trabalho de leitura e selecção
de entre mais d e200artigos queformam umaparte importante dajá vasta literatura que também
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sociologo alemao Max eber escreveu sobre as noticias num trabalho publicado em
sociólogo norte-americano Robert Parle reflectiu sobre a natureza das noticias em 19
cedo ainda fo i apresentada, na Universidade de Chicago, uma tese de doutoramento
oapel social do jornal em 1910.
Apesar dum começo relativamente cedo, o interesse pelo estudo do jornalism
wticias fo i durante muito tempo esporádico. Ainda ao longo dos anos 50 e uma boa pi
inos 60, a investigação acadêmica é essencialmente quantitativa e dominada pelo par
lo gatekeeper ( White). O número de artigos e de livros é relativamente pequeno. D.
ttilizando como exemplo as teses de doutoramento nas universidades norte-americanas,
'e 30 tesesforam apresentadas durante toda a década de 50, em contraste com a médii
?ses que são apresentadas cada ano a partir do fim dos anos 60.
De fa d o , o fim dos anos 60parece marcar o inicio de uma tremenda explosão de int
o jornalismo e nas notícias por parte da comunidade acadêmica, em particular nos £
biidos e na Grã-Bretanha, interesse esse que transbordou pelas fronteiras nacionais
ontinua vigoroso até hoje em dia, aliás bem patente no número impressionante de art,
vros que foram publicados ao longo dos últimos 20 anos. Certamente o súbito interess<
tudos noticiosos é, em parte, fruto do reconhecimento do crescente pape! ocupado,
edia, e particularmente pela televisão, nas sociedades modernas. São tantas as forma,
diciam a proeminência dos media que seria despropositado tentar enumerá-las exaus
ente. Basta mencionar, a titulo de exemplo: a obsessão societal com a problemátic
municação; a infiltração irresistível e contagiosa da tele\'isão na vida quotidiana
ssoas; a criação e a implantação dum novo agente social que dá pelo nome de conselh
idiático, tido como arma indubitàvel de qualquer organização ou instituição: o velho.
ora renovado, modernizado e totalmente indispensável trabalhopropagandístico de qut
luenciar a cobertura jornalística, certificado pela recente designação dos chamados a
ctors (comunicadores especializados na arte de influenciar a cobertura dos media notic
); o crescente recurso às notícias televisivas como principalfonte de informação. Este últi
to está directamente ligado à dinâmica dos estudos noticiosos, nos quais a análise
‘iciário televisivo constitui um filão principal de investigação. Os acadêmicos, como
artigos desta antologia sao exemplificativos desta nova abordagem (Tuchm an; Soioski;
Schlesinger; Gurevitch e Blumler; Phillips).
Certamente, como escreve Tuchman (1991), a nova fa s e dos estudos noticiosos alargou
o âmbito das suas preocupações do nível do indivíduo ao nível da organização (com o instituição
complexa) e do relacionamento entre os m edia noticiosos e a sociedade. Igualm ente, nesta nova
fase, a investigação debruçou-se m ais sobre as im plicações políticas e so cia is da actividade
'onialística e o pa p el social das noticias. A lém disso, novos cam inhos fo r a m e estã o a sei
iesvendados, como, p o r exemplo, a teoria construcionista das noticias, ou o p a ra d ig m a d a
toticias como narrativas, bem com o o renovado interesse em certas q u estõ es fu lc r a is co m o i
elação com plexa entre fo n te s e jo rnalistas.
Esta antologia, elaborada inevitavelmente também emfunção de certos limites de espaç
npostos por razões econômicas, não pode captar toda a imensa riqueza e diversidade di
ttudos noticiosos, por exemplo, os estudos sobre a profissionalização dos jornalistas, ou
tcepção das noticias por parte do público. Foi necessário fazer escolhas difíceis. Houve
mtade de publicar os artigos na integra, com as únicas excepções dos artigos de Galtum
Y ’. e de So,oski- ° f quais porem foram alterados apenas em função do sistema de incluir
lerei,cias bibliográficas no interior do artigo e apresentando em rodapé unicamente as no
vhcativas. Outra decisão difícil fo i a de limitar a antologia essencialmente aos trabah
licados em língua tnglesa (com a excepção de dois artigos publicados originalmente
n r S Z ' B a,SSm' P°r eXT Pl°' nS° Índuir a'8uns trabalhos interessantes publicados
ces. No entanto, apesar destas limitações, a antologia inclui artigos de autores de divei
AS QUESTÕES
Introdução
por Nelson Traquina
20
Três observações são necessárias. Primeiro, Molotch eLesler identificam como categoria
de acontecimento os chamados acontecimentos de rotina (routine eventsj; diversos estudos
sobre o campo jornalístico, levados a cabo sobre diversas perspectivas e com diferentes
metodologias, sublinham o peso e a importância dos routine events no trabalho jornalístico,
como iremos ver nesta antologia, nos artigos de Traquina e Hall etal. Segundo, salientam
o facto de o acesso aos m edia noticiosos ser «uma das fontes e sustentáculos das relações de
poder existentes», o que explica a posição então defendida sobre o papel dos m edia na
concretização da «hegemonia ideológica», certamente uma posição diametralmente oposta
àquela que conceptualiza o campo jornalístico como «contrapoder». Terceiro, apontam as
categorias de «acidente» e «escândalo» como acontecimentos que fornecem insights sobre o
funcionamento quotidiano do campo jornalístico precisamente porque, segundo os autores,
escapam à natureza intencional dos acontecimentos de rotina.
0 alcance crítico de Adriano Duarte Rodrigues é prosseguido neste artigo de Molotch
e Lester que também põe em causa conceitos dominantes do trabalho jornalístico, no caso a
noção básica que osjornalistas têm do seu próprio trabalho enquanto «repórteres-refiectores-
-indicadores de uma realidade objectiva ‘lá fo r a '». Afirmando que a sua perspectiva constitui
«uma nova orientação no estudo das notícias», Molotch e Lester defendem que os media
«reflectem as práticas daqueles que têm o poder de determinar as experiências dos outros». Já
avançando pistas para uma teoria da notícia, escrevem: «A natureza dos m edia como
organizaçãoformal, como rotinas levadas a cabo para realizar o trabalho da redacção, como
padrões de mobilidade na carreira para um grupo de profissionais, como instituição à procura
do lucro, tudo torna-se inextricável e reflexivamente ligado ao conteúdo das notícias». Assim,
para Molotch e Lester, as noticias não são um «espelho» da realidade mas uma «criação» (a
expressão exacta é «estratégias de criação da realidade»), certamente uma perspectiva muito
semelhante à de vários autores que encaram as notícias como «construção», e que iremos ver
mais de perto na segunda parte desta antologia.
A natureza problemática do acontecimento é igualmente posta em evidência por E lihu
Ka TZ, ao definir as características de um tipo de acontecimento que ele nomeia «acontecimento
mediático» (media eventj e que tem o cuidado de diferenciar de um outro tipo de acontecimento,
o «pseudo-acontecimento» na designação de Daniel Boorstein. Indo ainda mais longe na sua
análise, Katz tenta estabelecer uma tipologia dos «acontecimentos mediáticos», estabelecendo
como categorias: c missão heróica, a ocasião de Estado e a disputa. No âmbito da sua discussão
refere vários problemas ligados à actividade jornalística. Primeiro, afirma que os jornalistas
trabalham essencialmente com acontecimentos, estabelecendo uma diferença entre o trabalho
dojornalista eo d o historiador. Segundo, refere-se também à tensão entre a actuação esperada
do jornalista, devido às normas profissionais dominantes, e o novo papel de «mestre de
cerimônia» imposto pelas características do «acontecimento mediático». Terceiro, utilizando
o conceito de «narrativa», o autor afirma que o mesmo «acontecimento mediático» poderá ser
contado de diversas maneiras, isto é, narrativas diferentes podem ser mobilizadas para contar
a «estória» - uma perspectiva importante que será explorada na terceira parte desta antologia.
Ainda que de form a breve, Katz aborda também a questão crucial da noticiabilidade quando
fa z referência à existência de valores-noticia diferentes em sociedades diferentes, comentando
a importância do conflito como valor-noticia no jornalismo ocidental.
E precisamente a questão dos critérios de noticiabilidade que constitui o ponto fulcral
do artigo deJoilANGaltung e Ma r i H ol.u soe R uge. Num dos clássicos dos estudos noticiosos,
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este artigo constitui uma das primeiras tentativas de identificar, de form a sistemática e
exaustiva, os critérios de noticiabilidade, ou, na linguagem dos autores, os factores que
influenciam o fluxo de noticias. A pergunta que preocupa Galtung e Ruge é a seguinte: Como
é que «os acontecimentos» se tornam noticia? Em resposta, os autores enumeram 12factores:
a frequência, a amplitude, a clareza, o significado, a consonância, o inesperado, a con
tinuidade, a composição, a referência a países de «elite», a referência a pessoas de «elite», a
personalização e a negatividade. Nesta teoria, um acontecimento será tanto mais noticiável
quanto maior número de factores possuir, embora não seja uma regra absoluta. Igualmente,
os autores consideram que um acontecimento poderá ter pouco de um factor e compensar com
muito de outrofactor. Em suma, a matemática éfrouxa e o conceito de nevvsworthiness esquivo.
Depois de Galtung e Ruge, outros autores (Hartley, 1982; W olf 19S7; Ericsonetal, 1987, entre
outros) elaboraram as suas listas de valores-noticia, algumas bem mais longas e completas na
compreensão da complexidade do processo de produção de noticias, mas o trabalho de Galtung
eRuge permanece como ponto de referência e, por isso, merece com toda ajustiça a sua inclusão
nesta antologia. Publicado originalmente em 1965, o artigo de Galtung e Ruge ainda sofre de
uma visão limitada do trabalho jornalístico essencialmente entendido como selecção, certa
mente influenciado pelo paradigma dominante nos estudos noticiosos da época - o paradigma
do gatekeeper. Para os autores, os factores de noticiabilidade são vistos como inerentes aos
próprios acontecimentos; assim escrevem «quanto menos ambíguo é o acontecimento, mais
probabilidades tem de ser noticia» ou «os acontecimentos são significantes e consonantes com
oqueè esperado», ou, em relação aofactor personalização, «quanto mais o acontecimento pode
ser visto em termos pessoais, mais probabilidades o acontecimento tem de ser noticia».
O avanço dos estudos noticiosos aponta para a necessidade de compreender que os
valores-noticia estão presentes ao longo de todo o processo de produção jornalística, ou seja,
no processo de selecção dos acontecimentos e no processo de elaboração da notícia, isto é, no
processo de construção da noticia. Assim, podemos falar de valores-noticia de selecção e
valores-noticia de construção; distinção aliás presente na própria formulação de Galtung e
Ruge quando, por exemplo, em relação ao factor de personalização, referem que «as noticias
têm a tendência de apresentar os acontecimentos como frases onde há um sujeito, uma pessoa
nomeada ou uma colectividade que consiste em algumas pessoas, e o acontecimento è então
visto como consequência das acções dessa pessoa ou dessas pessoas». Haverá muito mais a
dizer sobre os próprios factores apresentados neste artigo, mas um merece reparo especifico,
nomeadamente o da consonância, pela sua pertinência em futuras discussões. Por consonân
cia, Galtung e Ruge entendem que o acontecimento deve corresponder ao esperado: «Uma
pessoa prognostica que algo irá acontecer e isso cria uma matriz mental para a recepção e o
registo fá cil do acontecimento quando finalmente tiver lugar... No sentido mencionado aqui
«as novas» são realmente «velhas» porque correspondem ao que uma pessoa espera venha a
acontecer». Este valor-notícia de consonância explicará a qualidade repetitiva das noticias,
postulada por PHILLIPS no seu artigo, e adquirirá também um destaque especial com a
emergência do paradigma da narrativa, como veremos na terceira parte desta antologia.
Um último ponto que não pode deixar de ser sublinhado neste momento, embora seja
preciso reconhecer que Galtung eRuge se limitam afazer uma breve alusão, é a questão crucial
do papel social das noticias em qualquer sociedade. Os autores mencionam que osfactores que
influenciam o flttxo de informação, ou seja, os valores-noticia, não podem existir sem alguma
referência a algo considerado como «o normal», o que implica igualmente noções sobre o
22
i o desvio em relaçao aquilo que e considerado
i concentrar-se no desvio, no estranho e no insólito,
nonnns c os valores da sociedade. Como as fábulas,
I oculta.» Uma interrogação pertinente que Galtun
z os valores-notícia são culture-free, è a d e saber aU
valores-notícia dentro da cultura profissional do,
) mais interessante quando vários estudos apontan
responder, defom a coerente. /I pergunta, p o r exemple
do à natureza esquiva do conceito de newsworthiness
Idade é uma das constatações de G â YE TUCHMAN no se
i analisa a questão do news judgem ent («juízo sobre o qu
'areceria que o news judgem ent é o conhecimento sagradt
]ue o dijcrencia das out ras pessoas.» Osjornalistas invoca
, segundo Tuchman e outros, os próprios jornalistas nu
i a demonstração de uma competência profissional, mas
da natureza problemática do jornalismo enquanto profissi
de Soloski). Segundo Tuchman, o news judgement provém t
um»; ambos são importantes. A experiência ê adquirida i
ação profissional e entre as diferentes organizações. O «sen
ctativas criadas pela experiência e equivale àquilo que a maio)
adquirido; jo g a um papel central porque ajuda a determinar o q
»sem verificação. O news judgement é invocado como competem
mo; e é também invocado como um procedimento que dem
gundo Tuchman, este procedimento seja o aspecto form al m
aobjectividade constitui um valor crucial do jornalista profissior,
identais, e está associada ao desenvolvimento do jornalismo enqua
is países.
io ter em consideração a evolução do jornalismo, em partícula
: escrita no decorrer do século XIX com a progressiva proeminência
(jornalismo/actual) em detrimento da party press (jornalismopartidár
cou a subordinação da lógica politico-ideológica à lógica económ
irocura dc públicos mais vastos, crescentes vendas e receitas (inciuim
resentação de um produto que privilegiafactos e não opiniões e implica
oticia, em termos dos interesses de uma nova classe de leitores. Numa ép
dtivismo, também os jornalistas são le\'ados ao culto dos factos e à tarej
lente a realidade, impressionados com novos inventos, como a rnáqi
expansão da imprensa, com as suas acrescidas responsabilidades, si
através da criaçao de organizaçõesprojissionais e clubes, do ensino especijico e da elabor
de códigos deontológicos (Scliiller, 1986). Isto c ainda mais verdade tendo em conta que i
competência, ligada à falta de conhecimentos bem específicos, e a sua situação si
-econômica não providenciam a mesma legitimidade de outras classes sócio-profissionc
Segundo Schudson (1986), a objectividade, como valor centrai do jornalismo, surg
século XX, não como afirmação de umaf é nosfactos mas como refúgio num método concei
vara um mundo onde mesmo osfactos não eram de confiança, devido à demonstrada eficiê)
ia propaganda na Primeira Guerra Mundial e ao surgimento duma nova profissão, denc
iada relações públicas. Qualquer que seja a sua origem, hoje em dia, o conceito
objectividade está intimamente ligado à profissão do jornalismo, constituindo um dos s
'alores centrais, associada a uma conduta profissional.
Voltando ao artigo de Tuchman, a objectividade é definida como «ritual estratégii
<orque se trata de um conjunto de procedimentos rotineiros, automáticos, obrigatórios, q
onstituem um escudo protector que é mobilizadopara «prevenir o ataque ou deflectir, do poi
e vista defensivo, as criticas». A autora escreve: «Em suma, cada noticia acarreta perigospa
corpo redactorial e para a organização noticiosa. Cada noticia afecta potencialmente
apacidade dos jornalistas no cumprimento das suas tarefas diárias, afecta a sua reputaç,
erante os seus superiores, e tem influência nos lucros da organização. Dado que o jornal
imposto de muitas noticias, estes perigos são múltiplos e omnipresentes.» Segundo Tuchma
jornalista (ansioso de evitar reprimendas dos superiores) e a empresa jornalística (ansios
' evitar processos de difamação) utilizam os procedimentos de objectividade para respondí
u f o "nposJ osPe,° f actortcmPo (cuja relação intima com ojornalismo é analisada n
tigo de P hilip S chlesincer). N o entanto, a autora sublinha que os procedimentos não sã
•utros. convidam a percepção selectiva, insistem erradamente na transparência dos factos
1 l 2 ar Z ° ntr° l00rSan“
25
iquadramento», que implica a aosorçao inconsciente ue p/cssuyusius uccm.« « u
miada «estrutura profunda» de Stuart Hall); 2) a ideologia como naturalização, ou sejt
resentação do trabalhojornalístico como não ideológico (e aquiHackett refere-se essenci
•nte à televisão); e i ) a ideologia como interpelação onde as noticias são apresentadas cot
dismo, ocultando a produtividade da linguagem porque, citando Hartley (1982), «ossign
o têm um 'significado' internofixo, mas potenciais significados, que se actuahzamcom o us
e novo o autor utiliza o exemplo da televisão).
No decurso da sua critica aos estudos da parcialidade, Robert Hackett também acaba p
tresentar um panorama das diversas perspectivas, por vezes designadas p o r teorias, que tê
nergido ao longo dos anos para explicar o conteúdo noticioso. Por ordem de apresentaçi
>artigo, o autor refere-se: 1) à teoria organizacional representada neste volume pelo artij
; BREED; à(s) teoria(s) da conspiração, rcpresentada(s) nesta antologia pelo artigo c
'ERMAS; 3) à teoria «da atitude política» ou «acção pessoal», inicialmente defendida n
■adição dos estudos de gate-keeper, representada aqui pelo artigo de WHITE; 4) à teon
struturalista, representada pelo artigo de Hall ETAL.; e 5) à teoria construcionista, represei
ida pelo artigo de G u r e v it c u E BLUMLER, entre outros. De novo, a questão do controlo efectiv
lie os jornalistas têm sobre as noticias afigura-se como vital.
Na sua conclusão, o artigo de Hackett advoga a substituição do conceito de parcialidade
ttlo de «orientação estruturada», tendo por base a identificação de vários factores qm
njluenciam as noticias, tais como: os critérios de noticiabilidade, as características tecnológi
:as dos meios noticiosos, a logística da produção jornalística, os constrangimentos orçamen-
ais, as inibições legais, a disponibilidade da informação das fontes, as narrativas que sãc
utilizadas para contar as «estórias» e asformas de aparência dos próprios acontecimentos. Ao
longo deste extenso e polêmico artigo, Robert Hackett refere-se ao pape! social das noticias,
defendendo que as noticias são uma instituição ideológica quefavorece a ordem estabelecida,
de novo, tendo em conta a análise das relações entre os jornalistas e as fontes (regulares) de
informação. Sublinha também que as notícias não devem ser vistas como uma socioloeia
O acontecimento
(•) Reedição de: Revista de Comunicação e Linguagens (Vol. 8, 1988). «O Acontecimento», de Adriano
Duarte Rodrigues. Direitos de autor Centro de Estudos de Comunicação c Linguagens (CECL). Reedição com a
aprovação do editor.
acontecim ento jornalístico irrom pe sem nexo aparente nem causa conhecida e e, po
el, digno de ser registado na m em ória.
H á vários registos da notabilidade dos factos. O registo do e::cesso é de todos o
nte visto ser im ipção por excelência do funcionam ento anorm al da norm a, emergí
idalosa de m arcas excessivas do funcionam ento norm al dos corpos, tanto dos cc
iduais com o dos corpos colecti vos e institucionais. Assim , por exem plo, o m assacre de
,a pelas tropas regulares é acontecim ento notável na proporção directa da excessiva f(
o o corpo m ilitar desem penhou um a das suas funções norm ais, que é fazer a guerra. O
aplica a pena m áxim a prevista no Código Penal sem ter em conta as circunstân
uantes, indo assim contra o aforism o sum m um jiis, sum m a injuria, provoca um aconl
ito notável de ser registado. A em briaguez e a perform ance do desportivo, a longevid
ficar a dançar vários dias sem descanso são acontecim entos notáveis. N este registo e:
apreendidas todas as figuras do cúmulo e da hubrys grega, da desm edida que tanto pode
ibrizada com a entrada para o Guiness B ook com o sancionada de maneira extrema p
:apassagem do lim iar fisico da morte ou do limiar moral da condenação. Pode por i:
abém consistir numa prova de idoneidade ou de valentia, à maneira dos rituais antigos
ciação, ora afirmando o direito à admissão no círculo reservado dos heróis demiúrgicos, (
'.endo valer o direito à admiração e ao respeito dos outros.
Um outro registo de notabilidade do acontecimento é o dafalha. Procede por defeito, p
suficiência no funcionamento normal e regular dos corpos. O actor que se esquece da dei:
>meio da cena ou o revólver que fica encravado no momento em que o agressor executa
pressão são dois exemplos deste registo do acontecimento jornalístico. É a morte que fiilmir
:pentinamente o corpo são ou a queda repentina e imprevisível dos valores da bolsa, a revoll
nprevisível que rebenta numa penitenciária ou a brusca paragem do funcionamento de um
aáquina, a garrafa de Cliampagne que não se parte contra o casco do navio no momento de se
ançado ao oceano. Os acidentes pertencem habitualmente a este registo, os acidentes cósmicos
íaturais, dos cataclismos, das inundações, dos terremotos, mas também os acidentes d;
rirculação automóvel que param o fluxo normal do trânsito, os acidentes no funcionamentc
normal do organismo humana sobretudo se intervém no corpo jovem e saudável, os acidentes
das centrais nucleares com sistemas de segurança máxima considerados infalíveis, os acidentes
espectaculares dos foguetões interplanetários. A falha no funcionamento dos corpos instituídos
não é menos notável do que a que ocorre nos corpos físicos e nos dispositivos maquínicos. O
divórcio que quebra os laços da família ou a sentença do juiz que condena o inocente, o
licenciado de letras que ignora as regras da gramática são acontecimentos notáveis por defeito
no funcionamento da instituição familiar, da instituição jurídica, da instituição escolar.
A inversão é outro registo de notabilidade do acontecimento. A teoria jornalística que
considera o facto de um hom em m order um cão com o notícia inscreve-se neste registo. Quando
um m ilitar dispara sobre o general no mom ento em que este passa revista às tropas em parada,
produz-se um acontecim ento jornalístico pelo facto de se tratar de um a inversão no funciona
m ento do corpo militar. É o modelo do arroseur arrosé filmado pelos irmãos Lum ière nos
prim órdios do cinema. É o acontecim ento—booitierang, o «voltar do feitiço contra o feiticeiro»,
o «ir por lã e ficar tosquiado». Todas as figuras daparódiaqueo destino, que oheim arm enegrego
nos reserva estão comoreendidas neste recisto. O pombo que vem depenicar as migalhas na boca
cerveja, o ladrão que vem entregar o carro roubado com dois bilhetes para o teatro e com os
agradecimentos pelo passeio são exemplos irônicos deste registo.
O discurso do acontecimento é uma anti-história, o relato das marcas de dissolução da
identidade das coisas, dos corpos, do devir. Pertence, por conseguinte, ao mundo do acidente
que deixa vestígios e altera a substância do mundo das coisas, das pessoas, das instituições. O
nascimento e a morte são por isso os acidentes-limite em relação aos quais todas as outras
ocorrências se posicionam e se referem. Para o nascimento e para a morte não há explicação
plausível porque não há sentido racional que os compreenda numa lógica causai, num antes e
num depois. Por isso, a notícia é no mundo moderno o negativo da racionalidade, no sentido
fotográfico deste termo. O racional é da ordem do previsível, da sucessão monótona das causas,
regida por regularidades e por leis; o acontecimento é imprevisível, irrompe acidentalmente à
superfície epidérmica dos corpos como reflexo inesperado, como efeito sem causa, com o puro
atributo. Pertencia na Antiguidade ao campo da adivinhação e da premonição, dois processos
para exorcisar o seu carácter aleatório considerado como demoníaco e inquietante, perturbador
da ordem pendular que rege a normal sucessão dos factos, permitindo assim a sua dominação.
O apelo à investigação do adivinho ou da pitisa, personagens votadas à perscrutação do destino,
visava a introdução de regras de leitura dos indícios de um a outra ordem que presidia à irrupção
da aparente desordem no mundo. Era uma prevenção racionalizante perante o que de irracional
e inexplicável pudesse ocorrer.
Hoje, apesar de várias práticas de adivinhação, desde a cartomancia à astrologia,
continuarem a exercer funções análogas, a descrença na veridicidade das suas previsões,
consequência das modalidades da moderna racionalidade, tende a criar novas formas de
regulação dos acontecimentos imprevisíveis. O discurso jornalístico inscreve-se inequivoca
mente neste processo de enquadramento e de regulação.
II
29
discursivos e, como tais, associam valores ilocutórios e valores perlocutórios, na medida em que
acontecem ao serem enunciados e pelo facto de serem enunciados.
O meta-acontecimento não é, por isso, regido pelas regras do mundo natural dos acidentes
da natureza que atingem os corpos físicos cósmicos, como os cataclismos ou as inimdações, nem
os corpos individuais, como o nascimento e a morte, nem os corpos institucionais, das religiões,
dos exércitos, das famílias, da produção, dos Estados. É regido pelas regras do mundo simbólico,
o mundo da enunciação. É sempre uma ordem ditada em função das dimensões associadas do
querer-dizer, do saber-dizer e do poder-dizer. Articula as instâncias enunciativas do sujeito e
do objecto de enunciação, individuais ou colectivas, os agentes e os actores. É a realização
técnica das instâncias discursivas; é um discurso feito acção e uma acção feita discurso. O que
o desvio do avião realiza é a consumação de uma palavra que se esgota no acontecimento que
dá a ver ao mundo, que fala mais pelo silêncio que dá em espectáculo, pelo demora ansiosa do
desenlace imprevisível e extremo, do que pela logolália interminável dos media , dos dispos
itivos da linguagem instrumental da informação.
Os meta-discursos são por isso a face perversa da informação, da transformação
logotécnica da linguagem em acontecimento dissuasor da explosão do imprevisível no mundo
contemporâneo. A sua lógica não é, por conseguinte, explosiva, como nos acontecimentos
referenciais, mas implosiva. Os meta-acontecimentos são acidentes que irrompem no seio da
ordem regular do funcionamento das coisas, das pessoas e das instituições; não são a emergência
da desordem do exterior que, de fora, vem alterar a regularidade da experiência conforme. Os
próprios acontecimentos referenciais estão doravante votados a um devir discursivo, especta-
cular. O acidente do foguetão lunar americano Cliallenger, em 28 de Janeiro de 1986, produzido
em directo pela televisão, inscreve-se já nitidamente nesta lógica acidental espectacular da
morte própria. As centrais nucleares aí estão para mostrar à evidência que a violação da norma
está doravante votada a um devir acidental que atinge, não o inimigo de fora, mas o cidadão
indefeso. É o inocente, não o culpado, que os bandidos do ar atingem. Não é a morte nem a
violência reais que os meta-acontecimentos visam, mas o direito à visibilidade, à encenação,
de quantos não consideram respeitados os seus direitos à palavra dentro da ordem mediática.
III
30
constaíativa não é uma dimensão constatativa mas valorativa, uma ordem ditada à prática
discursiva, fundada na crença acrítica numa verdade universal, a anhistórica e indiscutível dos
factos, pressupondo a possibilidade de uma espécie de visão transcendente ao curso da história,
de um olhar de Sirius sobre o mundo.
Ao relatar um acontecimento, os media, além do acontecimento relatado, produzem ao
mesmo tempo o relato do acontecimento como um novo acontecimento que vem integrar o
mundo. Este novo acontecimento não é mera locução; realiza um acto ilocutório. Os actos
ilocutórios não estão apenas sujeitos aos valores de verdade ou falsidade, de adequação ou de
não adequação ao estado de coisas relatado; estão também subordinados aos valores inerentes
à credibilidade e à sinceridade do locutor, à clareza ou obscuridade da exposição, à justeza dos
juízos formulados, à coerência dos argumentos aduzidos, à capacidade para levar o(s) outro(s)
à satisfação de um pedido, à resposta a um a pergunta, à aceitação da convicção, do
reconhecimento ou do apreço, do conselho dado, do aviso, da saudação. Os valores de
credibilidade, de sinceridade, de clareza, de justeza, de coerência e de correcção, de satisfação
e de aceitação são actos inerentes ao discurso, integram o mundo da enunciação e são dele
inseparáveis. Por isso J. L. Austin designou-os «actos ilocutórios», que, como tais, acontecem
«ao dizerem-se», distinguindo-se da mera proferição « dos sons que pertencem a um determi
nado vocabulário, organizados segundo as prescrições de uma determinada gramática e
possuindo uma determinada significação» (Austin, 1970: 181).
Os meta-acontecimentos abrangem, no entanto, ainda uma outra gam a de actos, a gama
dos actos perlocutórios, como diz Austin: «Dos actos que, além de fazerem aquilo que fazem
enquanto são também uma locução (isto é, enquanto dizem qualquer coisa), produzem qualquer
coisa 'pelo facto d e ' dizerem » (Ibid.: 181). O bandido do ar que ameaça fazer explodir o avião,
a aprovação de um a nova taxa de juros, a declaração da desvalorização da moeda ou da
investidura dos m em bros de um Governo, da aprovação ou da rejeição de um a disposição legal,
da abertura de um a sessão do parlamento ou da inauguração de uma ponte, quando enunciados
pela respectiva entidade competente, no exercício da sua competência própria, são exemplos
de enunciações performativas que realizam aquilo que enunciam pelo facto de o enunciarem.
Não são puras constatações de estados de coisas previamente existentes sujeitas à prova da
verificação dos factos; produzem realmente um novo estado de coisas.
Ao darem conta dos actos enunciativos, os media não só lhes conferem notoriedade
pública, alargando assim indefinidamente o âmbito e o alcance das transformações que operam
no mundo, com o realizam igualmente novos actos ilocutórios e perlocutórios de acordo com
as suas próprias regras enimeiativas.
Existe, antes de mais, a ideia de que os media se limitam ou devem limitar a tom ar públicos
os factos ocorridos e os discursos proferidos por locutores competentes para lhes conferir
determinados valores ilocutórios e perlocutórios, que se devem limitar a servir de instrumentos
de mediação das acções e das palavras que ocorrem no mundo. Pela sua simples existência, os
media não podem , no entanto, evitar que os actores e os locutores os utilizem para darem a
entender ou para deixarem entender mais ou menos ou outra coisa do que dizem ou para fazerem
algo diferente daquilo que fazem. É o caso, por exemplo, das palavras de um ministro da Energia
que, à saída da reunião do Conselho de Ministros que decidiu aum entar o preço dos
combustíveis, diz ao jornalista que nada obriga a que os preços aumentem para fazer com que
os autom obilistas não se precipitem imediatamente para as bombas de gasolina. A melhor
maneira de saber antecipadamente o efeito de uma determinada medida e de poder assim medir
:sadequada. t todo o largo campo das noticias oticiosas e das «fontes bem informai
Tam bém se costum a distinguir entre aquilo que os jornalistas devem dizer no exer
ia profissão e aquilo que os media publicam como opinião de pessoas exteriores à profi:
primeiros estaria reservado o relato objectivo dos factos, enquanto os segundos expi
i juizos de valor e apreciações subjectivas, sujeitas por conseguinte à livre discussão
nto, esta distinção não contempla os casos, mais numerosos do que se julga, em que,
ervar a credibilidade dos profissionais, é o próprio jornalista que solicita pessoas estrai
ofissão para dizer aquilo que ele próprio desejaria dizer. O discurso subjectivo, de natu
liativa ou prescritiva, assim proferido é objectivado graças ao dispositivo objectiv;
rumental do médium, converte-se em acontecimento discursivo, em meta-acontecime
como nos primeiros casos, nos que consistem na utilização dos media para dar a enter
para deixar entender aquilo que não se disse, preservando o direito a desm entir aquilo
erificar inoportuno, também nestes últimos casos é insustentável a dicotomia simplificad
aniqueia entre objectividade e subjectividade ou entrejuízos factuais ejuízos de valor. C
íto objectivo e cada juizo factual comporta subjacente um ou mais juízos de valor e uma
is prescrições, comporta valores ditados pela relação dos interlocutores em função da relai
pectiva aos factos relatados, comporta prescrições ditadas à maneira como os factos dev
constatados e à forma como devem ser expostos.
A afirmação das componentes valorativa, normativa e prescritiva do discurso preten
:nte objectivo e factual não equivale à descoberta de qualquer vício a erradicar do discur
insiste na afirmação de que não é possível separar estas diferentes dimensões e de que i
-tensão objectivante que serve de estratégia para inculcar a credibilidade dos corpos soei:
e fazem do discurso a sua profissão, numa sociedade ideologicamente marcada pelos valoi
sitivistas de verdade.
Para compreender que é mais de estratégia de credibilidade do que da objectividade d
ctos que se trata na pretensão referencial basta recordar que o próprio fundamento di
scursos factuais se baseia quase sempre na fiabilidade do testemunho do locutor e não na si
rservação e verificação directas. Quando vemos o telejomal ou folheamos as páginas de u:
rotidiano partimos habitualmente do pressuposto de que o jornalista é digno de confiança
rs relata aquilo que efectivamente aconteceu, fazemos fé na credibilidade da sua palavr
obrigatoriamente passivo, não tomou nenlium compromisso em ordem à mudança de opinião.
Assim, os debates públicos realizam o absurdo de só poderem mudar de opinião as pessoas que
não têm direito a tom ara palavra » (Dispaux, 1984: 56).
Os m eta-acontecim entos instituem assim um ponto de fuga que pára o processo
interminável de mise en abíme da enunciação. Depois da crise dos discursos fundadores, da
metafísica, o devir fragmentário do discurso tem nos dispositivos mediáticos da informação a
instituição de um lugar de palavra unitário a partir do qual é possivel perspectivar a
multiplicidade dos discursos do presente.
C onclusão
33
As notícias como procedimento intencional:
acerca do uso estratégico de acontecimentos
de rotina, acidentes e escândalos (') (*)
Hai-vey Molotch e Marílyn Lester
T oda a gente precisa de notícias. N a vida quotidiana, as notícias contam-nos aquilo a que
nós não assistimos directamente e dão como observáveis e significativos happenings que seriam
rem otos de outra forma. Ao invés, nós enchemo-nos uns aos outros de notícias. Embora aqueles
que fazem a sua vida no trabalho jornalístico (repórteres, copy edilors, publishers, tipógrafos,
etc.) tenham necessidades suplementares de notícias, todos os indivíduos, em virtude dos modos
com o vêem e relatam aquilo que crêem ser o mundo pré-determinado, são diariamente
produtores de notícias.
As notícias são assim o resultado desta necessidade invariante de relatos do inobser-
vado, desta capacidade de inform ar os outros, e o trabalho de produção daqueles que estão
nos media. Este ensaio procura com preender as relações existentes entre os diferentes tipos
de necessidade de notícias e como é que as necessidades de notícias das pessoas diferen
temente posicionadas perante a organização do trabalho jornalístico produzem o «conheci
mento» social e político dos públicos (2).
(•) Rccdiçào de: American Sociological Review (Vol. 39, Fevereiro, 1974). «News as Purposivc Dchaviour:
On thc Stratcgic Use of Routine Evcnts, Accidents, and Scandals», de Harvey Molotch e Marilyn Lester. Direitos de
autor: American Sociological Association. Reedição com a aprovação do editor.
(‘) Gostaríamos dc agradecer a Aaron Cicourcl, a Mark Fishman, a Lloyd Fitts, a Richard Flacks, a Eliot
Friedson, a Richard Kinane, a Milton Mankoff, a Hugh Mchan, a Linda Molotch, a Milton Olin, a Charles Perrow, a
Michacl Schwartz, a David Street, a Gayc Tuchman, a John Weilcr, a Eugene Wcinstein e a Don Zimmerman. O apoio
financeiro foi dado por um subsidio do senado universitário, da Universidade da Califórnia, cm Santa Bárbara.
Q O termo «público» encontrado neste ensaio é utilizado no sentido que John Dcwcy lhe deu: um agrupamento
político de indivíduos como uma unidade social, através do reconhecimento mútuo dc problemas comuns, para os
quais se devem procurar soluções também elas comuns. Assim, a informação não vai meramente para os públicos, cria-
-os. Ver John Dcwey, The public and its problems (New York, Holt, Rinehart, 1927).
34
As bases teóricas
As pessoas fazem horários e planeiam (Miller, Gallanter c Pribram . 1960). Nós apren
demos através da experiência de um paciente-sociólogo, no hospital (Roth, 1963) que. do ponto
de vista do observador distanciado, o facto de algo ter «realmente acontecido» será uma
«verdadeira razão» para fazer calendários, calcular o tempo, ou fazer planos para o futuro. As
pessoas, todavia, fazem relatos de actividades que tom am observáveis como acontecimentos
reais e padronizados. De uma maneira análoga à criação de um mundo espacial com sentido,
esses acontecimentos são usados como pontos de referência temporais para o ordenamento do
passado e do futuro. Os passados e os futuros são construídos e reconstruídos, como um processo
continuo das rotinas diárias. Em tais construções, um infinito número de actividades não são
presenciadas, e algum as passam a ser observáveis. Estas últimas transformam-se em recursos
- disponíveis e realmente necessários - para dividir, demarcar e moldar a vida, a história e o
futuro.
O nosso conceito não é um conjunto finito de coisas que «realmente aconteceram lá fora»
e do qual se faz a selecção; a nossa ideia não é análoga à percepção selectiva do mundo físico.
N ós propom os [seguindo Garfinkel (1967) e outros] que o que está «realmente acontecendo»
é idêntico ao que as pessoas prestam atenção. O nosso conceito segue assim a descrição de
Zim m erm an e Pollner do trabalho de «montar o corpus resultante»:
Assim, os passados e os futuros não são realizados, de uma vez por todas, com novos
«suplementos» a em belezar um «todo» estabelecido. Um novo happening reinforma aquilo que
cada happening anterior era; por seu turno, cada happening obtém o seu sentido a partir do
contexto em que está inserido.
U m a ocorrência é um happening cognizado; ela pode ser infinitamente dividida e
elaborada em happenings e ocorrências suplementares. As ocorrências «im portantes» são
aquelas que são especialmente úteis na demarcação do tempo. N as suas vidas privadas, os
americanos usam conspicuamente ritos de passagem como aniversários, empregos, prom oções,
mudanças geográficas e falecimentos. Dependendo do contexto, outras ocorrências podem
servir a mesm a função (por exemplo, a data em que a casa foi pintada, o dia em que o filho de
alguém foi preso, o ano em que a colheita fracassou). Nós utilizaremos o termo «acontecimen
tos» para nos referirmos a ocorrências que são criativamente utilizadas para tais propósitos.
Logo que um tal uso ocorre, um a ocorrência materializa-se, em certo grau, como um objecto
no mundo social (Applebuum, 1973) e fica assim disponível como recurso para a construção
de acontecimentos no futuro.
ui. Os indivíduos «veem» cadeiras quando entram numa sala, dc
irrente para se sentarem. Os sociólogos, por vezes, «vêem» a religião cor
tiva nos seus dados, porque, algumas vezes, «funciona». O processo a
ontos de referência temporais significa que as ocorrências tomam-se ac
irdo com a sua utilidade para m indivíduo que esteja a tentar, numa o
m ar a sua experiência (>). Mas a criação de pontos de referência temporai:
m po. De cada vez que há necessidade de entalhar tem poralm ente a realid
'azer isso constrange a escollia do tipo de entalhadura a ser feito. Os acontec
isim, até certo ponto, persistir, m as não são intrinsecam ente duráveis. Qur
um recurso potencial para construir um acontecimento, e o acontecim ento:
stá continuamente dependente dos fins em vista para a sua durabilidade,
ividades de pessoas - comunidades, clãs, sociedades, civilizações - parecem
(ou m andam criar para si) demarcações temporais que são supostas ser partilh
entre aqueles que são considerados e se consideram indivíduos competente
de (•). O Tempo Público é o termo que utilizaremos para representar aquela dimei
iectiva, através da qual as comunidades humanas vêm a ter o que é consideradc
lo padronizado e perceptualmente partilhado, presente e futuro. Assim comc
tos de uma vida individual consiste em acontecimentos privados, também o ter
analogamente constituído através de acontecimentos públicos. Assim, o conteúdo
jes de um indivíduo da história e do futuro da sua comunidade vem a depender i
is através dos quais os acontecimentos públicos se transformam em recursos do discu
ntos públicos. O trabalho dos historiadores, jornalistas, sociólogos e analistas polític
realizar esta tarefa para vários públicos, oferecendo aos cidadãos um leque
icias a partir das quais se elabora um sentido do tempo público.
Im a vez que os indivíduos ou as colectividades têm propósitos diferentes, enraizados e
is biografias, estatutos, culturas, origens sociais, e situações específicas, eles teri
ções diferentes, e por vezes opostas, para as ocorrências. Uma questão surge quando h
nenos, duas utilizações opostas, envolvendo pelo menos duas partes que têm acesso ac
nismos de criação de acontecimentos. Para as questões públicas, estes mecanismos são c
s de comunicação de massas.
Propósitos antagônicos à partida levam a relatos contraditórios do que se passou ou, o qu
n a variante da mesma questão, à controvérsia sobre se aconteceu realmente algo di
lificante. Nestas circunstâncias, toma forma uma problemática. O trigésimo ou o décimc
■eiro aniversário, ou a menoDausa. ou a assinatura de um arrendamento, tomar-se-ão uma
lugar a um a luta acerca da natureza da ocorrência, e embebidos nessa luta estão interesses
diferentes num resultado. Costuma-se pôr em causa, por exemplo, se a menopausa é um
«verdadeiro» acontecimento. Os partidários da libertação da mulher defendem que embora seja
de facto tuna ocorrência, isto é, acontece «simplesmente», não é um acontecimento. Não
deveria servir de característica demarcadora do tempo do meio ambiente através da qual certas
consequências (por exemplo, nenhuma mulher deveria ter grandes responsabilidades) se
deveríam seguir. Outros (especialmente os homens) defendem o contrário; e é nestes diferentes
relatos do significado da ocorrência (isto é, se é ou não um acontecimento) que reside a
problem ática.
Em todas as problemáticas públicas, estão em funcionamento processos análogos. Nós
debatemos, por exemplo, se o «massacre de My Lai» aconteceu «realmente» ou se foi «apenas»
uma busca de rotina e um a missão de destruição. Essa escolha entre relatos determina a natureza
da ocorrência, e ao mesmo tempo o grau em relação ao qual foi suficientemente especial para
ser usado para reordenar as ocorrências e os acontecimentos passados, alterar prioridades, e
tom ar decisões. Q ualquer questão pública envolve um a luta semelhante em tom o de uma
ocorrência e dos interesses semelhantes no resultado: será que a influente ITT enviou aquele
m em orando como especificado? A taxa de criminalidade está tão alta que «já não se pode andar
nas ruas?» A existência de um a questão demonstra que existem necessidades de acontecimento
(event needs) opostas relativamente a um a dada ocorrência. Algumas vezes, a própria questão
pode transformar-se num a questão. Por exemplo, um político podería acusar o seu adversário
de ter «cozinhado» deliberadamente uma «falsa questão» para desviar a atenção do votante da
«verdadeira questão». Nesses casos, a questão das questões tom a-se num acontecimento.
O trabalho de prom over ocorrências ao estatuto de acontecimento público salta das
necessidades de acontecimento daqueles que fazem a promoção. Ao contrário do caso dos
acontecimentos privados, implica a vivência da experiência para um grande número de pessoas.
Este potencial impacto público significa que o efeito multiplicador social do trabalho daqueles
que criam notícias para públicos é muito maior que o efeito das pessoas que criam notícias para
elas próprias e os seus homólogos mais chegados. Embora existam processos e distinções
análogas para os acontecimentos privados e públicos, este maior impacto destes últimos leva-
-nos a centrar a nossa discussão nos acontecimentos públicos.
(s) Aaron Cicourcl argumenta de modo análogo no que diz respeito à criação de um delinquente juvenil. Um
delinquente é constituído por um conjunto de relatos produzidos por uma serie de agencias de execução legal
motivados pela necessidade de parecer racional aos outros, dentro do sistema processual. Quaisquer actividades
juvenis serão realizadas (através de um trabalho de relato) de acordo ou contra alguma lei. Assim, um delinquente é
o resultado de uma cadeia de agencias processuais que necessitam de fazer um «trabalho competente com objcctivos
práticos». Isto é, qualquer que «rcalmcnte seja» o acto, a pessoa (ou acontecimento), é visto através do trabalho
37
Pela simplicidade, nós consideramos os acontecimentos como sendo constituídos por três
agências principais (‘). Primeiro, há os promotores de noticia {news promoters) - aqueles
indivíduos e os seus associados (por exemplo, Nixon, a secretária de Nixon; Kunstler, o porta-
-voz de Kunstler; um-homem-que-viu-um-disco-voador) que identificam (e tom am-na assim
observável) uma ocorrência como especial, com base em algo, por alguma razão, para os outros.
Em segundo lugar, há os news assemblers (*) (jornalistas, editores e rewritemen) que,
trabalhando a partir dos materiais fornecidos pelos promotores, transformam um perceptível
conjunto finito de ocorrências promovidas em acontecimentos públicos através de publicação
ou radiodifusão. Finalmente, há os consumidores de noticia (news conswners) (por exemplo,
os leitores), que analogamente assistem a determinadas ocorrências disponibilizadas como
recursos pelos meios de comunicação social e criam, desse modo, nos seus espíritos, uma
sensação do tempo público. Cada agência incorpora sucessivamente o mesmo tipo de trabalho
de construção, baseado em propósitos que determinam dadas necessidades de acontecimentos.
M as o trabalho levado a cabo em cada ponto bloqueia ou inibe um grande número de
possibilidades de criação de acontecimentos. Neste bloqueio de possibilidades reside o poder
do trabalho jornalístico e toda a actividade de informação. Agora vamo-nos voltar para uma
análise detalhada do trabalho jornalístico realizado por cada agência no processo de construção
noticiosa e as implicações de poder desse trabalho.
prático dos membros. Vcja-se o seu livro, The social organization ofjuvenile justice (New York, Wilcy, 1968). Esta
visão afasta-sc fundamcntalmcnte da teoria do gatekeeping do trabalho noticioso, o qual vc o mesmissimo
acontecimento influenciado por uma série de jornalistas (cf. Tamotsu Shibutani, 1966). Para uma análise do
gatekeeping, veja-se D. M. Whitc, 1964; Giebcr, 1964).
(6) Estas agências, como são aqui apresentadas, são gcralmcnte compatíveis com os seis «elementos básicos»
de Holsti; fonte, processo de codificação, mensagem, canal de transmissão, recipiente, processo de descodiflcaçào.
Ver Olc R. Holsti, 1969, p. 24).
(•) Nota de tradução - News assemblers - Todos os profissionais do campo jornalístico que participam na
«montagem» do produto jornalístico.
38
1. Promoção
O A nossa referencia de depoimentos politicos por parte de figuras públicas levantou a questão das mentiras
aos leitores de versões prévias deste artigo. Baseado no princípio de que a criação de acontecimentos provém
univcrsalmcntc de objcctivos contidos no contesto, o nosso esquema não faz uma distinção objcctiva entre dizer uma
verdade c dizer uma mentira. Para nós, uma mentira é uma ideia realizada com objectivos a curto prazo, incluindo
aquelas respeitantes à necessidade de relacionamento com os outros. Conseguimos distinguir uma mentira pelo facto
que uma outra parte (observador) a vê como uma manobra deliberada para levar a cabo um objcctivo definido sem
respeitar as condições de uma suposta realidade objcctiva. Esta suposta falta de correspondência com a realidade é
tipicamente invocada quando a segunda parte tem propósitos contrários aos do mentiroso. As mentiras, como
quaisquer idéias, são assim criadas porque são «procuradas» pela segunda parte. Quando um mentiroso é «apanhado»
- isto é, quando não consegue convencer os outros de que o seu relato corresponde a uma realidade objcctiva - tenta
dominar a situação: (a) demonstrando que a segunda parte estava, de facto, à procura da mentira, a ser «provocadora»,
ou a exagerar; ou (b) minimizando o efeito da assunção da objcctividadc, reclamando sclectivamcntc a ambiguidade
inerente no caso presente, como expresso nas exigências de que «todas as coisas dependem do modo como as vemos»,
ou «se soubesses o que eu sabia na altura, verias que corresponde, na verdade, ao que é cfcctivamcntc a realidade».
Uma asserção sclectiva de um mundo subjectivo toma-sc, assim, um recurso como qualquer outro.
Embora os promotores promovam geralmente ocorrências pelas quais eles próprios são
responsáveis, eles também têm acesso (dentro de certos limites) a prom over as actividades de
outros - incluindo indivíduos cujos propósitos são opostos aos seus próprios. Assim, um
candidato político pode «expor» a ocorrência de trabalho corrupto de um político rival ou tirar
partido dos seus efeitos benéficos. De igual modo, Richard Nixon poderia prom over cartas de
mães de prisioneiros de guerra que foram escritas como comunicações privadas e talvez não
previstas pelos seus autores como acontecimentos públicos. A riqueza e a ironia da vida política
é feita de uma desenfreada competição especializada entre pessoas que têm acesso aos media,
e como tal tentam mobilizar ocorrências como recursos para o seu trabalho de construção da
experiência.
2. M ontagem
(*) A. J. Licbling (1949) fornece ilustrações ancdóticas da ocorrência de tais conspirações e chicaniccs. Vcja-
-sc também qualquer edição de Chicago Journalism Reriew ou (More): A Joumalism Review, ou Robcrt Cirino (1970).
3. Consumo
Os elem entos do público, saciados com o trabalho publicado e radiodifúndido nos meios
de comunicação social, desempenham o mesmo tipo de actividade constituinte que os news
assemblers.
O resíduo de biografia, materiais anteriores disponibilizados pelos media e o presente
contexto, tudo isso molda o trabalho do consumidor de construção de acontecimentos. O seu
trabalho noticioso é, a nível dos processos, idêntico ao dos promotores e dos news assemblers,
mas com duas importantes diferenças: o lote de ocorrências disponíveis enquanto recurso, tem
sido radicalm ente truncado através do trabalho noticioso de outras agências; ao contrário dos
news assemblers, não possuem, habitualmente, qualquer base institucional donde possam
difundir o seu trabalho.
f ) Isto é, seguindo a instrução ctnonictodológica, temos até agora tentado suspender a nossa crença numa
ordem normativa. Todavia, para estender a nossa análise a uma útil abordagem de «senso comum» às noticias, c para
fomeccr instrumentos de descrição concisa ao trabalho prático, mundano, entramos na «atitude da vida quotidiana»
nesta secção do ensaio.
na imprensa diária cneaixani-se nesta categoria: por isso, com base na frequência, chamamos-
-Ihes «rotina» (>0 ).
Se um dado prom otor é ou não o «mesmo»que o «executor», pode ser difícil de determinar
em alguns casos. É claro, por exemplo, que se o secretário de imprensa de Rjchard Nixon
prom ove a viagem do presidente à China ou à Rússia, o «executor» (Nixon) e o prom otor
(secretário de imprensa) podem ser considerados idênticos para todos os efeitos. Se, todavia,
N ixon ler um a carta na televisão, dirigida a ele e escrita pela mulher de um prisioneiro de guerra,
o grau de identidade entre Nixon, o promotor, e a mulher do prisioneiro de guerra, como
«executor», é menos claro. N a medida em que os propósitos de ambas as partes podem ser
idênticos - trazer, por exemplo, a atenção do público para os prisioneiros de guerra e/ou para
m obilizar apoio para a guerra - , o prom otor e o agente podem ser considerados idênticos e a
carta escrita, com o acontecimento público, pode ser classificada como rotina. Naturalmente,
pode acontecer que Nixon queira dar atenção aos prisioneiros de guerra com outros propósitos
a longo prazo («ulteriores»), não partilhados pela mulher do prisioneiro de guerra. N esse caso,
N ixon está não só a usar a sua posição para adiantar as necessidades de acontecimento público
do «executor», como também está a fomentar uma nova ocorrência de sua autoria, prom ovendo-
-a com o acontecimento público. Depois de registar esse gênero de trabalho de construção, a
«nova» ocorrência é analiticamente igual a uma outra qualquer.
Em bora todos os acontecimentos de rotina partilhem certas características, a elucidação
dessas mesmas características não nos diz o que leva um acontecimento de rotina ao êxito.
Todos os dias são realizados um sem-número de actividades tendo em vista a criação de
acontecimentos de rotina. Mas essas intenções devem complementar o trabalho feito pelos
news assemblers, se o resultado for um acontecimento público. O sucesso de um potencial
acontecimento de rotina é, por isso, contingente na definição de uma ocorrência como
«estória» (**) feita pelos news assemblers. Por outras palavras, aqueles que procuram aconte
cim entos públicos através da promoção das suas actividades (ocorrências) devem ter acesso a
essa segunda fase da criação do acontecimento. Relativamente a esta acessibilidade, podem
ser discutidos vários subtipos de rotina:
O Robcrt Maneia (1971), numa tipologia análoga dos acontecimentos, trata-os como fenômenos objcctivos
que sáo classificados consoante o modo como se encaixam bem em regras c rotinas de organizações formais
correntes.
(*) Nota de tradução-O termo «estória» é muito utilizado na giria dos jornalistas norte-americanos, e cada vez
mais cm Portugal, para referir simultaneamente acontecimento c noticia. Ver o artigo de Tuchman na terceira parte
desta antologia.
c o in c id e m c o m a s a c tiv id a d e s d e p r o d u ç a o jo m a h s tic a d o p e s s o a l d o s m e io s d e c o m u n ic a ç ã o
social. A s s im , p o r e x e m p lo , p a r te -s e s e m p re d o p r in c ip io d e q u e o P r e s id e n te d o s E s ta d o s
U n id o s d iz c o is a s « im p o rta n te s » . E s ta « im p o rtâ n c ia » é tid a c o m o c e r ta , e u m r e p ó r te r d e
W a s h in g to n q u e a ja s e g u n d o o p r e s s u p o s to c o n tr á rio p e r d e r á p r o v a v e lm e n te o s e u e m p r e g o . O
a c e s s o h a b itu a l n e s te p a ís e s tá p r a tic a m e n te lim ita d o a o s a lto s f u n c io n á r io s d o g o v e r n o , às
p r in c ip a is f ig u r a s c o le c tiv a s , e , e m m e n o r e s c a la , a c e r ta s p e r s o n a lid a d e s f a s c in a n te s ( T u c h m a n ,
1 9 7 2 b ). E s s a s p e s s o a s , e s p e c ia lm e n te a s d a v id a p o lític a , e s tã o m a is p r e o c u p a d a s n a m a
n u te n ç ã o d o s s e u s p ó d io s e n a o r g a n iz a ç ã o d a s n o tíc ia s d e m o d o a q u e o s s e u s o b j e c t i v o s nâc
>ejam a f e c ta d o s , n a c o n t í n u a c o m p e tiç ã o p a r a c r i a r p ú b lic o s . E s s a c o m p e t i ç ã o p o d e e n v o l v e
u ta s o c a s io n a is c o m o u tr a s f ig u r a s p o d e r o s a s , o u , p o r o u tr o la d o , c o m g r u p o s c o n te s ta tá r io s
r o c u r a n d o d a r u m c o n j u n t o d i f e r e n te d e e x p e r i ê n c i a s p ú b lic a s . N ã o o b s t a n te a s c o m p e t i ç õ e
i tr a o u in te r g r u p o s , o a c e s s o h a b itu a l e n c o n t r a - s e g e r a l m e n t e e n t r e a q u e l e s c o m e x tr e m
q u e z a o u o u t r a s f o n te s in s t i t u c i o n a i s d e p o d e r . D e f a c to , e s te p o d e r é t a n t o u m r e s u l t a d o d
esso h a b i t u a l c o m o u m a c a u s a c o n t í n u a d e s s e a c e s s o . O a c e s s o d e r o t i n a é u m a d;
i p o r ta n te s f o n t e s e s u s t e n t á c u l o s d a s r e l a ç õ e s e x i s te n te s d e p o d e r .
A função do acesso habitual é ilustrada por um acontecim ento de rotina, com o
ispecção» feita por Richard N ixon a um a praia de Santa B árbara depois de um calam ito
ram e de petróleo em 1969 (M olotch, 1970). N ixon foi exibido a sair do seu helicóptero nut
te do areai «inspeccionando» a praia que estava sob os seus pés. E scusado será dizer que
s talentosos assistentes poderíam ter feito a inspecção p o r ele; além disso, N ixor
im petente, do ponto de vista científico, para «inspeccionar» praias. A actividade foi u
ativa de criar um acontecim ento para se inform ar o público am ericano de que R ich ard N i;
/a p esso alm ente p reocupado com o p etróleo nas praias. O s seus esfo rço s e a inspec
im p o r fim d izer ao p ú b lico que as praias estavam de facto lim pas. Q u an d o F id e l C a
i u m hospital ou q u an d o M ao verifica u m g erador, está em fu n cio n am en to u m a d inân
Jhante. Q uando este tipo d e oconrência se to m a n u m b em su ced id o a c o n te c im e n to públ
;ultados ap ro x im am -se d o s p revisto s p elo « ex ecu to r» /p ro m o to r.
Embora os news assem blers ajam de acordo com o pressuposto de que aqueles que dt
ridade administrativa são os que têm mais noticiabilidade (*), (Tuchman 1972b), ot
iuos e grupos estão ocasionalmente em posição de gerar acontecimentos. Conl
íto o acesso do Presidente dos EUA aos meios de comunicação social continua para
po e do assunto, o acesso de outros grupos - por exemplo, porta-vozes para os dii
lheres, os direitos cívicos e ajuventude - terá altos e baixos de acordo com o factor ti
ir (Molotch e Lester, 1972). Por esta razão, o acontecimento de rotina ideal tip
(b) Acesso dismptivo. Aqueles que necessitam de acesso habitual à produção de
acontecimentos e que querem contribuir para a experiência pública contam geralmente com a
disrupção (M yerhoff, 1972). Eles têm de «fazer noticias», entrando em conflito, de qualquer
modo, com o sistem a de produção jornalística, gerando a surpresa, o choque ou uma qualquer
forma latente de «agitação». Assim, os pouco poderosos perturbam o mundo social para
perturbar as formas habituais de produção de acontecimentos. Em casos extremos, reúnem-se
multidões num local inapropriado para intervir no plano diário de ocorrências e acontecimentos.
Essas actividades constituem, de certa forma, acontecimentos «anti-rotina». Esta óbvia
disrupção da actividade normal e a sua ameaça ao mundo social estimula a cobertura dos meios
de comunicação social de massa.
A ocorrência disruptiva toma-se um acontecimento porque é um problema para os
relativamente poderosos. Nós diriamos que um acontecimento de protesto - por exemplo, uma
ocupação de instalações por parte de estudantes ou um comentário de Jerry Rubin - recebe um
tratamento noticioso precisamente porque é considerado um a ocorrência que as «pessoas
sérias» precisam de compreender. Qual o significado de uma ocupação de instalações? Há
grande agitação entre os estudantes? Será que violarão as secretárias? Está a ordem em perigo?
As pessoas interessadas na manutenção do processo corrente precisam de responder a estas
questões antes de desenvolverem a estratégia e os planos para a restauração da ordem. A
cobertura que daí resulta fala tipicamente destas implicações - não dos assuntos que estiveram
na origem deste protesto. Assim, a actividade de protesto estudantil só continua como assunto
porque os partidos importantes discordam acerca do significado do protesto e do modo como
deveria lidar-se com a situação. Algumas pessoas influentes de esquerda norte-americana
acham que isso significa que certas instituições precisam de ser reformadas; alguns conserva
dores im portantes entendem que os estudantes são uns desgraçados e deveríam ser menos
apaparicados. As questões surgem do desacordo em relação aos métodos e significados entre
as partes com acesso. O fulcro da questão está geralmente no modo como lidar com dissidentes,
e não nas questões levantadas por estes. É por isso que os líderes das revoltas dos estudantes
quase nunca são citados com relevo na imprensa (").
Nós diriamos que a cobertura do protesto estudantil se desvanece logo que baixam as
necessidades de acontecimento de um a ou outra parte importante. O mistério do protesto
estudantil diminui à medida que o cenário se vai tipificando através da repetição: ocupam-se
edifícios — fazem-se discursos — as administrações respondem — chama-se a polícia —
partem-se cabeças— prendem -se os cabecilhas— vai-se para os tribunais. Nenhum a violação,
pouca destruição, um a reforma de fachada (talvez). As pessoas podem voltar às suas actividades
quotidianas; a necessidade estratégica de ser informado está satisfeita.
Existe um a segunda razão para este tipo de acontecimento de rotina diminuir em utilidade
para as pessoas importantes. A própria reportagem da ocorrência pode vir a ser vista como
agente provocador da criação de mais ocorrências do mesmo gênero. Assim, um interesse se
(") V er Kirkpatrick Sale (1973). Esta situação modificou-se finalmcnte cm relação à actividade contra a
guerra, porque a posição e as necessidades de acontecimentos da imprensa americana c uma parte substancial da elite
começaram a simpatizar com o movimento. Assim, as necessidades de acontecimento de um segmento da elite veio
a corresponder aos contcstatários; de igual modo, a guerra tomou-se no assunto, não no protesto em si.
45
desenvolve na eliminação desses acontecimentos do noticiário — ou através da tomada de
medidas de prevenção (por exemplo, abrandando a resistência às exigências dos estudantes) ou
concordando em não as repercutir. A polícia, por exemplo, pode i mpedi r o acesso dos repórteres
ao locais de motins raciais, e ser apoiada pelos políticos, líderes cívicos, assim como pelos
proprietários da imprensa. Certos cânones da «responsabilidade de imprensa» estão ao dispor
dos editores que preferem passar por cima dos acontecimentos anti-rotina. A intencionalidade
subjacente a todos os acontecimentos de rotina pode ser selectivamente entendida nos
mom entos adequados para justificar o cancelamento de uma «estória», promovida apenas pelo
seu im pacto noticioso (,!). Quando as pessoas importantes vêem que um potencial acontecim en
to pode ter custos demasiado elevados, tendo em conta as suas intenções, existem vários recursos
para o eliminar.
(c) Acesso directo. Algumas «estórias» são geradas por news assemblers que vão
«desenterrar» as noticias. Os features (**) são geralmente deste gênero, mas muitos artigos de
«notícias dignas de crédito» podem ser do mesmo tipo. Por exemplo, os news assemblers ao
examinarem o registo policial podem detectar que «o crime está a aumentar» ou podem
entrevistar ou sondar um a população acerca das alterações de comportamento. Este trabalho
jornalístico é rotina, no sentido em que criar a ocorrência (por exemplo, a verificação do registo,
a sondagem acerca do comportamento) pode ser um a actividade intencional prom ovida como
acontecimento público pelo «executor». Todavia, é distinto no que respeita ao facto de o
prom otor e o news assembler serem os mesmos. Quando esta identidade é suficientemente
transparente, os media envolvidos podem ser castigados por falta de «objectividade» ou por se
embrenharem em «muckracking» (*) ou «jornalismo cor-de-rosa». U m dogm a do «novo
jornalism o» é que essa produção jornalística é de facto apropriada. Esta controvérsia é, no nosso
entender, um conflito em tom o da questão se os jornalistas podem ou não embrenhar-se
legitimamente na promoção transparente de notícias, ou se devem continuar a apresentar-se
com o relatando aquilo que objectivamente acontece (”)•
(l!) Em resposta a uma queixa de que o seu jornal retinha uma importante «estória», um repórter do Los Angeles
Times escreveu a Molotch a seguinte defesa: «Nós não publicámos uma 'estória' desenvolvida acerca d e ........ devido
aos meus editores terem considerado que em virtude de o caso d e ........ não se ter tomado num assunto de grandes
proporções envolvendo a comunidade universitária, nós poderiamos ser acusados de criar um assunto se lhe déssemos
um tratamento exaustivo nesta altura. Não se trata de um caso de retenção de informação, mas sim de preocupação por
parte dos meus editores cm tentarem evitar a situação em que algo se toma num assunto importante porque um diário
de grande tiragem escreveu exaustivamente acerca dele». (Comunicação pessoal ao autor, 8 de Janeiro de 1971).
(*) Nota de tradução - Os features são noticias que gcralmente dão destaque a uma faceta dum acontecimento
ou assunto, ou mesmo a uma pessoa, e geralmcntc acentuem os aspectos de interesse humano.
(*) Nota de tradução - O termo muckracking provem do termo muckrakers c foi utilizado para designar um
grupo de jornalistas que marcou o jornalismo norte-americano no fim do século XIX e no inicio do século xx com os
seus trabalhos de investigação sobre a corrupção e as desigualdades sociais da época. O termo muckrakcr significa,
literalmentc, «raspar a imundicic».
(” ) O que é ou não uma técnica transparentemente não objectiva muda historicamente. Fishman (1980)
pormenoriza o modo como a utilização de entrevista nas noticias veio a ser um ponto de partida radical da cobertura
noticiosa objectiva. A técnica foi introduzida como parte do movimento do jornalismo cor-de-rosa c foi denunciada
pelos jornais mais tradicionais.
A cidentes
(u) São precisamente estas formas de acontecimentos que tendem a ser excluídas na investigação do poder
comunitário utilizando a técnica dccisória (Edward Banficld, 1962). Ao aceitarem de modo acritico aquelas «estórias»
que aparecem nos jornais durante um longo período de tempo relativas aos conflitos políticos locais básicos, a
utilização da técnica dccisória garante que apenas aqueles assuntos acerca dos quais as elites discordam intemamente
surgirão enquanto tópicos de estudo. Assim, as descobertas pluralistas são garantidas através do modo de selecçào dc
caso.
47
nteceu» em iunçao aas suas piupnas -------- ----------- - -
dução jomalistica, enquanto empreendimento objectivo, está posta em causa. Natural
ate, nem todos os acidentes se tomam acontecimentos públicos. Derram es de petróleo n
Ifo do México, quase tão grandes como o de Santa Bárbara, receberam muito menc
•ertura; de igual modo, a fuga maciça de gás de nervos em Dugway Proving G round (Hirscl
39) podia facilmente ser considerada muito mais desastrosa para o meio am biente e para
Ia humana do que um qualquer derrame de petróleo; contudo, só ocorreu um a cobertu
ativamente pequena (Lester, 1971). Tudo isto atesta o facto de que todos os acontecim ent
) socialmente construídos e a sua «noticiabilidade» não está contida nos seus traç
jectivos.
icândalos
Os escândalos partilham características tanto dos acidentes como dos acontecim ento;
tina, mas diferem também de ambos. Um escândalo implica um a ocorrência que se tom a n
:ontecimento através da actividade intencional de indivíduos (cham am os-lhes «infor
ares») que por uma ou outra razão não partilham as estratégias de produção de acontecimei
os «executores» das ocorrências. Como um acontecimento de rotina, o happening despol
or é intencional e o acontecimento é promovido; mas, ao contrário de um acontecim ent
atina, a promoção não é feita por aqueles que originalmente despoletaram o happening
acto, a realização do acontecimento é geralmente um a surpresa para os actores origi
vssim, Ronald Reagan não pagou deliberadamente quaisquer impostos em 1970-71, ma:
sperava, ao fazer isso, ler o facto nos jornais. Dita Beard escreveu, presum im os, o tristen
:élebre «ITT Memo», mas não o concebeu como acontecimento público. (O assunto ITT d
le uma tentativa da ITT para acabar com o escândalo através da negação da ocorrência sú
Jm escândalo exige a cooperação voluntária de pelo menos uma das partes com po
legitimidade decorrentes da sua experiência em primeira mão (a testem unha ocular) ou c
posição na estrutura social (por exemplo, um «divulgador» ( leaker) de m em orandos o
documentos do Pentágono). Quando se conjugam ambas as circunstâncias, m aior é a capac
de se gerar um escândalo. De novo, esta capacidade está desoroDorcionalmente nas m:
seguiu (demorou 20 meses a tomar-se acontecimento público) foi elucidado com algum detalhe
(l!). M y Lai foi originalmente relatado como uma ofensiva militar de rotina e bem sucedida
contra os soldados Vietcong; só mais tarde foi transformado em «massacre». Noutros
escândalos, pessoas de status elevado fazem «delações» -- como, por exemplo, quando os
reformadores políticos expõem «a máquina», ou quando os líderes políticos empreendem um a
guerra fratricida para eliminar os oponentes (por exemplo, os escândalos Fortas, Dodd e
Goldfme). Naturalmente os escândalos também podem ocorrer quando os estatutos sociais são
mais assimétricos; pode ter sido um escriturário a denunciar Reagan; foi um cabo do exército
quem denunciou My Lai. Além disso, quando o informador é de um status relativamente baixo
e não é apoiado por um grupo com poder, a tarefa da produção do escândalo pode ser bastante
árdua (M y Lai, por exemplo) e geralmente um completo fracasso. Um acidente pode
frequentemente estim ular um a série de escândalos, como no caso do derrame de petróleo em
Santa Bárbara, e nos testemunhos de McCord e Dean no rescaldo das detenções do caso
W atergate.
Serendipity (*
*)
(,s) Ver New York Times, 20 de Novembro de 1969; The Times (London), 20 de Novembro de 1969.
(•) Nota de tradução - Serendipity significa a faculdade ou talento para fazer uma descoberta por acaso,
involuntariamente.
49
QUADRO I:
A classificação de acontecim entos
Promovido pelo
inform ador Escândalo Acidente
D iscussão su m á ria
Seguindo as incitações de Gans (1972), vamos tentar um novo ponto de partida para o
estudo das notícias. Nós vemos os media a reflectirem não um mundo exterior mas as práticas
daqueles que detêm o poder de determinar a vivência dos outros. Harold Garfinkel chegou a um a
condição semelhante acerca dos registos clínicos que investigou; mais do que considerar os
registos de um a instituição enquanto representações perfeitas de algo que aconteceu, pode-se
ver nestes registos as práticas organizacionais das pessoas que fazem registos habitualmente.
Garfinkel conclui que existem «boas razões organizacionais para os maus registos clínicos».
Segundo Garfinkel, o nosso interesse na sua «má qualidade» não reside na explicação da
organização social da clínica.
N ós pensam os que os meios de comunicação de massas deveríam igualmente ser
encarados como maus registos clínicos. De acordo com Garfinkel, o nosso interesse na sua «má
qualidade» não reside tanto na oportunidade para a critica e a ironia, mas mais na possibilidade
de compreensão do modo como o produto vem a parecer-se, isto é, quais são as «boas razões».
Advogam os a análise dos meios de comunicação social para conhecer as necessidades de
acontecimento e os métodos através dos quais aqueles que têm acesso aos media acabam por
determ inar a experiência dos públicos. Podemos procurar os métodos através dos quais a
hegemonia ideológica é realizada examinando os registos que são produzidos.
Visto desta maneira, um a abordagem dos meios de comunicação de massas procura não
a realidade mas os propósitos que estão subjacentes às estratégias de criação de um a realidade
em vez de um a outra. Para o cidadão ler o jornal como um catálogo dos acontecimentos
im portantes do dia, ou para o sociólogo utilizar o jornal para a selecção de tópicos de estudo,
é preciso aceitar-se como realidade o trabalho político através do qual os acontecimentos são
considerados por aqueles que geralmente detêm o poder. Só no acidente e, secundariamente,
no escândalo, é que o trabalho político de rotina é suplantado de modo significativo, permitindo
50
assim o acesso à informação que é directamente hostil a esses grupos que geralmente advêm
da produção do acontecimento público.
A investigação futura em tom o dos media e da dinâmica de poder seria reforçada, levando
em consideração esta «segunda face do poder» (Bachrach e Baratz, 1962; Edelman, 1964). Mais
profundamente, os sociólogos, que geralmente utilizam os seus tópicos de investigação e as
construções conceptuais tal como são apresentados pelos meios de comunicação social e outras
fontes similares, podem querer libertar a sua consciência das actividades intencionais levadas
a cabo pelas diferentes partes cujos interesses e necessidades de acontecimento podem diferir
dos seus próprios.
«Os acontecimentos mediáticos:
o sentido de ocasião» (') (**)
Elihu Katz
(‘) Este ensaio nasceu de um projecto apoiado gcncrosamcntc pela Fundação John & Mary R. Markle. Foi lido
no Segundo Encontro Mundial de Comunicação, em Acapulco, em Julho de 1979. Agradeço a Pierre Motyl e Daniel
Dayan, os meus dois colaboradores mais próximos do projecto Media Evcnts, a sua contribuição de idéias para o
ensaio.
(*) Reedição de: Studies in Visual Anthropology (N.° 6,1980). «Media Events: A Scnsc of Occasion», de Elihu
Katz.
52
:er; algumas pessoas saem, vao ao cinema, ao teatro, etc. (Baumol e Boi
,io e Useem, 1978). E no tocante às ocasiões, os media estão geralmente n o :
i feriados, como o Dia da Independência ou o Natal, quando elevados p
entação» se combinam com um sentido de festividade e uma nostalgia pel
1979; Faris, 1968).
xiste também um outro sentido, no qual os media quebram o padrão «o-sol-i
}ue eles próprios criaram. A história da radiodifusão está marcada por um:
mas que são tão memoráveis que captaram a atenção de uma nação ou do m
s arranjavam-se para os ver, e convidavam os amigos para os ver ou ouvir. C
sário da chegada à Lua traz-nos à memória este gênero de radiodifusão. Generit
imissòes de radiodifusão são conhecidas por acontecimentos mediáticos - eml
n termo ambíguo e já estafado. Eu chamo-lhes «os grandes dias de festa» dos med
:les, durante breves instantes, restaurou o sentido de ocasião para uma socieda
o, e alguns deles podem ter tido efeitos duradouros.
Eu gostaria de lem brar estes acontecimentos, e de os discutir neste ensaio. Eles i
nagens; a visita de Sadat a Jerusalém; o fim de semana de pesar que se seguiu ao ass
ennedy; a coroação de Isabel II; os debates presidenciais de 1960 e 1976; e
tecimentos desportivos (Lang e Lang, 1968; Schramm, 1965; Halloran et al., 1970
; Kraus, 1962; Briggs, 1979; Arlen, 1979). Cada nação terá a sua própria lista, em
ero desse gênero de acontecimentos seja extremamente pequeno. Por vezes, ter»
tmbre do potencial de um acontecimento que nos é negado: a visita de João Paul
mia, por exemplo, ou os Jogos Olimpicos de Moscovo.
O s a c o n te c im e n to s , e v id e n te m e n te , sã o im p o rta n te s p a ra o s in d iv íd u o s, o s fa m ilia re s i
as c o m u n id a d e s : fe sta s d e a n o , a n iv e rsá rio s, feriad o s. S ão ce n tra is, ta m b é m , p a ra a profissãc
jo rn a lís tic a . D e facto , o jo rn a l d iário o u o n o ticiário te le v isiv o sã o u m a c o la g e m d e a c o n te c i
m e n to s e s se n c ia lm e n te d isc re to s, e n ã o é d e m o d o n e n h u m c e rto - c o m o re fe rire m o s a se guii
- q u e e s ta s e ja a m e lh o r m a n e ira d e re la ta r o q u e se v ai p a ssan d o n o m u n d o . É c o m o esp era r
p o r u m fu ra c ã o p a ra fazer o b o le tim m eteo ro ló g ic o , o u e sp e ra r p elo D ia d a M ã e p a ra d e te rm in a r
0 jornalism o ocidental difere dojom alism o oriental na ênfase que dá aos acontecimentos
negativos, às coisas que correm mal. Se a abertura de uma fábrica é notícia na Europa de Leste,
é o encerramento de um a fábrica que é noticia no Ocidente. O jornalism o do mimdo livre gira
em tom o do conflito: nação contra nação, homem contra homem, homem contra a natureza. Um
acontecimento noticioso típico é a «estória» de um conflito. O conflito pode estar institucio
nalizado, como nos parlamentos e no desporto, ou pode ser espontâneo, como num ataque
terrorista ou um terramoto. São «estórias» como essas, mais do que quaisquer outras, que
definem as noticias.
O s acontecimentos mediáticos, todavia, parecem ser diferentes. M ais do que relatar o
conflito, eles celebram a resolução ou o vencer do conflito, ou, se lidam com o conflito, é o
conflito do gênero mais institucionalizado. Consideremos, por exemplo, asalunag en so u av isita
de Sadat a Jerusalém, ou - se quisermos ter um leve vislumbre do que realmente se passa - a
visita de João Paulo II à Polônia. Todos estes acontecimentos celebram a tentativa de ultrapassar
o conflito. De igual modo, a dor que se seguiu ao assassinio de Kennedy foi um período de
reunificação da nação e de redução da tensão. Mesmo os Jogos Olímpicos, os debates
presidenciais, ou acontecimentos como o Festival da Eurovisão são, na essência, reuniões de
rivais envolvidos mais num conflito ritual do que numa «estória» de amarga hostilidade.
Assim, os acontecimentos mediáticos parecem diferir dos acontecimentos noticiosos no
facto de estarem mais preocupados em retmir os rivais, isto é, com um processo de reconciliação.
Além disso, se se analisa a retórica dos acontecimentos mediáticos encontrar-se-á, acredito,
um a reverência que é totalmente atípica do jornalismo quotidiano. Nas suas voltas diárias, o
repórter é geralmente cínico: ele distancia-se do acontecimento. O apresentador de um
acontecimento mediático, todavia, assume frequentemente um papel sacerdotal, agindo como
um m estre de cerimônias. Ele murmura que Sadat tom a o seu lugar na tribuna do Knesset, ou
anuncia respeitosamente «o hino nacional egípcio» logo que a música começa. E fica depois
em silêncio. N ão faz quaisquer comentários enquanto a cerimônia tem lugar. O narrador ou
com entador considera-se - e é geralmente considerado pelos participantes - um mem bro do
casam ento, um celebrante.
Aliás, geralmente não há quaisquer anúncios. Mesmo o filme «Holocausto» foi televi
sionado com anúncios. M as isso não aconteceu nem durante os discursos de Sadat e Begin
em Jerusalém , nem durante todo o fim de semana de luto que se seguiu ao assassínio de John
Kennedy.
É neste sentido, também, que é útil pensar nestes acontecimentos mediáticos como
«grandes dias de festa». Têm um ar sagrado, um carácter referencial que difere tanto do mundo
diário dos assuntos públicos, dos feriados que se seguem aos conflitos, como das meras
quotidianas. É com o se estivessem a dizer-nos algo sobre a nobreza do homem e a unidade da
sociedade.
55
num a missão de exploração ou reconciliação em nome da Humanidade. Certamente que a
H istória está cheia de explorações desse gênero. O que é novo é a nossa capacidade de seguir
o processo destes feitos heróicos, passo a passo, antes de alguém saber qual será o resultado.
U m segundo tipo de acontecimento mediático é a ocasião de estado. Mas só debaixo de
certas circunstâncias é que essas ocasiões serão tratadas como acontecimentos mediáticos.
Q uando a ocasião marca o começo ou o fim de uma era, como o funeral de Churchill, ou quando
se abre um poço de incerteza, como no funeral de Kennedy, e a ansiedade pela sucessão, a nação
ou o mundo participarão, petrificados, na cerimônia. De igual modo, quando o tratado de paz
israelo-egípcio foi assinado na Casa Branca, houve um sentimento de um novo começo, e, de
facto, muitos observadores compararam-no a um casamento. Michael Arden compara todos os
acontecimentos desse gênero a paradas, mesmo incluindo acontecimentos seculares e secundários
com o a entrega dos Óscares pela Academia de Artes e Ciências Cinem atográficas de
Hollywood.
O terceiro tipo de acontecimento é a mais familiar competição, m as só quando a
confrontação tem um significado simbólico. Assim, os debates Kennedy-Nixon ou Ford-Carter,
ou o Campeonato do Mundo de Futebol ou o Festival da Eurovisão da Canção, são aconteci
mentos deste tipo. As rivalidades tradicionais são postas em prática perante audiências de
centenas de milhões, mas estas rivalidades estão sujeitas a regras partilhadas e obrigatórias, e
o sentido do que há em comum tem igualmente mais importância do que o partidarismo.
56
Os produtores desses programas enfrentam vários problemas importantes, e todcs eles
estão implícitos no que se tem dito até aqui.
Primeiro que tudo, há o problema da escolha do próprio acontecimento. O jornalismo,
como se salientou, lida com acontecimentos mas encara-os de forma diferente dos historiadores.
A História, actualmente, abandonou os acontecimentos enquanto explicações inadequadas.
Assim, o impulso do jornalista é considerar história a visita de Sadat a Jerusalém, enquanto o
impulso do historiador é olhar para o apuro da economia egípcia ou para o desespero de uma
nova guerra com Israel, etc. Os historiadores não atribuiríam o início da Primeira Guerra
Mundial ao assassínio do arquiduque Fernando èm Sarajevo. Jornalistas mais sofisticados estão
certamente cientes deste dilema, que deve influenciá-los, conscientemente ou não, na narração
do acontecimento. O acontecimento é meramente ritual ou realmente critico? Certam ente que
o ritual e a resposta emocional de um mundo espectante é mais do que justificação suficiente
para um acontecimento mediático. Mas quantas vezes se deve utilizar o termo «histórico»?
U m segundo problema do produtor dos acontecimentos mediáticos é dom inar a tensão
entre o jornalista e os papéis sacerdotais. A ocasião requer ostensivamente modos de sacerdote;
há algo como um pacote não escrito entre os organizadores do acontecimento e os produtores.
Os media estão ali para «celebrar» o acontecimento. Mas se alguma coisa corre mal? Ou, para
dar um exemplo mais complicado, e se houver algo dissonante a passar-se «fora do palco» que
se espera que um jornalista cubra?
Um exemplo deste dilema pode ser visto na cobertura da assinatura do tratado de paz
entre Israel e o Egipto. Não muito longe da Casa Branca, havia um a manifestação de protesto
contra a assinatura do tratado. Os altifalantes da manifestação podiam ser ouvidos claramente
em fundo contra as vozes dos participantes e dos radiodifusores. O papel do jornalista é
obviam ente o de pedir um a interrupção da cerimônia e o envio de uma câmara para a
manifestação; o papel sacerdotal, todavia, implicava um compromisso com a integridade da
cerimônia. O Washington Post sugere que dois dos grandes canais televisivos norte-am erica
nos (os networks) interromperam efectivamente a cerimônia para cobrir a manifestação
enquanto um dos networks não o fez. Esta escolha difícil, aliás, também pôs em confronto os
apresentadores desportivos ocidentais presentes nos Jogos Olímpicos de Moscovo: deveríam
m anter as câm aras dirigidas para os acontecimentos agendados, ou noticiar as observações não
programadas, m esmo de carácter político? E óbvio, a partir desta discussão, a razão por que os
países totalitários são tão cautelosos com os acontecimentos mediáticos excepto para aqueles
sobre os quais têm completo controlo. Não é coincidência que, mesmo quando João Paulo II
era transmitido em directo da Polônia, se via muito pouco das multidões que o aclamaram.
Tam bém pode ser utilizado para influenciar o resultado dos acontecimentos: é esse,
certamente, o objectivo dos participantes. A NASA podería justificar o custo do seu programa
espacial, exibindo o primeiro passo do homem na Lua em directo; Sadat queria mobilizar a
opinião pública americana. Por vezes, é-se mais perspicaz do que isso, como quando os
jornalistas se alongaram no desenvolvimento da visita do presidente Carter a Jerusalém com
o objectivo de pressionar Israel, ou, pelo menos, para aumentar o drama do últim o sucesso de
Carter.
A utilização do documentário ao vivo é um a m a de dois sentidos. Os media têm muito a
ganhar com a m agia da sua própria apresentação de acontecimentos longínquos. A legitimidade,
o poder, a glória, transferem-se para os media na representação de seu papel, e algumas vezes
- nem sempre - este crédito ultrapassa os proventos previstos do patrocinio comercial dos
57
M a s o p r o b le m a m a is d itic il d e to d o s e q u e « e s tó ria » c o n ta r: c o m o e q u e s e p o d e c o n ta r
u m a « e s tó r ia » s e m s e s a b e r c o m o s e v a i d e s e n v o lv e r e c o m o v a i a c a b a r? P a r te d a a n s ie d a d e
r e la tiv a a e s te p r o b le m a r e f le c te - s e n a b u s c a d e c r ité rio s p a r a d e f in ir o q u e é o ê x ito o u o f ra c a s s o :
a b u s c a d e ta is c r ité r io s é e v id e n te n o s d ia s q u e a n te c e d e r a m a v is ita d e S a d a t o u n o s d ia s
a n t e r i o r e s d e u m a im p o r ta n te p r im á r ia p r e s id e n c ia l. M a s m a is in te r e s s a n te é o f a c to d e q u e n ã o
s e p o d e c o n t a r u m a « e s tó r ia » s e m u m a « h ip ó te s e » o u u m « m o d e lo » p a r a g u ia r a « e s tó r ia » n a
s u a n a r r a ç ã o . O s n a r r a d o r e s n ã o p r e c is a m n e c e s s a r ia m e n te d e t e r u m m o d e lo e x p líc ito e m
m e n te , m a s h á b o a s r a z õ e s p a r a a c r e d ita r q u e e le s - e o s s e u s o u v in te s e e s p e c ta d o r e s - t ê m d e
• e c o r r e r a e s s e s m o d e lo s . A a n á lis e a c a d ê m ic a d a c o b e r tu r a d a m o r te d e J o ã o X X I I I , p o r
ix e m p l o , r e v e l a o c o n f lito l a te n te e n tr e o P a p a e o a n jo d a m o r te , n u m a v e r s ã o , e e n tr e o s m é d ic o s
; a m o r te n o u t r a ( G r itti, 1 9 6 6 ) . S e a n o s s a tip o lo g ia d o s s u b g é n e r o s d o s a c o n te c im e n to ;
n e d i á t i c o s e s t á c o r r e c t a , é r a z o á v e l s u p o r q u e o n a r r a d o r s e s e r v e d a m i s s ã o h e r ó i c a , d a o c a s iã c
le e s t a d o ( o u p a r a d a ) , e d a c o m p e t i ç ã o p a r a f o r m u la r o s e u g u iã o e p a r a c o l o c a r a s s u a s c â m a r a s
d a s p a r a a l é m d o j o r n a l i s m o , h á f o n te s m a i s p r o f u n d a s p a r a a n a r r a ç ã o d e t a is « e s t ó r i a s » . H
m a n a s c e n te d e c o n to s p o p u la re s e te x to s s a g ra d o s q u e o s n a rra d o re s p a rtilh a m c o m o se
ú b l i c o . A « e s t ó r i a » d a « M i s s ã o : I m p o s s í v e l» , q u e e s t á n a b a s e d a r e p o r t a g e m d a a l u n a g e m d c
s tr o n a u t a s e d o e n c o n t r o d e S a d a t c o m B e g in , e x i s te n ã o s ó n a i c o n o g r a f i a d a t e l e v i s ã o , e nã
) n a f i c ç ã o c i e n t í f i c a , m a s t a m b é m n a m i t o l o g ia e t a l v e z n a s e s c r i t u r a s . T a i s e n i g m a s a t r a e
id a v e z m a i s a s a t e n ç õ e s d a c o m u n i d a d e d e in v e s ti g a d o r e s .
O s problem as que acabám os de narrar reflectem os efeitos dos acontecim entos mediátic
bre os m edia e antecipam os tipos de efeitos que os media podem ter nos p rópr
antecim entos e nas vastas audiências que a eles assistem . T êm -se feito alguns estudos ace
certos acontecim entos m ediáticos, e m ais estudos - incluindo o nosso - estão j á em cut
r agora, grande parte do que se possa disser é especulativo.
' N o tocante aos próprios acontecim entos é evidente, prim eiro que tudo, que eles
ldados em parte pelos media. N as sociedades totalitárias, talvez seja p ossível manti
nara im óvel, sem fazer qualquer zoom nem procurar instantâneos de reacçõ es, n em m o;
om p o rtam ento do público. A tecnologia dos media é tal que é p ro v av elm en te im poss
tro la r absolutam ente, e isso é ain d a m ais assim a fortiori nas sociedades livres. O tratam
iiá tic o do aco n tecim en to co m eça m uito antes d a hora oficial do início, e en q u an to a atei
e n tu sia sm o se centram n o que está p restes a acontecer, tam b ém fo rnece u m contexU
to s d o q u al o aco n tecim en to será ap resen tad o e exp licad o . O s media ed itam o aco n te c iir
iróprio m o m en to em qu e o aco n te cim en to está a ser tran sm itid o , e p o r m a is reverentt
, m o stra m a s d im en sõ es do aco n te cim en to q u e n ão foram p rev istas p elo s organizado
m o c u lta d a s d as p e sso a s p resen tes. C o m o os L an g co n sta ta ra m n o seu a n tig o estuc
;s s o d e M a c A rth u r a o s E stad o s U n id o s, o tele sp e c ta d o r v iu u m a « e stó ria » qi
n ro la v a le n ta m e n te até a tin g ir o c lím a x d e u m a e m o c io n a n te se ssã o d e b o a s vind
a ra M u n icip al. e n a u a n to o e so e c ta d o r n a e sa u in a d a ru a v iu a p e n a s a p a ss a g e m d<
preparatórias, e pouco antes da «aterragem» ouviram um comentador a explicar os paralelismos
nas carreiras dos dois homens e a especular acerca da sua «quimica». Um telespectador podia
ver um close-up de Sadat, reagindo ao toque do hino nacional egípcio em solo israelita, e ficar
informado acerca do simbolismo de uma escada no aeroporto de Israel encostada à porta de um
avião da República Árabe do Egipto.
É igualmente bem conhecido que a presença das câmaras impõem a diferença. Isto é tão
evidente no decoro dos parlamentos ou das convenções politicas nacionais com o o era na
orquestração da furia dos manifestantes pró-Khomeini nas ruas de Teerão.
A transmissão em directo de um acontecimento modela o acontecimento na produção e
na narração, e desperta a emoção. Isto é mais que certo. Mas que diferença é que isso faz?
Primeiro que tudo, como se tem defendido desde o início, cria um sentido de ocasião. As
pessoas sentem-se não só a si próprias mas também o outro, bem como a união da sociedade,
da nação e do mundo. Identificam-se com os heróis, e comemoram os seus feitos.
Assim, o acontecimento mediático fornece um centro de interesse na expressão da
emoção. Fornece um centro de interesse na dor, como Schramm mostra no seu estudo do fim
de semana de luto depois do assassínio de Kennedy. Fornece um centro de interesse na euforia,
com o nas conversações entre Sadat e Begin; ou na expressão do maravilhoso, como aquando
da alunagem; ou de lealdade, como numa competição. A emocionalidade dos acontecimentos
mediáticos é provavelmente o seu efeito principal.
M as tam bém existem efeitos cognitivos. As declarações de Sadat modificaram a imagem
que Israel tinha das intenções do Egipto. Embora não conseguissem m udar as atitudes em
relação a um estado palestiniano, houve um a mudança dramática na percepção do Egipto. A
im agem de Sadat nos Estados Unidos melhorou ainda mais dramaticamente do que em Israel(!).
A canalização de emoções exaltadas e de mudanças de opinião podem muito bem ter
efeitos políticos. Existe razão para acreditar, por exemplo, que a mobilização do apoio público
libertaram Sadat e Begin - pelo menos, por algum tempo - dos constrangimentos da própria
burocracia e dos partidos políticos; eram homens mais livres. Sadat e B egin podem mesmo ter
sentido que o seu eleitorado tinha crescido repentinamente, agora que eram actores no palco
do mundo (>).
Tal especulação sugere que a transmissão de acontecimentos tom a os próprios aconteci
mentos não só diferentes como também mais importantes. Talvez que os historiadores dêem
m ais im portância ao reino do simbólico, quando o simbólico e o real se entrelaçam tanto. M as
tam bém existem perigos. Os media transmitem tanto o fracasso como o sucesso. Percebem o
erro im ediatamente, como quando o Presidente norte-americano Gerald Ford foi obrigado a
explicar m elhor a sua declaração acerca das relações entre países do bloco leste. Podem
59
exacerbar o conflito, se o papel sacerdotal é abandonado ao comentário e à análise instantânea.
Abba Eban (1978) sugere que o perigo da «diplomacia aberta» é o de cada lado só ver o que
está a perder, o que pode levar à perda da esperança nos assuntos a tratar. Existe o perigo de a
opinião pública poder ficar tão inflamada, que a liderança pode perder o controlo, como foi
receado, aparentemente, quando Willy Brandt visitou Berlim Oriental e quando João Paulo II
visitou a Polônia.
Existe o perigo de que os media - cooperando com os actores principais - possam
dram atizar um acontecimento ao ponto de aumentar a sua probabilidade de fracassar.
Consideremos a muito publicitada retirada de Carter para Campo David, a fim de descobrir a
cura para a economia americana, sendo a promessa implicita a esse respeito de que ele será aí
bem sucedido. Consideremos a pressão sobre as negociações de Campo D avid acerca do Médio
Oriente, independentemente da sua natureza secreta, com os media à espera nas alas dos
negociadores.
M as acima de tudo, consideremos o perigo de confundir processos políticos e cerimoniais.
W alter Benjamin (1978) escreveu que o comunismo é a politicização da estética enquanto o
fascismo é a estetização da política. Com todas as funções positivas dos acontecimentos
mediáticos, ainda estão frescos na nossa memória exemplos dos media colocados ao serviço da
política estilizada. O senso comum é, por vezes, mais importante do que o sentido de ocasião.
60
A estrutura do noticiário estrangeiro
A apresentação das crises do Congo,
Cuba e Chipre em quatro
jornais estrangeiros (**) (a)
1. Introdução
N este artigo o problema geral dos factores que influenciam o fluxo de notícias do
estrangeiro será discutido seguindo o tipo de raciocínio apresentado por Ostgaard (1965) no seu
artigo, mas de um modo algo diferente. Uma apresentação sistemática de factores que pareçam
particularmente importantes será seguida de uma simples teoria e da dedução de algumas
hipóteses a partir deles. Não se pretende fazer a lista completa de factores ou de «deduções».
Algumas destas hipóteses serão testadas em dados relativos à apresentação em quatro jornais
noruegueses de três crises recentes no estrangeiro. Serão indicadas as lacunas no nosso
conhecimento presente e delineadas algumas possíveis implicações em termos de política
editorial.
(*) Reedição de: Journal o f International Peace Research, I (1965), «A Estrutura do Noticiário Estrangeiro:
A apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros», de Johan Galtung e Mari Holmboe
Ruge.
(*) Por razões de espaço, a terceira parte deste artigo não foi reproduzida.
61
0 ponto de partida é o nosso mundo enquanto estrutura geográfica dividida em
aproximadamente 160 territórios, a maioria dos quais se designam por nações e são «autôno
mos». A comunidade internacional das nações está estruturada por um número variável e
altamente estratificada em nações «fortes» e «ftacas», de modo que o mundo é a geografia em
que são sobrepostos dois níveis da organização humana relativamente semelhantes: o interin-
dividual e o internacional. Os dois níveis não são independentes um do outro e quanto mais eles
estão ligados (mais a população e a liderança em cada país são interdependentes) e quanto mais
as nações são interdependentes devido à crescente eficiência da comunicação e da acção
militar (') mais válido é o velho slogan sociológico de que «tudo é relevante».
Assim, o mundo é composto por actores individuais e nacionais, e uma vez que é evidente
que a acção se baseia na imagem que o actor faz da realidade, a acção internacional será baseada
na imagem da realidade internacional. Esta imagem não é só moldada pelos media noticiosos
(imprensa, rádio, televisão, filmes de actualidades); as impressões e os contactos pessoais, as
relações profissionais no estrangeiro, os despachos diplomáticos, etc., também contam - se
pouco ou muito, não sabemos. Mas a regularidade, a ubiquidade e a perseverança dos media
noticiosos transformá-los-ão em competidores de primeira categoria em busca da primeira
posição, enquanto modeladores de imagem internacionais. Dado que a adequação de um a acção
está (mas de modo nenhum sempre) geral e positivamente relacionada com a adequação da
imagem em que se baseia (:), o estudo que os media noticiosos dão do mundo, é de importância
primordial.
Ao nível interpessoal é relativamente bem explorada a relação entre os acontecimentos,
a percepção de todos os factores selectivos e distorcivos sob circunstâncias diferentes aí
operantes e a imagem final. Ao nível da percepção colectiva, onde a percepção tem lugar em
nome de outros, para ser retransmitida a estes outros mais tarde, a situação é muito mais
complicada. Desde os acontecimentos do mundo até à imagem pessoal, tem os a cadeia de
comunicação apresentada na figura I.
FIG U R A I
A cadeia de com unicação noticiosa
(') Um interessante artigo que faz a utilização sistemática destes dois indicadores de interdependência, pode
ver-sc cm Kaare Svalastoga, «Technology and Autonomy», A da Sociológica, Vol. 5, pp. 91-9.
O Assim, uma imagem completamentc realista da imagem que as outras pessoas fazem de si poderia ter um
efeito nocivo na adequação do comportamento de cada um. Assim, existe a importante descoberta de Caplow c McGcc
no The Academic Markct Placc (Nova Iorque: Basic Books, 1958), segundo a qual os membros de organizações estão
muitas vezes sujeitos a um efeito de cngrandccimcnto pelo que sobrestimam a sua própria organização rclativamcntc
a outras no terreno. Podcr-sc-ia argumentar que, se o não fizessem, a consequente baixa na auto-imagem resultaria cm
niveis de realização mais baixos. E isto c susceptível de um paralelo no campo dos assuntos internacionais: se a
estrutura noticiosa fosse simétrica, dando a cada nação a atenção devida, uma importante fonte de auto-orgulho c
asserção poderia ser demasiado fraca para estimular a acção cfcctiva.
62
N ós estamos interessados, na primeira parte desta cadeia, nos acontecimentos do mundo
até à imagem da noticia, ou, para sermos mais específicos, à página impressa no jornal desde
que os nossos dados se refiram a isso. Por outras palavras: como é que os «acontecimentos» se
transformam em «notícias»? Isto não significa que a segunda metade seja pouco importante -
pelo contrário, é a imagem pessoal, não o jornal, que conta, mas isto será discutido num artigo
posterior. Ao analisar a primeira parte, devemos tratar os media noticiosos como entidades
indivisíveis e impessoais e não fazer qualquer distinção entre o jornalista no país emissor da
notícia, a delegação local da agência noticiosa, a delegação distrital no extremo receptor, a
delegação local no país receptor da notícia, o editor no jornal receptor, o paginador, e não sei
o que mais - num a cadeia com umas sete ou oito fases (!). A cadeia pode naturalmente ser muito
m ais curta se o jornal tiver um correspondente; pode então'ser reduzida a acontecimento-
-correspondente-editor, o que envolve apenas duas fases. Ostgaard (1965,42) assinalou muitos
dos problemas ao longo desta cadeia, e a análise detalhada aqui é certamente importante para
os futuros estudos, mas a nossa análise tratará os media noticiosos in abstracto e limita-se a
algum raciocínio a partir dos primeiros princípios.
2. A teoria
É útil fazer disto um a metáfora com poder heurístico suficiente para oferecer percepções
(m as não provas, evidentemente). A metáfora é a seguinte: imagine-se que o mundo pode ser
com parado a um enorme conjunto de estações radiodifusoras, cada uma das quais a emitir o seu
sinal ou o seu programa no seu próprio comprimento de onda. (Uma outra metáfora poderia
ser um conjunto de átomos de diferentes tipos a emitir ondas correspondentes à sua condição).
A emissão é contínua, correspondendo ao axioma de que está sempre a acontecer algo a qualquer
pessoa no mundo. M esmo que ela durma calmamente, o sono é um happening (*) - o que
escolhemos para considerar como «acontecimento» é determinado culturalmente. O conjunto
de acontecim entos mundiais, então, é como a cacofonia que se obtém quando se procura
sintonizar um posto num receptor de rádio, e sobretudo se isso for feito rapidamente em onda
m édia ou onda curta. É óbvio que esta cacofonia não faz sentido, e só pode ser inteligível se um
posto for sintonizado e escutado durante algum tempo antes de se passar para o seguinte.
U m a vez que não podemos registar tudo, temos de fazer um a selecção, e a questão é saber
o que chamará a nossa atenção. Isto é um problema na psicologia da percepção e a pequena lista
que se segue inclui algumas implicações óbvias desta metáfora:
(3) Para bem sc descrever esta cadeia, ver Johan Galtung e Mari Holmboc Ruge, Presentasjonen ave
utenriksnyheter (Oslo: PRIO stencil n.° 14-1, 1962), pp. 71-8.
(4) Para uma impressão do que os sociólogos podem extrair da condição do sono, ver Vilhclm Aubcrt c Harrison
Whitc, «Slecp: A Sociological Intcrpretation», Acta Sociológica, Vol. 4, n.° 2, pp. 46-54, e Vol. 4, n.° 3, pp. 1-16.
Q uanto m ais sign ifica tivo fo r o sinal, m ais p ro vá vel será a audição d e ssa fre
Q uanto m ais consonantefor o sinal com a im agem m ental do que se espera en
m ais provável será a audição dessa frequência.
: Q uanto m ais inesperado fo r o sinal, m ais provável será a audição d e ssa frei
Se um sinal fo r sintonizado, é provável que m ereça a pena escutá-lo.
i: Quanto mais um sin a lfo r sintonizado, m ais valerá a pena sintonizar um tipo
diferente da próxim a vez.
Iguns com entários acerca destes factos são necessários. Eles não passam c
ão psicológica do senso comum transposta para as actividades de busca radiofi
a de acontecimentos. O que se deveria fazer a fim de testar a sua validade seria oi
distas a trabalhar ou os ouvintes a sintonizar os postos - e não possuímos quaisquer
respeito. Por isso, os factores deveríam fimdamentar-se no raciocínio colectivc
lertas da ciência social (mas as referências a estas últimas só serão dadas nas nota
te não são essenciais para a nossa argumentação).
O primeiro factor é trivial quando aplicado aos aparelhos de rádio, e menos qi
ido aos acontecimentos em geral. Uma vez que isto é uma metáfora e não um mc
emos ser liberais na nossa interpretação de frequência e proceder da seguinte maneir
ência de um acontecimento entendemos o espaço de tempo necessário para es
arolar e adquirir significado. Para um soldado que morre durante uma batalha, este es
mpo é muito curto; para um processo de desenvolvimento ter lugar num país, o espat
?° pode ser muito longo. Assim como a modulação de rádio tem a sua limit
tivamente às ondas electro-magnéticas, também o jornal terá as suas limitações, e a tf
: que quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do r,
icioso, mais hipóteses existem de ser registado como notíciapor esse mesmo meio notici
t assassínio leva pouco tempo e o acontecimento tem lugar entre a publicação de dois assui
:essivos de um jornal diário, o que significa que se pode contar uma «estória» significa;
um dia para o outro. Mas escolher um assassínio durante uma batalha onde existe um mo
ios os minutos, faria pouco sentido - nós geralmente só registaremos a batalha como tal
jornais fossem publicados em cada minuto, a perspectiva poderia possivelmente ser mud;
ira aquele soldado em particular). Do mesmo modo, um acontecimento que tem lugar durai
m espaço de tempo maior ficará por registar a menos que atinja um certo tipo de olím
ramático (a construção de uma barragem não é noticiada, o mesmo não acontecendo con
ua inauguração). Escusado será dizer que este número inferior de notícias sobre tendências
ité certo ponto, corrigido por publicações com uma freauência mais baixa. IJm iomal nnrle t
Também o expresso atrás pode ser posto de uma forma mais dicotômica: existe um limiar que
o acontecimento terá de ultrapassar antes de ser registado (!). Isto é um importante axioma.
A terceira hipótese também é trivial ao nível da rádio, mas não ao nível noticioso. O que
é «sinal» e o que é «niido» não é inerente; é uma questão de convenção (6), como se pode ver
claramente quando duas estações de rádio estão a transmitir na mesma frequência. A clareza
nesta ligação deve referir-se a um tipo de unidimensionalidade, em que existe apenas um ou um
número limitado de significados no que se recebe. Assim, a interpretação de hipóteses é a
seguinte: quanto menos ambiguidade mais o acontecimento será notado. Isto não é bem o
mesmo que preferir o simples ao complexo, é mais uma questão de precisão; é preferível um
acontecimento com um a interpretação clara, livre de ambiguidades no seu significado, ao que
é altamente ambíguo do qual muitas e inconsistentes implicações podem ser, e serão, feitas (7).
A quarta hipótese também tem a ver com o significado mas não com a sua ambiguidade.
«Significativo» tem algumas interpretações importantes. Uma delas é «interpretável dentro da
estrutura cultural do ouvinte ou do leitor» e tudo o que a tese diz é que um certo etnocentrismo
estará operativo: tem de haver uma proximidade cultural. Isto é, aquele que procura o
acontecimento dará particular atenção ao familiar, ao semelhante culturalmente, enquanto o
distante culturalmente passará de modo mais fácil e não será notado. E algo como o ouvinte do
Norte da Europa em, digamos, Marrocos: ele passará pela música e língua árabes, pitorescas
e sem significado que consegue apanhar no seu receptor, e só encontrará alivio na música
europeia e na língua francesa.
A outra dim ensão de «significativo» é em termos de relevância : um acontecimento pode
acontecer num lugar culturalmente distante, mas pode ainda estar carregado de significado em
(!) Esta é certamentc uma idcia fundamenta! na psicologia da percepção. De facto, existem aqui duas idéias
inerentes: a noção de um nível absoluto que não deve ser demasiado baixo, c a noção do aumento necessário para ser
perceptível - asjiist noticeable di/ferences (jnd’s). Asjnd ampliam-sc com o aumento do nível absoluto; quanto maior
a amplitude, maior a diferença necessária para ser perceptível (quer estejam ou não de acordo com o principio de
Wcbcr). Este princípio aplica**se, provável c muito explicitamcntc, à comunicação noticiosa: quanto mais dramática
for a noticia, mais é necessário acrescentar ao drama. Isto pode levar a importantes distorções. Quanto mais drama
existir, mais os meios de comunicação social terão de exagerar para captar novo interesse, o que leva à hipótese de que
há mais exagero quanto mais dramático é o acontecimento.
(6) N. R. - Ashby in An Introduction to Cybernetics (Nova Iorque: Wilcy, 1957) define o ruído simplesmente
como distorção, que pode criar diferenças de interpretação por parte do emissor e receptor de um canal de
comunicação. Mas tanto se pode dizer que o sinal distorce o ruído como o contrário.
(*) B. Berelson c G. A. Steiner no seu líuman Behaviour: An Inventory o f Scicntific Findings (Nova Iorque:
Harcourt, Bracc & World, 1963) referem um número de princípios no capítulo «Pcrceiving», c dois deles são (p. 112
c p. 100):
B7: Quanto maior a ambiguidade do estimulo, mais espaço e maior a necessidade de interpretação.
B3. 3a: Também pode haver um conhecimento reduzido dos estímulos se for importante nào ver (defesa
pcrccptual).
O que temos estado a fazer é combinar estes teoremas (mas não dedutivamente) na idcia de defesa contra a
ambiguidade. Há várias razões para isto. Os jornais actuais são meios de comunicação de massas, pelo menos a maioria
deles, e os publishers podem sentir (justificadamcntc ou não) que o aumento na ambiguidade pode baixar as vendas.
Além disso, enquanto as notícias servirem como base para a orientação da acção, a ambiguidade aumentará mais do
que reduzirá a incerteza c fornecerá uma base mais pobre para a acção.
ser trazido através de um padrao de conflito com o propno grupo de indivíduo (V-
A quinta hipótese liga o que está seleccionado com a pré-imagem mental, onde o
«espera» pode e deve ser interpretado cognitivamente como prediz e normativamente
<quer». Uma pessoa prediz que algo acontecerá e isto cria uma matriz mental para
acilidade na recepção e no registo do acontecimento se finalmente tiver lugar. Ora se se
ue ele aconteça, a matriz é ainda mais preparada, de tal forma que se pode distorc
ircepções recebidas eproporcionar imagens consonantes com o que se queria. No sentido
ferido, as «novas» são, de facto, «velhas», porque correspondem ao que se espera que acor
: se estiverem muito longe das expectativas não serão registadas, de acordo com esta hipc
consonância (').
A sexta hipótese vem corrigir a quarta e a quinta. A ideia é simplesmente a de que
ificiente para um acontecimento ser culturalmcnte significativo e consonante com o qui
;ra v a - isto define apenas um vasto conjunto de candidatos a notícias. Dentro deste conjur
:ordo com a hipótese, as mais inesperadas têm as maiores hipóteses deserem incluídas coi
:ias. É o inesperado dentro dos limites do significativo e do consonante que atrai aatenç
m ém , e p o r «inesperado» queremos dizer essencialmente duas coisas: inesperado ou ra>
n, o que é regular e institucionalizado, contínuo e repetitivo em intervalos regulares
nos, não atrai praticamenfe muita atenção, ceterisparibus, como o inesperado e o adhc
circunstância que éprovavelmente bem conhecida dos planeadores decim eiras(G altuni
Os acontecimentos têm de ser inesperados ou raros, ou, de preferência, am bas as coisas
tom arem boas notícias.
sétima hipótese consiste na ideia de que logo que alguma coisa atinja os cabeçalhos e
inida com o «notícia», então continuará a ser definida como notícia durante algum
imagine-se que o editor de um a estação de radiodifusão recebe apenas notícias do estrangeiro
e só de um certo tipo. Alguns minutos antes de entrar no ar, ele recebe algumas noticias
domésticas insignificantes e algumas notícias do estrangeiro de um gênero diferente. A hipótese
é a de que o valor mínimo necessário para estas noticias será muito mais baixo do que teria sido
de outro modo, devido a um desejo de apresentar um todo «equilibrado». De igual modo, se já
houver muitas noticias do estrangeiro, o valor mínimo necessário para cada um a será
aumentado.
Como referimos, estes oito factores baseiam-se na discussão pura e simples acerca do que
facilita e do que impede a percepção. São considerados culturalmente livres, no sentido de que
não esperamos que variem significativamente na cultura humana - não devem depender muito
dos parâm etros culturais. Mais propriamente, nós não esperaríamos que variassem muito nos
eixos este-oeste, norte-sul ou centro-periferia, eixos que nós geralmente utilizamos para
estruturar o mundo. Em particular, estes factores deveríam ser relativamente independentes de
alguns outros determinantes principais da imprensa. Um jornal pode variar ao ponto de
satisfazer a circulação de massas e uma economia de mercado livre. Se se quiser uma circulação
de massas, todos os passos na cadeia noticiosa anteciparão provavelmente a reacção do passo
seguinte na cadeia e acentuarão os efeitos de selecção e distorção de modo a tom ar o material
mais compatível com a imagem que os leitores querem. Além disso, um jornal pode variar no
grau com que tenta apresentar muitos aspectos da situação, ou melhor, como os parceiros numa
causa judicial tenta apresentar apenas o material que é facilmente compatível com o seu próprio
ponto de vista político. Neste último caso, a selecção e a distorção serão provavelmente
acentuadas e certamente não diminuirão.
M as não há dúvida de que também existem factores culturais influenciando a transição
dos acontecimentos para noticias e devemos mencionar quatro desses factores que considera
m os ser importantes, pelo menos no canto Noroeste do mundo. São os seguintes:
F9: Quanto mais o acontecimento diga respeito às nações de elite, mais provável será
a sua transformação em notícia.
F l 0: Quanto mais o acontecimento diga respeito às pessoas de elite, mais provável será
a sua transformação em noticia.
F l 1: Quanto mais o acontecimento puder ser visto em termos pessoais, devido à acção
de indivíduos específicos, mais provável será a sua transformação em noticia.
F12: Quanto mais negativo fo r o acontecimento nas suas consequências, mais provável
será a sua transformação em noticia.
67
geral, m as também por causa da sua importância intrínseca. Assim, num sistema de com uni
cação noticioso centrado na elite, não se dá a hipótese às pessoas vulgares de se representarem
a si próprias. Mutatis mutandis, o mesmo deveria aplicar-se às nações.
Mais problemática é a ideia da personificação. A tese é a de que as notícias têm uma
tendência para apresentar os acontecimentos como frases onde existe um sujeito, uma
denominada pessoa ou colectividade composta por algumas pessoas, e o acontecimento é então
visto como um a consequência das acções desta pessoa ou destas pessoas. A alternativa seria a
de apresentar os acontecimentos como o resultado das «forças sociais», como resultados mais
estruturais do que idiossincráticos da sociedade que os produziu. Numa apresentação estrutural,
os nomes dos actores desapareceríam em grande parte, como acontece com a análise sociológica
e sempre pela mesma razão - a tese é a de que a apresentação encontrada assemelha-se mais
ao que se descobre na tradicional análise histórica personificada. Até ao ponto em que a tese
for correcta o problema será o do porquê, e temos cinco explicações diferentes para oferecer:
N ós apenas damos aquelas explicações sem fazer qualquer escolha entre elas; primeiro
que tudo, porque não existe qualquer razão para escolher, contanto que não se contradigam; em
segundo lugar, porque não temos nem quaisquer dados nem qualquer teoria que nos forneçam
um a base racional para um a escolha. É nosso pressentimento que a análise futura realçará o facto
de estes factores se reforçarem uns aos outros na produção da personificação.
68
Quando reclamamos que as notícias negativas são preteridas em relação às positivas, não
estamos a dizer nada mais sofisticado do que aquilo que a maioria das pessoas parece querer
dizer quando afirm a que «há tão pouca coisa alegre nas noticias», etc. Mas nós podemos oferecer
um número de razões pelas quais este estado de coisas se apresenta como possível, como fizemos
para o factor de personificação. Iremos fazer isso utilizando os outros factores de forma
relativamente sistemática:
(l0) Fcstinger tem um ensaio muito interessante acerca do modo como os índios seieccionavam os rumores que
se seguiam a um terramoto, e que estavam de acordo com o medo provocado pelo mesmo: «Especulemos acerca do
conteúdo da cogniçâo destas pessoas. Quando o terramoto acabou, tiveram uma forte e persistente rcacçâo de medo,
mas nào viram nada de diferente à sua volta, nenhuma destruição, nada ameaçador, cm suma, havia-se originado uma
situação cm que existia uma dissonância entre a cogniçâo correspondente ao medo que sentiam e a percepção do que
viam á sua volta que, poder-se-ia dizer, correspondia à cogniçâo de que não havia nada para se ter medo. A grande
maioria dos rumores que tinham grande circulação eram rumores que, a acreditar neles, forneciam cogniçâo
consonante o medo que as pessoas sentiam. Podcr-sc-lhcs-ia chamar rumores «provocadores de medo», embora, se
a nossa interpretação está correcta, deveríam mais propriamente chamar-se rumores «justificativos de medo». Lcon
Festingcr, «Dcmotivating Efect of Cognitive Dissonancc», in Gardncr Lindzcy (cd.), Assessmenl o f Ituman Motives
(Nova Iorque: Grove Press, 1958), p. 72.
69
as notícias que não estão relacionadas com as crises tendem a ser mais negativas, e
não mais positivas (como um a teoria de compensação, mais do que a da dissonância'
/redução de caracter prognóstico).
4. As noticias negativas são mais inesperadas do que as positivas, tanto no sentido de
que os acontecimentos referidos são mais raros, como no sentido de que são menos
previsíveis. Isto pressupõe um a cultura onde as mudanças para o positivo, por outras
palavras «o progresso», são vistas de algum modo como a coisa normal e trivial que
pode ser menos noticiada porque não representa nada de novo. Os altos e baixos
negativos serão mais noticiados do que o fluxo positivo estável. O teste desta teoria
seria um a cultura com regressão, como facto normal, e nesse caso previriamos uma
torrente de noticias positivas. Um exemplo disto é a doença de um a pessoa
importante: a mais leve melhoria é amplamente noticiada relativamente a um
declinio constante.
De novo, não temos teorias suficientes para fazer um a escolha entre estas possíveis
explicações - nem temos de o fazer, um a vez que elas não se excluem umas às outras.
Relativamente a estes últimos quatro factores disse-se que eles parecem ser de particular
im portância no canto Noroeste do Mundo. Isto não significa que eles não ocorram noutras áreas,
m as também se podería imaginar outros padrões de relação entre o conjunto de acontecimentos
e o conjunto de notícias. O quadro I mostra alguns exemplos:
QUADRO I
O padrão I é o padrão que descrevemos anteriormente. O padrão II, a que os dois últimos
e os dois primeiros aspectos dizem respeito, estaria mais de acordo com o pensam ento socialista,
com o pensam ento das grandes potências. Ele englobaria a estrutura noticiosa da União
Soviética, mas com a importante ressalva de que se utilizaria o padrão III para descrever as
potências ocidentais. De igual modo, um país em vias de desenvolvimento recentemente
70
independente poderia utilizar o padrão IV para si, assim como as antigas potências coloniais
receberíam o padrão III. M as tudo isto, no entanto, é muito especulativo (")•
Listemos então sistematicamente os 12 factores em que nos temos concentrado nesta
análise (juntamente com os subfactores):
Os acontecimentos tom am-se em notícias até ao ponto de satisfazerem as condições de
F l: frequência
F2: threshold
F2.1: intensidade absoluta
F2.2: aumento de intensidade
F3: inequivocidade
F4: significância
F4.1: proximidade cultural
F4.2: relevância
F5: consonância
F4.1: «predictabilidade»
F4.2: exigência
F6: imprevisibilidade
F6.1: «impredictabilidade»
F6.2: escassez
F7: continuidade
F8: composição
F9: referência a nações de elite
FIO: referência a pessoas de elite
F l 1: referência a pessoas
F12: referência a algo negativo
Como referimos, estes 12 factores não são independentes uns dos outros: existem interes
santes inter-relações entre eles. Todavia, não devemos tentar «axiomatizar» nesta magra base.
Imaginemos que todos estes factores estão operando. Isso significa, supomos, três coisas:
(u) Como exemplo, podem ser dadas algumas impressões dos três meses de leitura sistemática do jornal
marroquino Lc Petit Aíarocain. De uma forma muito resumida: a primeira página continha noticias acerca do progresso
em Marrocos, a segunda acerca de decadência, assassínio, violação e violência em França - de modo que qualquer
pessoa podia tirar a sua conclusão. Naturalmcntc, essas coisas dependerão mais fortemente dos sistemas de valores
do corpo editorial - mas nós, todavia, postulamos a existência de padrões gerais. Ola Martcnsson, Pravda, Iz\'cstia och
Krasanaja Zvezda under varen hosten 1964 (Lund: Instituto de Ciência Política, Lund University, Suécia, 1965), 26
pp. mimeo.
:ias de intorm açao ligadas a correspondentes especiais. F or outras pa/avra
esc de todas as ligações na cadeia reagirem com o que se recebe em grande f
os m esm os princípios. O jornalista perscruta os fenôm enos (na prática, es
is jornais) e selecciona e distorce, e o m esm o faz o leitor quando recebe o proí
iginas de notícias, e o m esm o ainda fazem todos os interm ediários. E o m
m os, as pessoas de um m odo geral quando relatam algo. É, por exem plo
im atas quando reúnem m aterial para despacho - em parte porque estão condic
psicologia e a sua cultura, e em parte porque se sentem influenciados pelos j
Em geral, isto significa que os efeitos cumulativos dos factores devem ser co
:vem produzir um a imagem do mundo diferente do «que realmente acontei
mplo, das formas indicadas por Ostgaard, (1965, p. 52). Todavia, uma vez que
lquer linha de base nos relatos directos acerca do «que realmente aconteceu», no;
sa ser testado, devemos prosseguir numa direcção diferente. O nosso problema
no os factores se relacionam uns com os outros na promoção de um produto fin;
Imaginemos que todos os factores, por simplificação, são dicotomizados de modo
tntecimento ou os possui ou não. Um dado facto pode receber uma pontuação de 0 a I2i
m este sistema, e nós achamos que é tão vantajosa uma pontuação daquele conceito es
oticiabilidade» como de qualquer outro, r.uma cultura em que F8-F12 são válidos. Isto t
iplicações teóricas que serão enunciadas. A primeira é extremamente simples:
Isto pode ser encarado como uma hipótese acerca do modo como os jornalistas trabal
Mas há uma outra hipótese que é menos trivial. Um acontecimento não tem obviamente
de ter uma pontuação de 12 para ser manchete. Imaginemos que o nivel de aceitação é 6, que
pode ser obtido de 924 maneiras diferentes. (Este elevado número, aliás, explica a razão pela
qual os factos podem estar a operar e não serem notados pelo público: a variedade é enorme.)
A implicação disto reside apenas no facto de se o acontecimento for baixo numa dim ensão ou
factor, ele pode compensar isso sendo alto noutro, e ainda ser noticia. Por exemplo, quanto
menos um acontecimento se referir a pessoas enquanto actores mais negativo terá de ser
(terramotos, acidentes que são apresentados em termos de erros técnicos, não em termos «de
factor humano»). Quanto mais próximo culturalmente for o acontecimento, e por isso mais
significativo, menos tem de se referir às pessoas da elite - e vice-versa: quanto mais distante
culturalmente for o acontecimento, mais se deve referir às pessoas da elite, ceteris paribus (o
que corresponde à im pressão de que se fala muito menos da gente comum que vive em países
longínquos).
U m a vez que temos 12 factores, este principio dá origem a 66 hipóteses, da seguinte forma:
Hipótese de complementaridade:
Fi Fj, i = j; i, j = 1, 2.......... 12
QUADRO II
Fi Fj P on tu ação de
n o ticiabilidade
73
A objectividade
como ritual estratégico:
uma análise das noções
de objectividade
dos jornalistas (') (*
*)
Gaye Tuchman
Os jornalistas cujo procedimento temos vindo a estudar acreditam que podem mitigar
pressões contínuas como sejam os prazos, os possíveis processos de difamação e as repressões
antecipadas dos superiores, com a argumentação de que o seu trabalho é «objectivo». Este
artigo analisa três factores que ajudam um jornalista a definir um «facto objectivo»; a forma, o
conteúdo e as relações interorganizacionais. Demonstra que ao analisar o conteúdo e as
relações interorganizacionais, o jornalista só pode invocar o seu news judgement; todavia, ele
pode reivindicar a objectividade citando procedimentos que seguiu e que exemplificam os
atributos formais de uma notícia ou de um jornal. Por exemplo, o jornalista pode afirmar que
citou outras pessoas em vez de dar as suas próprias opiniões. O artigo sugere que a «objectivi
dade» pode ser vista como um ritual estratégico, protegendo os jornalistas dos riscos da sua
profissão. Ele levanta a questão de outras profissões não poderem também usar o termo
«objectividade» da mesma maneira.
(') Uma versão mais pequena deste ensaio foi apresentada, cm 1971, nos encontros da American Sociological
Associated. Beneficiei dos comentários da Charles Perrow, Kenncth A. Fcldman, Rose L. Coser e Florcnce Lcvinsohn
ajudou-me a editá-lo.
(*) Reedição de; American Journal o f Sociology (Vol. 77, N.° 2, 1972). «Objectivity as Stratcgic Ritual: An
Examinalion of Ncwsmcn's Notions of Objectivity», de Gaye Tuchman. Direitos de autor: The University of Chicago.
Reedição com a aprovação do editor.
74
Para um sociólogo, o termo «objectividade» está cheio de significado. Invoca filosofia,
noções de ciência e idéias de profissionalismo. Evoca os fantasmas de Durkheim e Weber,
recordando controvérsias em jornais especializados acerca da natureza de um «facto social» e
do termo «livre de valores».
A frequente insistência dos cientistas sociais na objectividade não é especifica da sua
profissão. Os médicos c os advogados declaram que a objectividade é a atitude adequada para
com os clientes. Para os jornalistas, como para os cientistas sociais (:), o termo «objectividade»
funciona como um baluarte entre eles e os críticos. Atacados devido a uma controversa
apresentação de «factos», os jornalistas invocam a sua objectividade quase do mesmo modo
que um camponês mediterrânico põe um colar de alhos à volta do pescoço para afastar os
espíritos malignos.
Os jornalistas têm de ser capazes de invocar algum conceito de objectividade a fim de
trabalhar os factos relativos à realidade social. Este artigo analisará três factores que
influenciam a noção de objectividade dos jornalistas: a forma, as relações interorganizacionais
e o conteúdo. Por forma, entendo aqueles atributos das noticias e dos jornais que exemplificam
os processos noticiosos, como o uso das aspas. Por conteúdo, entendo aquelas noções da
realidade social que os jornalistas consideram como adquiridas. O conteúdo é também relacio
nado com as relações interorganizacionais do jornalista, pois as suas experiências com essas
organizações levam-no a tomar por certas algumas coisas acerca delas. Finalmcnte, sou de
opinião de que o manuseamento da «estória», isto é, o uso de certos procedimentos perceptí
veis ao consumidor de noticia, protege o jornalista dos riscos da sua actividade, incluindo os
críticos.
Everett Hughes (1964) sugere que os procedimentos que servem este propósito podem
ser encarados como «rituais». Um ritual é analisado aqui como um procedimento de rotina
que tem relativamente pouca relevância ou uma relevância tangencial para o fim procurado. A
adesão ao procedimento é frequentemente obrigatória. O facto de um tal procedimento poder
ser o meio mais conhecido de se chegar ao fim que se procura não deprecia a sua caracteriza
ção como ritual. Por exemplo, a prática oitocentista de sangrar os pacientes para os livrar da
febre pode ser entendida como um ritual (3). Os jornalistas invocam os procedimentos rituais
para neutralizar potenciais críticas e para seguirem rotinas confinadas pelos «limites cogniti
vos da racionalidade». Esses mesmos procedimentos rituais também são «estratégias» perfor-
mativas (M arch e Simon, 1967, pp. 137, 141). O termo «estratégia» denota a táctica ofensiva
destinada a prevenir o ataque ou a deflectir, do ponto de vista defensivo, as criticas (*). A
(: ) Jacobs (1970) põe cm questão comparações entre os jornalistas e os sociólogos, chamando a atenção para o
facto de os sociólogos reunirem mais dados para um fim diferente. Refere que a primeira regra do seu editor era «obter os
factos» e a segunda «não deixar os factos interferir com 'a estória'. Os jornais contemporâneos, incluindo aqueles para os
quais Jacobs trabalhou, puseram dc lado esta segunda máxima. A quantidade e o fim da informação reunida não
depreciam a minha argumentação.
(’) Os procedimentos que os módicos do século XX encarecem não os furta â caracterização de rituais (Evcrctt
Hughes, comunicação pessoal, 1971). A relutância de muitos de encararem os procedimentos médicos como rituais é
provavelmente um reflexo do grande prestigio profissional dos médicos.
(‘) Wcinstein (1966) fala da «táctica de aumento da credibilidade» e sugere (comunicação pessoal, 1971) que as
tácticas conotadas com a «objectividade», tais como fazer citações de outras pessoas ou apresentar hipóteses alternativas,
citando provas negativas ou opiniões contraditórias, podem ser utilizadas no aumento da credibilidade na comunicação
interpessoal.
75
irticipantc num jornal dtarto mciropouimiu u/m
ires (!). 0 décimo é retirado de um livro sobre práticas noticiosas
as, os jornalistas criticam o trabalho de colegas; num, umjomalistt
>utro jornal. 0 ênfase posto na crítica é, em parte, um resultado dos,
observador participante, tentei colocar o menor número possível de
ilmcnte importante quando observava os editores principais que passa1
;c soterrados nas matérias. Quando elogiavam um artigo cm detrímei
ntavam as suas razões. Quando não gostavam, davam inúmeras razõe
Lssas razões eram cuidadosamente registadas, e estes registos são
neccss
:tos do que as imputações relativas ao que está «correcto» numa «boa» .
i as notícias que sofreram críticas; as enfadonhas exposições das falhas de i
que prontamente categorizadas, eram poucas e raras. Todavia, as categorias
tivas que elas geravam forneciam critérios para a avaliação de notícias «ts
5. A discussão da «apresentação das possibilidades contraditórias» é constn
O Os jornalistas também se queixam das intimações para comparecerem em tribunal quando os julgamentos
envolvem acontecimentos que eles testemunharam ou relataram. Não só se recusam a revelar as suas fontes de informa
ção como as suas aparições em tribunal os afastam da sua rotina diária.
77
im que o jornalista deve questionar os factos indo à fonte, mas alguns alegados factos devem pura
simplesmente ser aceites como «verdadeiros». O facto de encararem tudo como questionável leva
lisparates como o seguinte: «Robcrt Jones e a sua alegada esposa, Fay Smith Jones, deram ontem
[ue eles descreveram como um cochail na sua suposta casa no 187 da Grant Street, City, pretens
nente cm honra de uma senhora que se diz chamar senhora John Smith, geralmente tida como tia <
nfitrião».
O jornalista navega entre a difamação c o disparate ao identificar «objcctividade» co
factos» que ele ou outros jornalistas observaram ou que podem ser verificados. A verificaç
nplica a utilização, ou a possibilidade de utilização, dc procedimentos apropriados, comc
: telefonar para a conservatória do registo civil para confirmar se Robert Jones era casa
>m Fay Smith. Se a verificação é necessária mas não pode ser obtida, o jornalista pode seg
itras estratégias.
(') Na minha primeira entrevista a um jornalista (neste caso, o vice-presidente de informação na cstaçãi
III
(*) Ao falar de práticas televisivas, Bcnet (1970, p. 113), um defensor do jornalismo na primeira pessoa ou
interpretativo, refere que, se uma declaração é filmada, a refutação também deve ser filmada, e não veiculada pelo
repórter. A televisão e os jornalistas de imprensa reconhecem um problema através da apresentação de possibilidades
conflituais. Uma vez que a noticia sc interessa pelo conflito (Roverc, 1960), uma acusação é mais noticiávcl do que um
desmentido. Assim, a acusação colocada no inicio da noticia (porque é mais noticiávcl, importante, etc.) pode receber
mais atenção do leitor do que o desmentido colocado para o fim da noticia. Roverc (1960) relata a perícia de Joseph
McCarthy na utilização desta regra para maximizar a sua cobertura como notícia.
que o leitor tirasse as suas propnas conciusoes». u proceaimemo poae comar-^c *w.
complexo. Por exemplo, ao afirmar a pretensão de verdade «B», o ministro da Defesa ]
acusar o senador de andar a brincar com a política de defesa nacional. O presidente da Comi
de Armamento do Congresso, um membro do Partido Democrata, pede então contradiz
acusação do ministro, afirmando que a administração republicana está a pôr em perh
segurança nacional através de informações pouco consistentes e tratamento descuidadc
orçamento militar para o desenvolvimento de armamento. No dia seguinte, o presid
nacional de um grupo pacifista pode convocar uma conferência de imprensa para acusar tc
os partidos da controvérsia em tomo do militarismo, dando prioridade à produção de armas
ictrimento da exploração de tuna determinada solução diplomática que tenha em vista a paz
;egurança mundiais. Um porta-voz presidencial pode vir então a acusar o dirigente do g r
lacifista de ser um simpatizante comunista tentando minar o processo político americano.
Nesta altura, existem cinco pessoas (o senador, o ministro, o presidente da Comissão
iimamento, o dirigente do grupo pacifista, o porta-voz presidencial) com pretensões de verd
npossíveis de verificar, representando cada uma delas uma possível realidade. Ao analisa
mtrovérsia em tomo do problema da marijuana, Goode (1970, pp. 50-68) refere-se a 1
intano de opiniões querendo ser tomadas como factos, como sendo a «política da rcalidad
nbora esta noção seja relevante do ponto de vista sociológico, é inútil para os jornalistas pos
rante o dilema da identificação e verificação dos «factos». Todavia, ao emparelhar
: tensões de verdade ou ao publicá-las à medida que vão surgindo durante uma série de dias,
nalistas reclamam a «objectividade». Como dizem os jornalistas, o leitor pode não s
ífrontado com os pontos de vista acerca de uma notícia num só dia, m as ele irá s
ífrontado com uma diversidade de pontos de vista ao longo de um certo período de tempo.
Como um fórum a arejar a «política da realidade», a definição dos jornalistas da situaç;
para além da apresentação dos dados suficientes para o leitor chegar a uma conclusão. U
tano de pretensões de verdades contraditórias, como as hipóteses apresentadas, teriam ma
tagens em ser encaradas como um convite aos leitores para exercitarem a percepça
ctiva, uma reacção característica às notícias. De facto, o convite à percepção selectiva
> insistente, pois cada versão da realidade reclama a mesma validade potencial. Visto qu
bjectividade» pode ser definida como «prioridade aos objectivos externos ao pensamento
bjcctivo» como «aquilo que pertence ao objecto de pensamento e não ao sujeito que pensa
ias definições de dicionário), seria difícil de afirmar - como os jornalistas fazem - que
referia o facto de que o falecido tinha tocado com John Philip Sousa. O «facto» suplementar, o
editor concordou, justificava a expressão «músico excepcional».
De igual modo, um repórter criticou os editores por falta de objectividadc, a propósito de
um artigo publicado que se referia à «propaganda comimista» num loca! específico. Ele
defendia que o artigo deveria ter incluído mais «factos», tais como os títulos dos trabalhos
específicos observados. Embora reconhecendo que o rótulo «propaganda comunista» pudesse
não caracterizar correctamente cada uma das peças do trabalho ele insistia que uma tal
apresentação seria mais «objectiva». Apresentar-se-iam «factos» (títulos) que serviríam de
suporte à afirmação inicial. Além disso, os títulos possibilitariam, presumivelmente, ao leitor
avaliar até que ponto é que a expressão «propaganda comunista» era correcta e como tal
«factual», do mesmo modo que a referência à associação do músico falecido com Sousa
possibilitaria ao leitor decidir por si só se o rótulo «músico excepcional» era justificado ('“).
A asserção dos jornalistas de que «os factos falam por si» é esclarecedora. Esta expressão
implica uma distinção quotidiana entre os «factos expressivos» e o repórter (orador, bisbilho
teiro, etc.) que fala pelos «factos». Se o repórter decidir falar pelos «factos», ele não poderá
afirmar-se objectivo, «impessoal», «imparcial». Naturalmente, é assunto assente, do ponto de
vista sociológico, de que os «factos» não falam por si. Por exemplo, Shibutani (1966) demons
tra que a avaliação e a aceitação de «factos» está extremamente dependente dos processos
sociais.
«Se me cortsegidres arranjar mais (citações dos inquilinos), publicamos a noticia», diz
Jones. (Após alguns momentos) Jones voltou a dizer que queria mais pessoas citadas, porque
«já tive demasiados problemas». Sem provas auxiliares, a noticia pode ser alvo de um
processo de difamação.
0 o) Pode-se muito bem discordar do facto de que «empilhar facto cm cima de facto» pressupõe um leitor
sofisticado versado cm diversas áreas. Por um lado, os jornalistas sustentam que a apresentação de provas auxiliares
permite ao leitor decidir por si só se uma alegação ou uma descrição é «factual». Por outro lado, os jornalistas, por vezes,
queixam-se e denigrem a inteligência dos seus leitores. De facto, cm várias ocasiões, os editores fizeram questão de me
ensinar a ler nas entrelinhas dos relatos de modo a que pudesse avaliar correctamente os «factos». Estas assunções
contraditórias podem explicar a insistência de Ellul (1966, p. 76) quanto ao facto de que o homem que acredita estar
informado e tem fome de noticias ser alguém facilmente manipulável pela propaganda espccialmentc se ele aderir aos
mitos dominantes nas sociedades tecnológicas.
81
Ao acrescentar mais noir.es e citações, o repórter pede tirar as suas opiniões da notícia,
conseguindo que outros digam o que cie próprio pensa. Por exemplo, durante a cobertura noticiosa da
visita de um gnipo de individualidades a um procurador-geral dos EUA para exigir uma tomada de
medidas contra o massacre de alguns estudantes negros cm Orangeburg, Carolina do Sul, um
repórter perguntou a um padre qual era a sua reacção ao comportamento do procurador federal.
Logo que saímos, o repórter explicou que entrevistou o padre para conseguir especifica-
mente aquelas afirmações de modo a não propalar a sua opinião e não ter de ser ele a chamar
grosseiro ao procurador-geral.
O uso de citações para fazer desaparecer a presença do repórter da notícia estende-se ao
uso das aspas como instrumento de sinalização. Elas podem ser usadas, como acabamos de
discutir, para informar: «Esta afirmação pertence a uma qualquer pessoa, menos ao repórter.»
Também podem ser utilizadas para pôr em questão a designação atribuída. Por exemplo, o
termo Nova Esquerda (sem aspas) refere-se a um grupo de pessoas com determinado posicio
namento político. A «Nova Esquerda» (com aspas) refere-se a um grupo que se intitula de
Nova Esquerda: neste caso, a legitimidade do grupo é posta em causa.
Impressionado por uma manifestação de resistência à incorporação militar, um repórter
utilizou as aspas de todas as formas possiveis para satisfazer os seus editores que ele sabia
serem contrários à manifestação. Escreveu:
Alguns (milhares de) pessoas afluiram, ontem, até ao parque, onde um comício contra a
incorporação e a guerra, «de um êxito surpreendente», atingiu o seu clímax quando mais
de... jovens rasgaram as suaspapeletas de incorporação.
O teor das duas horas e meia de manifestação fo i de que o movimento «Nova Esquer
da» está a crescer e que tem de se expandir para acabar com a actual política americana e
«constndr uma América em que não nos envergonhemos de viver».
A manifestação de protesto do parque fo i um segmento das manifestações de costa a
costa que decorreram em 60 cidades a que se chamou o Dia de Resistência Nacional. O
evento de dois dias conclui-se hoje com algumas «sessões políticas» na zona citadina.
O comício do parque decorreu praticamente sem qualquer tipo de violência apesar da
enorme multidão, na sua maioria composta por jovens. John Smith, o vice-superintendente
responsável pelo destacamento policial, disse que «só dois ou três recontros, rapidamente
sanados, estragaram um dia praticamente perfeito».
(As citações nos três primeiros parágrafos foram retiradas de discursos do comício,
embora a sua fonte não estivesse identificada na notícia.)
Embora o repórter concordasse com todas as afirmações e termos inclusos entre aspas,
estas permitiram-lhe afirmar que não inserira as suas opiniões na notícia. Elas tomaram o
82
artigo «objectivo» e protegeram o repórter dos seus superiores. A cobertura das manifestações
era geralmente atribuída a este repórter, embora simpatizasse com os manifestantes, e os seus
editors não. Tivessem as suas simpatias sido percebidas, nunca mais ele teria sido enviado
para futuras manifestações. Alcm disso, as suas noticias teriam sido substancialmente altera
das, e não foram. Na realidade, entre eles, os editors elogiaram o trabalho do repórter. Em
suma, o repórter manipulou os seus superiores, inserindo as suas próprias opiniões, seguindo
um procedimento que eles equiparavam a objectividade (").
('') Tanto a diferença etária como o facto de trabalhar por tumos facilitaram o mau conhecimento que os editores
tinham deste repórter. Os editores mais importantes tinham idades compreendidas entre os 45 c os 65. O repórter tinha
pouco mais de 30. Os editores entravam ao trabalho às seis da manhã. O repórter saía do trabalho às seis da manhã.
Embora os editores e repórteres pudessem estar na sala de redacção ao mesmo tempo, os editores tendiam a ligar-se aos
repórteres mais velhos, com quem mantinham longas amizades construídas nas amenas cavaqueiras antes de se iniciar o
trabalho. Além disso, uma vez que o jovem repórter usava cabelo curto c roupas conservadoras, os editors tinham poucas
hipóteses de descobrir as suas crenças políticas. A capacidade do repórter de dissimular os seus pontos de vista é de
alguma importância porque os superiores tendem a identificar a «objectividade» com o seu «ponto de vista» particular ou
com a política noticiosa do seu órgão de informação (ver Brced, 1955).
Primeiro, abrirei com as coisas mais materiais... Quantas pessoas lá estavam - é essa a
«estória» principal... o número de papeletas de incoiporação rasgados. No segundo (pará
grafo), darei o tom. Depois, entrarei nos discursos. Os factos concretos vão em primeiro
lugar.
IV
(,J) O (ermo «notícia de análise» é impresso em tipo diferente dos utilizados nos títulos, nome do autor, lead e
corpo do artigo.
84
Contudo, o recurso do rótulo «notícia de análise» para sugerir a objectividade coloca
problemas. A questão «Em que difere a noticia objectiva da ‘noticia de análise’?» veio a ser a
mais difícil de todas as questões postas aos inquiridos durante os dois anos de pesquisa (”).
Um editor disse o seguinte, depois de ter divagado durante dez minutos sem conseguir ir
ao fulcro da sugestão:
A «noticia cie análise» implica juízos de valor. A noticia objectiva não pressu
põe juízos de valor, sejam eles quais forem... Não se pode eliminar o rótulo «noticia
de análise» e dizer qualquer coisa. Não, direi que um alarme toca na cabeça que
pensa que a noticia está carregada e eu quero safar-me. (Emboraj o leitor pense que
o rótulo... (é) pesado e ponderoso, o ponto fulcral é o número e o grau de juízos de
valor indocumentados na altura.
Embora o editor delineasse uma técnica formal para alertar o leitor, ele não conseguiu
dizer o que determina o «número e o grau de juízos de valor indocumentados na altura».
Além disso, o editor reconhece a discrepância entre a razão para o seu procedimento e a
interpretação que o leitor faz dessa actuação. Colocado perante o dilema, o jornalista invoca de
novo o seu news judgement profissional - entendido como a sua experiência e senso comum
que lhe permitam atribuir aos «factos» o valor de «importantes» e «interessantes».
(’>) Vários repórteres e um assistente do editor da secção local disseram que não sabiam. O managing editor do
jornal de domingo somu e deu umas pancadinhas nas costas do editor da sccção local quando mc ouviu formular a
questão. Para um texto acerca do tema veja-se MacDougall (1968).
(14) Shibutani (1966) refere que dois repórteres perderam «cachas» referentes ao suicidio do Marshall Gocring
porque a sua fonte dc informação - um guarda prisional - não provara a sua fiabilidade.
85
—wioutuii; t
0 s jo rn a is têm de sem,ir „
VI
87
facto de que um político popular que havia liderado, com sucesso, o seu pais durante a guerra,
não seria reeleito. A sua contestada opinião de «perito» entrava em contradição com aquilo
que todos sabiam e «tomavam como adquirido». Por isso não era «factual».
Como Schultz (1962, p. 175) exprimiu de forma pertinente: «Basta salientar que todo o
conhecimento dado por adquirido tem uma estrutura altamente socializada, quer dizer, que é
suposta ser dado por adquirido, não só por mim, mas por nós, por toda a gente (significando
‘toda a gente' aqueles em que nos integramos).» Seria interessante explorar mais profundamen
te os tipos de informações que os jornalistas consideram «factos», afirmações cuja exactidão
podem ser dadas como adquiridas. Sugeri noutro trabalho (1969) que as noções que o jornalista
toma por adquiridas são, de facto, um quadro da sua visão da realidade social e politica.
Embora uma tal afirmação exija uma reapreciação das relações interorganizacionais de uma
organização de uma notícia, uma exploração intensiva deste tópico ultrapassa o âmbito deste
ensaio. Aqui basta salientar que 1) alguns conteúdos podem ser aceites como «factos» se
fizerem sentido, e que 2) o newsjudgement que justifica o termo «sentido» parece ser o sagrado
saber profissional. M as a experiência profissional especializada é uma defesa inadequada
contra a crítica, uma vez que as criticas estão frequentemente a atacar esse mesmo saber.
VII
(” ) Como os jornalistas não estão rodeados por uma mistica técnica, dá a impressão que qualquer pessoa poderia
fazer o seu trabalho. Afinal de contas, quase toda a gente é bisbilhoteira. Para uma comparação entre a noticia e a
bisbilhotice, vcja-sc Shibutani (1966) e Parks e Burges (1967).
88
fundam entar um «facto», 3) utilizaram aspas para indicar que o repórter não está a dar
um a versão dos acontecim enos, 4) apresentaram os «factos mais importantes» primeiro, c
5) separaram cuidadosam ente os «factos» das opiniões através da utilização do rótulo
«noticia de análise» (ou, simplesmente «análise»). Daria a impressão de que os procedi
mentos noticiosos exemplificados como atributos formais das noticias e jornais são, efec-
tivamente, estratégias através das quais os jornalistas se protegem dos críticos e reivindi
cam, de form a profissional, a objectividade, especialm cnte porque a sua experiência
profissional não é suficientemente respeitada pelos leitores e pode até ser alvo de criticas.
Em bora esses procedim entos possam fom ccer provas demonstráveis de uma tentativa de
atingir a objectividade, não se pode dizer que a consigam alcançar. De facto, tem sido
sugerido que esses procedim entos 1) constituem um convite à percepção selcctiva, 2)
insistem erradam ente na ideia de que «os factos falam por si», 3) são um instrum ento de
descrédito e um m eio do jornalista fazer passar a sua opinião, 4) são limitados pela politica
editorial de um a determ inada organização jornalística, e 5) iludem o leitor ao sugerir que a
«análise» é convincente, ponderada ou definitiva. Em suma, existe um a clara discrepância
entre os objcctivos procurados e os alcançados. Também não existe um a relação clara entre
os objectivos procurados (a objectividade) e os m eios utilizados (os procedim entos noticio
sos descritos).
Esta interpretação tem várias implicações teóricas interessantes. Primeiro, defende o
ponto de vista de Everett Hughes (1964, pp. 94-98) de que as profissões desenvolvem procedi
mentos ritualizados para se protegerem das criticas. Ele afirma: «Ao ensinar», um a actividade
como o jornalismo, «onde os objectivos estão muito mal definidos - o mesmo acontecimento,
consequentemente, com os erros - onde os leigos estão prontos a criticar e a culpar - a forma
correcta de tratar os problemas toma-se num ritual, tanto ou mesmo mais que uma arte. Se um
professor conseguir provar que seguiu o ritual, a culpa passa para a pobre criança ou estudan
te; e o fracasso pode-lhes ser, e é, imputado.» (pp. 96-97) Ao analisar o comportamento
ritualista de profissionais secundários como os farmacêuticos e as enfermeiras, Hughes conti
nua: «Nós temos uma ideia do que pode ser a função mais profunda da arte, culto e ritual de
várias profissões. Elas podem fornecer um conjunto de controlos emocionais e até mesmo
organizacionais, dos riscos subjectivos e objectivos da profissão.» (p. 197; ênfase acrescenta
da) Deste ponto de vista, os atributos formais das noticias e dos jornais parecem necessitar de
rituais estratégicos para justificar o direito de se reivindicar objectivos. Eles permitem a um
jornalista dizer, apontando para as suas provas: «Eu sou objectivo porque usei aspas.»
Segundo, estas conclusões podem ser relevantes para as noções de objectividade utiliza
das por outros profissionais. Como previamente se sugeriu, os cientistas sociais fazem a
distinção entre eles próprios e os outros, referindo a sua própria tendência para o estudo
reflexivo das suposições filosóficas. Contudo, Gouldner (1970, p. 249), juntando-se a C.
Wright Mills ao falar da «replicabilidadc transpessoal», sugere: «Nesta noção, a objectividade
significa apenas que um sociólogo descreveu os seus procedimentos de forma tão explícita que
aqueles que os empregam no mesmo problema chegarão às mesmas conclusões. De facto, esta
é uma noção de objectividade enquanto rotinização técnica e apoia-se, no fundo, na codifica
ção dos procedimentos da investigação que foram empregados. Quando muito, esta é uma
definição operacional de objectividade que presumivelmente nos diz o que devemos fazer para
justificar se um a asserção de uma determinada descoberta é objectiva. Não nos diz, todavia,
muito acerca do que a objectividade significa, dos pontos de vista conccptual e conotativo.»
89
Em suma, Gouldner acusa os sociólogos dc se esquivarem dos problemas cpisiemológicos,
escondendo-se atrás de técnicas formais. Ele pinta um quadro da objectividade sociológica
enquanto ritual estratégico (1S).
Outras profissões e actividades equacionam a objectividade com a capacidade de perma
necer suficientemente impessoal para seguir os procedimentos de rotina adequados para um
caso específico. Por exemplo, a postura objectiva do advogado dá origem à expressão: «É tolo
o advogado que se tem por cliente.» A regra segundo a qual os médicos não podem operar
familiares protege, supostamente, tanto o médico como os pacientes dos erros. Envolvido
emocionalmente, o médico podería não seguir os procedimentos médicos adequados (").
Em todos estes exemplos, a objectividade rcfcre-sc a procedimentos de rotina que podem
ser exemplificados como atributos formais (aspas, níveis de significância, precedentes legais,
radiografias) e que protege o profissional dos erros c dos seus críticos. Dá a sensação de que o
termo «objectividade» está a ser utilizado defensivamente como ritual estratégico. Todavia,
enquanto as minhas conclusões substanciam esta conclusão relativa à utilização do temio
«objectividade» pelo jornalista, as generalizações a outras profissões e actividades devem
aguardar um estudo sistemático da utilização que fazem do termo «objectividade» dentro do
contexto do seu trabalho (“).
(“ ) Outras afirmações feitas por sociólogos parecem defender esta acusação. Ao falar das rcacções dos soció
logos aos estudos do comportamento pré-matrimonial, Udry (1967) pretende (embora não forneça provas suplementa
res) que os sociólogos citam estudos com conclusões que eles aprovam, mas põem em causa a metodologia dc artigos
cujos resultados ofendem os seus próprios valores. Reynolds (1967) desafia os factos científicos em rodapí, delinean
do a história natural de uma ficção «cientifica» eternizada. Goode (1979) trata a investigação cm tomo da marijuana
no contexto da «política da realidade». Gouldner (1970, p. 254) sente que «o reino da objectividade ó o reino do
sagrado nas ciências sociais».
H Os médicos insistem que a sua atitude é «objectiva» ou «médica» quando seguem procedimentos carrega
dos de significado pessoal, como sejam os exames ginccológicos. Embora Emerson (1970) não refira que os médicos
usam o termo «objectividade», ela afirma (1970, p. 78) que uma «consequência da definição médica é que o paciente
é um objecto técnico. E como se o pessoal trabalhasse numa linha de reparação dc corpos; as partes dc corpo vão
passando c o pessoal tem uma tarefa especifica a desempenhar». Por outras palavras, o pessoal médico dá realce a um
procedimento impessoal.
(") O reconhecimento da objectividade como ritual estratégico também levanta outros problemas pertinentes
ao estudo dos meios de comunicação de massas, partieularmente ao estudo dos seus efeitos. Será que os rituais
estratégicos aumentam a credibilidade dos artigos noticiosos? Será que a sua prática leva os indivíduos a comporta-
rcm-sc dc uma maneira ou dc outra? Qual é a intcracção, se é que existe, entre estas estratégias e o conteúdo? Sc
existe uma intcracção, será que ela tem influência na rcacção do público? Questões deste gênero têm não só significa
do político como sociológico, mas, à excepção dos estudos das consequências da apresentação dc pontos dc vista
contraditórios (revistos por Klappcr, 1960, pp. 113-117), elas ainda têm que ser exploradas.
90
«O jornalismo e o profissionalismo
alguns constrangimentos
no trabalho jornalístico» (*)
John Soloski
(*) Reedição de: Afedia. Culture and Socicty (Vol. 11, 1989). «News Reporting and Profcssionalism:
Some Constrainls on lhe Reporting of News», dc John Soloski. Direitos dc autor: Afedia, Culture and Socicty.
Reedição com a aprovação do editor.
91
a recolha e o relato das notícias, cspecificamente. O ensaio sustenta ainda que o profissionalis
mo é um método eficiente e econômico através do qual as organizações jornalísticas controlam
o comportamento dos repórteres e editores. Mas as organizações jornalísticas (ou nesse caso
qualquer empresa comercial) não podem confiar em normas profissionais para controlar o
comportamento dos seus profissionais; a fim de limitar mais o comportamento discrecionário
dos jornalistas, as organizações jornalísticas têm desenvolvido regras - políticas editoriais. As
organizações jornalísticas confiam na interacção do profissionalismo e das políticas editoriais
para controlar o comportamento dos jornalistas. A segunda parte deste mesmo ensaio relata os
resultados de um estudo de observação-participante que examinou como uma organização
jornalística implementou as suas políticas editoriais (").
Uma vez que os jornalistas americanos trabalham dentro de empresas comerciais que
procuram o lucro, as organizações jornalísticas precisam de desenvolver técnicas para contro
lar o comportamento dos seus profissionais. Se a organização jornalística for conccptualizada
como um sistema aberto (PerTow, 1970; Thompson, 1967) composto de subsistemas que estão
inter-relacionados e interligados uns com os outros, e com uma maior organização, então o
problema de controlo toma-se mais claro. Os subsistemas de uma organização exibem geral
mente as características tanto do todo como das partes. Isto é, a um nível o subsistema é um
todo e o seu comportamento teleológico não é totalmente controlado pela mesma organização
e é, até certo ponto, controlado por ela. Os subsistemas de uma organização podem perseguir
tuna variedade de objcctivos simultaneamente, e alguns deles podem entrar em conflito com os
objectivos da organização. Para assegurar a sua sobrevivência a longo prazo, a direcção tem de
desenvolver técnicas para controlar o comportamento dos seus subsistemas. A natureza destes
procedimentos de controlo será relacionada com o meio ambiente em que uma organização
opera (Laurence c Lorschm, 1969). Quanto mais estável (previsível) o meio ambiente, mais
estruturada (burocrática) será uma organização. Os meios ambientes complexos e imprevisí
veis requerem uma estrutura informal e flexível de modo que os vários subsistemas lidam
melhor com mudanças rápidas (Stinchcombe, 1959; Hall, 1968).
O departamento de informação enquanto subsistema de uma organização jornalística
tem de lidar com um meio ambiente altamente imprevisível - as notícias. As decisões acerca
da cobertura noticiosa devem ser tomadas rapidamente, com pouco tempo para discussão ou
tomadas de decisões de grupo. Assim, a estrutura do departamento de informação deve lidar
com um meio ambiente em constante mudança. Os repórteres e os editores devem ter autono
mia considerável na selecção e no processamento da notícia. O controlo do comportamento
dos seus jornalistas pode ser um problema difícil para a direcção de uma organização jornalís
tica, espccialmente devido aos repórteres passarem a maior parte do seu tempo fora da
redacção e da vista dos supervisores. Um método que a direcção podería utilizar para controlar
os seus jornalistas seria o de estabelecer regras e regulamentos elaborados. Esta forma burocrá
tica de administração não seria muito eficiente porqu: 1) as regras teriam de cobrir todas as
situações possíveis que os jornalistas podem encontrar, incluindo as regras para lidar com
situações não cobertas pelas regras; 2) as regras elaboradas são prescritivas e limitariam a
capacidade de um jornalista lidar com o inesperado, o que é a essência das notícias; e 3) a
O Nota de tradução - Por razões dc espaço, a segunda parte deste ensaio nâo foi incluída nesta antologia.
92
168) - ê n f ' n ' Sm os de contrai ° QS burocróticas H-, profissi°raIismo
°“ « “ « - hI T S S * * C «
™ q u e fo i co n stru íd o a partir d a s p r o f i^ T m a is « S T - l* i s
10mode,° dcprofi^
S
a dee ee ’oO jo a /m^ or -“ operam dentro das organizações
T rnn at lis ° comerciais de âmbito lucrativo. Est
•gundo tópico será a preocupação principal deste ensaio.
P a ra m u ito s estudiosos do profissionalismo, os objectivos e os procedimentos das organ
ç õ e s comerciais burocráticas levarão inevitavelmente ao conflito com os objectivos e c
y c e d im e n to s dos seu s profissionais. Por outras palavras, a fidelidade dos profissionais i
s normas deontológicas leva-os a entrar cm conflito com intuitos lucrativos da orgamzaç;
tercial (Komhauser, 1963). Estes estudiosos defendem que a ideologia do capitalismo e
m3 n r o f i s ^ C t . ,4-15). A* >,*».'
o c o n -e r, m a s n a o e x is te q u a lq u e r c o n c o rrê n c ia e n tre p ro tis s o c s p e lo d ire ito d e ío m e c e r o s
m e s m o s s e rv iç o s p ro fis s io n a is . S e fo ss e e s se o c a s o , e n tã o a b a s e c o g n itiv a d a p r o fis s ã o s e ria
r e c la m a d a p o r m a is d o q u e u m a o c u p a ç ã o e a le g itim id a d e d o s s e rv iç o s f o rn e c id o s e o s
m é to d o s e m p r e g u e s s e ria m a m e a ç a d o s .
A a c e ita ç ã o p ú b lic a d o m o n o p ó lio d e u m a p r o fis s ã o n o m e r c a d o n ã o é d if íc il d e a lc a n
çar, p r in c ip a lm e n te p o r q u e a s p r o fis s õ e s m a n tê m u m fo rte id e a l d e s e rv iç o p a r a a s o c ie d a d e e
m u ito s d o s s e rv iç o s d a s p r o f is s õ e s tê m v in d o a s e r c o n s id e r a d o s b e n s u n iv e r s a is q u e e s tã o a o
i i s p o r d e to d o s a q u e le s q u e d e le s p r e c is a m . A o s o lh o s d o p ú b lic o , o n ú m e r o d e m e m b r o s n a s
tr o f is s õ e s n ã o s e b a s e ia n a c la s s e s o c ia l m a s n a s c a p a c id a d e s in a ta s d o s f u tu r o s p r o f is s io n a is .
3 sucesso ou insucesso de um indivíduo ser um profissional é determinado pela sua inteligên-
:ia, dedicação e perseverança.
Para facilitar o seu controlo sobre a base cognitiva, e para estandardizar a aprendizagem
irofissional, a maioria das profissões controlam o processo de educação profissional através do
stabelccimcnto de ensino acreditado em institutos superiores e universidades (Noble, 1977).
Istas escolas profissionais asseguram: 1) que os futuros profissionais apreendam, dominem e
ceitcm a predominante base cognitiva da profissão; 2) que a produção dos produtores dos
:rviços profissionais seja estandardizada (Larson, 1977, p. 47); e 3) que os ideais e os
bjectivos da profissão sejam aceites pelos novos profissionais. É durante a sua educação
irmal que os profissionais em estágio se tom am m em bros sociais das suas profissões, apren-
:ndo as norm as e os procedim entos profissionais. Isto significa mais do que um a simple:
irendizagem da técnica profissional correcta, significa a aprendizagem do modo com o estru
rar e viver a vida com o profissional (Johnson, 1972).
O controlo sobre a educação profissional e a m onopolização do mercado profissional nã
>dem ter lugar a não ser que a ideologia do profissionalism o esteja m inim am ente ligada
eologia do capitalism o. L arson argum enta que o processo de profissionalização ajuda a m ant
i prom ulgar o capitalism o, especialm ente quando o capitalism o passou da sua fase com petiti'
ra a fase m onopolista. A ascensão de grandes corporações durante o capitalism o m onopolií
nim izou a descontrolada concorrência assente no m odelo de m ercado livre que quase d
g e m ao colapso do capitalism o (B aran e Sw eezy, 1966). O núm ero relativam ente pequeno
tndes organizações com erciais p od em ter tom ado a concorrência m ais racional e previsú
is o p ro blem a de ter de dirigir um grande núm ero de pessoas em vastas áreas geográfi
nou-sc m ais agudo. O problem a do controlo dentro de grandes organizações com erciais
olv id o através da ascensão do manager. L arson argum enta que « toda a legitim ação cogni
orm ativ a p ara a ascensão do m anager foi a ciência, especialm ente co m o foi in co rp o ra d
d o rism o (L arson, 1977, p. 142; W iebe, 1967). O apelo da direcção à ciên cia p ara a
itim ação sig n ificav a que a direcção era retratada co m o estando assente e m m éto d o s q u e <
. id e o ló g ico s e estav am p o r isso fora de q u alq u er interesse classista. A co n fia n ç a d a dire
:iên cia - o d o m ín io d e co n h ecim e n to s e h ab ilid ad es eso térico s - assen ta n a m e sm a bas<
o c e sso de p ro fissio n alização . E a p o sição tan to d o m anager co m o do p ro fissio n a l está
:g u rad a p ela ascen são de g ran d es o rg an iz a ç õ e s co m erciais que se to m a ra m n a fo n te d e i
p açõ es c c a rreiras p a ra a c lasse m é d ia (L arso n , 1977, p . 145).
N o c an itn lism o m onoD olista s u re ira m n o v a s p ro fissõ e s q u e fo ram in c a p a z e s d e c
a contabiiidade e o jornalismo dependem das grandes organizações comerciais para o seu
emprego. As tarefas laborais e a escolha de clientes estão, na maioria dos casos, fora do
controlo destes profissionais. Mas estes profissionais têm sido capazes de conseguir o statiis
social através da compensação financeira, de mobilidade ascendente e das distintas tarefas
laborais que requerem qualidades especiais. Para facilitar o controlo no local de trabalho, a
direcção tem vindo a confiar no profissionalismo para controlar o comportamento dos seus
mais importantes profissionais. O profissionalismo, então, deve ser visto como um meio
eficiente e racional de administração de organizações comerciais complexas.
Em suma, o profissionalismo e a organização comercial burocrática não podem ser
concebidos como sendo pólos opostos num continuam de liberdade e controlo. Tanto as
organizações comerciais burocráticas como o profissionalismo «pertencem à mesma matriz
histórica: eles consolidaram-sc no princípio do século x x como distintos mas complementares
modos de organização laborai» (Larson, 1977, p. 199). E o tipó de administração (burocrática
ou profissional) utilizada por uma organização dependerá da situação laborai: quanto menos
estável o ambiente de trabalho maior a confiança no profissionalismo (Stinchcombe, 1959).
O profissionalismo jornalístico
95
a u to - c apareniemenie aiiamenie Dem sucedido - de lidar com as complexas necessidat
>s jornalistas, das organizações jornalísticas e dos públicos. Os acontecimentos podem :
iresentados de uma forma segura como uma série de factos que não requerem qualqi
aplicação do seu significado político. Ao apresentarem as notícias como uma série de factc
5 organizações jornalísticas estão protegidas, pelo menos, de duas maneiras. A primeira,
íais óbvia, é a de que, uma vez que os jornalistas precisam de ter fontes que lhes forneçam (
retos relativos aos acontecimentos, as fontes e não os jornalistas são responsáveis pela exact
lão dos factos. Até certo ponto, isto ajuda a isolar tanto os jornalistas como a sua organizaçã
Ias acusações de parcialidade e reportagens imprecisas (Tuchman, 1972). Ser enganado po
una fonte noticiosa é embaraçoso para a organização jornalística mas, contando que nã<
iconteça muitas vezes, a integridade da organização não é ameaçada. A posição da organiza
;ão no mercado está dircctamente ligada à sua capacidade para manter a integridade da sua
operação jornalística. E isto traz-nos a segunda vantagem que a objectividade tem para as
organizações jornalísticas: ajuda a assegurar a sua posição de monopólio no mercado (•’). Se as
noticias fossem relatadas de uma maneira abertamente política ou ideológica, o mercado
estaria pronto para a concorrência das organizações jornalísticas que detêm pontos de vista
políticos ou ideológicos opostos. Relatando a notícia obiectiviamente. a lealdade do le ito r m m
cobertura jornalística, nos custos de assinatura, nos serviços de distribuição ou em qualquer
outro factor tangível que um jornal consegue controlar. Por isso, desde que as organizações
jornalísticas relatem as notícias objectivamentc, o controlo monopolístico do mercado não será
visto pelo público, jornalistas, publicitários e donos dos media como um grande problema.
Os jornalistas são não ideológicos no sentido de que não relatam as notícias de acordo
com uma perspectiva ideológica que é conscientemente partilhada pelos membros da profis
são. Por isso, o lugar natural para encontrar fontes com valor noticioso será na estrutura do
poder da sociedade porque os jornalistas vêem o actual sistema político-econômico como um
estado de coisas natural (Tuchman, 1978; Gans, 1979). As fontes noticiosas surgem então da
estrutura do poder existente; por isso, as notícias tendem a defender o slatus qito. M as os
jornalistas não se põem a relatar conscientemente as notícias de modo a que o actual sistema
político-econômico seja mantido. A selecção de acontecimentos e de fontes noticiosas corre
«naturalmente» do profissionalismo jornalístico. Isto não significa que o news judgement não
se altere; nem significa que os jornalistas não difiram nos seus news judgements, m as as
diferenças desenvolvem-se dentro de uma estrutura de referência, nomeadamente a das nor
mas predominantes do profissionalismo jornalístico. Além disso, o news judgement exige que
os jornalistas partilhem as pressuposições acerca do que é normal cm sociedade, uma vez que
a noticiabilidade de um acontecimento está relacionada com o afastamento daquilo que se
considera normal. Ao concentrar-se no desvio, no estranho e no insólito, os jornalistas defen
dem implicitamente as normas e os valores da sociedade. Como as fábulas, as «estórias»
noticiosas contêm um a moral oculta.
Embora a selecção e a apresentação dos acontecimentos e as fontes noticiosas sejam
determinados pelo profissionalismo jornalístico, a organização jornalística para a qual um
jornalista trabalha também influenciará este processo. Por exemplo, num esforço para tirar o
máximo de lucro do seu investimento econômico, a organização jornalística rotiniza a cobertu
ra noticiosa, através do estabelecimento de news beats (Tuchman, 1978, pp. 44-45). A escolha
de news beats resulta da interacção do profissionalismo jornalístico e os recursos da empresa
jornalística. O profissionalismo jornalístico determinará a legitimidade e o valor das institui
ções a cobrir, mas a organização jornalística, através do seu controlo sobre o orçamento do
departamento de informação, determinará o número de news beats que podem ser cobertos. O
profissionalismo jornalístico identifica mais news beats legítimos do que aqueles que podem
ser cobertos pelos jornalistas na redacção.
A escada profissional
97
Uiiw idifid p.onssionai, mesmo que esse desempenho nãc
qualquer beneficio para a organização. K om hauser (1963) defende que para acomo
profissionais as organizações com erciais têm sido forçadas a desenvolver dois tir
iscadas de carreira: a escada da direcção e a escada profissional. A escada da direcç
radicional m edida do sucesso dentro da organização: os trabalhadores bem succdidc
ecom pensados entrando para a hierarquia da direcção e para a equipa executiva. A c
rofissional foi instituída para recom pensar os profissionais bem sucedidos, aumen
s seus vencim entos c categorias sem terem de aum entar as suas responsabilidades s
isoras ou directoriais. A escada profissional fornece aos profissionais «melhoria
tlário e no status sem assum ir deveres administrativos. Em vez de uma m aior autorii
es são recom pensados com uma m aior liberdade no desempenho das suas especia
:s» (K om hauser, 1963, p. 205). Sem a escada profissional, os profissionais bem su<
is poderíam ser forçados a entrar na escada da direcção, o que privaria uma organiz;
s serviços dos seus profissionais de eleição (>).
M as o problema com a escada profissional, segundo Goldner e Ritti, é que há apenas
ignificantc aumento na autoridade para o profissional que sobe a escada profissiona
ifissional bem sucedido tem pouca voz nos processos de tomadas de decisão da organizai
Idner e Ritti defendem que a escada profissional é de facto um método muito eficaz
friar» os profissionais que foram incapazes de avançar dentro da hierarquia (de poder)
cção. Este processo de «esfriamento» começa efectivamcnte com a socialização do ind
na profissão, quando o novo profissional aprende o que significa ser um profissio
Idner e Ritti, 1967, pp. 497-501). Os profissionais, que seriam, de outro modo, considc
falhados por não terem conseguido entrar na escada da direcção, recebem uma definiç
nativa de sucesso da parte da escada profissional. A escada profissional possibilita a ur
nização comercial apaziguar os seus profissionais dedicados, que são necessários para
sso da organização, sem que se ponha a oferta de oportunidades na escada da direcção.
A plicando estas observações ao jornalism o, é evidente que existe uma escada profi
il dentro da organização jornalística. A estrutura do departamento de informaçã
ite à direcção prom over os jornalistas bem sucedidos sem ter de os integrar n
sso de tom ada de decisões da organização. À medida que os jornalistas bem sucedí
abem na escada profissional no departamento de informação, eles têm mais liberdad
dual de ir atrás de «estórias» sem terem mais responsabilidades por decisões relati
distribuição dos escassos recursos da organização. Ao dar oportunidades de subida
inização jornalística consegue m anter a lealdade de im portantes profissionais serr
:ir o acesso à efectiva hierarquia de poder da organização. Embora alguns jornalistas
vim entem na escada da direcção e em posições-chave da direcção, a maioria dos
como m edida de sucesso e o resultado da aprendizagem profissional dos jornalistas,
parte das tradições românticas da profissão. As escolas de jornalism o, as «estórias»
i de cruzadas de jornalistas e os próprios jornalistas têm contribuído para a transfor-
) da escada profissional num meio de sucesso.
rolos interorganizacionais
Conclusão
100
«Declínio de um paradigma?
A parcialidade e a objectividade
nos estudos dos
m edia noticiosos» (') (*
*)
Robert A. Hackett
(*) Este ensaio, ccntrando-se nos fundamentos principais que estão na base dos desafios que se põem ao pa
radigma da «parcialidade», não pode tratar dos factores e movimentos sociais, políticos c intelectuais que estão sub
jacentes a esses desafios. Numa palavra, podemos dizer que essas forças têm a ver com o assalto cpistcmológico
anti-individualista, antipsicológico c anticomportamcntalista montado pelo estruturalismo francês e importado para
os estudos dos media cm língua inglesa através do marxismo britânico c do feminismo. O estruturalismo é sumari
amente discutido neste artigo, do mesmo modo que o é o ressurgimento da teorização cm tomo da questão da ideo
logia, uma outra força intelectual.
(*) Reedição de: Criticai Studies in Mass Communication (Vol. 1, N.° 3, Setembro, 19S4). «Decline of a
Paradigm? Bias and Objcctivity in News Media Studies», de Robert A. Hackctt. Direitos de autor: Speech Com
munication Association. Reedição com a aprovação do editor.
101
A parcia/idade, ou o que geralmeníe se aceita como seu oposto, a objectividade
onceitos que a maioria dos cidadãos associa ao papel político ou ideológico dos /;
jticiosos. Os conceitos encontram-se consagrados nas dircctrizes administrativas pai
diodifusorcs, e são ás vezes aproveitados por políticos mal humorados. A denúncia feit;
iro Agnew, em 1969, dos «falaciosos nababos do negativismo» da televisão é talvez o :
lhecido ataque feito por um político americano aos media noticiosos pela sua ale:
cialidadc ideológica - neste caso, por se terem mostrado demasiado compreensivos
ção aos protestos radicais. Os grupos de interesses que controlam os media frequentem
Jtam termos de referência semelhantes. Por exemplo, um estudo feito pela Associe
nacional de Maquinistas (1981) concluiu que as notícias dos principais canais de telev:
IUA (conhecidos como networks) eram na sua esmagadora maioria mais pró-patror
iró-trabalhador. E os jornalistas utilizam, evidentemente, eles próprios os conceitos
lidade e de objectividade na avaliação dos seus próprios trabalhos. A objectividade l
ifinida como «lema» e «pedra angular» do jornalism o americano (Schudson, 1978, p
Bra dley, 1974, p. 256).
rão ó pois nenhuma surpresa o facío de os acadêmicos também adoptarem a parcialii
objectividade como conceitos organizativos em muitos estudos de jornalism o. A lgt
os da produção jornalística, de Brecd (1955) a Sigelman, 1973), tomaram p o r adqui
inção entre a «política» editorial parcial, que pode ser incentivada pelos donos d
o ideal da objectividade jornalística - se bem que cépticos em relação à sua aplicaç;
íum erosas análises de conteúdo têm procurado avaliar a objectividade da cobertu
de campanhas eleitorais, assuntos controversos, políticas, instituições, movimento
is. U m a parte significativa desta investigação foi inspirada nas acusações de parcial
a 1» que A gnew dirigiu à informação dos networks (A dam s, 197 8, p. 20).
itanto, a utilidade de parcialidade e da objectividade enquanto ferram entas concej
ílise do funcionamento ideológico dos media tem levantado crescentes objecçõe:
«opinião» subjectiva do repórter ou da organização jornalística no que é pretensamente um
relato «factual». Assim, MacLean (1981, p. 56) sugere que «quando um artigo não faz a
distinção clara entre as interpretações do seu autor e os factos relatados estamos perante uma
notícia parcial ou tendenciosa».
Tem-se salientado, por vezes, o facto de o conceito de parcialidade noticiosa ter dois
momentos que não são inteiramente consistentes. Um é a falta de «equilíbrio» entre pontos de
vista concorrentes; o outro é a «distorção» tendenciosa e partidária da «realidade». A ambigui
dade é sugerida por Doll c Bradley (1974, p. 256) num levantamento feito em manuais de
jornalismo de sinônimos e antônimos de parcialidade jornalística. Por um lado, o momento de
desequilibrio é sugerido pelos sinônimos «preferencial», «unilateral» e «parcial», e pelos
antônimos «igual», «igualitário», «neutro» e «justo». Por outro lado, o momento de distorção
é sugerido pelos termos «deturpado», «distorcido», «indirecto» e «estereotipado», em oposição
a «franco», «factual», «exacto» e «verídico». Na prática jornalística, os objectivos do equilí
brio e da exactidão (a não distorção) podem nem sempre ser compatíveis. Tomemos, por
exemplo, a campanha eleitoral de 1972 nos EUA, na qual George M cGovem fez muitas mais
aparições públicas que o titular do cargo, Richard Nixon. A exibição televisiva «equilibrada»
dos dois candidatos teria «alterado» as estratégias e o progresso da campanha.
Relacionada com a distinção distorção/desequilíbrio está a tensão entre relatar imparcial
mente pretensas verdades contraditórias de fontes altamente colocadas, por um lado, c deter
m inar com independência a validade de tais pretensas verdades, por outro. A amplificação
sem sentido crítico por parte dos media das acusações infundadas do senador Joe McCarthy
fez com que os jornalistas tomassem viva consciência desta tensão; assim, actualmente, o
conceito de objeclividade é aplicado algumas vezes para incluir reportagens de carácter inter-
pretativo e analítico (Roshco, 1975, pp. 48-57).
Tais ambiguidades nas normas jornalísticas reflectem-se nas diferentes medidas e defini
ções operacionais utilizadas no estudo da parcialidade. Tanto o conceito de «desequilíbrio»
como o dç «distorção» têm sido adoptados. Pondo de lado questões epistemológicas, a aborda
gem que utiliza o conceito de «distorção» é tecnicamente possível desde que tenhamos à
disposição relatos alternativos ou pontos de referência adequados. Nos possíveis pontos de
referência incluem-se as transcrições integrais do discurso de um político; a percepção dos
participantes ou das fontes entrevistadas num acontecimento noticioso (Lang & Lang, 1953;
Lawrence & Grey, 1969); as estatísticas governamentais sobre o crime (Davis, 1952) ou a
distribuição da força de trabalho e as paragens laborais (Glasgow University M edia Group,
1976). O critério de «distorção» pode ser considerado especialmcntc apropriado quando não
estão em disputa pontos de vista de legitimidade semelhante, tomando assim inadequado o
critério de desequilíbrio. Tal seria o caso, por exemplo, em estudos de notícias relativas a
relações internacionais, uma área em que não se espera que os jornalistas façam uma apresen
tação equilibrada de pontos de vista pró e antiamcricanos (especialmcntc comunistas). Só
quando a política externa (a guerra do Vietnam depois de 1968, por exemplo) provoca
suficientes divisões no interior dos círculos políticos legítimos é que os media devem ter em
conta o equilíbrio. A cobertura de assuntos externos só poderá ser considerada tendenciosa se a
realidade for distorcida por motivações políticas. Chomski e Herman (1979), cujos trabalhos
podem ser considerados como estudos menos tradicionais de parcialidade, argumentam que a
cobertura noticiosa americana da repressão no Terceiro Mundo, e o papel da América em tal
repressão, é distorcida pela subordinação dos media aos interesses e perspectivas das elites
do nos estudos sobre a parcialidade indubitavelmente porque os pontos de referencia;
dos nem sempre estão disponíveis, e porque este critério está legalmente consagrado
das Comunicações dos EUA e a doutrina de imparcialidade da Comissão de Comun
Federais obrigam os radiodiftisores a fornecer «oportunidades razoáveis para a discus
jontos de vista divergentes cm assuntos de importância pública» na programação notic
<permitir respostas a ataques pessoais que ocorram no decurso de discussões de as
:ontroversos», e a dar igual tempo de antena a todos os candidatos políticos, caso a
leles seja concedido tempo fora da programação noticiosa (Brundage, 1972, pp. 53
37). Todavia, mesmo os investigadores que são de opinião que a parcialidade equiv;
esequilíbrio binário diferem nos seus métodos. Na verdade, muitos deles medem o tem
ntena, ou espaço noticioso, concedido a cada uma das partes, e avaliam as tendência
firmações ou artigos relativos a cada uma delas (se são favoráveis, negativos, neutra
listos). Mas além destes procedimentos básicos existem algumas variantes. McQuail,
:emplo, sugere várias possíveis manifestações de parcialidade: a argumentação explícit.
impilação de provas a favor de um ponto de vista; a utilização tendenciosa de fact
mentários, sem qualquer declaração explícita de favoritismo; o uso de linguagem qui
tra cor a um relato de outro modo factual e transmitindo um implícito mas claro juízc
Ior; a omissão de argumentos a favor de uma parte numa reportagem supostamente impa
(McQuail, 1977, p. 107).
Hofstetter e Buss (1978, p. 518) rejeitam três potenciais definições de parcialidade
mira clara, a distorção através do ênfase dado mais a certos factos que a outros,
iltecimento de certos valores. Os autores consideram que embora sejam comuns cm polér
públicas, estes conceitos talvez não sejam muito úteis na investigação científica, i
mas e as sanções profissionais fazem com que a mentira e a distorção deliberadas seja
Doll e Bradlcy (1974, pp. 258, 262), por outro lado, abandonam a tentativa de deíinir
parcialidade. Em vez disso, tratam-na negativamente, como a ausência de objectividade, que
eles definem em termos quantitativos como igualdade de tempo c ênfase dado às posições dos
principais candidatos e partidos, o uso de linguagem neutral ou objectiva, a utilização de
provas para apoiar as conclusões apresentadas e fornecer um relato equilibrado, e a fuga a
afirmações gratuitas.
Apesar de tais variações na conceptualização e metodologia, os estudos da parcialidade
tendem colectivamente a aceitar os seguintes pressupostos:
1. Os media podem e devem reflectir, com exactidão, o mundo real, de uma maneira
justa e equilibrada. O conceito de parcialidade implica a possibilidade de um grau-
zero de relatos imparciais e objectivos. (Algumas vezes, este pressuposto é feito
explicitamente: «A detecção da parcialidade é crucial para a manutenção das insti
tuições democráticas e do direito do povo à informação política imparcial.'» (Vcja-
-se Hofstetter e Buss, 1978, p. 528.) O ideai da objectividade sugere que os factos
possam ser separados das opiniões ou juizos de valor, e que os jornalistas consigam
um a distanciação rclativamente aos acontecimentos do mundo real cujo significado
e verdade eles transmitem ao público através de uma linguagem neutra e competen
tes técnicas de reportagem. Assim, os media noticiosos ofereceríam o resumo fiel
dos acontecimentos mais noticiáveis do dia - os mais relevantes e interessantes
para o público. Os media imparciais dariam, quantitativa e qualitativamente, uma
cobertura equilibrada às perspectivas políticas legítimas em concorrência.
2. Os obstáculos potenciais mais importantes que se põem à apresentação de um relato
equilibrado e exacto daquilo que se passa no mundo são os preconceitos políticos ou
as atitudes sociais dos comunicadores, que permitem que os seus valores ou percep
ções selectivas tomam tendenciosa a sua reportagem.
3. Quando essas parcialidades surgem no conteúdo noticioso, elas podem prontamente
ser detectadas através de métodos existentes de leitura e descodificação.
4. A forma mais importante de parcialidade política ou ideológica nos media é o
favoritismo, propositado ou não, em relação a um candidato, partido, posição políti
ca ou grupo de interesses, em detrimento de um outro.
No capítulo anterior salientei a existência de uma tensão entre «equilíbrio e «não distor
ção» enquanto critérios práticos da objectividade. Eles também são incompatíveis a um nivel
epistemológico. Uma epistemologia relativista, manheimiana, sublinha a noção de que a
parcialidade é evitada através do equilíbrio entre visões do mundo antagônicas e incompatí
veis, cada um a das quais com a sua própria validade (limitada e parcial). Por outro lado, o
objcctivo de evitar a distorção pressupõe tuna afirmação positivista, não relativista, da veraci
dade dos factos inalterados, cuja visibilidade é temporariamente obscurecida pelo jornalista
tendencioso.
105
cm ica cpistem ológica notável Skirrow f 1 9 7 Q ^ ^« -lan u au e tem eStaa° sujeitas
>televisivas com base no descauilibrioé to™ ™ - sustenta rtue o ataque às
l a noticia im plicitamente depende - unw n lu ra^ T d Um ref° rǰ da própria ideia
la verdade. Skirrow argumento DOrZ L Í ' f d e d e p o n '<* de vista aproxima-nos
m a da B B C , que se « £ S JK , P ’ -que e absurd° sugerir, como faz um
iloração e do racism o». O programa em q L ^ ò ?«com ^bàl rd atl vamente aos pmblemas
nbaza», em que se descreve a nohrP 7 i ^ - abalançava» o filme «Last Grave
r «m a Pi tfe * z:*s r s~ “ ca í
na aparentem ente rica e feliz cidade de Soweto.» g passearem-se de
S r r r f tdeVÍSÍV0S * ^ ^ e q u iliirio i ’
osto as norm as governam entais de imparcialidade e às preocupações das estações associa
um i r í 97 SUStCnta que a aPrcsentação de pontos de vista antagônicos pelo iomalis
um dos vanos «ntuais estratégicos» da objectividadc, através do qual os trabalhadores d,
rm açao se protegem de nscos profissionais como as horas de entrega falhadas os proces
dc difam açao e as reprimendas dos superiores. Tais preocupações são eminentement
ticas c políticas, nao filosóficas. Todavia, embora os jornalistas relatem frequentement
•laraçoes antagônicas dc fontes sem tentarem verificar a sua validade, pode-sl consider;
:,h a ; pe' 0S m en° s- um a pretensão de verdade implícito numa tal justaposição. Por vezes
p íci o Epstein descreve o «modelo ‘dialéctico’ dominante para relatar os assuntos conto
rsos» do seguinte modo: orar
Hall (1982) considera também que essas conotações não são imutáves nem predetermi
nadas, como num dicionário, mas são, pelo contrário, mais um produto da luta política em
tom o da imposição de significações.
Os estudos que demonstram a inevitável mediação editorial e linguística dos aconteci
mentos deixam em aberto, todavia, a hipótese de os meios de comunicação social ficarem
separados dos acontecimentos que observam e noticiam. A esta última hipótese é contraposto o
argumento de que o mundo social e político não é uma realidade predeterminada e «dura» que
os media reflectem; este tem de ser construído socialmente. Além disso, longe de serem
observadores desligados, os media ajudam activamentc a construir esse mundo.
(*) Nota de tradução - Um tipo de assalto, nomeadamente às pessoas, que ocorTC, geralmente, na rua.
im
itos incluem os vanos media e os seus forma
iam a forma das instituições dominantes. No <
«são a força dominante à qual outras instituiçõ
so político», que se encontra agora «ligado inext
que o transformaram num prolongamento da sua ]
Não é necessário aceitar-se todo este determinism
es do jornalismo na sociedade e na política. Um e.
oorstin (1980, p. 11) rotulou de «pseudo-acontecim
reviamente, e que têm como desígnio primordial o :
rências de imprensa e a maioria dos discursos polític
os que são preparados para propagação mediática, o
a.
Além da produção deliberada de pseudo-acontecir
enciar as próprias tendências sociais e políticas que a
Assim, a televisão tem sido acusada de conroer a i
idades de candidatos presidenciais bem sucedidos,
ilho de Hall c seus colegas. Eles investigaram a internet
b)
rensa britânica; a crescente sensibilidade da polícia, <
ção a este crime aparentemente novo; c) o surto de
ciais do crime; e d) o aparecimento de um «pânico
iedade britânica. Sc apenas houvesse a comparação de tip
a estatísticas governamentais sobre o crime (como aconteí
noticias de crime nos jornais do Colorado realizado em 1
léctica. Além disso, correr-se-ia o risco de atribuir às estatí
uma preemincncia epistemológica, que se tem de compro'
Molotch e Lester (1974, p. 105) problematizam de umt
acontecimento e questionam explicitamente a noção da q
pende: a de que «os media são os repórteres-refleetore
ijectiva que lhes é exterior, constituída por factos do mundo
que conta como «acontecimento» é determinado socialmcn
que geralmente prestamos atenção. Um acontecimento, na
uma ocorrência (qualquer happening cognoscível) que é u
õsitos de demarcação temporal. As ocorrências tomam-se ai
oa utilidade para um indivíduo (ou organização) querendo or
istituições diferentes podem ter «necessidades de acontccim
ontraditórias, e por isso tentarão ordenar ou definir a realidat
aso, surge uma questão a resolver. Todavia, à exccpção de ac
ornados públicos por informadores não oficiosos), a maioria da
le rotinas que os detentores dos poderes políticos e burocrático;
Ip nrnntecimento» dos oromotores de notícias ffontes política;
happenings complexos em «casos» processualmente definidos, fomeccm os critérios de per
tinência e os mecanismos de demarcação temporal que definem os «acontecimentos» para os
media. Por exemplo, o jornalista faz a cobertura de «crime» como uma serie de casos
distintos, organizados burocraticamentc, cada um dos quais se inicia com a detenção (ou o
relato da perpetração de um crime) e acaba com a leitura da sentença. Ao invés, a organização
institucional da detecção de acontecimentos tem como resultado a criação de «não aconteci
mentos» que não podem ser vistos de acordo com o esquema institucional de interpretação,
mas sim de acordo com um outro esquema diferente. Assim, os media ajudam activamente
a constituir a realidade, quanto mais não seja por ampliarem e conferirem legitimidade à
estruturação dos processos sociais realizados pelas instituições político-burocráticas. Por isso,
não se consegue fazer um a distinção radical entre o mundo dos processos sociais e aconte
cimentos, e os media noticiosos que são supostos reflecti-los. Da forma que Hall a apresentou,
a realidade não pode ser entendida simplesmente como uma dada série de factos, mas como:
Assim, a linguagem (e os media) tem de ser encarada mais como um agente estruturador
do que como correia de transmissão neutral, que pode referir-se a um mundo de objectos não
discursivos. Como Hall (1982, pp. 70-71) refere, duas posições epistemológicas bastante
diferentes podem derivar deste argumento:
Uma posição kantiana ou neo-kantiana diría que, por esse motivo, nada existe excepto
aquilo que existe na e para a linguagem ou discurso. Outra leitura é a de que, embora o
mundo exista para além da linguagem, nós só o conseguimos compreender através da sua
apropriação pelo discurso.
Para B ennett (1982, p. 295), a tese de Hall de que os media ajudam a definir a
realidade social não é suficientemente radical, um a vez que «mantém vivo o conceito dos
media enquanto espelho, ao mesm o tem po que o contesta. «Ele quer elim inar fundam en-
talm cnte a distinção entre o domínio da realidade social e o domínio das representações,
109
pel dos «paradigmas» no desenvolvimento da ciência. Kultn sustenta que a ciência nunca
ã pela comparação directa de enunciados com os factos cmpiricos; ou melhor, evolui
o de um paradigma dominante - um conjunto que inclui generalizações simbólicas,
:tos «metafísicos» como a crença em modelos amplos, valores científicos c «exemplares»
é, os problemas concretos que os estudantes aprendem como parte da sua socialização
a disciplina científica). Para Kuhn (1970, p. 77), a falsificação de teorias através da
paração directa com a natureza é um mero «estereótipo metodológico». Embora nãc
onda directamente à questão, Kuhn pode ser entendido como dizendo que as teorias sã<
imensuráveis e determinam os seus próprios critérios de validade.
D e igual m odo, A lthusser argum enta que a adequação de um a problem ática
içada pela sua coerência interna, a sua sistem aticidadc. Assim, n a opinião de Sumnc
79, p. 181), a ciência para Althusser é «aquele campo de significação que estabelece :
ições de um a maneira mais sistemática, ou... aquele corpo de conceitos que melhor :
dica». Este gênero de posição levanta o espectro do idealismo e da teoricidade, e é vulner
à critica de que:
N a minha opinião, a primeira posição (kantiana) a que Hall aludiu tende para
eterminismo linguístico que exagera na autodetenninação da significação, e privilegia
emasia a semiótica à custa de outros aspectos da prática social. N ão parece ser necess
iceitar esta posição para rejeitar a pretensão de as notícias dos media ou reflectirem pas<
nente ou distorcerem activamente a realidade. Pode não haver, de facto, nenhum mund
:<factos concretos», prístinos, evidentes, situado fora dos limites do significado c da lingua;
sobre o qual o discurso jornalístico (ou científico) se debruce. E tem de admitir-se que
jornalismo participa activamente na luta pela significação dos acontecimentos, então, nó;
nos podemos limitar a acusar as notícias de «distorcem o seu verdadeiro significadc
entanto como Sumner defende, existem «relações sociais concretas». E para alguns pr(
As posições políticas determ inam a parcialidade noticiosa?
(*) Nota de tradução - Na acepção norte-americana do termo, ou seja. alguém que, em questões sociais, é
permissivo, tolerante e aberto à inovação e que defende também a intervenção do Estado para corrigir desigualda
des sociais.
111
do jornalismo em relação a uma fonte de informação tem pouco impacto nos seus escritos; de
facto, em algumas situações os estudantes esforçam-sc mais para contrabalançar as suas opiniões
pessoais (Kerrick, Anderson & Swales, 1964; Drew, 1975). Epstein (pp. 206-229) concluiu que
tanto os controlos dos networks como o próprio sentido de objectividade do jornalista inibem
efectivamente a introdução de opiniões pessoais nas reportagens televisivas. Diversos estudos de
análise de conteúdo parecem confirmar isto. Hofstetter (1976) e Robinson (1983), por exemplo,
encontraram reduzida parcialidade partidária na cobertura noticiosa das campanhas presidenci
ais de 1972 e 1980. Robinson (1978, p. 200), embora defendesse a necessidade de um redobrar de
atenções em relação ao figurino político, admitia que «muitas das pesquisas empíricas levadas a
cabo pelos cientistas políticos encontram poucos ou nenhuns dados para uma interpretação
política do conteúdo noticioso televisivo».
Com o seu passado de partidarismo e a sua não subordinação a regras de imparcialidade,
poder-se-ia esperar que a imprensa escrita apresentasse uma maior parcialidade, política nos
seus artigos. David Palctz e colegas (citados por Robinson, 1978, p. 202) verificaram que o
liberal New York Times dava uma «cobertura noticiosa invulgarmente positiva» ao grupo «de
interesse público», Common Cause, recentemente criado. Stcmpel (1969, p. 705) verificou que
quando jom ais de prestígio apoiavam um candidato durante as campanhas presidenciais dos
anos 60, ele tendia a ter mais espaço noticioso que os seus adversários. Todavia, as tradições
partidárias da imprensa têm-se esvanecido com o impacto da radiodifusão nas expectativas
noticiosas do público, o aumento crescente da propriedade dos media por parte de sociedades
anônimas, a enorme dependência nas noticias das agências noticiosas, e a necessidade econô
mica de atingir um mercado o mais vasto possível. Mesmo durante os anos 60, Stempel
verificou que espaços noticiosos iguais para os dois principais partidos era a norma. Evarts e
Stempel (1974) não vislumbraram em seis dos principais jom ais americanos qualquer correla
ção importante entre os apoios editoriais e a orientação das afirmações acerca dos democratas
e republicanos na cobertura da campanha de 1972. Como Black (1982, p. 214) apontou:
(•) Nota de tradução - O que começa cm situação de grande desvantagem c com menos hipóteses de
ganhar.
112
ílidade que c atribuída a «uma pequena cuque ue juumiisu» uv.
[uc partilham a mesma perspectiva politica, noticiam com preponderância o mesmc
o de provocações à autoridade estabelecida, c modelam depois as notícias de acordo con
us próprios compromissos políticos» (p. 269). Embora as notícias tenham origem despro
onadamente em poucas cidades, isso acontece mais por razões orçamentais e logísticas d<
por razões politicas. E uma vez que grande parte do protesto político dos anos 60 cstav
entrado cm Washington, Nova Iorque e Chicago, os networks noticiaram de modo des:
tais protestos, que iam ao encontro dos desejos de um público ávido de um «conflito entr
ios facilmente reconhcciveis». Finalmente, a necessidade por parte dos networks de «í.ac
Não há razão para se considerar que o item que se repete mais frequentemente ê o mais
importante ou o mais signiftcante, pois um texto é, evidentemente, um todo estruturado, e o
lugar ocupado pelos diferentes elementos é mais importante do que o número de vezes que
eles se repetem. (Burgelin, 1972, p. 319).
za os signiticantcs. A limitaçao a denolaçao e também
ie conteúdo tem de presumir que a denotação não é
ignificantes querem dizer a mesma coisa para toda a i
ntido, tem de pressupor «um universo comum de disc
n Sumner, 1979, p. 66). Como Hall (1982, pp. 61 e (
õc uma noção referencial da linguagem, na qual (atr
vras podem estar relacionadas directamcnte com os sr
>em mediática pode ser «entendida como um tipo
:1a pode «espelhar as intenções dos seus produtores
Um processo através do qual um ser humano emite uma mensagem que é recebida e
entendida no seu significado pretendido por um outro ser humano. A comunicação é assim
vista puramente como um processo interpessoal e interactivo em que o significado é transmi
tido, negociado ou modificado: os significados são criados e confirmados por sujeitos recí
procos, conscientes e interpretativos... (Por conseguinte) a questão da produção ideológica é
reduzida à questão da parcialidade consciente/inconsciente por «sujeitos comunicadores» e.
portanto, pré-concebidas, à identificação de temas frequentes que reflectem essa parcialida
de. (Sumner, 1979, p. 71).
117
irso nao «seja constituída por propriedades imanentes dos textos, mas por um sistema d<
õcs entre o texto e a sua produção, circulação e consumo» (Larrain, 1979, p. 140). /
ficação que os investigadores pretendem descobrir no conteúdo noticioso, sem se funda
tar numa apropriada teoria social da especificidade histórica e formas de aparecimento d
ideologia, e sem razão para partir do principio de que o público escolhe determinada
pretações dos textos noticiosos, pode ter sido produzida pelos próprios métodos e conjee
s dos investigadores (Sumner, 1979, p. 118; Anderson & Sharrock, 1979).
p arcialidade à ideologia
A nossa análise não se limita a afirmar que o noticiário televisivo «favorece» certos
indivíduos e instituições ao conceder-lhes mais tempo e realce. Essas críticas são incipientes.
A natureza da nossa análise é mais profunda: no fim de contas, ela refere-se à imagem da
sociedade em geral e da sociedade industrial em particular, que o noticiário televisivo
constrói. O mais grave de tudo isto é... o cidpar-se os trabalhadores pelos problemas econô
micos e industriais da sociedade.
120
seiccção, ênfase e exclusão, através dos quais aqueles que trabalham os símbolos organizam
geralmente o discurso, tanto verbal como visual». Assim, David Morley (1976, p. 246), que
estudou a cobertura dos conflitos industriais pelos media britânicos, argumenta que mais
importante do que o equilíbrio jornalístico é «o enquadramento conceptua! c ideológico básico
através do qual os acontecimentos são apresentados e em consequência do qual eles recebem
um significado dominante/primário». Morley documenta a cobertura noticiosa da greve do gás
de 1973, na qual:
121
« p r o b le m a » , c a d o m o t i v o crestes indivíduos (geralmente funcionários de instituições ourocratt-
c a s , o u p o l í t i c o s e le it o s d e a lt o rt iv c l) se outorgarem o direito de definir o problema. Por isso, pode
s e r c o n t r a p r o d u c e n t e i n s is t ir m c r a n i c n t e no facto de os jornalistas aderirem a fo r m e is de
i m p a r c ia li d a d e , p o r q u e e s s a a d e r ê n c ia pode simplesmente ajudar a tom ar a noticia ainda m ais
e f i c a z n a d i s s i m u la ç ã o d o seu enquadram ento ideológico subjacente.
A id e o lo g ia c o m o n a tu ra liza ç ã o
trt
mesm a ideia: a televisão divide os entrevistados em «adultos» discursivos que têm perm is
são de apresentar os seus casos pormenorizadaniente, e aqueles que são reduzidos à
posição de «crianças» que gritam slogans.
O realismo procura assim estabelecer uma identidade (ou, pelo menos, uma equivalên
cia) entre os significantes (grosso modo, as palavras ou outros símbolos), significados (concei
tos), e outros referentes cxtralinguísticos do «mundo real». Mas uma tal identidade é uma
ilusão, quanto mais não seja porque, numa língua, um significante não aponta univocamente
para um único significado que, por seu lado, esboça um único referente. Como Hartley (1982,
p. 22) afirma, «os signos não têm um ‘significado’ interno fixo, mas potenciais significados,
que se actualizam com o uso». Além disso, as diferentes línguas podem gerar grupos diversos
de significados, que «entrecortam» a realidade de várias maneiras. O exemplo mais conhecido
é o dos múltiplos conceitos que os Inuit têm em lugar do único conceito de neve da nossa
comunidade linguística. Os conceitos, ou os significados, são um produto da linguagem, não
são «entidades naturais, dadas à partida, que correspondem a partes distintas do mundo
exterior» (Hartley, p. 16).
No entanto, o realismo procura ocultar a produtividade da linguagem. Do mesmo modo
que o mercado capitalista, o realismo salienta o produto e reprime a sua produção. Não
importa que «o realismo seja produzido por uma certa utilização da linguagem, por uma
complexa produção; a única coisa que importa é a ilusão, a ‘estória’, o conteúdo»'(Coward &
Ellis, 1977, pp. 46-47). A narrativa realista não parece ser a voz de um autor; ou melhor, «a
sua fonte parece ser uma realidade autêntica que fala» (p. 49).
124
Num artigo na Screen, Coiin MacCabe (citado in Woollacott, 1982, p. 106) identificava
o «texto clássico realista» como aquele em que existe uma «hierarquia entre os discursos que
compõem o texto e esta hierarquia c definida em termos de uma noção empírica da verdade».
No romance realista, um discurso, o do narrador, é apresentado como a voz da verdade; os
outros discursos (por exemplo, os de personagens particulares) estão-lhe subordinados, à
margem, e são interpretados como perspectivas parciais. Na opinião de MacCabe, os traços
essenciais do «texto clássico realista» incluem:
125
•lido, mas as nossas situações particulares ou os propnos egos. t este melhoramei
ge empenho espiritual ou luta política, requer simplesmente a compra de mercadori
Uma substituição de valores ocorre. A noticia que se refere àquilo que dex eria
sas verdadeiras condições de existência transforma-se em algo quase imagináric
\te mediatizado e pontoado pela oclusão. A mensagem comercial, que è, na verdad,
sagem imaginária, passa a ser vista como o real, como uma parte integrante das i
s, a parte que nós conseguimos controlar e mudar. (Maaret Koskinen, citado in Ni
l,p p . 175-176).
127
mpor uma «política»? O crescente recrutamento nas escolas de jom
am o cntrincheiramento da objectividade enquanto norma panprof
mmentação de Tuchman (1972) acerca dos «rituais estratégicos» ter
sucesso, especificar o que a objectividade significa na prática joi
como Bruck salienta (p. 18), a sua adesão à ctnometodologia faz i
indiferente à questão da maior significação social das suas descobert;
lar, quais são as consequências da objectividade para a estruturação e
da informação, dos assuntos e das imagens, levados a cabo pelo jornal
130
2.a PARTE
A S TEORIAS
Introdução
de Nelson Traquina
Porque é que as noticias são como são? A colocação desta pergunta, que bem pode
resumir a preocupação principal dos artigos que compõem esta segunda parte, tem dois
pressupostos: 1) não é óbvio as noticias serem o que são; e 2) as noticias bem podiam ser
diferentes, aliás esta uma das criticas principais apresentada pelos países do Terceiro Mundo
no debate, ainda não muito distante, sobre a nova ordem da informação.
Ao longo de várias décadas e depois de muitos estudos, é possível verificar que as
«teorias» oferecidas para responder a esta pergunta são múltiplas; reconhecemos que a
utilização do termo «teoria» è discutível porque significa somente uma explicação interessan
te e plausível e não um conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições. De
notar, também, que estas teorias não se excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou
necessariamente independentes umas das outras.
A primeira resposta à pergunta - a mais antiga porque é essa que a própria ideologia
dominante do campo jornalístico (nos países ocidentais) apresenta e defende - é que as
noticias são como são porque a realidade assim as determina. Já apresentada no artigo de
Hackett na primeira parte da presente antologia e, agora, no artigo de Nelson Trá QUINA, a
teoria do espelho estipula que as noticias apenas reflectem o mundo exterior porque os
jornalistas são observadores neutros, porque os jornalistas, ainda mais obrigados pelas
normas profissionais, limitam-se a recolher a informação e a relatar os factos, porque, enfim,
os jornalistas são simples mediadores que «reproduzem» o acontecimento na noticia. E,
certamente, as noticias são um discurso centrado no referente, onde a invenção é uma
violação das mais elementares regras jornalísticas, onde «a realidade» não pode deixar de
ser um factor determinante do conteúdo noticioso. Mas esta teoria, intimamente ligada à
133
ros estudos sobre o jornalismo e. na maioria dos casos, sem qualquer intuito de afe
integridade dos seus profissionais.
Nesses estudos, o primeiro paradigma que surgiu fo i o do gatekeeping, definido
um processo através do qual as mensagens existentes passam por uma série de árt
decisão (gMcs) até chegarem ao destinatário ou consumidor. O termo gatekeeper refer
pessoa que toma a decisão e fo i introduzido pelo psicólogo social Kurt Leivin num a
publicado em 1947, sobre as decisões domésticas relativas à aquisição de alimentos p
casa. Da MD M a XXI.XGHVITE fo i o primeiro a aplicar o conceito ao jornalismo, origii\
jssim uma das tradições mais persistentes e proliferas na pesquisa sobre as noticia
íerspectiva do gatekeeping o processo de produção da informação é concebido como
érie de escolhas onde um fu x o de noticias tem de passar por diversos «portões» (osfan
ateSyl que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista fgatekei
•m de decidir se vai escolher essa noticia ou não, ou seja, a noticia acaba por passar
torrão» ou a sua progressão é impedida, o que na prática significa a sua «morte» (a no
to será publicada, pelo menos, nesse órgão de informação).
Publicado em 1950, o já clássico estudo de White baseia-se numa pesquisa sob,
tividade de um jornalista de meia-idade num jornal médio norte-americano, Mr. Gates,
otou, durante uma semana, os motivos que o levaram a rejeitar as noticias que não uso,
iclusão de White é que o processo de selecção é subjectivo e arbitrário; as decisões
ialista eram altamente subjectivas e depedentes de juízos de valor baseados no «conju
experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper. Assim, numa teoria que Schud
19) designa de «acção pessoal», as noticias são explicadas como um produto das pessi
s suas intenções. Esta explicação psicológica e a visão limitada do processo de prodih;
dística como um processo exclusivamente de selecção de noticias já existentes acaba
>or ser contestadas, inc/usivamente utilizando os próprios dados do estudo de Whi
õmbs e Shaw (1976) e Hirsch (1977) reanalisaram os dados de White e apontaram
Hiança das proporções de noticias das diversas categorias utilizadas peto setriço a
tias e as noticias seleccionadas por «Mr. Gates». Hirsch concluiu que o jornalis
tu a sua liberdade dentro de uma latitude limitada e que a grande maioria das razõ
vitadas p o r «Mr. Gates» reflectiu o peso de normas profissionais e não razões subjec,
han estudo precedente, publicado seis anos depois do estudo de Ithite, sobre i
stas com a responsabilidade de seleccionar as noticias das agências, Gieber (195t
as conclusões de White. Gieber concluiu que o factor predominante sobre o trabalh
stico era o peso da estrutura burocrática da organização e não as avaliações pessoai
alista, as quais «raramente» entraram no processo de selecção. Noutro artigo, Giebe
tscreveu que as noticias só podem ser compreendidas se houver uma compreensão da
sociais» que infuenciam a sua produção.
precisamente numa revista com o mesmo nome, Social Forces, que WARREN B reel
r o primeiro estudo que alargou a perspectiva do gatekeeper a um outro nível dt
inaugurando assim uma nova tradição de pesquisa que podemos designar de «teoria
ti va» a nunl vê o nroduto iornalistico como sendo essencialmente um produto duma
corpo de pesquisa, denominado de ncwsmaking. No seu também já clássico estudo publicado
cinco anos depois do artigo de White, Breed insere o jornalista no seu contexto mais imedia
to, na organização para o qual trabalha, e sublinha a importância dos constrangimentos
organizacionais sobre a sua actividade profissional. Este autor considera que o jornalista
conforma-se mais com as normas da política editorial da organização do que com quaisquer
crenças pessoais que ele tivesse trazido consigo, ou com idéias éticas. Utilizando a análise
funcional de Merton, Breed identifica seis factores que promovem o conformismo com a
política editorial da organização: !) a autoridade institucional e as sanções; 2) os sentimen
tos de obrigação e de estima para com os superiores; 3) as aspirações de mobilidade
profissional; 4) a ausência de grupos de lealdade em conflito; 5) o prazer da actividade,
nomeadamente a cooperação entre jornalistas, as tarefas interessantes e as gratificações não
financeiras; e 6) as próprias noticias como valor. Breed reconhece que pode haver muitas
variações entre organizações e, sobre este ponto, identifica a segunda variável, os sentimen
tos de obrigação e de estima, como aquela que é determinante.
O artigo levanta a questão central da liberdade do jornalista. Nesse ponto, Breed
reconhece que um determinismo, ou melhor dito, um «dictatorialismo» organizacional seria
de difícil implementação devido à natureza do trabalho jornalístico e a um mínimo de
autonomia profissional que ela exige. Ainda mais, qualquer tentativa de obrigar o jornalista
a seguir uma dada política constituiría um tabu ético e uma clara afronta a um dos pilares
da legitimidade profissional, a independência do jornalista. A perspectiva do Soloski sobre
as normas profissionais são neste contexto particularmente interessantes.
Embora o autor não deixe de utilizar o termo «controlo social» para intitular o seu
estudo e, certamente, referir-se às punições e às reprimendas, Breed acentua a natureza
subtil, mesmo invisível, de um processo de socialização designado «por osmose». Escreve
Breed: «Em termos sociológicos, isto (a aprendizagem por osmose) significa que se sociali
zam e 'aprendem as regras' como um neófito numa subcultura». E, nessa «subcultura», as
próprias notícias como valor actuam como elo para cimentar os laços de solidariedade entre
os membros da organização, em particular entre os executivos e os staffers, ou seja entre a
direcção e a redacção. Breed escreve: «Qualquer potencial conflito entre os dois grupos...
seria prontamente dissipado, dado que a noticia é um valor positivo.» Assim, Breed estipula
que os seis factores contribuem para a formação de um grupo de referência, os colegas e os
superiores do jornalista. Sensivelmente duas décadas depois do estudo de Breed, uma outra
tendência dentro dos estudos de ncwsmaking irá valorizar a importância da cultura profissi
onal dos jornalistas e as suas práticas rotineiras: designamos esta tendência como a «teoria
construcionista».
O artigo de NELSOS' Traquixa pretende apresentar uma síntese global das idéias
centrais da literatura do newsmaking. Rejeitando a teoria do espelho e criticando o
«empiricismo ingênuo» dos profissionais, Traquina escreve que os jornalistas não são sim
ples obsenadores passivos mas participantes activos no processo de construção da realidade
(um ponto que será igualmente sublinhado no artigo de GüREVtTCH e B lumler). Segundo o
autor, as noticias acontecem na conjuntura de acontecimentos e textos. Enquanto o aconteci
mento cria a noticia (porque as noticias estão centradas no referente), a noticia também cria
o acontecimento (porque è um produto elaborado que não pode deixar de reflectir diversos
aspectos do próprio processo de produção). Assim, as noticias registam os constrangimentos
organizacionais que condicionam o processo produtivo, bem como as rotinas criadas para
135
controlar a anarquia inerente à actividade jornalística, devido à dupla natureza da matéria-
prima do trabalho jornalístico, isto é, os acontecimentos podem ocorrer a qualquer momento
e em qualquer lugar. Recordando o trabalho de Tuchman (1978), as empresas jornalísticas
tentam impor ordem no espaço e no tempo. Nesse sentido, as empresas jornalísticas tentam
planear o futuro através do seu serviço de agenda e estendem uma «rede» fnews netj para
«capturar» os acontecimentos, criando assim rotinas que são indispensáveis para realizar o
seu trabalho e cumprir as horas de fecho. Igualmente, segundo o autor, as noticias registam
as formas literárias e narrativas utilizadas pelos jornalistas para organizar o acontecimento,
um ponto que será amplamente desenvolvido na terceira parte desta antologia mas que o
artigo de Gurevitch e Blumber também aborda.
As duas teorias, a teoria organizacional e a teoria construcionista, fazem ambas parte
da literatura do newsmaking. Concordam ambas que as noticias são o resultado de processos
de interacção social e de uma série de negociações, e chegam ambas a conclusões semelhan
tes em relação ao papel político das noticias. No entanto, distinguem-se por três motivos.
Primeiro a teoria construcionista desce no seu nível de análise, do nível interno ao nível
interior, ao sublinhar a importância da ctdtura profissional como factor determinante, factor
esse que é também transorganizacional. Segundo, a teoria construcionista dá ênfase às
práticas diárias e aos procedimentos rotineiros, que procuram fornecer um fhvco constante e
seguro de noticias. Terceiro, a teoria construcionista examina em maior detalhe as relações
entre os jornalistas e as fontes de informação, considerando estas uma componente funda
mental do processo de produção. A conclusão geral das duas teorias é que a conexão entre
fontes e jornalistas fa z das noticias uma ferramenta importante do governo e das autoridades
estabelecidas (Schudson, 1989) e que as noticias, em geral, tendem a apoiar as interpretações
oficiosas dos acontecimentos controversos (Tuchman, 1991). O artigo de Traquina aponta
algumas razões para esta conclusão geral dos estudos do newsmaking e realça igualmente a
ligação intima entre o jornalismo e o factor tempo. Segundo Traquina, o factor tempo
influencia a cobertura jornalística dos acontecimentos e constitui em si um critério de
noticiabilidade, podendo servir como «cabide» para pendurar a noticia ou actuar como
justificação devido ao conceito de «actualidade». Mas, ainda mais importante, em virtude
das suas consequências sobre o tipo de saber que as noticias podem fornecer, a tirania do
factor tempo exige uma ênfase sobre acontecimentos e não sobre problemáticas, o que toma
difícil qualquer trabalho «reflexivo» sobre os acontecimentos (um ponto que, aliás, é também
referido no estudo de Gurevitch e Blumler, quando esses autores apontam o fracasso da BBC
em produzir um produto jornalístico mais «reflexivo» sobre a campanha eleitoral britânica
de 1979). Devido ao fa d o de as noticias serem definidas na cultura ocidental como essencial
mente uma resposta à pergunta «o que há de novo?», as notícias são elaboradas num quadro
temporal muito limitado e são «servidas» o mais rapidamente possível. As noticias dificilmen
te podem dar uma resposta a perguntas de «como?» e «porquê?». Esse mesmo ponto é
sublinhado por P hilip S chlesíNGER no seu artigo quando escreve que as noticias são virtual
mente foreground («primeiro plano») com muito pouco background. Assim, o autor conclui:
«As noticias, como surgem diariamente, e como são concebidas, estão em oposição radical à
história. De facto, o sistema do ciclo diário noticioso tende para abolir a consciência
histórica, criando uma perpétua série de foreground à dista da profiindidade e do background.
O objedivo declarado do estudo etnográfico de Schlesinger é chamar a atenção para o
factor tempo como factor central na produção das noticias. O autor escreve que «estudar os
136
Schlesinger descreve a orgaruzaçao jornalística como uma «maquina do tempo». O fai
tempo é central para os jornalistas de diversas maneiras: o conceito de «actualidade
horizonte temporal do dia noticioso (o ciclo das 24 horas, a semana). o dia jornalii
marcado por uma série de d eadlines. a tipificação dos acontecimentos devido à sua reii
com o tempo fsp o t new s, ru n n in g story), a quase mística ligação à «cacha» jomalistit
importância do valor da rapidez e, por isso, o culto do «imediatismo», ou seja. o valor dl.
iproximação temporal entre a noticia e o acontecimento, cuja expressão máxima ;
•ntão, o «em directo». Certamente o facto de as noticias serem uma mercadoria cujo va
ieteriora rapidamente explica a importância do factor tempo, mas Schlesinger sublinli
i ligação entre o jornalismo e o factor tempo é mais profunda porque faz parte do p
nraizamento cultural do jornalista. É uma forma de feticliismo em que a obsessão
impo marca o jornalista duma forma especifica e única. A luta de cumprir as horas di
vencer o impre\'isto influencia as próprias concepções que os jornalistas têm <
'ofissão. criando um imaginário mitico e romantizado. Schlesinger escre\'e: «A r
npregada pelos jornalistas na descrição das suas actividades diverge da realidade o
t. De um modo geral, a situação de produção está longe de ser caótica, senão a u
perficial. A sua base racional aponta para o controlo e a previsão, enquanto aqui
!a trabalham lotcvam a contingência.» Mais ainda, o desafio de cumprir a hora t
õe a velha adrenalina a correr» e fa z parte do gozo e do perigo da profissão que
ibalho jornalístico emocionante. Em última instância, vencer o tempo é a demo
tis da ra da competência profissional do jornalista. Na análise que fa z do produto joi
BBC. Schlesinger demonstra a importância do factor tempo no noticiário telcvi
constitui um indicio de noticiabilidade e, possivelmente, do status do jornali
tbém é um fa c to r critico na própria construção do noticiário como forma cultural
D e fo n n a semelhante, também, Michael Gure\’itch e Jay G. Blumler utilizt
irdagem etnomelodológica, aliás um traço comum em muitos dos estudos do ne
m particular, dos proponentes da teoria construcionista (ver Tucliman, 1978,
0; Altheide, 1976) . Segundo Schlesinger ( 1980) , a abordagem etnometodológi
r observação teoricamente m ais informada sobre as ideologias e as verdadeir
ais que constituem a produção cultural, bem como sobre os m om entos de crise
Í8,r qualquer visão m ecânica do processo de produção. A crescenta ainda qtti
gráficos estão necessariam ente interessados na cultura jornalística, fa c to alii
? no artigo deste m esm o autor incluído nesta antologia. Com o Schlesitií
tvitch e B lu m ler estudaram a BBC, nom eadam ente a cobertura fe ita pela BB<
legislativa d e 1979. E, com o está explicitado no próprio título do artigc
nem claram ente a perspectiva do produto jornalístico com o um a construçã
A natureza bifacetada do trabalho jornalístico sobressai neste artigo a
1permanente: é a tensão constante entre o caos e a ordem, a incerteza
vidade e o constrangimento, a liberdade e o controlo. Mas Gurevitch e Blu
pie um padrão emerge e esse padrão reflecte a necessidade de fornecí
Os autores identificam tres factores determinantes do produto jornalístico so
campanha eleitoral. Primeiro, a logística da cobertura estabeleceu uma predominânc
«centro» — a sala de redacção da BBC que os próprios jornalistas designaram co
«oficina» - sobre a «periferia», onde os •<actores políticos» actuavam. A predominânc
«centro» tinha várias consequências sobre o produto jornalístico: a) a cobertura era cond
a partir do «centro», numa inversão da «verdadeira» ordem, diminuindo assim o pap
repórter: b) factores técnicos, o factor tempo, os critérios de noticiabilidade e as pró
rotinas resultaram numa grande concentração do trabalho jornalístico em algumas, po
fontes de informação, que utilizavam várias estratégias de promoção nos seus esforçi
«gerir» as noticias; c) o «centro» emana as instruções durante todo o process
produção,orientando a própria cobertura em função dos requisitos do produto a consti
as normas estabelecidas exteniamente. A conclusão dos autores é peremptória: «Em sui
'vidente que a cobertura eleitoral realizada pelo noticiário televisivo tornou-se numa o;
•ão extremamente rotinizada.»
Segundo, todo o processo de produção é marcado pelo objectivo de produzii
oacote» unido, uma construção coerente. Assim, o «centro» procurava a elaboração d
oticiário que encotporasse urn tema geral e uma das principais preocupações da equipe
busca de uma Unha de narração unificadora. A luz das leituras da primeira parte c
to/ogia, é curioso notar a resposta de um jornalista à questão de saber como isso era j
'■onfiamos bastante nos nossos instintos.» Mesmo sem tema, outra preocupação na con.
o do produto jornalístico era a de fornecer elos de ligação adequados para dar a intf
> de unidade. E aqui, um jornalista inquirido falou da «forma especial de lógica >
ialista. Também a necessidade de responder às normas externas, nomeadamente de eq
> partidário, demonstra, de novo, a qualidade construída do noticiário porque, c
■evem Gurevitch e Blumler. contribuiu inevitavelmente para moldar a form a do notici
que os jornalistas confrontavam-se constantemente com o problema de comojustapo
rsos ingredientes partidários num pacote profissional).
Terceiro, as normas externas para assegurar um equilíbrio entre os partidos polit
Aiciário criavam uma tensão constante com os critérios jornalísticos de noticiabilidi
vecisavam de ser «corrigidos» com a utilização de um sistema cronométrico p
qir a equidade matemática numa proporção bem especifica. Os autores explicam
vnas que essa norma externa criou aos jornalistas, embora o estudo indique qu
o alinhamento do noticiário ainda era regido por critérios jornalísticos e não buroí
ou seja, o fa c to de ser noticia de abertura era uma conquista obtida pelos promote
trios, em fu n çã o de critérios jornalísticos, e não um direito garantido p o r critei
strativos.
"urevitch e Blum ler comentam que a elaboração do pacote tem as suas consequencí
t as noticias que não encaixam no produto construido e cristaliza a campanha
em delimitados. Assim, os jornalistas ajudam a «orquestrar» a campanha e a pron
rnunicação interpartidária, porque os políticos são levados a comentar as aftrmaçi
os dirigentes recotrendo aos jornalistas. Mas, consideram os autores, os jornalts
nrniinr nv Inum s de tais nroezas porque a sua ideologia os relega para i
Na teoria conspiratòría, ou, melhor dito, nas teorias conspiratôrias, o papel dos jorna
listas varia de inteireniente determinante (e, por isso, o bode expiatório dos males do produto
jornalístico) a simples executante à ordem de outros (a versão presente nesta antologia). Em
relação à primeira vertente, já o artigo de Hackett se referiu às teorias conspiratôrias de
esquerda e de direita (Kristol, 1975; Efron, 1971; Licltter e Rothman, 19SI), que argumentam
que os jornalistas constituem uma nova classe com claras parcialidades políticas que
«distorcem» as notícias. Dentro desta perspectiva, alguns autores, nomeadamente Gans (1979),
defendem a posição de que o jornalista atrai uma certa espécie de pessoas, originárias da
mesma classe social, para os seus corpos redactoriais.
A teoria conspiratòría defendida no artigo de Edward s. HERMAS coloca-se não ao
nível interior (os valores e preconceitos dos jornalistas), não ao nível interno (a organização),
mas ao nível externo, explicando o conteúdo das noticias cm função do econômico e do
político (os interesses do governo), Herman analisa dois conjuntos de acontecimentos de
política internacional, nomeadamente as invasões do Camboja e de Timor, e as eleições de El
Salvador e da Nicarágua. A sua tese é que acontecimentos similares tiveram uma cobertura
diversa na imprensa norte-americana, mas essa diversidade é bem limitada porque esconde a
natureza propagandistica das noticias no seu papel ideológico em defesa dos interesses do
capitalismo norte-americano. No seu modelo «propagandístico» de inspiração marxista, con
sidera que o conteúdo noticioso é determinado por certas propriedades estruturais dos media,
em particular a sua ligação ao negócio e ao governo; as noticias servem os interesses do
poder estabelecido. E servem esses interesses devido ao facto de que as noticias são produzi
das por uma indústria altamente concentrada, que essas grandes empresas estão dependentes
da publicidade, que as noticias precisam das autoridades governamentais como fontes de
informação. A conclusão do autor é radical: A credibilidade dos meios de comunicação de
massas deriva das suas divergências ocasionais com as instituições estabelecidas e do seu
comportamento homogêneo que surge «naturalmente» da «estrutura industrial, de fontes
comuns, ideologia, patriotismo e do poder do governo e das fontes principais dos media para
definir a noticiabilidade e os enquadramentos do discurso. A autocensura, as forças do
mercado e as normas das práticas noticiosas podem produzir e manter uma perspectiva
particular tão eficazmente como uma censura formal do estado (redondo acrescentado)».
Assim, segundo Herman, a cobertura noticiosa pode ser encarada como uma «cainpa-
ilha de propaganda» que é activa quando os interesses assim o determinam, impondo esse
assunto na «agenda» do público (o caso do Camboja); ou, pelo contrário, os acontecimentos
podem ser tratados com «benigna negligência» (o caso de Timor). No estudo sobre o segundo
conjunto de acontecimentos (as eleições de El Salvador e da Nicarágua), Herman demonstra
como o mesmo tipo de acontecimento è enquadrado de forma diferente (e é particularmente
interessante a sua utilização do termo «pacote» que, como acabámos de ver, também fo i
utilizado por Gure\’itch e Blumler), através da escolha de tópicos que são abordados e das
fontes que são mobilizadas.
A teoria estruturalista também sublinha o papel ideológico dos media mas critica a
posição de que os m edia transmitem a ideologia da «classe dirigente» de uma form a
conspiratòría devido à estrutura de propriedade capitalista, porque reconhece a «autonomia
relativa» dos jornalistas em relação a um controlo econômico directo. No entanto, no seu
artigo. S tuarthall , Chas Curitcher, To n y J efferson, J ohn Clarke e B rian RO bertssõo
bem claros: «Neste momento, os media - embora involuntariamente, e através dos seus
y/aiica e laeoiogia pvojissional cios jornalistas», do próprio momento de «construção» qm
involve um processo de «identificação e contextualização» onde «mapas» culturais do mun
lo social são utilizados para dar sentido aos acontecimentos. Este último processo - ur,
ionto-chave de toda a escola culturalista britânica da qual Stuart Hall é um dos nome
onantes - não só pressupõe a natureza consensual da sociedade como sublinha o papel de
loticias no reforço da construção da sociedade como consensual. Os «mapas de significado
ncorporam e reflectem os valores comuns, formam a base dos conhecimentos culturais e si
■tobilizados no processo de tornar um acontecimento inteligível. Assim, para Hall et al„
apel dos media è crucial: «Os media definem para a maioria da população quais i
contecimentos significativos que ocorrem mas, também, oferecem poderosas interpretaçõ
é como compreender esses acontecimentos.» Na terminologia da escola culturalista britâi
3 (não utilizada neste artigo), recorrendo a Gramsci (1971), as noticias, como parte
rodução da indústria cultural, cotwibuem para a «hegemonia ideológica» (ver Hall 191
■itlin, 1980).
A teoria estruturalista de Hall et al. diverge das teorias construcionista e organizador
? apontar como crucial a relação estrutural entre os media e os chamados primary dcfint
tcrevem Hall et al.: «A relação estruturada entre os media e os definidores primàr
stitucionais è tal que permite aos definidores institucionais estabelecer as definições in
s ou as interpretações primárias do assunto em questão. Esta interpretação 'comanda U
campo ’ e estabelece os termos de referência dentro dos quais toda a restante cobertura
•bate toma lugar.» Os autores estudam o processo de controlo ideológico nos casos
bertura noticiosa de crimes e, em particular, de muggings (assaltos pessoais); demonst,
o só um processo dinâmico em termos dos valores-noticia utilizados mas sobretudo «>
'ação de reciprocidade» entre os media e os primary definers que fecha um circuli
ontrolo ideológico».
H all et al. têm o cuidado de admitir que este processo não está totalmente fecl
ando reconhecem que: 1) os m edia são institucionalmente distintos das «outras agêi
Estado»; 2) os m edia possuem os seus próprios motivos e lógicas que podem levar a ei
conflito com os prim ary definers; 3) as instituições que compõem a estrutura do p
iem entrar frequentemente em disputas. Mas estes factores, que qualificam como «r
», são minimizados e não põem em causa o ponto-chave desta teoria: a tendêncic
valece, apesar de todas as contradições, é a reprodução da «ideologia dominante,
te dos m ed ia Escrevem os autores: «Efectivamente, então, as primeiras definições
n a ry definers^ estabelecem os lim ites para toda a discussão subsequente atrav,
uadram ento da natureza do problem a (redondos dos autores)». É também este determi
distingue a teoria estruturalista da teoria construcionista, que encara a imposição i
profissionais do campo jornalístico. Uma tarefa importante no estudo das noticias é respon
der à questão de saber quais são os recursos determinantes que os promotores devem possuir
na sua interacção com os jornalistas para impor os seus acontecimentos e problemáticas na
agenda (dos jornalistas e, por consequência, na agenda pública) e fazer passar os seus framcs
na luta simbólica em torno do processo de significação. O conceito de negociações tem o
mérito de corrigir o que parece ser um excessivo determinismo nalgumas abordagens deste
complexo processo. De notar, também, que certos valores-noticia (pessoas, elites, infracção
das leis) combinam para colocar na agenda pública assuntos que alguns promotores bem
preferiam silenciar. Acrescentamos ainda que poderá ser útil dar mais atenção ao grau de
autonomia dos jornalistas e à força mitológica da própria ideologia profissional. Na elabora
ção de uma teoria das noticias, estas considerações devem ser equacionadas na investigação,
permitindo talvez reequilibrar a análise da relação entre o poder instituído e o «Quarto
Poder».
141
O gatekeeper:
uma análise de caso
na selecção de notícias (') (**)
Foi o falecido Kurt Lewin, verdadeiramente um dos grandes cientistas sociais do nosso
tempo que usou o termo gatekeeper aplicado a um fenômeno que tem importância considerá
vel para os estudiosos das comunicações de massas. No seu último artigo (Lewin, 1947), antes
da sua morte prematura, o Dr. Lewin salientou que a passagem de uma noticia por determina
dos canais de comunicação estava dependente do facto de certas áreas dentro dos canais
funcionarem como gates. Levando a analogia ainda mais longe, Lewin afirmou que certos
sectorcs dos gates são regidos ou por regras imparciais ou por um grupo «no poder» tomar a
decisão de «deixar entrar» ou de «rejeitar».
Compreender o funcionamento do gate, ainda segundo Lewin, seria equivalente a com
preender os factores que determinam as decisões dos gatekeepers, e sugeriu ainda que a
primeira tarefa de diagnóstico é a descoberta dos verdadeiros gatekeepers.
A finalidade deste estudo é examinar de perto o modo como um dos gatekeepers dos
complexos canais de comtmicação controla o seu gate.
W ilbur Schramm fez uma observação fundamental para este estudo quando escreveu que
«nenhum aspecto da comunicação é tão impressionante como o enorme número de escolhas e
rejeições que têm de ser feitas entre a formação do símbolo na mente do comunicador e o
aspecto de um símbolo afim na mente do receptor». (Schramm, 1944) Para dar um exemplo
disto em termos de noticia, vamos considerar uma audiência do Senado com um a proposta de
(') O autor agradece as sugestões do Dr. Wilbur Schramm durante a preparação deste artigo, bem como a
assistência do Sr. Raymond F. Stewart.
(*) Reedição de: Journalism Quarterly (Vol. 27, N.° 4, 1950). «The Gatekeeper: A Case Study in the
Sclection of News», de David Manning White. Direitos de autor: Association for Education in Journalism and Nlass
Communication. Reedição com a aprovação do editor.
lei sobrê a ajuda federal para a educação. Na audiência estarão presentes repórteres das várias
agências noticiosas, correspondentes de Washington de jornais de grande tiragem que mantêm
as redacções importantes na capital, bem como repórteres de jom ais locais. Todos estes
formam o primeiro gale no processo de comunicação. Eles têm de fazer o julgamento inicial
se a «estória» é ou não «importante». Depois, é só ler as notícias de dois jom ais cujas atitudes
editoriais difiram grandemente no que diz respeito à ajuda federal para a educação, para
perceber que os gatekeepers têm um papel importante desde o início do processo. O apareci
mento da «estória» nos jom ais de Chicago Tribime e Sun-Times pode bem mostrar algumas
diferenças de tratamento. É evidente que o acontecimento físico presente da audiência do
Senado (que poderiamos chamar acontecimento-critêrió) é relatado por dois repórteres com
duas estruturas perccptuais diferentes e que os dois homens dão à «estória» quadros diferentes
de experiências, atitudes e expectativas.
Assim, um a noticia é transmitida de um galekeeper para outro na cadeia de comunica
ções. Do repórter para o responsável do rewriting, do chefe de secção para os redactores
responsáveis pelos «assuntos de Estado» de várias associações de imprensa, o processo de
escolha e de rejeição não pára. E, finalmente, chegamos ao nosso último galekeeper, aquele
que é objecto do nosso estudo. É o homem que é habitualmente conhecido como o redactor
telegráfico do jornal não metropolitano. Ele tem a seu cargo a sclccção das notícias nacionais
c internacionais que aparecerão na primeira página e seu posterior desenvolvimento nas
páginas interiores, bem como a sua composição.
O nosso galekeeper anda por volta dos 40 anos de idade, que depois de, aproximada
mente, 25 anos de experiência como jornalista (não só como repórter mas também como
revisor) é agora o editor telegráfico de um matutino com um a tiragem aproximada de 30 000
exemplares numa cidade do Midwest de 100000 habitantes altamente industrializada. Tem
como tarefa fazer a selecção diária da avalanche fornecida telegraficamente pela Associated
Press, pela United Press e pela International News Service, daquilo que 30 000 famílias irão
ler na primeira página dos seus matutinos. Ele também faz a revisão e escreve os títulos para
estes artigos. O seu trabalho é parecido com aquele que os jornalistas têm por todo o país em
centenas de jom ais não metropolitanos (:). E, em muitos aspectos, ele é o galekeeper mais
importante de todos, pois se rejeitar uma notícia, o trabalho de todos aqueles que o precede
ram, relatando-o c transmitindo-o, fica reduzido a zero. É óbvio que a notícia podería ter
«terminado» (no que diz respeito à sua transmissão subsequente) em qualquer dos gales
anteriores. M as partindo do princípio que o mesmo passou em todos cies, é óbvio que este
redactor telegráfico defronta-se com um quadro extremamente complicado de decisões a
tomar, tendo cm conta o número limitado de noticias que pode utilizar.
O nosso objectivo neste estudo era determinar porque é que o editor telegráfico seleccio-
nava ou rejeitava os artigos fornecidos pelas três agências noticiosas (e transmitidas pelo
galekeeper acima dele, em Chicago) e, assim, obter algumas noções acerca do papel genérico
do galekeeper nas áreas das comunicações de massas.
Para este fim obtivemos a total cooperação do «Mr. Gates», o editor telegráfico acima
mencionado. Não era difícil descobrir aquilo que o «Mr. Gates» seleccionava do monte de
(3) A maioria dos ccrca dc 1780 diários deste pais encontra-se, em grande parte, nas cidades mais pequenas
e que nào recebem as linhas telegráficas principais das agências noticiosas. A sua dependência numa única linha
«estatal» que emana telegraficamente das cidades maiores coloca, assim, uma grande responsabilidade nas mãos do
redactor telegráfico.
QUADROI
Política
Estatal 565 4.7 88 6.8
Nacional 1722 14.5 205 15.8
Interesse
humano 4171 35.0 3012 3.2
Internacional
Política 1804 15.1 176 13.6
Economia 405 3.4 59 4.5
Guerra 480 4.0 72 5.6
Nacional
Agricultura 301 2.5 78 6.0
Economia 294 2.5 43 3.3
Educação 381 3.2 56 4.3
Ciência 205 1.7 63 4.9
144
" “ " “ i iv u u » iiu 3 « iiu iijtx u a titiu u y u u u t u ç .iu i;> L j u t a i U O U J ilta s C JU C S C U c p a r «
(•) Neste e noutros casos onde nenhum número se segue à razão, significa que a mesma só foi apresentada
uma vez.
146
ia» e feita 221 v e z e s , e u m a p a re c id a « b o m — se h o u v e s s e e s p a ç o » e fe ita 1
e re c a e m n a c a te g o ria m e c â n ic a sã o « u s a d a a rN S - m a is c u rto » o u « u sai
o » . M e s m o a té n e s ta c a te g o ria , e n c o n tra m o s ju iz o s d e v a lo r s u b je c tiv o s
i ? — m e lh o r a rtig o » o u « u s a d a a I N S — le a d m a is in te re s s a n te » ,
te m o s a lg u m c o n h e c im e n to p r e lim in a r d o m o d o c o rn o o « M r . G a te s » sel«
; n o tíc ia s p a ra a s u a p r im e ir a p á g in a e s u b s e q u e n te d e s e n v o lv im e n to
s e rá ta lv e z in te r e s s a n te e x a m in a r a s u a a c tu a ç ã o n u m d ia e s p e c ific c
n tn d a a q u a n tid a d e e o tip o d e n o tíc ia s q u e a p a r e c e r a m n a p r im e ir a p á e
e d ita d a s p e lo « G a te s » p a r a o d ia 9 d e F e v e r e iro d e 1 9 4 9 . O q u a d r o 4 n
d e s p a c h o s ( c la s s if ic a d o s e m tip o d e a r tig o ) r e c e b id o s , m a s n ã o u tiliz a '
a s e m a n a , e m p a r tic u la r , o ju l g a m e n t o d o c a r d e a l M in d z e n ty tev e
r o r p a r te d o s j o r n a i s d c to d o o te r ritó r io e a s a g ê n c ia s n o ti c i o s a s a p re
s a c o b r ir e m to d a s a s f a s e s d o c a s o . A s s im , f a z e n d o u m a c o m p a r a ç
os e d a s n o tíc ia s q u e s a ír a m , n ã o d e v e s e r d e a d m i r a r q u e t e n h a m s id
te p e r t e n c i a m à c a t e g o r i a d e in te r e s s e h u m a n o . N o e n t a n t o , m e s
' M in d z e n t y , o « M r . G a t e s » u t i l i z o u r a z õ e s m u i t o s u b j e c t iv a s n a s u ;
p a rtie u la rm e n te in te re s s a n te a s u a o b s e rv a ç ã o n u m a rtig o d a A ss
to u c o m o c o m e n tá r io « P a s s a ria , fa z p r o p a g a n d a a si p ró p rio » . A
á r a ç ã o d e S a m u e l C a r d i n a l S t r i t c h , q u e d i z i a : « É m u i t o t r is t e q u e a
n ã o fo rn e ç a m a s f o n te s d e in fo rm a ç ã o n a s s u a s r e p o rta g e n s d i
c a l M in d z e n ty . D e v e ria e s c la re c e r-s e q u e fo ra m f e ita s re s tr iç õ e s
íe r ic a n o s q u e e s tiv e ra m p r e s e n te s n o ju lg a m e n to .» É ó b v io que
d a i n f e r ê n c i a f e i t a p o r C a r d i n a l S t r i t c h , d e q u e a s a g ê n c i a s n o tic i
o a q u ilo q u e p o d ia m p a r a c o n ta r a « e s tó ria » d c M in d z e n ty . O cc
p ô s n u m a n o tíc ia d a U n ite d P re s s re la c io n a d o com a deck
em espaço - p u ra p ro p a g a n d a » , ilu s tra a s u a s e n s ib ilid a d e n e
a n o tíc ia chegou à s u a a te n ç ã o p e la te rc e ira v e z n e s s a n o ite n a
io n a l N e w s S e r v ic e , r e je ito u - a n o v a m e n te , d e s ta v e z c o m o te m
u s e n tim e n to d e ir a já tiv e s s e p a s s a d o n e s s a a ltu ra , m a s c o n tin u
e.
líticas gozaram do segundo maior papel. Aqui começamos
cia, uma vez que estas tinham somente um quinto lugar no de
'idos». As notícias políticas parecem ser um dos temas favori
:smo sc subtrairmos as quase dez polegadas dadas a uma <
racilmente um segundo lugar.
:ebido um total de 33 notícias sobre crime, só apareceu un
e o tema na primeira página e páginas interiores do ior
QUADRO3
Local 3.50
Crime 5.00
Desastre 9.75
Política 41.25
Local 9.75
Estatal 19.50
Nacional 12.00
Interesse humano 43.75 (+)
Internacional 23.00
Política 11.50
Economia 11.50
Guerra -
Nacional 24.25
Trabalho 19.25
Agricultura -
Economia 5.00
Educação -
Ciência 6.00 (#)
.QUADRO 4
Local 3 3
Crime 32 1 33
Desastre 15 15
Política 22
Local 1 2
Estatal 10 2
Nacional 6 1
Interesse humano 65 14 79
Internacional 46
Política 19 5
Economia 9 1
Guerra 10 2
Nacional 37
Agricultura 2
Trabalho 13 1
Economia 17 4
Educação 3 2 5
Ciência 5 2 7
Total 210 37 247
149
especifica semana em analise, vcníicou-se uma enfase dada as noticias de interesse mu
principalmente devido ao enorme impacto noticioso da «estória» sobre o cardeal Mind;
Seria extremamente importante e interessante descobrir o modo como um editor telcgi
determina que assunto ou que tipo de «estória» será «a» notícia da semana. Muitas vezes
decisão é tomada pelos superiores ou pelos gc.tekeepers dos media concorrentes. Será qu
redactor telegráfico pode recusar destacar uma notícia quando um seu congênere na cstaçi
rádio local Ibe está a dar o máximo destaque? De igual modo, será que um editor telegr;
rode minimizar uma «estória» quando vê que jornais concorrentes de áreas metropolit
izinhas vêm para a sua cidade e lhe dão destaque? indubitavelmente que estes factores
Igo a ver na determinação da opinião do editor telegráfico, em relação àquilo que ele deve
o público leitor na manhã seguinte. Isto leva à conclusão óbvia de que, teoricamente, todo
adrões de gosto do editor telegráfico devem dirigir-se a um público que tem de ser servic
car satisfeito.
Subsequente á participação do «Mr. Gatekeeper» no projecto para determinar as <■
es» de selecção e rejeição de notícias durante uma semana, foi-lhe, finalmente, pedido c
nsiderasse quatro questões que nós lhe colocámos. As respostas a estas perguntas dizem-r
lito acerca do «Mr. Gatekeeper», cspeciahncnte por terem sido dadas sob a pressão de ui
ite de trabalho.
Os nossos leitores são olhados como pessoas de inteligência média e com interesses e
capacidades diversas. Estou consciente do facto de termos leitores com inteligência acima da
média (existem quatro universidades na nossa região) e de outros com menos instrução. De
qualquer modo, vejo-os como seres humanos e com interesses comuns. Acredito que todos têm
direito a notícias que lhes agradem («estórias» que impliquem meditação e actividade) e que
os informem do que sc passa no mundo.
E um facto bem conhecido da psicologia individual que as pessoas tendem a ter como
verdade somente aqueles happenings que se adaptam às suas próprias convicções relativamen
te ao que é provável acontecer. Começa a dar a sensação (partindo do princípio de que o «Mr.
Gatekeeper» é representativo da sua classe) que, na sua posição de gatekeeper, o editor do
jornal providencia (apesar de poder nunca estar consciente desse facto) para que a comunidade
oiça como facto somente aqueles acontecimentos que o jornalista, como o representante da sua
cultura, acredita serem verdade.
Esta é apenas uma análise de caso de um gatekeeper, mas que, tal como centenas de
gatekeepers seus colegas, desempenha um papel muito importante como gate final no comple
xo processo da comunicação. Através do estudo das razões apresentadas para a rejeição de
noticias das agências noticiosas, podemos verificar como a comunicação das «notícias» é
subjectiva, como tem por base o conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper.
151
Controlo social na redacção.
Uma análise funcional (*)
Wanen Breed
(•) Reedição de: Social Forces (Vol. 33, Fali, 1955). «Social Control in thc Ncwsroom: A Functional
Analysis», de Warrcn Breed. Direitos de autor. Social Forces. Reedição com a aprovação do editor.
(•*) Nota de tradução - «liberal» - Na acepção norte-americana do termo, ou seja uma postura tolerante e
aberta cm relação às questões de moral e liberdade individual, e, em relação às questões econômicas, a defesa da
intervenção do Estado para corrigir injustiças sociais.
152
seus editores. Os staffers são os repórteres, os responsáveis pelo rewriting, os revisores, etc.
Entre estes, podem aparecer os editores da secção local ou os editores telegráficos, que ocupam
um lugar intermédio. A «politica» pode ser definida como a orientação mais ou menos
consistente evidenciada por um jornal, não só no seu editorial como também nas suas crônicas
e manchetes, relativas a questões e acontecimentos seleccionados. A «parcialidade» não signi
fica necessariamente prevaricação. Pelo contrário, envolve a omissão, a selecção diferencial,
ou a colocação preferencial, tal como «destacar» um item favorável à orientação política do
jornal, «enterrar» um item desfavorável numa página interior, etc. As «normas profissionais»
são de dois tipos: as normas técnicas envolvem as operações de recolha, escrita e preparação
das notícias; as normas éticas dizem respeito à obrigação do jornalista para com os leitores e
para com a sua profissão, e incluem idéias como a responsabilidade, a imparcialidade, a
cxactidão, o fairplay e a objectividade (').
Cada jornal tem uma politica editorial, admitida ou não (:). A orientação de um jornal
pode ser a favor dos republicanos, fria para com os trabalhadores, contrários aos Conselhos de
Administração Escolar, etc. As principais áreas de orientação envolvem a política, os negócios
e o trabalho; muitas provêm de considerações de classe. A orientação manifesta-se na «parcia
lidade». Aquilo que determina cxactamcnte a política editorial de qualquer publisher é um
grande problema, e não será discutido aqui. No entanto, o proprietário tem naturalmentc
muito a dizer (muitas vezes na forma de veto) tanto nas decisões de políticas a seguir a longo
prazo como nas imediatas (que partido apoiar, se destacar ou enterrar uma noticia sobre
iminentes questões laborais, quanto espaço livre dar às «notícias» das actividades dos publici
tários, etc.). Finalmente, a orientação política é disfarçada devido à existência de normas éticas
de jornalismo: a orientação política transgride estas normas muitas vezes. Nenhum executivo
está disposto a arriscar sofrer humilhações por ser acusado de dar ordens para distorcer uma
notícia.
Uma vez que a política editorial é determinada pelos executivos, é óbvio que eles não
podem recolher e escrever pessoalmente as notícias. Têm que delegar estas tarefas nos staffers,
e é nesta altura que as atitudes ou interesses dos staffers podem - e é o que acontece muitas
vezes - entrar em conflito com as dos executivos (’). De 72 staffers entrevistados, 42 mostra
ram que tinham opiniões mais liberais do que aqueles que estavam inerentes na política do seu
publisher; 27 tinham opiniões semelhantes, e somente três eram mais conservadores.
Analogamente só 17 entre 61 staffers afirmaram ser republicanos ('). A discrepância é maior *()
(') O código fonnal mais conhecido é «The Canons of Joumalism», da Sociedade Americana de Editores de
Jornal. Veja-se Schramm, 1949, pp. 236-238.
(0 É extremamente difícil medir a extensão da objectividade ou da parcialidade. Uma tentativa recente en
contra-se relatada in Blumberg (1954), que fez o cálculo a partir da actuaçào de 35 jornais durante a campanha
eleitoral de 1952. Ele concluiu que 18 dos jornais não exibiam «nenhumas provas de parcialidade», 11 «nenhumas
provas conclusivas de parcialidade», e só em seis é que a parcialidade era visível. As suas interpretações, todavia,
estão abertas à discussão. Uma interpretação diferente poderia concluir que embora cerca de 16 mostrassem pouca
ou nenhuma parcialidade, o mesmo não acontecia com o resto. Deve-sc salientar também que existem diferentes
áreas de politica editorial que estão dependentes das condições locais. A principal diferença ocorre no Sul, onde
gcralmcnte não existe qualquer problema «republicano» ou «sindical» cm relação aos quais o corpo rcdactorial pos
sa estar dividido. O problema racial é a preparação da orientação política.
(’) Esta situação, assinalada numa conferência de Paul F. Lazarsfield, foi o ponto de partida para o presente
estudo.
(*) Descobertas semelhantes foram feitas acerca dos correspondentes de Washington em Rosten (1937). Me
nos conflito ideológico foi descoberto cm dois outros estudos: (Prugger, 1941, pp. 231-44; e Svvanson, 1948). As
possíveis razões para a lacuna é que ambos os jornais estudados estavam possivelmente acima da média na questão
da objectividade; os executivos estavam incluídos juntamente com os rcdactorcs nos cálculos; c alguns rcdactorcs
que não tratavam de notícias políticas estavam indubitavelmente incluídos.
153
n o s d e 3 5 a n o s » 3 4 m o s t r a r a m te n e e r v c v a s m a \ s n o c r d w , v>i» _
a r e n t e m e n t e . D e v e f a z e r - s e n o t a r q u e f a l t a m d a d o s r e la tiv o s á v e e m ê n c ia d a s p o s lç õ s
s. A l g u m a s p o d e m d i s c o r d a r t ã o p o u c o q u e s e c o n f o r m a m c n ã o s e n t e m n e n t a
E s te e n s a io é p e rtin e n te n o ú n ic o s e n tid o e m q u e o s jo r n a lis ta s d is s id e n te s s ã o f o r ç a
r d e c i s õ e s e s p o r á d i c a s a c e r c a d a s u a r e l a ç ã o c o m a p o i i t i c a e d i t o r i a l d o j o r n a l 1 'V
r e m o s a g o r a e x a m i n a r m a i s d e p e r t o o tra b a lV io d a e q u i p a e d i t o r i a l . A p r i n c i p a l o y .
o m o é m a n t i d a a o r i e n t a ç ã o p o i i t i c a a p e s a r d e m u l t a s v e z e s t r a n s g r e d i r a s rv
s tic a s , d e , m u ita s v e z e s , o s jo rn a lis ta s d is c o r d a re m d e la , e d e o s e x e c u tiv o s n ã o pc
r a m e n t e o r d e n a r q u e e l a s e j a s e g u i d a ? O p o n t o d e r e f e r ê n c i a s e r á o d a a n á l i s e fv
n o r a d a n o p a r a d i g m a d e M e r t o n (f ) .
Os presentes dados provêm da experiência do autor deste artigo e de entrevista
ont cerca de 120 jornalistas, principalmente na zona "Mordeste dos listados 1
tra não foi aleatória c não reivindica qualquer pretensão de reptesentatividad
i lado, não foi seieccionado nem omitido nenVtum jornal propositadamente, c
jornalista algum recusou o pedido de ser entrevistado. O s jornais foram esc
ir um grupo «médio», definidos com o aqueles que têm um a tiragem diária «
000 exem plares. A m édia de duração das entrevistas excedeu, em m uilo, u
E xiste u m elem ento de «acção» inerente n o presente assunto —a neccst
íocrática de u m a «im prensa livre e responsável» inform ar os cidadãos
mento. M u ita d a critica da im pren sa p ro v ém d a incYtnação induzida p e l
m tação poiitica dada pelo publisher ('). E sta critica è frequentem ente
zrantes com o à im prensa de llc a rs t, ao C h icag o T ribune c a o s tablóiàc
is ta m b ém sc ap lica, em m en o r g rau , ã im p re n sa m a is con v en cio n t
:ca n ism o s de m an u ten ção d a o rien tação p o iitic a p o d e m sugerir a razão
m u ita s v e z e s, in fru tífera, p e lo m e n o s n o sen tid o estrito.
Note-se que o «chefe» nunca «ordena»; a ordem é mais subtil. Também parece que a
maior parte das indicações acerca da orientação política, por parte dos executivos, são negati
vas. Eles vetam com um abanar de cabeça, como que a dizer «Por favor, não abanem o barco».
A s exccpções ocorrem na cobertura das campanhas eleitorais, que serão discutidas mais tarde.
Também se deve ter em conta que a punição está subjacente se a orientação política não for
seguida.
Os staffers também são guiados através do conhecimento das características, interesses e
relações dos seus executivos. Este conhecimento pode ser obtido de vários modos. Um é a
maledicência. Um repórter disse:
«Falamos mal dos editores? Muitos de nós costumávamo-nos encontrar para beber uma
cerveja e conversar. Não deixávamos pedra sobre pedra.»
«Lembro-me de o ouvir dizer na noite das eleições (1948), quando parecia que íamos ter
uma maioria democrática em ambas as câmaras: ‘M eu Deus, quer dizer que vamos ter um
Governo trabalhista’. Pergunta: Como é que ele disse isso? Tinha um tom de alarme na voz;
não se podia deixar de perceber que ele preferiría os republicanos».
Iremos chamar a atenção para o facto de que quando se fala da forma como o staffer
apreende a orientação política, também existem indicações do «porquê» do seu seguimento.
156
Razões do conform ism o p a ra com a orientação politica
Não existe nenhum factor que crie a disposição para o conformismo, a não scr que nos
recorramos de um temio sumário tal como «estatutos institucionalizados» ou «papéis estrutu
rais». Devem-se procurar os factores particulares em casos particulares. O «staffer» deve scr
visto à luz do seu estatuto e aspirações, da estrutura da organização da redacção e da socieda
de. Também se deve ter em conta as operações que ele executa ao longo do seu dia de trabalho,
e as consequências que elas podem ter sobre ele. As seis razões que aparecem a seguir podem
- frequentemente, ou mesmo sempre - evitar actos de desvio do potencialmente intransigente
staffer (").
(") Duas advertências têm de ser dadas aqui. Primeiro, lembraremos que estamos a tratar não de todas as
notícias mas apenas de noticias políticas. Segundo, tratamos apenas de staffers que são potenciais não conformistas.
Alguns concordam com a orientação política; outros não tomam qualquer posição em questões políticas; outros não
escrevem noticias que envolvem a orientação política do jornal. Além disso, existem forças na sociedade americana
que fazem com que muitos indivíduos escolham o ajustamento harmonioso (conformismo) em qualquer situação,
sem fazer caso dos imperativos. Veja-se Fromm, 1941; Ricsman, 1950.
(“) Uma excelente ilustração desta táctica é fornecida num romance de uma experiente jornalista: Long (1953,
cap. 10). Este capitulo descreve a trama para condenar um negro por assassínio numa cidade sulista c a tentativa
de um repórter de contar a «estória» objectivamente.
157
durabilidade da orientação política isolando o publisher dessas questões. Pode argumentar que
este ficaria embaraçado com possíveis controvérsias cm tomo da orientação política e da
parcialidade resultante; assim, a orientação não só é encoberta como também não é discutida,
permanecendo, consequentemente, imutável (”).
O staffer pode sentir um sentimento de obrigação para com o jornal por este o ter
contratado. Pode ainda sentir respeito, admiração e agradecimento para com certos editores
que o tenham ensinado, «defendido» ou actuado de forma paternalista. Deve-se respeito aos
jornalistas mais velhos que tenham servido de modelo aos caloiros ou que tenham, de qualquer
outro modo, prestado ajuda. Tais obrigações e sentimentos pessoais calorosos para com os
superiores têm um papel estratégico no seu «aliciamento» para o conformismo.
3. ASPIRAÇÕES DE MOBILIDADE.
Na resposta a uma pergunta sobre ambição, todos os staffers mais novos mostraram
desejos de alcançar uma posição de relevo. Todos concordavam em que lutar contra a orienta
ção política constituía um grande obstáculo para a consecução desse objectivo. N a prática,
alguns mais teimosos salientaram que uma boa táctica para avançarem era arranjar «grandes»
«estórias» na Primeira Página; isto significa, automaticamente, não interferir na política do
jornal. Ainda mais, alguns redactores vêem o trabalho jornalístico como um «trampolim» para
um trabalho mais lucrativo: relações públicas, publicidade, free-lancing, etc. A reputação de
«aventureiros» inibiría tal subida.
Impõe-se aqui uma palavra acerca das hipóteses de ascensão. De 51 jornalistas com 35
anos ou mais, 32 eram executivos. De 50 mais jovens, seis tinham alcançado postos executivos
e outros estavam a subir, como redactores telegráficos, repórteres politicos, etc. À excepção de
cinco, todos estes jovens eram licenciados, contrastando com apenas metade dos mais velhos.
5. O PRAZER DA ACTIVIDADE.
(’*) O isolamento de um indivíduo ou grupo de um outro é um bom exemplo dos mecanismos sociais (dis
tintos dos psicológicos) na redução das probabilidades de conflito. A maioria dos factores que induzem à conformi
dade poderíam, do mesmo modo, ser encarados como mecanismos sociais. Veja-se Parsons c Shils, 1951, pp. 223-230.
158
primeiro nome. Os stajfers discutem as «estórias» com os editores numa base de mútua
confiança. Os principais executivos abandonam os seus próprios gabinetes, por vezes, e parti
cipam nas discussões na sala de redacção ('*).
b) As tarefas necessárias são interessantes. Os jornalistas gostam do seu trabalho. São
poucos aqueles que fizeram queixas, quando lhes foi dada a oportunidade durante as entrevis
tas deste estudo. As tarefas necessárias - testemunhar, entrevistar, meditar brevemente no
significado dos acontecimentos, verificar factos, escrever - não são onerosas.
c) Gratificações não financeiras. Estas são numerosas: a variedade de experiência, o
testemunho pessoal de acontecimentos significantes e interessantes, ser o primeiro a saber,
obter «informações secretas» negadas a leigos, conhecer e, por vezes, conviver com pessoas
notáveis e célebres (que se fossem prudentes deveríam tratar os jornalistas com deferência). Os
jornalistas estão próximo das grandes decisões sem terem de as tomar; tocam no poder sem
serem responsáveis pela sua prática. Das conversas com os jornalistas, e através da leitura dos
seus livros, fica-se com a impressão de que são orgulhosos pelo facto de serem jornalistas (l!).
Existe a tendência para a exclusividade dentro da classe jornalística, e insinuações de que
grupos exteriores afins, como o dos jornalistas da rádio, são entertainers e não verdadeiros
jornalistas. Por fim, há o prazer de se ser membro de uma organização viva que lida com
assuntos importantes. O jornal é uma «instituição» dentro da comunidade. As pessoas falam
acerca dele e dão-lhe uma cotação; os seus automóveis passam a grande velocidade através da
cidade; as suas colunas trazem noticias de lugares importantes e longínquos, com fotografias.
Assim, por todas estas razões, e apesar da remuneração relativamcnte baixa, o staffer sente-se,
por vezes, parte integrante de uma empresa em plena actividade. A sua moral é boa. Muitos
jornalistas poderíam concorrer a empregos melhor remunerados, na publicidade e nas relações
públicas, mas permanecem no jornal.
Os jornalistas definem o seu emprego como produtor de uma certa quantidade daquilo a
que se chama «notícias», cada 24 horas. As notícias são um desafio constante, e é função do
jornalista ir ao encontro desse desafio. E recompensado por levar a cabo essa tarefa, sua função
manifesta. Uma consequência desta ênfase na notícia enquanto valor central é o afastamento
do seu forte interesse na objectividade para evitar conflitos sobre a orientação política do
jom al. Em vez de mobilizar os seus esforços para estabelecer a objectividade sobre a política
editorial, como o critério para a execução, as suas energias são canalizadas para a obtenção de
mais notícias. As exigências da competição (em cidades onde existem dois ou mais jornais) e
da velocidade realçam esta ênfase. Os jornalistas realmente falam de ética, de objectividade, e
(“) Mais uma indicação dc que a relação staffer!executivo é harmoniosa veio de respostas à questão: «Por
que razão é que os jornalistas são considerados cínicos?» Os redactores geralmentc diziam que os jornalistas são
cínicos porque aproximam-se o suficiente da dura realidade, que vêem os podres da sociedade e as imperfeições
dos seus líderes c dirigentes. Apenas dois dos 40 redactores aproveitaram a ocasião para criticar os seus executivos
e o reforço da orientação política. Este desvio, ou falta de razões de queixa contra os executivos, pode ser interpre
tado como o reforço da hipótese da solidariedade redactorial. (Sugere ainda que os jornalistas tendem a analisar a
sociedade mais em termos de personalidades do que das instituições existentes no sistema sócio-cultural).
(,s) Existe um mito considerável entre os jornalistas cm redor dos encantos da sua profissão. Por exemplo, a
«estória» «Rapariga: ‘Vocês, os jornalistas, devem ter uma vida fascinante. Conhecem pessoas extremamente inte
ressantes’. Repórter: ‘Sim, c a maior parte delas são jornalistas’». Para uma posterior discussão veja-se Breed, 1952,
cap. 17.
159
social m as sim para arranjar noticias. P odena parecer que esta orientai;.'.o instrum ental dim i
nui o seu potencial m oral. U m a outra consequência deste exem plo é que a h arm o n ia entre
sta ffers c executivos é cim en tad a pelos seus interesses com uns pela notícia. Q ualq u er potencial
co nflito entre o s dois g ru p o s, tais com o greves de zelo de grupos de trabalho n a indústria, serit
prontam ente dissipado, d ad o q u e a notícia é um v alor positivo. A solidariedade d entro da sal;
ic red acção é, assim , refo rçad a.
O s seis factores p ro m o v em o co nform ism o co m a p o lítica editorial do jo rn a l. S eria dific
lem o n strar m a is ex actam en te co m o é m antida essa política, te n d o e m v ista as m u ita s v ariáve
x isten tes n o sistem a. N o en tan to , o p ro cesso p o d e rá se r u m p o u c o m e lh o r e n te n d id o com
itro d u ç ã o d e m ais u m c o n c e ito — o g ru p o de refe rên cia ("). O sta ffe r, e m e s p e c ia l o n o v a
len tifica -se a si p ró p rio , a tra v é s d a ex istê n cia destes se is facto re s, c o m o s e x e c u tiv o s e c o m
a ffe rs v ete ra n o s. S e b em q u e a in d a n ã o seja u m d eles, ele p a rtilh a a s n o rm a s d e le s , e assir
ia a c tu a ç ã o v em a p a re c e r-s e c o m a d o s o u tro s. E le c o n fo rm a -s e m a is c o m a s n o rm a s
ilític a e d ito ria l d o q u e c o m q u a is q u e r c re n ç a s p e s so a is q u e e le tiv e ss e tra z id o c o n sig o ,
m id e a is é tico s. T o d o s e s te s se is fa c to re s fu n c io n a m p a ra e n c o ra ja r a f o rm a ç ã o d o grup<
ferência. Q u a n d o a fid e lid a d e é d ire c ta m e n tc d irig id a à a u to rid a d e le g itim a , e s s a au to rit
te m d e m a n te r o e q u ilíb rio d e n tro d e d e te rm in a d o s lim ite s a tra v é s d a d is tr ib u iç ã o pruc
; r e c o m p e n s a s e d a s p u n iç õ e s . O p ró p rio g r u p o d e re fe rê n c ia , q u e te m c o m o elerr
ía n » a e lite d o s e x e c u tiv o s c o s s ta ffe r s m a is v e lh o s , n ã o é c a p a z d e m u d a r a o rie n
ític a p a r a u m d a d o la d o , p o r q u e , p r im e ir o c o g r u p o e n c a r r e g a d o d e le v a r a v a n te a p<
r iria l e , s e g u n d o , p o r q u e o p u b lis h e r , a q u e le q u e d e f in e q u a l a p o litic a , é , m u i t a s '
a d o d e v id o à n a h tr e z a d e lic a d a d a q u e s tã o d a p o litic a e d ito r ia l.
O s seis factores contribuem , cada um de seu m odo, para a form ação do com porta
;rupo d e referência. Praticam ente não existem despedim entos, m as sim g randes pet
de em prego duradouro. O s subordinados tendem a ter estim a pelo s seus p atrões,
o g ru p o m odelo. A s aspirações de m obilidade (dentro dos lim ites) são u m prom oto
iços entre as várias p o siçõ es que cada u m tem dentro d o jo m a l, b e m c o m o a
ad e en tre g n ip o s rivais, com a possível co n seq u ên cia de pressõ es cru zad as. A at
la d e red acção está im p reg n ad a dos factores c o n e x o s d a c o o p eração e d o caráctei
o trabalho. F inalm ente, o aco rd o entre os jo rn a lista s de q u e a su a ta re fa c ag a rra r
as, v en d o -as co m o u m v a lo r em si, cria u m laço co m a cad eia h ie rá rq u ic a .
No que diz respeito aos seis factores, cinco deles parecem ser relativamcnte con
:m cm todos os jornais estudados. O factor variável é o segundo: a obrigação c
s staffers mantêm pelo executivo e os staffers mais velhos. Em alguns jot
Até aqui podería parecer que o staffer goza de pouca «liberdade de imprensa». A fim de
mostrar que isto é simplificar demasiado e, mais importante, sugerir um tipo de teste para a
nossa hipótese acerca da força da política editorial, façamos a seguinte pergunta: «O que
acontece quando um staffer apresenta uma noticia contra essa orientação?» Sabemos que isto
raramente acontece, mas o que se passa nestes casos?
O processo de aprendizagem da orientação política cristaliza-se num processo de contro
lo social, no qual se castigam os desvios (geralmente de um modo suave) com reprimendas,
cortando o artigo, recusando um comentário de modo amigável por parte de um executivo, etc.
Por exemplo, uma forma de punição do staffer é o editor mostrar-lhe uma folha da cópia de
uma notícia e dizer-lhe: «Joe, não faças isto quando escreveres sobre o presidente da Câmara.»
Num caso recente, um staffer, agindo na qualidade de editor telegráfico, foi despromovido,
quando negligenciou dar destaque no jornal a uma noticia sobre um político «sagrado». O que
se pode concluir é que quando um executivo vê um item que é claramente contra a política
editorial, censura-o, o que constitui uma lição para o staffer. Este raramente persiste na
violação dessa política. De facto, os casos mais conhecidos de despedimento por razões
políticas - Ted O. Thackrey e Leo Huberman - ocorreram em diários liberais de Nova Iorque,
e Thackrey era um editor, não um staffer.
De vez cm quando, aparecem casos em que um staffer encontra impressos os seus
artigos contra a política do jornal. Parece não existir nenhuma explicação consistente para isto,
a não ser dois aspectos que podem ser levados em linha de conta: o primeiro tem a ver com a
carreira do staffer, o segundo com condições empíricas particulares associadas à progressão na
carreira. Podemos distinguir três etapas através das quais o redactor progride. Primeiro, existe
a etapa de estagiário, os primeiros meses ou anos em que ele aprende as técnicas e a política
editorial. Escreve pequenas noticias, que não estão ligadas à política editorial, tais como
acidentes de pouca importância, conferências, o tempo, etc. Na segunda, a de «ligação», o
staffer continua a assimilar os valores da sala de redacção e a cimentar relações informais. Por
último, a etapa de «veterano», em que o staffer basicamente se define como um membro
161
Para especificar melhor o problema uo conformismo-desvio deve-se ter em c
ira de um jornal é uma actividade relativamente complexa. O jornalista é respo
série de praticas c juízos, que só são igualados nos campos profissionais e eir
lemasiadas simplificações sobre a rigidez da orientação política podem ser t
nos a seguinte pergunta: «Em que condições é que o staffer a pode desafiar
> Já vimos que os staffers são livres de discutir as decisões sobre as notíci;
itivos cm breves «conferências», mas, geralmente, os argumentos giram mais
tos de «noticiabilidade» do que da política editorial como tal Parecem e>
es significantes dentro da área de influência do repórter que o ajudam a iludir
ílítica.
Consequências do padrão
i <i
sasrsr-
A p e l o s c r ític o s .) O m e s m o a c o n te c e c o m o l e . t o r j o c a s io n a is d e c u lp a c m r e la ç a o ,
S r ítr í^
d e d e i x a r o jo r n a l is m o . D e o u tr o ^ o d ° ; ^ c^ d°i ^ a l s e m p r e q u e p o s s ív e l ( « S e e u n a
c n o e m p r e g o m a s lim a n d o a s a r e s ta s d a p o lm c a e d ito v . . 0 c o n f lito d
dvesse a q u f o o u tr o tipo d e i-n a p a s s e o e s ^ h x o ..^ , ^ q orde„ a d o
r m a a m o r a l e a n ti- m te le c tu a l d ; se>> n o u tr o s c o n ,c Xto s , e s c r e v e n d o « a v c r d ^
Sugestões p a ra validação
Sumário
(") As referências encontram-se citadas cm Merton (1949) c também nos trabalhos de T. Parsons.
0") Que o paradigma poderia servir melhor como lista de verificação, ou como guia teórico para os estagiá
rios, é o que mostra a excelência de um artigo publicado antes do paradigma - c muito semelhante a este artigo
no que diz respeito aos problemas de manutenção da orientação politica numa organização fotmal: Shils e Janowitz (194S).
165
existência e a sua importância para o conformismo levou à sub-hipótese de que o comporta
mento do grupo de referência desempenhava um papel no padrão. Para mostrar, todavia, que a
politica editorial não é firme, sugeriram-sc cinco condições em que os redactores podem
ultrapassá-la.
Assim, concluímos que a política do publisher, quando estabelecida numa dada área
temática, é geralmente seguida, e que a descrição da dinâmica situação sócio-culiural da
redacção sugerirá explicações para este conformismo. A fonte de recompensas do jornalista
não se localiza entre os leitores, que são manifestamente os seus clientes, mas entre os seus
colegas e superiores. Em vez de aderir a ideais sociais e profissionais, ele redefine os seus
valores até ao nível mais pragmático do grupo rcdactorial. Ele ganha, desse modo, não só
recompensas ao nível do estatuto mas também a aceitação num grupo solidário empenhado
num trabalho interessante, variado e, por vezes, importante. Assim, os padrões culturais da
sala de redacção produzem resultados insuficientes para as mais vastas necessidades democrá
ticas. Qualquer mudança importante tendente a uma «imprensa mais livre e responsável»
devem provir de várias possíveis pressões sobre o publisher, que incorpora o papel decisório e
coordenador.
166
As notícias (*)
Nelson Traquina
O espelho
Toda a profissão é sobrecarregada de imagens mas talvez nenhuma outra seja tão
rodeada de mitos como a do jornalismo. De facto, o poder do mito tem envolvido a profissão
de tal maneira que os jornalistas parecem ser os «Davids» da sociedade matando os «Golias»
(aliás expresso no conceito do campo jornalístico como «contrapoder») e o seu produto é
apresentado como sendo uma transmissão não expurgada de um acontecimento. A noção-
-chavc desta mitologia c a noção do «comunicador desinteressado» aonde o papel do jornalista
é definido como o do observador neutro, desligado dos acontecimentos e cauteloso em não
emitir opiniões pessoais. O desenvolvimento desta concepção dominante no campo jornalístico
ocidental tem dois momentos históricos cruciais.
Primeiro, surge cm meados do século x ix com um «Novo Jornalismo» - o jornalismo
informativo - cuja ideia-chave é a separação entre «factos» e «opiniões». Em 1856, o corres
pondente em Washington da agência noticiosa Associated Press pronunciou o que ia ser a
Bíblia desta nova tradição jornalística: «O meu trabalho è comunicar factos: as minhas
instruções não permitem qualquer tipo de comentários sobre os factos, sejam eles quais
forem » (Rcad, 1976: 108). Aliás, as agências noticiosas foram as defensoras mais ardentes
desse «Novo Jornalismo» (Siebert, 1956) c são hoje, ainda, o protótipo desse jornalismo no
(•) Reedição de: Revista de Comunicação e Linguagens (N.° 8, 19S8). «As Noticias», de Nelson Traquina.
Direitos de autor: Centro de Estudos de Comunicação c Linguagens. Reedição com a aprovação do editor.
1
(C athelat, 1979: 3 0 ). C om o e sc re v e A nthonv Sm ith (1980), e nesta cpoca en
c rein an te q u e to d o o esforço intelectual, tanto na ciência, na filosofia com
g ia e ou tras d iscip lin a s, am bicionava im itar esse novo invento — a m áqui
p a rec ia se r o e sp e lh o , há m u ito procurado, capaz de reproduzir o m undo r
O se g u n d o m o m e n to histórico tem lugar no século x x com o surgim t
o b jc c liv id a d e n o s an o s 2 0 e 3 0 n o s E stados U nidos. E m bora a ideologia d;
a g o ra v ista co m o u m refo rço da fé nos factos, M ichael S ch u d so n expl
o b je c tiv id a d e n ão fo i a ex p ressão final de u m a co n v icção n o s factos m as
m é to d o c o n c e b id o e m fu n ção d e u m m u n d o no qual m esm o os factos n ão et
confiança d e v i d o a o su rg im e n to d a s relaçõ es p ú b licas e d a trem en d a efic
'c rifíc a d a n a P rim eira G u e rra M u n d ia l. «Com a ideologia da objectivic.
ubstitttiram um a f é sim ples nos fa cto s p o r um a fid elid a d e às regras e pre
7ra um m undo no q ual até os fa c to s eram postos em dúvida » (S c h u d so n
M e s m o q u e a a n á lis e d e S c h u d so n se ja c o rre c ta , h o je e m d ia a s o r
ã o b e m e s q u e c id a s e a id e o lo g ia d a o b je c tiv id a d e r e f o r ç a u m « em p iris
la n íe n o c a m p o j o r n a l í s t i c o , o n d e a s n o tíc ia s s ã o v i s t a s c o m o e m e rg in t
ntecimentos do m u n d o r e a l , b a s t a n d o a o j o r n a l i s t a s c r o e s p e c ta d c
smitindo-o fielmente. A m e t á f o r a , h a b i t u a l m e n t e e v o c a d a n o c a m p o jc
como «espelho», reflectc b e m e s s e c o n c e i t o d o j o r n a l i s t a c o m o sirr
ê n c i a s e s u p r i m e q u a n d o o a c o n t e c i m e n t o é « r e p r o d u z i d o » n a n o tíc ia
Este artigo defende q u e o s j o r n a l i s t a s n ã o s ã o s i m p l e s m e n t e o b s e r v ;
ipantes activos no p r o c e s s o d e c o n s t r u ç ã o d a r e a l i d a d e . E a s n o t í
c o m o emergindo n a t u r a l m e n t e d o s a c o n t e c i m e n t o s d o m u n d o r e a l
i conjunção de a c o n t e c i m e n t o s e d e t e x t o s . E n q u a n t o o a c o n t e c i m t
tam bém c r i a o a c o n t e c i m e n t o .
omo escreve Adriano Duarte Rodrigues no seu artigo intitulado «(
imento constitui o referente de que se fala. Lemos as notícias acre
:e do real; lemos as notícias acreditando que os profissionais do ca
sgredir a fronteira que separa o real da ficção. E é a cxistêncii
os» entre jornalistas c leitores pelo respeito dessa fronteira que to
ias enquanto índice do real e, igualmcnte, condena qualquei
exemplificado no caso da jornalista do Washington Post, Janet
tlilser e subsequentemente despedida quando foi dcscobertc
Ia reportagem premiada fora inventada.
as
A ordem no espaço
No seu estudo, Gaye Tuchman (1978) explica que as empresas jornalísticas tentai
impor ordem no espaço estendendo uma rede {news net) para «capturar» os acontecimento
Para cobrir o espaço, as empresas jornalísticas utilizam três estratégias: 1) a territonalidai
geográfica: dividem o mundo em áreas de responsabilidade territorial; 2) a especializaç;
organizacional: estabelecem «sentinelas» em certas organizações que, do ponto de vi;
jomalistico, produzem acontecimentos noticiáveis: 3) a esDecializacão em term os de tem:
« kk S s ^ ^ ^ * * * --
delegação
ordem no tempo
Mas, como dissemos, para além de tentar impor ordem no espaço, as empresas jomalíst
sobre a cidade de tstugartía. segundo, geratmente controntaüos com uma superabundancia de
informações, os jornalistas lutam para impor um ritmo e criar a «rotina do inesperado»
(Tuchrnan, 1973). O resultado desta «rotinização», escreve Roscho (1975), é o de concentrar
os recursos da organização «num número relativamente pequeno de agentes cuja posição em
certas organizações ou instituições particulares valorizam ao máximo a informação que
-ecebem». No seu estudo de dois jornais americanos, Leon V. Sigel (1973) descobriu que os
omalistas utilizaram estes «canais de notícias» para 72,3% das notícias de Washington, 68%
las outras notícias americanas e 70,3% das noticias estrangeiras.
Antes de analisar as consequências que advêm desta «rotinização» ou, melhor dito, desta
ependência sobre «os canais de rotina», três considerações sobre a importância das fontes de
íformação no trabalho jornalístico são pertinentes. Primeiro, o relacionamento entre o jomalistr
a fonte de informação é sagrado c é protegido por lei: a Lei de Imprensa concede o direito ac
imalista de, mesmo em tribunal, não revelar a identidade da sua fonte de informação. Dada ;
iviolabilidade da relação, a quebra do sigilo profissional por parte do jornalista é um acto grave.
N um a discussão sobre o seu trabalho de jornalism o de investigação que ficou conhecidi
)mo o «Caso Rui Amaral», o jornalista José Pedro Castanheira qualifica a sua decisão d
velar a identidade da fonte de uma informação como a mais difícil da sua carreira profissic
il. A o contar o sucedido, José Pedro Castanheira (1985) escreveu: «Uma informação poa
'uiparar-se a um contrato tácito: pressupõe uma relação de confiança e lealdade enti
formador e jornalista. Implica o cumprimento de determinadas regras. Ao jornalista cor
te, se não houve nada em contrário, manter o sigilo sobre a identidade da fonte. A
rormador, por sua vez, cabe responder pela autenticidade dos factos que revela, pelo qi
o poderá, eticamente, negá-los e muito menos contradizê-los. A violação de qualqu
stas regras tem como consequência imediata o libertar o outro ‘contratante ’ do compr
sso assumido anteriormente».
As im plicações da «rotinização»
A discussão quanto a estas considerações sobre as fontes de informação perm ite com
preender que uma das consequências da dependência sobre «os canais de rotina» é que nem
todas as fontes são iguais na sua capacidade de ter acesso aos meios de Comunicação Social,
ou seja, o acesso aos media é um bem «estratificado socialmente». No seu estudo sobre a
catástrofe na costa da Califórnia em 1969, Molotch e Lester descobriram que os responsáveis
do Governo Federal e os porta-vozes das empresas petrolíferas tiveram mais acesso aos media
do que os ecologistas: «A produção de notícias não pode ser entendida fora da economia
política da sociedade dentro da qual ela é produzida. O acesso predominante dos responsá
veis do Governo Federal e das empresas petrolíferas reflecte o poder real dos adores em
geral» (Molotch e Lester, 1975: 235).
O reverso da medalha é igualmcntc válido: outros agentes sociais não têm acesso regular
aos meios de Comunicação Social. Uma consequência lógica: esses devem «incomodar» para
que os seus acontecimentos tomem a ser notícia. Nas palavras de Molotch e Lester (1974:108):
«Eles devem tornar-se 'noticia forçada', transformando de uma maneira ou de outra o
arranjo das noticias, criando um efeito de surpresa, um choque ou uma forma violenta de
'desordem'. Assim, aqueles que não têm praticamente nenhum poder devem 'perturbar' a
ordem social para incomodar as formas habituais de produção de acontecimentos.»
Outra consequência desta dependência nos «canais de rotina» é que, quando as fontes e
os jornalistas fazem parte da mesma «rotina» de uma forma regular, eles estabelecem uma
interdependência. O perigo é evidente, conforme escreve Walter Lippmann (Hoch, 1974: 156):
«O jornalista entra inevitavelmente em contacto pessoal com os leaders políticos e os homens
de negócios, criando relações de confiança e de simpatia; e é muitas vezes difícil e muito
embaraçoso ignorá-las.» A interdependência também facilita a «fuga» de inform ações,
nom eadam ente o lançamento de «balões de ensaio».
Uma terceira consequência é precisamente que uma parte significativa das notícias
produzidas tem como base fontes que são profissionais no «negócio» de lidar com o campo
jornalístico (aqui assinalamos os profissionais de relações públicas), conhecendo bem a mecâ
nica do trabalho jornalístico, nomeadamente: 1) a necessidade da matéria fornecida (os press
releases) assumir certas formas e seguir certas convenções; e 2) o reconhecimento que um
timing cuidadoso da informação divulgada pode influenciar não só a cobertura mas também o
conteúdo da notícia publicada.
Concluímos que é precisamente esta dependência nos «canais de rotina» que leva Michael
Schudson a descrever o processo de produção de notícias como « normalmente uma questão de
representantes de uma burocracia apanhando noticias prefabricadas de representantes de
outra burocracia » (Schudson, 1986: 31).
(>) Na edição portuguesa, este episódio é relatado (p. 37), mas a tradução não é rigorosa: «Bradlce disse
que não e que arranjassem mais informações.» Carl Bcmstcin c Bob Woodward, IVatcrgalc, Amadora, Livraria
Bcrtrand, 1977.
173
O factor «tempo»
Que o timing dum comunicado pode influenciar a cobertura jornalística não é de estra
nhar dado que, como já dissemos, o factor «tempo» constitui o eixo do campo jornalístico.
O factor «tempo» influencia a cobertura jomalistica do acontecimento. Utilizando a
cobertura do II Congresso de Jornalistas Portugueses como análise de caso (Traquina, i 987)
podemos detectar três maneiras como o factor «tempo» influenciou o trabalho jornalístico.
Primeiro, dado que os vespertinos têm hora dc fecho para as suas edições sensivelmente
por volta do meio-dia, era-lhes muito difícil fazer a cobertura noticiosa dos trabalhos do
Congresso no mesmo dia - só 27% das notícias publicadas pelos vespertinos ao longo do
Congresso se reportaram às sessões respeitantes ao mesmo dia da publicação da notícia, em
particular a sessão inaugural onde esteve presente o Presidente da República. Mesmo assim, as
notícias em dois jornais são muito breves c a notícia no terceiro vespertino é «corte e monta
gem» do discurso do Presidente da República, distribuído previamente.
Segundo, a dificuldade levantada pela hora de fecho provocou interrupções na cobertura
do Congresso em dois vespertinos.
Terceiro, dificultados pela hora de fecho, os vespertinos confrontavam a concorrência
dos matutinos: a notícia do vespertino do dia 14 sobre a sessão do dia 13 perde «novidade»,
visto já ter sido anteriormente noticiada pelos matutinos. Para resolver este problema, o
vespertino podería adoptar três estratégias: 1) antecipar-se aos matutinos, publicando uma
notícia necessariamente incompleta; 2) dar uma prioridade menor ao acontecimento; ou 3)
tentar dar-lhe outro aspecto, olhà-lo de outro ângulo. De todos os jom ais, foram precisamente
dois vespertinos os únicos que publicaram uma fotografia de um não participante do Congres
so (o jornalista Gunther Wallraff). E o único jornal que publicou notícias assinadas com o
nome do jornalista foi precisamente um vespertino (o Diário Popular) tentando, assim, pro
porcionar um outro olhar sobre o acontecimento.
M as o relacionamento entre o campo jornalístico e o factor «tempo» é muito mais
profundo.
O sociólogo inglês Philip Schlesinger (1977) descreve a empresa jornalística como uma
«máquina do tempo» (time machine) e Schudson (1986) caracteriza os jornalistas como sendo
pessoas com uma «cronomentalidade». Os próprios títulos dos jom ais ou de programas reflec-
tem esta ligação íntima com o tempo: o Diário, o Dia, o Semanário, 24 Horas, Sábado, e,
claro, o Tempo.
Mais, é o próprio conceito de «actualidade» que constitui o coração e a alma da activida-
dc jornalística: o jornal, o telejomal, são supostos de dar a conhecer o que há de «novo», o que
«acaba» de acontecer. Lemos o jornal para saber o que é que aconteceu ontem e não hâ 15
dias; e se um acontecimento que teve lugar há 15 dias é notícia, provavelmente o é porque só
agora o campo jornalístico teve conhecimento do sucedido. Os acontecimentos devem ser
actuais; a própria actualidade constitui um factor de noticiabilidade.
A existência de um acontecimento da actualidade já transformado cm notícia pode servir
de news peg (literalmente, «cabide» para pendurar a noticia) para outro acontecimento ligado
a esse assunto, ou seja, a actualidade é utilizada como « eu s peg. Mas o próprio tempo pode
ser, e é, utilizado como news peg, nomeadamente os aniversários: um acontecimento é notícia
porque aconteceu, faz hoje, um, cinco, dez anos. Por exemplo, no dia 19 de Julho, quase todos
os meios dc comunicação social noticiaram a vitória legislativa do PSD em 1987, precisamcn-
tc porque aconteceu nesse dia hâ um ano. A centralidade do conceito de tempo como actuali
dade tem sido compreendida por outros agentes sociais e, em particular, os profissionais de
174
relações públicas: assim lemos íido uma proliferação de dias - D ia da C riança , D ia do
A mbiente - semanas, meses e mesmo anos - A no E uropeu do C inema e da T elevisão -
que, em termos sociais, justiíicam que se fale (comemore) dc um assunto c, em termos
jornalísticos, tomando actual a abordagem desse assunto, ou seja servindo de news peg para a
transformação desse assunto em noticia (ver exemplo 1).
EXEMPLO 1
(FOTO)
Esta questão 6 importante porque o campo jornalístico tem uma enorme dificuldade cm
abordar assuntos ou problemáticas. Como já foi dito, o trabalho jornalístico é uma actividade
prática onde os profissionais lutam contra a tirania da hora de fecho. O ritmo do trabalho
jornalístico exige uma ênfase sobre acontecimentos c não problemáticas. Como escreve Tuchman
(1978), os acontecimentos estão concretamente enterrados na «teia de facticidade», ou seja, o
quem? quê? onde? quando? como? porquê? do tradicional lead noticioso; as problemáticas não
estão. Os acontecimentos são concretos, delimitados no tempo, e mais facilmente observáveis.
«.-1 'invisibilidade ’ dos processos e das problemáticas exige poder de resposta por parte do
campo jornalístico, exige meios para fazer a cobertura de algo não definido no espaço nem
no tempo, exige tempo para elaborar a cobertura e, ironicamente, o subterfúgio do tempo
(por exemplo, o primeiro aniversário do acidente do Cartaxo, para falar da insegurança nas
escolas) para os ligar à actualidade» (Traquina, 1987: 12).
Precisamente, muitas vezes, os assuntos, processos e problemáticas só são abordados, só
entram no campo jornalístico através da existência de um... acontecimento, como a seguinte
notícia sobre os maus tratos às crianças exemplifica: a problemática é constituída em notícia
devido à realização de um acontecimento: a divulgação de um relatório numa conferência de
imprensa (ver exemplo 2).
175
EXEMPLO 2
Conclusão
Pondo em causa a ideia das notícias como espelho do real, este artigo defende que as
notícias registam: 1) as formas literárias e as narrativas utilizadas pelos jornalistas para
organizar o acontecimento e 2) os constrangimentos organizacionais que condicionam o
processo de produção de notícias. Mas as notícias, apesar da sua reflexibilidade, ou seja, de
estarem implantadas no contexto da sua produção, são apresentadas de forma indexical, ou
seja, divorciadas do seu contexto de produção. Por exemplo, o jornalista pode citar a fonte sem
indicar como uma certa pergunta provocou a resposta da fonte. Como nota Lcon V. Sigal
(1986), saber o modo como as notícias são produzidas é a chave para compreender o que
significam.
176
Os jornalistas
e a sua máquina do tempo (*)
Philip Schlesinger
Abstracto
A produção das notícias é uma parte importante da vida social e cultural contemporânea.
Muito se tem escrito acerca dos «valorcs-notícia» (conhecimentos profissionais) dos jornalis
tas, e do seu papel na construção de um quadro da realidade. O ponto de partida da argumen
tação aqui é que aquele conjunto-chave de conceitos - os que se relacionam com o tempo - até
agora ainda não foi abordado. Por isso, o objectivo principal deste ensaio é remediar o lapso do
actual trabalho sociológico.
O ensaio começa por localizar os jornalistas da BBC estudados (através de observação
directa nas salas de observação londrinas) enquanto membros de uma cultura ocidental consci
entes do tempo. Defende que a estrutura de competição que define a notícia como uma
mercadoria perecível exige uma estrutura de produção baseada no valor do imediatismo
(immediacy) c nos horizontes temporais de um ciclo diário.
N ós descobrimos, na investigação, que a consciência aguda da passagem do tempo
invade os próprios detalhes do trabalho do jornalista de radiodifusão. A linguagem do jornalis
ta fornece distinções conceptuais relativamcnte ao tempo, o que mostra a importância da
dimensão temporal do seu trabalho. Além disso, certos conceitos, nomeadamente «a cadên
cia», «a sequência», «a duração», são utilizados no enquadramento da notícia enquanto forma
cultural. Finalmente, o ensaio defende que para os jornalistas o domínio da pressão temporal é
um meio de manifestar o seu profissionalismo.
Ele encerra com a chamada da atenção para o modo como as «notícias», da forma como
são concebidas actualmente, tendem a acabar com a consciência histórica.
(*) Reedição de: British Journal o f Sociology (Vol. 28, N.° 3, Setembro. 1977). «Ncwsmcn and Thcir Time
Machinc», de Philip Schlesinger. Direitos de autor Routlcdge.
177
n a s u a a b o r d a g e m a re a lid a d e so c ia l. E sta s id é ia s ra ra m e n te tê m sid o s u b m e tid a s a in te r p re ta
ç õ e s e a n á lis e s d e ta lh a d a s (')• O p r o p ó s ito p rin c ip a l d e s te e n s a io é m o s tr a r c o m o o s c o n c e ito s
de te m p o d o s jo r n a lis ta s e s tã o e m b u tid o s n a s s u a s ro tin a s d e p ro d u ç ã o ( d e riv a n d o , n o fim d e
:o n ta s , d a s c o n d iç õ e s d e m e r c a d o c m q u e a s noticias s ã o produzidas) , e a tr a v é s d o re a lc e d a d e
ia a n á lis e , m o s tr a r a fo rm a c o m o a ju d a m a e x p lic a r a ra z ã o d a s n o tíc ia s d e s e r e m o q u e sãc
ia ra e le s e p a r a n ó s . A p r á tic a c o c o n c e ito e s tã o in te rlig a d o s . V e jo e s te e n s a io p r in c ip a lm e n t
o rn o u m c o n tr ib u to p a r a u m a c r e s c e n te s o c io lo g ia d o s c o n h e c im e n to s p r o f is s io n a is d o s pre
u to r e s d o s m e io s d e c o m u n ic a ç ã o d e m a s s a s (=). E v id e n te m e n te , ta m b é m é r e le v a n te p a r a ;
o c io lo g ia s d o te m p o e d o tr a b a lh o . O m a te r ia l a p r e s e n ta d o a s e g u ir p a r te d o e s tu d o d e c a n q
o D e p a r ta m e n to d e I n f o r m a ç ã o d a B B C , c o m b a s e e m L o n d r e s . O e s tu d o fo i c o n c e b id o eni
?72 e 1975, e c e n tr a v a - s e n o s j o r n a l is t a s d e r á d io e d e te le v is ã o ( !).
(•) Nota de tradução - Na cultura profissional dos jornalistas anglo-saxónicos, o termo story é frequentemente
utilizado para referir-se nào só à noticia como ao acontecimento. Nesta antologia utilizou-sc a forma ortográfica
«estória» para evitar qualquer confusão que poderia surgir com a outra forma ortográfica «história».
no facto de os jornalistas da BBC, como outros, serem ims inveterados pcrscretadores da
«cultura dos media». Devoram a imprensa diária em busca de leads e, como aqueles que
trabalham para outras organizações jornalísticas nacionais, estão ligados a vários serviços de
agencias noticiosas. Os jornais são, nalguns aspectos, concorrentes; as agências são niveladoras.
O sucesso em «fazer rebentar» uma «estória» de forma rápida é primordialmente avaliado
rclativamente às emissões da Independent Television News. Existe uma ligação quase mística
à «cacha», como o seguinte exemplo, tirado do trabalho de campo em 1972, mostra.
Um dramático acidente de aviação tivera lugar na área de Londres. O Noticiário da BBC
recebeu a notícia da ocorrência em primeira mão e mandou de imediato um a equipa de
filmagens para o cenário da tragédia. O concorrente, o Noticiário da Independent Television,
foi ultrapassado. Pondo de lado a sua apetência por uma ética vampírica, a seguinte observa
ção do ne\vs editor é extremamente reveladora da atitude dominante em relação ao tempo na
produção jornalística, e também do que é considerado noticiável:
«Do ponto de vista profissional, ficámos satisfeitos por termos chegado ao local
à frente do I.T.N. e termos conseguido o filme quando o avião estava a começar a
incendiar-se. Quando se tem uma noticia deve-se dá-la o mais depressa possível. Não
se consegue saber todas as contingências.» (Ênfase minha).
Esta opinião foi corroborada ao mais alto nivel no departamento de informação. O editor
enviou um memorandum de agradecimento à Redacção, elogiando a equipa de filmagens em
questão «pelos nossos bem sucedidos esforços em trazer o acidente do Trident para o ecrã.
Fornecemos um serviço noticioso mais completo e mais rápido que qualquer outro» (!). Os
outros jornalistas também consideraram esta cobertura um êxito, porque mostrava uma com
petência competitiva baseada em reacções rápidas e porque «o Noticiário da Independent
Television não fizera qualquer cobertura em primeira mão».
A definição da notícia como artigo deteriorável, a concorrência dentro de um a estrutura
(restrita) de mercado, c uma atitude particular em relação à passagem do tempo estão estrita
m ente ligadas. O exem plo anterior indica-nos isso. C onsiderem os agora a estrutura
organizacional dentro da qual a produção jornalística tem lugar. É importante ter-se bem
presente o facto de que enquanto os valores temporais verificados na produção jornalística têm
as suas origens nas condições de mercado em que a notícia tem sido sempre produzida, a
ênfase especifica na rápida reviravolta que agora encontramos foi apropriada, do ponto de
vista histórico, e faz agora parte de uma cultura jornalística relativamente autônoma.
180
sentido do tempo. Pois é evidente que quando falamos acerca de reportagens de acontecimen
tos e estados de coisas, falamos daqueles que ocorrem dentro dos horizontes temporais no dia
do jornalista, «o dia noticioso». Os happenings multifários, convcncionalmente definidos
como noticias, adquirem uma coerência espúria porque são noticiados publicamente durante o
período de um dado ciclo de produção de 24 horas. O ciclo do dia noticioso impõe, por isso,
limites na natureza das noticias. ''
Uma idcia-chave entre os jornalistas de televisão é o «imediatismo». Este é um conceito
temporal referente ao tempo que decorre entre a ocorrência de um acontecimento c a sua ,
transmissão pública como notícia. Em termos logísticos, refere-se à velocidade com que se
consegue montar a cobertura. O tipo puro de imediatismo é a transmissão «ao vivo». Aqui, I
uma equipa de filmagens ou um posto móvel de rádio está na cena do acontecimento enquanto
ele se desenrola, e a reportagem é transmitida «imediatamente» ao telespectador ou ao ouvin
te. Aliás, subjacente a esta noção está a opinião de que o público pode, através dos meios
técnicos de comunicação, estar «presente» no acontecimento. Esta ideia é obviamente fomen
tada pela tecnologia de radiotransmissão contemporânea. Os jornais não conseguem transmitir
as suas reportagens instantaneamente, embora consigam atingir este ideal jornalístico pondo-
as rapidamente em dia em edições sucessivas. O imediatismo age como uma medida para a
deteriorabilidade. Quanto mais imediatas mais «quentes» são as notícias. São «frias» e «ve
lhas» quando já não podem ser utilizadas durante o dia noticioso em questão. A s coisas que
acontecem hoje, esta manhã, esta tarde, esta noite, agora, são aquilo que os jornalistas de
radiodifusão querem conhecer. A «estória» do dia anterior, para ele, pertence ao caixote do
lixo da história: o arquivo de notícias.
Estas idéias estão incorporadas nas práticas do jornalista. Embora seja impossível dar
aqui uma etnografia adequada das rotinas de produção da Redacção, a indicação de alguns dos
principais contornos talvez mostre o modo como o conceito e a prática se interligam.
O dia noticioso do jornalista da BBC é composto por uma série de deadlines. Os boletins
são transmitidos a horas específicas do dia: a BBC-1 ao fim-de-semana, por exemplo, transmi
te os boletins noticiosos às 12.45, 17.40 e 21.00. A cadência de produção para todos os
jornalistas é basicamente determinada desta forma, embora aqueles com ciclos diários experi
mentem um a pressão do tempo mais forte.
O dia noticioso começa, tanto na Redacção da rádio como na da televisão, com uma
reunião do pessoal superior por volta das 9.30 da manhã. Nesta reunião as «perspectivas de
notícias» (as «estórias» mais verosímeis do dia) são analisadas. É a primeira fase da selecção.
A seguinte surge quando o newsroom editor redige um running order (alinhamento) para o
boletim seguinte: este faz uma nova selecção de «estórias» com fortes probabilidades de serem
transmitidas. Ele incorpora preferências baseadas nos «valores-notícia» da equipa de produ
ção. A contínua revisão desta lista tem lugar praticamente até à hora da transmissão. Ao longo
deste período, as reportagens são compiladas e editadas, e alteradas para dar lugar a novos
desenvolvimentos. Este ciclo de produção é repetido relativamente a cada deadline ao longo
do dia noticioso. N o caso da BBC-1, por exemplo, ocorre por três vezes.
Este relato é muito incompleto. Todavia, conseguimos ver que a urgência é um valor
dominante, limitado pela tecnologia das comunicações. A produção prossegue dentro de um
ciclo básico do dia noticioso numa série de ciclos mais pequenos, cada um dos quais acaba
quando o boletim em questão é transmitido. Cada boletim conterá, em geral, algum as
181
S e n a enganoso nao apontar que esta com da contra os dea d lin es nao esta
ia ao ciclo do dia noticioso. G rande parte da cobcnura é plar.eada antes do d l
ecim entos cobertos têm lugar. U m tal planeam ento identifica os «acontecia
num a tentativa de fazer reportagens m ais m aleáveis no dia em questão. O
iosos, as im agens, as palavras, os sons, todos precisam de ser rapidam ente
dos durante as várias fases de produção do dia. Ter entrevistas fixas, equipas de;
ites reservados, im agens e circuitos de som é tom ar a recolha c a transmissão á
lia m ais m aleáveis. O planeam ento assegura que adequado m aterial noticie
onívcl por alturas dos deadlines. Naturalmente, o sistema é falível: pode acontec
pas não cheguem aos seus destinos, as personalidades recusem entrevistas, difieul
:m técnica impossibilitem a transmissão, os censores cortem um filme. Tais condi
;m parte do perigo de se produzir notícias no espaço de curtos ciclos de tempo. Esk
batador fica-se, todavia, por uma luta para se conseguir gerir os deadlines.
le-slots e valores-notícia
r que existem demasiadas notícias disponíveis. O slot e também, por isso, um consuan.
ento (*)• Assim, os time-slots moldam o dia, apresentando um conjunto de alvos formais
quipa de produção. Para estar à altura dos time-slots os jornalistas tem de primeiro respeit
s seus deadlines. # , . ... .
A o prod u zirem n otícias, o s jo rn alistas tom am decisões acerca do que e noticmvel, a
co rd o co m os critérios a le o im precisos conhecidos p o r «valores-notícia» ( ’). C om base neste:
ritérios, as «estórias» têm várias durações. Este processo concede um valor tem poral a
(estória». O s valores tem porais tom am duas formas: eles dão um a sequência à «estória» e
Hurarnn n artim lar. U m a tal valorização temporal está implícita durante todo o
---------— ------------, ------------»v. V* ju u w i j/ v /i UJIIVIU. f - i p i m u i i i i U d a ilU til LUlIJ d b jJü lii
como se elas fossem ouro...» (9). Um boletim noticioso toma a forma de série, na qual o ter
de cada sequência de palavras a ser dita pelos locutores e os repórteres tem de ser calcul
COm n re n is a n F.Yiçtf» u m a accnnr»5rv m c c o lo c d d n J ___ __ _____j -
com uma «estória» estabelecida que é geralmente substituída mais tarde por uma mais recente,
existe um elemento de fragilidade relativamente à estrutura de siatiis num dado dia. O valor
temporal de uma «estória» tem consequências importantes para a satisfação vivida pelos
jornalistas individuais.
4. Slots e desculpas
U m executivo mais antigo observou: «O que pomos de parte é aquilo que, na nossa
opinião, não é considerado notícia no contexto de tempo e espaço limitados.» Esta afirmação é
sintomática. A escassez de tempo que caracteriza a produção jornalística pode ser utilizada
como desculpa contra as críticas daqueles que acham que certas «estórias» tiveram tratamento
insuficiente nos boletins noticiosos. A escassez de tempo é uma defesa: os jornalistas defen
dem a sua própria prerrogativa de decidirem o valor das «estórias». Esta desculpa foi usada,
num a ocasião, por um repórter que estava na posição de negociar a relação entre a sua fonte e
o Departamento de Informação. O entrevistado, o ministro dos Transportes, queixava-se de
que uma entrevista anterior não fora utilizada. O repórter respondeu que não detinha o
controlo editorial, e que de qualquer forma nunca podería haver quaisquer garantias pois o
tempo era sempre escasso. Além disso, disse ao ministro que como era domingo (com um
boletim principal mais curto) a entrevista teria de ocupar o espaço de um minuto. De novo, a
consciência temporal do jornalista pode ser vista como tendo um efeito saliente sobre os seus
procedimentos básicos.
1. As noções de imediatismo
Existe um conjunto de noções que deriva do «imediatismo» e com o qual está relaciona
do, que sugere agitação, rapidez, imprevisibilidade. Sempre que nova informação entra na
Redacção tendo por base uma «estória» existente, é levada a cabo a tarefa de a «pôr em dia».
Novos factos e interpretações têm de ser integrados na «estória», se for para ser utilizada antes
da transmissão. Uma tal revisão é um processo contínuo, e contribui para o sentimento de que
as notícias são naturalmente sempre bem vivas.
As «estórias» são entendidas como «rompimentos», sugestivos de descontinuidadc. De
um ponto de vista logístico ideal, a «estória» deve romper bastante antes do deadline, se for
para ser coberta.
É extremamente importante para os jornalistas que as «estórias» tenham esta aparente
capacidade de rebentar a meada de expectativas existentes. E eles têm meios de o assinalar
para o público. Algumas «estórias», no seu ponto de vista, não podem esperar até ao boletim
programado seguinte. Para estas é utilizado o flash noticioso: à notícia é dado um tratamento
separado na própria altura, o que lhe confere uma aura de urgência e importância. Por
exemplo, quando começou a tomar-se claro que James Callaghan seria eleito líder do Partido
184
Trabalhista (e assim primeiro-ministro), sucedendo a Harold Wilson, este acontecimento foi
considerado suficientemente importante para merecer o seu próprio pequeno slot antes do
boletim noticioso seguinte.
De um modo geral, todavia, o afã de fornecer «estórias» imediatas está presente nos
time-slots regulares. Porém, uma vez que uma «estória» de última hora está sempre condena
da a aparecer, existe um perigo sempre presente de perturbação. Embora isto pudesse desequi
librar o boletim em questão, a urgência é tanta que o transtorno, o stress, a excitação e o
drama criados pela chegada da noticia de última hora é não só desejado como também
considerado ideal. É possível acomodar uma «estória» inesperada, deixando a sequência
intacta e prefaciando-a com «Acabámos de receber a notícia de que...» Esta fórmula realça o
imediatismo da notícia. O outro modo de lidar com este tipo de ocorrência é o locutor dizer «E
agora, uma notícia de última hora...» ainda antes do fecho do boletim. A honra está salva: a
«estória» pode ser simplesmente alguns factos em bruto servidos sem condimentos, mas o
imperativo temporal foi obedecido.
Um outro modo bastante distinto de dominar as notícias urgentes e importantes é o
editor do dia pedir um alargamento do lime-slot. Assim, por exemplo, quando o escândalo
Watergate rebentou, o News at Ten da ITN acrescentou um terceiro quarto de hora para
acomodar as reportagens vindas de Washington, assim como o resto das notícias, frisando o
locutor a razão porque o slot fora prolongado.
Dada a expectativa de poder haver sempre uma nova notícia importante de última hora,
nós achamos que a noticia imediata é tratada com reverência, com todo o seu potencial, pelo
menos, em princípio.
2. O imediatismo exterior
185
iveis à Irlanda do Norte e ao E i r c 7 ° * ™ * ° qUC 05 e s ta ^ n
algo aconteceria no futuro devido a i i i d e n t e S j d L ^ f S 8' ^ CStavam COnvictos de
ífestaçoes, etc.) no passado. Este exemplo é u ^ ^ I ??S àbom ba- ^sassinios,
•ncncia observou cinicamente: «Há tanto tempo que é crisT ^ j° ma' ista com muita
•». ° COnccito «estória» em c o n t i n u a ç ã í S í ^ a * P°de fa,ar ™
r ~ - * * * *
Pd d e s a t a d o „
: *r r r toie,em-“ e° ? T * C W a P»
letins noticiosos. mP° na eStrUtUraçao da apresentação e do estilo «
= H = |~ ~ Í S 3 S S
p 8 ) .0 s bolctms, defendem, têm de estar bem estruturados para conseguirem este obiect
, q“ SCqUenCla lnterCSSantc de noticias t0IT>a-se, assim, um objectivo dominam,
«Mr. David Steel diz que os liberais têm de resolver o problema da liderança
dentro de semanas e não de meses.»
(“) Para um ponto de vista profissional preciso acerca destes conceitos veja-se Swallow (1966, p. 83).
Jornalistas: vítim as ou controladores?
(Jornalista de tele\'isão)
Num ensaio interessante, Lyman e Scott (1970, p. 191) põem em contraste duas atitudes
básicas com o tempo. Escrevem, por um lado, dos «caminhos humanísticos do tempo» onde as
pessoas sentem que têm o domínio e o controlo sobre as suas actividades. Em contraste,
apontam para os «caminhos fatalistas do tempo» onde o sentimento é mais o de compulsão e
obrigação.
De acordo com as minhas observações, os jornalistas exibem estas duas atitudes nas suas
vidas profissionais. A razão para isto reside nos peculiares constrangimentos situacionais
colocados pela produção jornalística. A notícia, apesar de muita da cobertura ser pré-prepara-
da, apresenta muitos caprichos aos jornalistas. Por definição, o imprevisto está ao virar da
esquina. Os jornalistas estão por isso aptos a descreverem-se e ao seu trabalho de forma
fatalista. Eles vêem-se como vítimas e contam este tipo de «estória»:
A sala de Redacção está calma, a actividade e a rotina estão controladas. Então «rebenta
a bomba». Ou, como diríam os sociólogos, um elemento qualitativamente distinto de experiên
cia, entra na situação de forma dramática. Acabara de estoirar uma grande «estória»: os
recursos têm de ser mobilizados e os planos abandonados.
A «estória» é contada de um a forma que expressa exactamentc o modo como a operação
entra na engrenagem, em turbilhão. A cadência de trabalho toma-se frenética, absorvente. Os
repórteres podem ter de abandonar uma tarefa de repente - para fazer a reportagem de um
assalto a um banco, um acidente aéreo, entrevistar alguém. Os editores têm de tomar decisões
rápidas. «Tudo acontece» num episódio de actividade de fogo concentrado. As expressões são
curtas, por vezes rudes; os movimentos rápidos; a atmosfera tensa; o nível de som vai aumen
tando. Os sub-directores dividem-se entre a Redacção e as salas de montagem, trocam algu
mas palavras com o editor do dia e ditam a sua copy aos dactilógrafos; a narração do noticiário
televisivo tem lugar a uma cadência de cortar a respiração. Todo este tipo de experiência é
considerado extremamente significante. Para os repórteres, existe um grande contraste qualita
tivo entre a preparação (marcar entrevistas e convidar as fontes), que implica espera e conten
ção, e o acto de fazer reportagem ou entrevistar, o que é visto como o aspecto realmente
autêntico da profissão.
Eles oscilam entre a vítima e o controlador. É a partir dos aspectos autênticos da
produção noticiosa - sobretudo a hora antes da transmissão do boletim, quando o trabalho
atinge o ponto máximo - que surge a idealizada e tipicamente anunciada imagem de controlo.
É a partir da experiência directa da estrutura de trabalho num dado ponto que toda a operação
vem a ser caracterizada como um drama febril.
188
critérios partilhados de competência. E mais uma questão de sentir certas coisas, de
velha adrenalina a correr». Os jornalistas têm tuna interpretação cultural específica do
dciro significado do seu trabalho, na base do qual estão a excitação e o perigo que ad\
facto de depararem com apertados deadlines. Tomar-se num controlador, transcender
sso o caracter caprichoso, sacrificador, da notícia, é o que faz o trabalho noticie
ixcitante.
No entanto, a retórica empregada pelos jornalistas na descrição das suas acti\
liverge da realidade observada. De um modo geral, a situação de produção está longe
aótica, senão a um nível superficial. A sua base racional aponta para o controlo e a p r
nquanto aqueles que nela trabalham louvam a contingência. De facto, há uma curiosa
a grande agitação para preencher o slot nos minutos que o antecedem. Gcralmentc, a c
s notícias ocorre tão tarde propositadamente, pois quanto mais tarde chegam mais ui
io. Assim, os jornalistas ansiosos põem em prática um sistema que alimenta as suas ai
:s. A s contingências são efectivamcnte criadas pelo próprio ciclo do dia noticioso
itícia não fosse definida como aquela que tinha de ser encaixada em vários slots nun
ário, o caracter do trabalho dos jornalistas, e da própria notícia, poderia ser, e seria, dii
inclusão
Seria enganoso tentar qualquer argumento determinista, desde a natureza das noticias
até à qualidade da nossa consciência histórica. Não existe aqui nenhuma reiaçãc causa-efeito.
Mas há uma parcialidade evidente nas notícias contra o longo prazo, e é piausível argumentar
que, quanto mais tomarmos nota das notícias, menos conscientes ficaremos do que está por
detrás delas.
190
«A construção
do noticiário eleitoral:
um estudo de
observação na BBC» (*)
«Considerando o material que tínhamos, foi o melhor que conseguimos fazer» - disse
um produtor de informação da BBC, numa reunião de balanço depois de um boletim de
notícias eleitorais.
(*) Reedição de: «The Construction of Election News: An Observation Study at thc BBC», de Michael
Gurcvitch e Jay G. Blumler, publicado no livro Individuais in Mass Media Organizations: Crcativity and
Constraint, de James S. Ettcma c D. Charles Whitncy (Eds.), Bcvcrly Hills, Ca: Sagc Publications, 1982. Direitos
de autor: Sage.
191
«toque» de comentários vivos que entendem ser necessários; c a presença orientadora nas
mentes dos jornalistas televisivos de certos critérios de uma boa «estória» (*) d t campanha.
Contudo, o que aparece no ecrã também emerge de um processo mais problemático de
exame minucioso dos materiais a serem utilizados e de tomadas de decisões (algumas vezes
extremamente rápidas, outras após grande debate interno) entre modos alternativos de apre
sentação do que está à mão. Em parte, isto acontece porque até que as «contribuições»
disponíveis sejam monitoradas e avaliadas umas em relação às outras, ninguém pode dizer
exactamcnte quais os materiais que melhor se combinarão para produzir um a efectiva notícia
de campanha. Em parte acontece porque os jornalistas que se encarregam de tal trabalho,
apesar de terem completado o seu estágio e a sua socialização, não são pessoas de horizontes
fechados. Melhor, eles trazem para a reportagem eleitoral uma mistura algo insolúvel de
diferentes atitudes e disposições profissionais, empurrando-os nesta ou daquela direcção, enquanto
executam a sua tarefa posteriormente, ou quando ponderam sobre aquilo que conseguiram fazer.
Este capitulo apresenta algumas das impressões mais salientes com que os autores
ficaram de um estudo de observação da produção jornalística na BBC, durante as eleições
gerais de Abril e Maio de 1979. Este estudo foi o último de uma série de inquéritos semelhan
tes, que remontava às eleições gerais de 1966, nas quais um ou dois de nós explorámos o
funcionamento do sistema de comunicação político britânico a partir de vários ângulos. As
ligações, há muito existentes, com o pessoal da informação da BBC, desde estas investigações
anteriores, ajudaram a desenvolver as relações de confiança que foram essenciais para a
condução do estudo de 1979. Tivemos permissão para estar presentes em qualquer lugar da
nossa escolha nas várias áreas de produção jornalística; para assistir a discussões de executivos
e produtores de informação, tanto as referentes a plancamento como as que diziam respeito a
análises criticas de produção recente; e para discutir as implicações do seu trabalho com
qualquer dos indivíduos envolvidos no jornalismo de campanha.
Background
Antes das eleições gerais de 1959, os boletins noticiosos britânicos ignoravam, zelosa-
mente, todos os acontecimentos da campanha. Hoje em dia, a cobertura regular que fornecem
é um veículo verdadeiramente central da campanha. A sua centralidade provém, primeiro que
tudo, das grandes audiências dos programas de informação e da reputação credível. É por isso
que eles são assiduamente cultivados pelos dirigentes partidários, que estão ansiosos de inserir
as suas preciosidades nos boletins noticiosos, e tomam-se, por isso, numa importante arena
eleitoral, na qual os combatentes desfilam diariamente, fazem discursos, aparentam autorida
de, dão apertos de mão, e tentam ganhar pontos aos adversários. O que os telespectadores vêm
de tudo isto depende, todavia, do modo como a arena é construída pelos profissionais dos
media que são responsáveis pela «reportagem» e «cobertura» da campanha. Neste aspecto, o
noticiário televisivo não é meramente um canal através do qual mensagens e imagens projcctadas
pelos actores políticos são transmitidas aos votantes, como água a sair de uma torneira. O
modo como os editores e os repórteres empreendem a tarefa jornalística de apresentar ou «pôr
(*) Nota de tradução - Na cultura profissional dos jornalistas anglo-saxónicos, o termo story é frequentemente
utilizado para refcrir-sc não só à notícia como ao acontecimento. Nesta antologia utilizou-se a forma ortográfica
«estória» para evitar qualquer confusão que poderia surgir com a outra forma ortográfica «história».
192
cm cena» a contenda é tão formativo que eles tomam-se não só observadores como também
uma parte integrante da própria campanha.
Em 1979, o papel do noticiário televisivo nas eleições foi determinado por, pelo menos,
quatro aspectos dignos de nota. Primeiro, a convocação de uma eleição induz a uma subtil
mudança de velocidade: o entusiasmo aumenta mas os controlos intensificam-se. Como afirma
um editor: «Este é, de longe, o maior gênero de 'estória' que um órgão de informação
televisivo pode ser levado a cobrir.» Todavia, muitas das normas que orientam o trabalho dos
jornalistas com mais flexibilidade nos períodos fora das eleições são impostas com um rigor
maior durante uma campanha, incluindo uma interpretação mais rígida dos conceitos de
imparcialidade e equilíbrio, uma repercussão mais fiel das declarações e iniciativas dos porta-
vozes partidários, e mais circunspecção quando se aventurarem a comentar as actividades dos
políticos. Embora sejam geralmente respeitadas, as limitações resultantes são, por vezes,
também alvo de ressentimentos e reaccões contrárias.
Segundo, é concedida grande importância ao noticiário eleitoral na televisão britânica,
embora a sua produção tenha de ser encaixada em boletins que têm de continuar a cobrir a
informação diária não eleitoral. Um indício da sua especial importância é o facto de que, com
o inicio dc uma campanha, muitos dos elementos mais experientes e de maior crédito da área
política da BBC são destacados para trabalhar na equipa de informação eleitoral. Isto talvez
ajude a explicar um aspecto importante, que é o facto de a força da cobertura eleitoral britânica
ser diferente da sua congênere americana: segundo Patterson (1980), os principais canais
televisivos (os networks) descrevem predominantemente as eleições presidenciais como uma
corrida de cavalos, dando muito mais atenção ao que ele chama de «jogo» eleitoral, definido
como relatos sobre vencedores e vencidos, estratégia e logística, aparições públicas e excitação
desmesurada, do que à sua «substância», definida como os problemas, as políticas, as caracte
rísticas pessoais, as folhas de serviço e os apoios. Embora o noticiário televisivo britânico não
ignore o jogo de campanha, muita da sua produção concentra-se nas declarações substantivas
dos líderes partidários acerca de problemas e políticas. Além disso, o noticiário eleitoral ocupa
uma parte considerável da duração do boletim noticioso, atingindo geralmente quase metade
do total. N um a base diária, todavia, a duração cxacta é negociada à luz das circunstâncias, e,
dc vez em quando, os produtores do noticiário televisivo que observámos eram fortemente
pressionados a racionar aquilo que haviam preparado e a descartar o que parece estar cm excesso.
Terceiro, a produção de noticiário eleitoral para televisão é uma luta contínua para
reconciliar dois objectivos potencialmentc opostos da política editorial. A cobertura de campa
nha deve, não só ser noticiável como também honesta. Por um lado, os jornalistas devem
comportar-se como profissionais, aplicando os seus tradicionais instintos de noticiabilidade à
colheita diária de declarações e incidentes da campanha. Por outro lado, cada partido deve, em
principio, receber aquele quinhão de atenção que é merecido pela sua força no país (definido
por um a fórmula mista de expressão de votos nas eleições anteriores e os lugares cm disputa
nas correntes). N a prática, os jornalistas tomaram como referência a distribuição de tempos de
antena radiofônicos que foram atribuídos a cada partido na referida campanha - que prescre
via uma proporção de 5: 5: 3 para os partidos Conservador, Trabalhista e Liberal, respectiva
mente, em 1979.
Quarto, antecipando-se à campanha de 1979, os responsáveis pela política da BBC
haviam resolvido fortalecer a contribuição analítica da produção jornalística eleitoral. Em
parte, isto foi uma resposta às críticas à cobertura de 1974 por ter sido excessivamente fechada
193
e passiva (Harrison, 1975). Em parte, era o refiexo de utr.a alteração do p óorio papel do
principal noticiário da noite entretanto introduzido, e deixou de ser um mero boletim de
registos para passar a fornecer reportagens mais longas acerca de acontecimentos noticiosos
importantes que visavam colocá-los num contexto explicativo. Quando as eleições de 1979
foram anunciadas, foi, por isso, natural decidir que embora o noticiário da campanha devesse
ser predominantemente «reactivo» (distinguindo-o, neste aspecto, dos principais programas de
actualidade e de debates), ele devia também arranjar espaço para um elemento moderadamen
te «reflectivo». Um produto desta abordagem foi uma decisão para preparar tuna série de
reportagens sobre as questões centrais da campanha (os preços, as relações industriais, os
impostos, a agricultura, etc.), resumindo, cm cada caso, as posições dos principais partidos c
confrontando-as umas com as outras. Uma outra ideia, e potencialmente mais significante, foi
dar ao editor politico da BBC a responsabilidade de apresentar todo o pacote de noticias
eleitorais cada noite. Como o editor adjunto do noticiário da BBC explicou:
«Da última vez, colocámos a peça do editor político algures para o fim da colaboração
do newsreader. O noticiário eleitoral podería ter consistido numa sucessão de declarações,
resumidas pelo newsreader, um bocado de filme, depois o remate do editor acerca do modo
como a campanha estava a decorrer. O que todos nós sentimos foi que devíamos alterar isto.
Precisamos mais de algo que coloque as coisas no seu contexto próprio do que de uma
introdução de duas linhas ou de uma peça de síntese. A ideia é transformar o analista político
principal em pivol, de modo a que ele fique em posição de o poder fazer. (O editor politico),
então, ficará a apresentar o material de campanha em todos os principais boletins noticiosos da
noite da BBC 1. Assim, ele pode não só rematar o material diário da cobertura eleitoral,
fazendo a síntese à sua maneira, como também inserir comentários analíticos em tudo aquilo
que for surgindo.»
O cenário
194
m a m e s a a p r o a u ç a o jo r n a lís tic a e le ito ra l, u m d e s te s d iz ia re sp ei
ã itic a t q u e s e o b tin h a e n tre a « p e r ife r ia » d a c a m p a n h a , is to é ,
:o s o p e r a v a m , e o « c e n tr o » d e p r o d u ç ã o o n d e o n o tic iá r io et
e s te m o d o d e id e n tific a r o c e n tr o e a p e r ife r ia p o d e p a re c í
r c r s ã o d a « v e r d a d e ir a » o r d e m , u m a ■vez q u e o c e n tr o d a a c tiv
a lític o s a c tu a m . A c a r a c te r ís tic a m a is s ig n if ic a n te d a p e r if e r ia
e n tr a d o . I s to é , o s lu g a r e s e m q u e o p e s s o a l d a in f o rm a ç ;
i e r a m r e d u z i d o s c e r a m r e p e tid a m e n te r e v is ita d o s n u m a b a
r a m q u a s e u n ic a m e n te d o s q u a r t é i s - g e n e r a i s o n d e o s t r ê s p ri
l a m e n t e a s s u a s c o n f e r ê n c ia s d e i m p r e n s a , d a s c i d a d e s q u e
p a r a p a s s e a r à ta r d e , e d o s s a l õ e s o n d e e l e s s e d i r ig i a m a
oitc.
:r coberto um leque mais vasto de discursos vespertinos, rr
rte p o r causa dos limites no núm ero de unidade de equi]
>s aos com ícios pelo país, m as principalm ente porque
a m an ter-se em cim a do que Jam es C allaghan, Margc
a oferecer. C om o um produtor nos disse: «O problem a c
tentam os afastar deliberadam ente de u m dirigente partidi
r alg o significante.» A ssim , a tentativa (nas p alavras de
sp e c ta d o r o m ais d etalh ad am en te possível o m o d o conu
m larg a m edida, cen trad o num n ú m ero lim itad o de lo
v isto a p a rtir d a p ersp ectiv a d o jo rn a lista , o centre
nrín nnn en tre a b alb ú rd ia de d isc u rso s e a titu d e s po lít
partidos. Estas eram presididas pelo dirigente máximo do respectivo partido, coadjudado por
cerca de meia dúzia de outras figuras, escolhidas de acordo com as questões que esperavam
debater no dia respectivo. As conferências tinham lugar nos quartéis-generais partidários na
parte central de Londres e eram transmitidas dircctamente para o Centro de Televisão, onde
eram exibidas em monitores e gravadas para se retirarem excertos. Devido às conferências de
imprensa dos trabalhistas e dos conservadores serem marcadas para a mesma hora, alguns
elementos do pessoal da informação tinham de estar de olho no monitor trabalhista enquanto
outros viam o conservador. (A conferência dos liberais era logo a seguir.) Caneta e bloco na
mão, tiravam notas do que se ia passando, do mesmo modo como se estivessem presentes
fisicamente nas conferências. Isto não quer dizer que a BBC se afastasse das próprias confe
rências. O editor político estava gcralmcnte presente numa delas, enquanto um outro repórter
assistiría à outra. Ambos regressariam ao Centro de Televisão logo que as conferências de
imprensa chegassem ao fim.
Procedimentos semelhantes tinham lugar durante a tarde e a noite. O material do
passeio da tarde era canalizado para o Centro de Televisão, principalmente na forma de uma
breve «estória» escrita e levada a cabo pelo repórter local. A probabilidade de os assuntos das
conferências de imprensa e de os passeios serem utilizados no principal boletim da noite
dependia, naturalmente, da disponibilidade e da noticiabilidade de outro material. As decisões
acerca destes tinham, por isso, que esperar até que a fornada seguinte de declarações dos
dirigentes partidários chegassem à noite. Aquelas que os partidos esperavam que fossem
cobertas no noticiário eram feitas por volta das 19/19.30 por causa dos deadlines. Uma vez
que o noticiário da noite da BBC era transmitido às 19.30, os seus produtores estavam em
ligeira desvantagem nesta fase da cobertura em relação aos seus concorrentes do noticiário da
Indcpendent Television, cujo principal boletim noticioso ia para o ar às 22.00. Embora «tendo
primeiro a noticia» daquilo que os dirigentes partidários haviam dito, o sta ff da BBC tinha
menos tempo para a selecção dos excertos e a preparação dos comentários a propósito, e o
editor político era algumas vezes visto ainda a trabalhar o seu texto apenas a 20 ou 30 minutos
antes de ir para o ar.
Advance releases das passagens-chave dos discursos de princípio de noite dos políticos,
geralmente chegavam à «oficina» pouco antes de começar. Estes eram rapidamente vistos a
fim de identificar os principais temas a serem realçados e de localizar as passagens ilustrativas
que pudessem ser destacadas para inclusão no boletim. Todavia, o discurso integral era
passado em monitores na área da «oficina» e ouvido através de auscultadores pelos vários
membros da equipa de produção, que geralmente trocavam comentários lacônicos acerca das
passagens marcantes e aproveitáveis. Embora um repórter da BBC estivesse sempre presente
no comício, a falta de tempo e o facto de os produtores na «oficina» estarem na posse do
material em bruto significava que eles tinham o poder, se não mesmo a obrigação, de preparar
as reportagens acerca dos discursos do fim de tarde com pouca ou nenhuma ajuda dos
repórteres no local. Tendo tudo à mão por volta das oito, mais coisa menos coisa, eles podiam
então pôr as várias «estórias» do dia naquela sequência que melhor reflcctia a sua importância
relativa, editar os extractos de modo a não exceder o tempo disponível para o segmento
eleitoral no boletim, e finalizar os elos de ligação que transportariam o telespectador de uma
«estória» para outra.
Descrevemos esta rotina diária para ilustrar, com algum detalhe, um aspecto crucial do
preocesso, nomeadamente até que ponto a cobertura da campanha era conduzida a partir do
«centro», como realmente era, mais do que a partir da «periferia». Embora nos jornais a
Redacção seja o local onde a forma final é dada ao produto noticioso, os materiais com os
196
içao de observar cs acontecimentos a serem relatados a medida que sc desenrolava
raras ocasiões é que essas experiências eram mediatizadas por um repórter an;
garem ao Centro. A um nível, tudo isto podería ser encarado simplesmente comc
stão técnica. A tecnologia electrónica possibilita que o pessoal na base esteja em coi
:cto com os acontecimentos da campanha, ou melhor, traz esses acontecimentos di
nte para a Redacção. M as a mudança de tecnologias tende também a alterar os hábit
>alho dos respectivos trabalhadores, assim como os produtos que deles emanam.
Muitas consequências pareciam provir de uma rotina de cobertura «centralizada»
■cessa os materiais regularmente recebidos de poucos postos, repetidamente visitado
i feria. Primeiro, o papel de repórter no terreno estava consideravelmente reduzidc
portância, se não mesmo totalmente eliminado. O que tem sido directamente afectadt
tendência do editor na sala de Redacção, dos juízos e impressões dos repórteres. Nat
:nte, as conferências de imprensa não podem ter lugar apenas perante operadores de d
alguém tem de estar presente para colocar questões. Contudo, o editor político que ass
ima das conferências todas as manhãs, no seu regresso à base, não escrevia qualquer re
acontecimento. Em vez disso, trocava impressões com os editores e produtores do Cer
e também eram testemunhas oculares, se bem que à distância. O seu objectivo ao assisti
nferências não era relatar o que havia transpirado, mas o «experimentar em primeira m:
ia se familiarizar com as rcacçõcs dos outros repórteres presentes, e para «sentir a atmo:
». Evidentemente que o repórter integrado na comitiva de um dirigente partidário est
:upado mais activamcnte a dar forma a certas «estórias» para contar mais tarde. Mas es
jtícias dcbruçavam-sc principalmente sobre a parte mais folclórica da campanha, plane;
:los conselheiros de publicidade partidária de modo a fornecer aos radiodifusores cenár
lllcn°s, tanto direito a resneito ~ ^ 1 ‘ num coro>c n d í °s outros
oizer que os juízos políticos não contavam o a m n à T ^ f 065 C° ‘110 Ck '•)' Óprio' Isi0 n5°
>ocs, pan.cularmente quando as escolhas tinham à ^ ' ^ awcblvam claramente muitas
* 1 » p » » ™ „ TOi “ „ r m » r , cni " “ “ n “ * < * * ™ -
fpira, como o editor político tivesse sorrido dos noulros campos. Era como se
ete.nst.tcasdo notic'àno teievis vo c tivesse aceitado a
f ^ ^ socializ'1 lèo às cicigências
« m e t a . Numa ocasião, dissemos e i S S T S ^ B de
prensa e escutara excertos de uma terceira Imnro -P C° assisl' ra a duas conferência*
» » Vtsào mais d a m do „ se a ° « « ; * « . de ,« e a p e s i
s s r r - ^ ís s íiíír " - ^
m ÊMm Êm
'r n r n m m m í
e um dos quartéis-generais partidários acerca do discurso oa n o n c uu -
jsivel fazer qualquer filmagem antecipada, no entanto na m ensagem dia.
ac vocês querem é de três minutos e meio e começara uns ™ 0
. ter levantado para falar». Como um dos produtores nos confidenciou
«Por que c que eles não nos dizem se vai se r so b re p reço s o u qualquer
sunto? Deixam -nos num a pesição em que não sabem os q ual será o co n te ú d o ,
tentar condicionar-nos. Levam -nos a pensar se o líder está a re e sc re v e r o d ú
e modo a levar algo cm conta que já apareceu em boletins n oticiosos an terio r
isicologia desta mensagem é a de levar-nos a esperar pela peça com m u ito
ixpectativa do que a que sentiriamos de outro m odo. C om um prè-print poi
analisar os diferentes artigos desejados e compará-los entre si. M as agora ele pôs
excitados ao dizer que é o tal extracto que nós queremos. Isto pode originar que
dêmos mais importância do que se impunha. E também podem os ouvir com mc
atenção os outros cxtractos da peça. E muito provavelmente o líder fará um a pau.
fim de nos salientar o extracto que tem em mente.»
200
gravaaos ae aiscursos ac pomicos nos ooicnns nonciosos, enwo atzem os que t
de conseguir um equilíbrio justo entre os partidos políticos. Assim, no decun
campanha, seria muito possível que tivesse sido atribuída a mesma quantidac
tempo de antena nos boletins noticiosos aos cxtractos de discursos de políticos ti
lhistas ou conservadores, e muito menos tempo aos discursos de políticos libe
Utilizamos a partilha dos votos totais obtidos pelos partidos nas anteriores elei
gerais, como guia para a divisão do tempo destinado aos extractos dos seus discu
nos nossos boletins noticiosos.»
/ BBC 1 j IT
Trabalhista (Callaghan) 39 44
Conservador (Thatchcr) i 40 / 45
Liberal (Steel) 1 42
“ /
Este critério preocupou os radiodifúsores no início da campanha de 1979, quaná
Eles receavam ter de «exagerar» a posição dos tones de modo a manter o equilíbrio, tendo de
«distorcer os valores-notícia por razões puramente técnicas». O produtor executivo acrescen
tou uma nota jocosa, meditando acerca do «que aconteceria se os Tories só fizessem campanha
nos últimos dois dias das eleições. Nesse caso, tentaríamos meter todo o tempo que lhes estava
concedido para esses dois últimos dias?»
Refere-se que este executivo encarava as aparições dos tories no noticiário mais como
algo «concedido» do que «ganho» através da aplicação de valores-noticia. Felizmente para os
radiodifúsores, todavia, após um começo algo momo, os conservadores saltaram rapidamente
para a luta, dando fmalmente a Thatcher tanta evidencia como a que Callaghan recebia da
parte dos trabalhistas.
Qual o balanço geral que podemos fazer da abordagem escrupulosamente imparcial da
reportagem da campanha por parte dos radiodifúsores britânicos? Embora salvaguarde os
partidos políticos de um a cobertura manifestamente tendenciosa e assegure a atenção sobre a
maioria dos seus temas preferidos, ela também constrange a construção do noticiário eleitoral
em, pelo menos, três casos principais. Primeiro, o princípio de equilíbrio está em tensão com o
critério de objectividade. Mesmo que aconteça que um partido seja muito mais activo do que
outro, a televisão tenderá a envidar todos os seus esforços para ignorar e ocultar o facto.
Segundo, circunscreve o papel dos valores-noticia no processo de selecção - ainda mais do que
a linguagem de «compromisso» da politica oficial. Os jornalistas não se podem dar ao luxo de
se guiarem predominantemente por aquilo que seria mais interessante e significante para os
espectadores. Em vez disso, o seu ponto de partida deve ser a necessidade de fazer, a partir das
actividadcs do dia dos trabalhistas, conservadores e liberais, aquela particular mistura equili
brada que pode ser prontamente combinada num pacote global facilmente inteligível. Terceiro,
o equilíbrio molda inevitavelmente a forma das reportagens eleitorais. Uma vez que as
«estórias» eleitorais têm de ser construídas a partir de mensagens dos trabalhistas, conservado
res e liberais, os produtores estão continuamente a fazer face ao problema de decidir o modo
como justapor os ingredientes multipartidários que geralmente são obrigados a apresentar: por
outras palavras, o modo de os meter num pacote profissionalmente satisfatório.
204
poderíam ser utilizados. Vistos a essa luz, os principais pecados a ser evitados eram a falta de
rigor e a falta de ligação da apresentação. Vista de um modo mais positivo, todavia, a arte de
editar o noticiário de campanha era encarada como a produção de um pacote coerente. De
facto, muito do tempo e do esforço dos editores era gasto na busca de uma linha de narração
unificadora, na qual se podiam enfiar os acontecimentos eleitorais do dia. Assim, logo que
cada novo dia de campanha despontava, começava a busca de um tema de ligação, à volta do
qual os pacotes dos vários boletins podiam ser construídos, e aos quais se podiam ligar clips de
observações de políticos.
Nos dias das nossas observações, esta preocupação com a construção temática da «estó
ria» tomava muitas formas. Por exemplo, isso foi corroborado numa entrevista mantida com
um editorialista que, quando solicitado, no início, a descrever quais os objectivos da cobertura
eleitoral, respondeu que ela devia «retratar» o que se passava:
«das questões que forem surgindo, aquelas que aparecem por iniciativa deles devido a
acontecimentos externos, aquelas apresentadas pelos partidos, porque fazem parte da
sua estratégia... c seguir isto dia a dia c tentar discernir e estabelecer um padrão
inerente» (ênfase nossa).
Isto, continuou, era «uma coisa difícil de fazer», porque, «num dia existem possivelmen
te dez questões levantadas por várias pessoas, talvez 20 ou 30 diferentes». Fosse como fosse,
eles tinham de «tentar estabelecer um padrão» naquilo que estava a ser comunicado. Para
ilustrar este problema, salientou que ao princípio do dia tinham sido comunicadas as taxas de
desemprego mensais. Acontecia que
«se dá muito mais atenção a elas e às questões acerca dessas taxas a serem levantadas
em discursos do que a algumas outras coisas: Mas hoje também tivemos o problema
da habitação, algumas referências a outros aspectos do desemprego e a todo um
conjunto de coisas. Não se podem incluir todas: o telespectador não as conseguiría
absorver e digerir, mesmo que o fizéssemos.»
E quando lhe pedimos para explicar como o padrão do dia era elaborado, a sua resposta
transmitiu de forma viva o quadro de um comunicador profissional que estava em sintonia
com a esperança de fornecer, de qualquer modo, um padrão:
205
políticas, surge. É satisfatória, tem uma extensão adequada, e é talvez aquilo que
devemos inserir, até porque encaixa perfeitamente no nosso padrão. Utilizamo-la e
apresentamo-la. É adequada; disso não temos qualquer dúvida.»
Este não foi um mero modo pessoal de racionalizar o seu próprio papel no processo de
produção. Segundo as nossas observações, essa elaboração do pacote surge em todas as fases
do dia de campanha. De manhã, por exemplo, a frustração em relação à marcação para a
mesma hora das conferências de imprensa dos conservadores e dos trabalhistas foi expressa,
numa ocasião, desta maneira:
«Não é apenas uma questão de termos de repartir a nossa atenção entre elas.
Melhor, é que conferências de imprensa simultâneas retiram-nos a hipótese de pegar
naquilo que um jornalista ouve numa conferência e coloca como questão na outra -
uma forma de confrontar as duas posições.»
De facto, para contrariar esta dificuldade, um repórter da BBC ao assistir a uma das
conferências de imprensa utiliza, por vezes, um auscultador em miniatura para transmitir o
desenrolar da outra; isto possibilitava ao repórter fazer acusações que estavam a ser feitas por
um partido, em forma de pergunta, ao líder do outro partido - para obter, como nos disse mais
tarde, «excertos complementares acerca do mesmo tema».
Mais tarde, quando os editores tinham um número de informações para dar e estudavam
os vários alinhamentos possiveis, deixavam escapar comentários do gênero: «Vamos lá ver
como é que as coisas se podem ligar umas com as outras»; «As coisas estão a começar a tomar
forma»; «Fazemo-lo no tema dos preços - com as acusações e as refutações entre os partidos».
Mas uma vez que não havia um único tema que se pudesse aplicar a todas as «estórias»
disponíveis, tinha de se dar uma maior atenção ao teor integrativo das frases e expressões que
ligavam as várias peças («itens»). Como salientou um produtor, depois de um envolvimento
particularmente exaustivo em tal exercício:
206
Como muitos destes comentários mostram, uma «boa elaboração dos pacotes» era defi
nida por certas normas que nem sempre eram conseguidas na prática. M as ao esforçarem-se
por editar o noticiário eleitoral segundo esses padrões, o que é que os jornalistas de televisão
estavam a tentar fazer pela campanha? Esta questão é de difícil resposta porque o seu papel é,
ao mesmo tempo, passivo c criativo. O volume de materiais que eles processam têm origem,
não nas suas prioridades pessoais mas nas fontes partidárias. Um repórter político experiente
chegou a dizer-nos:
No entanto, eles também se esforçam por impor uma estrutura nos materiais que afiuem
à «oficina», a qual rcflccte a sua percepção do modo como os elementos mais proeminentes
podem ser encaixados no quebra-cabeças eleitoral do dia.
Será que isto conduz a um papel de «agenda setting » realizada pelos produtores das
notícias televisivas? Eles negá-lo-iam, presumivelmente porque, aos seus olhos, este termo tem
um significado de intervencionismo activo, como se estivessem a ser acusados de promover
assuntos que eles, pessoalmente, consideravam significantes, apesar ou m esmo em contradição
com outros assuntos em que os partidos desejavam insistir. Contudo, as tarefas de «elaboração
de pacote», que levam a cabo, podem ter consequências formativas, tanto para o modo como a
campanha é comunicada ao público como para o modo como os partidos políticos planeiam as
suas estratégias de campanha.
Primeiro, o processo editorial de selecção, comparação e justaposição de afirmações, que
podem ter sido feitas independentemente umas das outras, dá geralmente uma versão extrema
mente «condensada» da campanha. Ao mesmo tempo, quando a equipa testemunha numero
sas iniciativas e monitora várias argumentações, ele possibilita ao newsreader abrir um pacote
eleitoral com um a afirmação lacônica do gênero: «Os preços foram a qucstão-chave nas
conferências de imprensa de hoje.» Uma tal decisão de salientar «os preços» de entre as
numerosas questões a ser expressas e sublinhá-la como tema central do dia, provém da
necessidade que o jornalista tem de um «gancho» (hook), «cabide» (peg) ou denominador
comum, viáveis, e não dos seus próprios valores políticos. No entanto, o processo editorial
molda indubitavelmente a campanha, se não através da composição independente da agenda,
mas no sentido duplo de: a) expurgar a campanha eliminando o material que não pode ser
encaixado numa «estória» concisa, c b) cristalizar a campanha, trazendo-a para um ponto
convergente.
Segundo, um a das mais importantes consequências da elaboração do pacote do noticiário
eleitoral é a amplificação dos extractos escolhidos para transmissão. Uma visão tradicional do
processo de selecção nos meios de comunicação de massas interpreta-o como uma operação de
gatekeeping. Segundo essa visão, a selecção envolve meramente decisões acerca de quais os
pontos de vista que devem ser deixados passar através dos «portões» (gates) dos media e quais
devem ser excluídos. Todavia, esta ignora a amplificação resultante de um a pequena porção de
um discurso numa mensagem total. Não é que a atenção esteja apenas centrada no extracto
radiodi fundido, mas é que este vem a representar, para o público telespectador desse dia, a
essência e a peça fulcral da mensagem de origem partidária.
207
Terceiro, contrapondo continuamente a posição de um partido acerca de unia questão
com a dos seus rivais, os jornalistas parecem estar a promover a comunicação interpartidária.
Quando interrogámos um produtor acerca da razão porque era importante p rocurar um certo
grau de «entrelaçamento» entre os clips dos porta-vozes dos partidos rivais, respondeu:
E quando lhe perguntámos se ele e os seus colegas estavam a ajudar, na verdade, a uma
confrontação entre os partidos, respondeu:
«Estamos sempre a agir em nome do nosso público. Pelo menos, é o modo como vejo
o problema. É muito mais inteligível se agarrarmos este, aquele e aqueloutro factos e
os utilizarmos numa ordem completamente diferente da original, pois elas ilustram
a representação de um a argumentação.»
208
:sse cuidadosamente ordenada e impossível de refutar. Contudo, esta justincr.çao ignora
características essenciais do local de trabalho dos jornalistas. Em primeiro lugar, operan-
partir da sua base na «oficina», estão muito afastados das verdadeiras necessidades de
micação dos telespectadores. Não têm qualquer meio de dizer se os pacotes que eles
>ram estão realmente a ser recebidos pelos telespectadores como elementos úteis na
ficação dos assuntos eleitorais. Em segundo lugar, devido ao rígido controlo de tempo que
iarte integrante do formato do boletim noticioso (nas extensões dos extractos de discursos
assuntos e do pacote no seu todo), qualquer «diálogo» que eles consigam criar serr
itavelmente breve e frouxo, e correrá o risco de reduzir assuntos complexos a um rápide
i e tensa troca de slogans vivos, frases curtas, metáforas, alegações e réplicas.
Os profissionais da informação tendem a ver-se, então, como «empacotadores» ben
irmados c engenhosos, perserutando os materiais em bruto, fornecidos pelos políticos
ccionando aqueles extractos que, na sua opinião, são significantes e se prestam a st
dos e justapostos a outros comentários (opostos, de preferência). Através destas ligações
aposições eles tentam contar uma «estória» e construir um pacote coerente. Os académicc
: estudam os media entram, por vezes, nesta questão, e rotulam os resultados do proces;
no «agcnda-seHúig». Os editores e os repórteres, todavia, acham difícil ver o seu traball
;scs termos. Talvez a sua hesitação seja simplesmente um exemplo da dificuldade que tod
actores sociais têm em identificar as funções latentes (ou consequências não intenciona:
seu comportamento. M as se os radiodifusores fossem designados mais «co-orquestradore
campanha do que «agenda-seMers» talvez eles estivessem dispostos a reconhecer a respe
bilidade e a aceitar a honra.
210
muitas influências, incluindo a evolução da filosofia noticiosa numa direcção mais analítica
desde as eleições «interiores; o estudo da BBC acerca das rcacções do público à cobertura, que
é levada a cabo depois de cada eleição; c as críticas daqueles acadêmicos que haviam deplora
do a abordagem excessivamente fragmentada do noticiário televisivo da reportagem da campa
nha (Blumler, Gurevitch e Ives, 1978; Harrison, 1975; Pateman, 1974). Mas os resultados das
extensas reuniões de balanço, realizadas pelos autores da política noticiosa e de actualidades,
no seguimento de cada campanha, também teriam desempenhado o seu papel. O relato de
Bicker (1978) da discussão nas cadeias de televisão americanas antes da campanha presidenci
al de 1976 pode servir igualmente para caracterizar bem o clima de opinião na BBC, em
1978-1979:
211
L iia U dllM U l^dU UC lU IL ilU lyU W d. a l M l l b t £CIU,
(•) Reedição dc: Journal o f Communication (Vol. 35, N.° 3, Summcr, 1985). «Diversity of News:
‘Marginalizing’ thc Opposition», de Edward S. Herman. Direitos de autor: Oxford Univcrsity Press. Reedição com
a aprovação do editor.
214
seu comportamento, frequentemente homogêneo, surgir «naturalmente» a partir da estrutura
industrial. Das fontes convencionais, da ideologia, do patriotismo c do poder do governo sobre
as principais fentes dos media que definem a noticiabilidade e os enquadramentos do discurso.
A autocensura, as forças do mercado c as normas das práticas noticiosas podem produzir e
manter uma perspectiva particular tão eficazmente como uma censura forma! do estado.
Em algumas abordagens para avaliar a diversidade dá-se quase exclusiva atenção à
estrutura das indústrias dos meios de comunicação social e, em particular, ao número dc
diferentes fontes que o consumidor pode utilizar. Isto é partieularmente evidente no litro de
Compaine (1982) «Tflto Ouvis the Mediai», no qual são feitas generalizações acerca da
diversidade, que não surgem a partir da evidência estrutural cm si mesma. Por exemplo,
Compaine encontra diversidade em cidades com apenas dois jornais sob propriedade comum,
baseada na ausência da «duplicação» de editoriais e noticias - e duplicação significa literal
mente o uso de cópias idênticas (Compaine, 1982, pp. 66-67). Compaine, dc facto, sugere que
as diferenças substanciais no conteúdo ou nas perspectivas são relevantes para a diversidade
significativa mas sobretudo ele parece dar a entender que imidades separadas de tomadas de
decisão no mercado contemporâneo e o contexto institucional produzirão diversidade signifi
cativa.
Alguns dos factores estruturais e comportamentais que afectam a diversidade das notíci
as foram discutidos em estudos de salas de redacção e de gatekeepers. Estes estudos descobri
ram que o conteúdo das notícias está limitado à necessidade dc fontes eficientes e dignas de
crédito e à coacção de patrões dominantes, publicitários e pressões de mercado (Epstcin, 1973;
Gans, 1979; Schlcsinger, 1983; Sigal, 1973; Tuchman, 1978). Contudo, há dificuldade em
utilizar estudos de salas de redacção c de gatekeepers como indicadores da diversidade signifi
cativa. O seu empirismo ad hoc tende a produzir descrições estáticas de factores que influenci
am os media, mais do que a identificar um processo subjacente ou uma mais alargada função
social. O seu foco no conflito entre os gatekeepers e na negociação entre eles c os indivíduos e
grupos que procuram moldar a produção dos media leva-os a concluir que estes concedem
espaço, ainda que não grande, para opiniões dissidentes. Mas esta «diversidade» só é significa
tiva no contexto de incidentes individuais ou dos media mais propriamente do que numa
estrutura de maiores agregados do poder ou padrões ideológicos nos quais as notícias desem
penham um papel importante.
Este modo de análise foi desenvolvido a partir da observação de que os media tratam
frequentemente assuntos semelhantes dc forma diferente, dependendo das suas implicações
políticas para os interesses dos Estados Unidos. Assim, por exemplo, podíamos seleccionar
dois casos de massacres cm massa no Sudoeste Asiático ou duas eleições na América Latina,
analisar o conteúdo da cobertura das noticias sobre a vida da «estória» (**) e depois comparar
aqueles resultados com a expectativa de que as diferenças políticas ou/e ideológicas nas
relações do acontecimento com a política expressa dos Estados Unidos possa explicar diferen
ças na estratégia e actuação dos media.
Esta abordagem apoia-se em certas propriedades estruturais da indústria dos meios de
comunicação dc massas, particularmente na interligação destes com o mundo dos negócios e o
1<
governo, que sugerem influências ideológicas subtis. Os meios de comunicação de massas
norte-americanos estão altamente concentrados, com cerca de uma dúzia de entidades domi
nando o fluxo das notícias para o público e capazes de estabelecer o valor destas por decisão
própria. Elas são todas grandes empresas fortemente dependentes da publicidade no que diz
respeito a rendimentos c ligadas a outras grandes firmas por laços comerciais e pessoais.
Todas são membros directos ou sucursais de membros importantes da comunidade corporativa.
Quando uma grande proporção dessa comunidade é agitada por um assunto ou curso de
acontecimentos, tais como elevada agressividade laborai, transgressões do estado providência
ou nacionalismo revolucionário no Terceiro Mundo, poder-se-ia esperar que os grandes meios
de comunicação corporativos reflectissem estas atitudes e respondessem em consonância.
O governo é também um factor principal num sistema de produção e disseminação de
notícias centralizadas, como legislador, regulador, gerente fiscal, condutor da política externa
e fonte principal dos media. Especialmente na política externa, o poder colectivo do governo e
os meios de comunicação de massas geralmente cooperativos é muito grande. Subjacente a
um a estrutura de propaganda está a suposição de que este poder concentrado produzirá
provavelmente uma «leitura» previsível dos acontecimentos e de que os media servirão perio
dicamente o «interesse nacional» quando necessário e/ou quando os acontecimentos nacionais
ou internacionais se apresentem favoráveis. Em resumo, uma «propaganda framework » abor
da a questão da tendência principal dos media na construção do consenso e da ideologia, mais
do que os episódios individuais de conflito a propósito de uma «estória» particular e as
excepções à margem dessa tendência.
Usando um a «propaganda Jrameworb >, toda a vastidão da cobertura dum acontecimento
particular nos vários media é tratada como uma campanha de publicidade maciça. A analogia
é susceptível de várias qualidades.
Em primeiro lugar, o interesse é crucial. Frequentemente um tema ou acontecimento é
capaz de servir as relações públicas ou exigências ideológicas de um particular grupo de poder
interno. Estes temas ou acontecimentos são então vistos como «grandes estórias» e podem
ajudar a mobilizar a opinião pública numa direcção particular. Alguns exemplos disponíveis
são claros no tratamento dado pelos media a uma alegada ameaça comunista em 1919-1920
(Levin, 1981; Murray, 1955) e durante o período de McCarthy (Caute, 1978; Hcrman, 1982;
Murphy, 1954; Wolfe, 1981) ou a uma conspiração búlgaro-soviética para matar o Papa
(Hcrman, 1986). Em todos estes casos a cobertura dos media ou a «publicidade» salientou e
mobilizou o apoio público para acções da política internacional ou nacional.
Em segundo lugar, considerar a cobertura das notícias como uma campanha publicitária
para políticas particulares ajuda a explicar a dinâmica de uma «estória». Nestes casos, os
media movem-se rapidamente para lá das «notícias duras» em opinião, especulação e triviali-
dade. Com efeito, os meios noticiosos podem ser levados a criar mais notícias para ir ao
encontro da procura que eles observam e que eles próprios criaram. Isto serve a função de
manter uma «estória» da «agenda preferida» pelo público. E se a «estória» foi retratada com
autoridade e indignação como verdadeira, toma-se difícil imaginar uma perspectiva alternati
va como verosímil. Isto ajuda a encerrar a investigação crítica sobre o assunto e a justificar a
expressão de opinião discordante (Herman, 1986). Finalmente, se as organizações dos meios
de comunicação mais importantes seleccionaram e deram procminência a uma «estória»
particular, os media menos importantes são quase forçados a seguir-lhes o exemplo por causa
do interesse público que se criou. Mesmo os meios de comunicação não americanos podem
216
encontrar a agenda de notícias estabelecida pela selecção da «estória» dos principais meios de
comunicação americanos.
O uso de um a «propaganda framework » para analisar e comparar a cobertura de aconte
cimentos semelhantes tem o mérito da simplicidade. A técnica comparativa permite à análise
ir para além das explicações ou racionalizações dos participantes, colocando a interpretação
dentro dum contexto mais vasto do que aquele que o gatekeeper modela ou que alguns estudos
isolados permitem. Esta abordagem fornece um enquadramento interpretativo para a análise
de conteúdo que dá atenção ao curso da cobertura de um só tema determinado. Pegando numa
unidade de análise maior, a função ideológica de escolhas dos media pode ser identificada e
pode explicar a base da escolha de notícias e o processo de cobertura.
A «propaganda framework » sugere a seguinte hipótese: Quando surgem situações em
que podem ser «marcados pontos contra países inimigos» ou idéias ameaçadoras, os meios de
comunicação de massas serão frequentemente activos em «campanhas publicitárias» de gran
de intensidade e paixão. Pelo contrário, quando acontecimentos muito semelhantes ocorrem
em países amigos, os media mostrarão interesse pelas circunstâncias especiais envolvidas e
prosseguirão um a política de negligência benigna.
217
A invasão indonésia a Timor Leste em 1975 começou um dia depois de o secretário de
Estado norte-americano, Henry Kissingcr, ter deixado Jacarta. O governo norte-americano não
só deixou de criticar a invasão mas também permitiu o uso de armamento americano pelos
invasores indonésios em transgressão de uma lei explícita dos Estados Unidos e concedendo à
Indonésia protecção diplomática e de relações públicas (Ilennan e Chomsky, 1979). Os media
seguiram o exemplo. A quantidade de artigos de cobertura a Timor Leste diminuiu na realida
de quando a intensidade da violência indonésia recrudesceu (Hennan e Chomsky, 1979, p. 151).
Deve fazer-se uma distinção importante nas implicações políticas da atenção dos media
em relação ao Camboja e a Timor Leste. O Camboja situava-se fora da esfera de influência
ocidental durante os anos de govemação de Pol Pot para que a publicidade e a indignação
respeitante à violência interna não fossem funcionais, excepto para fins políticos. A Indonésia,
por outro lado, aliada dos Estados Unidos e dependente do armamento ocidental, tinha come
tido uma agressão clara contra outro país e estava potcncialmentc sujeita a grande influência
ocidental. Deste modo, o silêncio dos media em relação a Timor Leste foi funcional num
sentido material, pois a ausência da cobertura noticiosa impediu quaisquer pressões à agressão
indonésia que poderíam ter surgido de um público ocidental informado.
Os argumentos desses comentadores ocidentais que parecem ter procurado uma base não
política para a selectividade da cobertura Camboja-Timor Leste são fracos. Argumentou-se
que Tim or Leste ficava distante (Chaliand, 1982), contudo o Camboja também fica longe.
Outros afirmaram que não houve nenhum fluxo de refugiados de Timor Leste para fornecer
discrições do sofrimento, como havia dos refugiados do Camboja na Tailândia (Shawcross,
1983, p. 234). Contudo, milhares de refugiados timorenses em Portugal, ao lado de fontes
diplomáticas e eclesiásticas, estavam tão disponíveis como os da Tailândia. Quando os meios
de comunicação de massas tocaram efcctivamente nesta área de violência, as fontes eram,
quase sem excepção, de funcionários dos governos americano e indonésio. Os refugiados,
representantes dos timorenses, e as críticas da invasão do país, foram marginalizadas.
Como estudo de um outro caso mais detalhado de diversidade marginalizada, irei com
parar a cobertura das eleições de 1984 em El Salvador c Nicarágua feita pelo New York Times.
Estas duas eleições servem como experiência valiosa, ocorrendo naturalmente, visto o
governo dos Estados Unidos ter patrocinado e apoiado abertamente as eleições realizadas em
El Salvador enquanto se opôs abertamente as eleições realizadas na Nicarágua. A comparação
é fortalecida pelo facto de as condições dos direitos humanos serem extraordinariamente más
em El Salvador durante os quatro anos anteriores às eleições de 1984, com mais de 40 000
civis indefesos mortos por forças oficiais e paramilitares associadas, entre Janeiro de 1980 e
Março de 1984. Este facto sugere situações seriamente desfavoráveis à realização de eleições
livres e condições menos favoráveis às prevaleeentes na Nicarágua em 1984, como veremos
mais adiante.
Uma «propaganda framework » levaria à hipótese de que os meios de comunicação de
massas considerariam as condições de direitos humanos desfavoráveis como irrelevantes nas
eleições em El Salvador, mas realçá-las-iam proeminentemente na cobertura de uma eleição
num estado não preferido. O resultado inevitável seria que a eleição patrocinada será retratada
como «boa» — legítima e como um passo para a democracia — e a eleição dirigida pelo
regime não apoiado como uma farsa, decepcionante c não legitima.
Existe uma situação de comparação secundária. Os media tinham já feito a cobertura de
uma eleição em EI Salvador durante o mês de Março de 1982. Algumas críticas à cobertura
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dos meios c!e comunicação de massas seguiram-se a essa eleição, como sejam a sua desatenção
à ausência de um a imprensa livre, a obrigação legal de votar e a falta de qualquer candidato
pela «paz» numa eleição em que, de acordo com a imprensa e observadores oficiais, a
principal preocupação do povo salvadorenho era a paz (Herman e Brodhead, 1984). Havia
também o paradoxo de que a eleição, tendo como objectivo a paz, nada fez para abrandar a
luta no período pós-cleiíoral. Uma «propaganda framework» anteciparia um impacto muito
limitado de lições aprendidas na experiência de eleições passadas, criticas a coberturas dos
media na eleição anterior, ou outros desafios à agenda pressionada por um determinado governo.
Para analisar e comparar a cobertura das eleições de El Salvador de 1984 e da Nicará
gua, organizei uma lista de tópicos baseados nas previsões que têm origem numa «propaganda
framework .» c codificados de acordo com o número de vezes que tais tópicos apareceram em
todos os artigos do New York Times em cada eleição. A amostra para a eleição em El Salvador
compreendeu 28 artigos publicados entre 1 de Fevereiro e 30 de Março de 1984 e a amostra
para a Nicarágua 21 artigos entre 5 de Setembro e 6 de Setembro de 1984. Mais de três
quartos dos tópicos codificados para a eleição de El Salvador em Março de 1984 foram
aplicáveis na eleição da Nicarágua em Novembro desse ano.
Uma «propaganda framework » levar-nos-ia a prever que num país em que os Estados
Unidos apoiassem o governo em exercício, os aparentes aspectos democráticos da própria
eleição seriam realçados em aspectos situacionais que poderíam prejudicar a legitimidade da
eleição. Assim, esperar-se-ia uma menção frequente dos objectivos e anseios democráticos da
eleição, do número de pessoas que votaram, da mecânica da organização da eleição, dos
pontos de vista oficiais e reflexões acerca da eleição, das personalidades políticas c da compe
tição — por outras palavras, de todos os tópicos que se aproximariam mais do tipo de
cobertura de eleições democráticas nos Estados Unidos. Além disso, esperar-se-ia que, em
termos de outros grupos envolvidos na eleição, o exército fosse retratado como «protector»
(mais do que como repressor) e que os rebeldes opositores à legitimidade da eleição fossem
retratados como perturbadores e inimigos da democracia.
Como alvo de menção pouco frequente e de pequeno realce, teríamos aqueles factores
situacionais mais básicos que dariam à eleição um cunho «democrático» ou significativo no
contexto geral da política do país ou no contexto do conceito de democracia dos Estados
Unidos. Assim, esperar-se-ia que se não realçasse quaisquer liberdades associadas a um
governo democrático, tais como as possíveis liberdade de expressão e reunião, os direitos de
grupos intermédios de se organizar e funcionar, ou quaisquer limites às capacidades de outros
candidatos em concorrerem e fazerem campanha.
Esperar-se-ia também pequena ou nenhuma menção ao que podería ser chamado o
«pacote de coerção» para obtenção de elevada afluência às umas — que votar seria exigido
pela lei, que os bilhetes de identidade teriam de ser carimbados para provar que se tinha
votado e que o exército e as forças de segurança estariam preparados para actuar duramente
contra os absentistas. Como foi anunciado pelo exército na imprensa de El Salvador no
período que antecedeu a eleição, o absentismo era considerado um acto de traição.
A fim de retratar a eleição como sendo «democrática» e «no interesse do povo» esperar-
-se-ia que os media tratassem mais ligeiramente outras questões, como as do papel do patroci
nador estrangeiro na organização e financiamento da eleição, a finalidade das relações públi
cas da eleição na perspectiva do patrocinador, a campanha de propaganda interna para obten
ção de votos, a fraude total, a repressão e as ameaças aos jornalistas na cobertura da eleição.
0 19
Finalmentc, o facto de mais de 700 civis indefesos terem sido mortos por mês durante os 30
meses que se seguiram às eleições de 1982 podería, nestas circunstâncias, não ser compreendi
do como facto relevante.
Estas são as características principais da eleição em El Salvador de 1984. Como se vê no
quadro I, a sua distribuição na cobertura do New York Times está em conformidade com as
averiguações sugeridas pela «propaganda framework». O quadro está dividido em duas partes,
correspondendo a itens que apoiariam ou não o aparecimento de uma eleição «democrática».
Para a cobertura de El Salvador, 20 a 50 por cento dos artigos mencionavam os tópicos que
realçavam a mecânica da eleição e a desorganização rebelde. O mais impressionante é o quase
completo esquecimento das condições básicas para uma eleição «democrática», tais como a
liberdade de expressão e reunião. O «pacote de cocrção» é muito pouco mencionado: em
apenas quatro dos 28 artigos do New York Times há referência à obrigação moral de votar e
em apenas dois referência ao requisito de carimbar o bilhete de identidade do votante: mesmo
aí, estes procedimentos governamentais de encorajamento do voto nunca são mencionados em
conjunto ou considerados como um todo. Nunca é sugerido em nenhum artigo que o interesse
do exército e das forças de segurança na afluência às umas e os testemunhos do exército cm
lidar com «subversivos» pudesse tomar o requisito legal do voto mais compulsivo.
220
QUADRO I
C om paração das menções a vários tópicos de artigos publicados no Nen- York Times
sobre a eleição em Ei S alvador de 25 de M arço de 1984 e a eleição na N icarágua
de 4 de N ovem bro de 1984
El Salvador Nicarágua
(n = 28) (n = 21)
Tópicos a favor n % n %
Objectivo democrático e esperanças
na democracia 6 21.4 i 4.8
Desorganização rebelde 15 53.6 0 0
Afluência 7 25.0 5 23.8
Mecânica da eleição 9 32.1 0 0
Personalidades e lutas políticas 10 35.7 3 14.3
Reflexões oficiais acerca da eleição 10 35.7 3 14.3
Exercito como protector da eleição 5 17.9 0 0
Tópicos contra
Objectivo relações públicas 3 10.7 7 33.3
Investimento americano ou sandinista
na eleição 2 7.1 2 9.5
Fraude cm eleição anterior 0 0 n. a n. a
Limites à liberdade de expressão c
reunião 1 3.6 8 38.1
Limites à liberdade de imprensa 0 0 6 28.6
Limites à liberdade de organização 0 0 2 9.5
Limites à capacidade legal de poder
candidatar-se e fazer campanha 0 0 11 52.4
Terror estatal anterior/clima de apreensão 3 10.7 3 14.3
Poder das forças armadas 1 3.6 3 14.3
Obrigação legal de votar 4 14.3 n. a n. a
Penas legais por não votar 2 7.1 n. a n. a
Impressões digitais dos votantes 1 3.6 i 4.8
Carimbar bilhetes de identidade 2 7.1 n. a n. a
Requisitos legais de verificação de voto 0 0 n. a n. a
Ameaças não legais a não votantes 0 0 i 4.8
Uso de um as de voto transparentes 1 3.6 n. a n. a
Direito legal de presença de forças de
segurança em locais de voto 0 0 n. a n. a
Nota: Os artigos sobre El Salvador datam de 1 de Fevereiro a 30 de Março de 1984. Os artigos sobre a
Nicarágua são de 5 de Setembro a 6 de Novembro de 1984. Uma «propaganda framenork» preveria que para as
eleições cm El Salvador, patrocinadas pelos Estados Unidos, os primeiros sete tópicos seriam realçados e os últimos
raramente mencionados, enquanto para a Nicarágua, um estado sem apoios, havería menos ênfase na eleição propria
mente dita (os sete primeiros itens) c mais nos factores que a desacreditassem (os últimos itens).
221
y i iu H ju i.it} ju ciu jw d m iu u c ju ííc ijs iju t ju iu jjicjju . uu ilu iitu i v i t u i i lu ciiL iu iiiiu
contraste com a eleição salvadorenha é elucidativo. Aí, a oposição principal ficou con
mente fora do processo, tanto cm 1982 como em 1984, por necessidade e plano. 0
dirigentes mais importantes da Frente Democrática Revolucionária (FDR) tinham sido <
rados pelas forças de segurança cm El Salvador, em Novembro de 1980, torturados, assa:
dos e mutilados. Mais cinco funcionários superiores foram aprisionados c dados com o de
recidos em 1982, vendo-se a FDR incapacitada de manter uma presença organizativa legi
da. A FDR estava mais amplamcntc implantada do que os rebeldes nicaraguenses que tir
o apoio dos Estados Unidos. Todavia, a realização de uma eleição cm El Salvador, cc
«oposição principal» afastada do processo, não foi questão levantada na cobertura da ciei
À recusa do líder principal da oposição da Nicarágua, Arturo José Cruz, de se apresentar ci
candidato, foi dada grande publicidade nos meios de comunicação social dos Estados U ni
mesmo havendo prova substancial de que ele planeava não participar na eleição inicialmi
(Kinzer, 1984; Taubman, 1984).
Em suma, embora as condições eleitorais básicas fossem muito mais compatíveis c
uma eleição livre na Nicarágua em 1984 do que cm El Salvador, quer em 1982 quer em 19
a cobertura noticiosa dos Estados Unidos deu a El Salvador uma situação triunfante
democracia e à Nicarágua uma experiência eleitoral desacreditada pela intransigência c control
totalitários sandinistas.
As campanhas dos meios de comunicação social relativas aos acontecimentos no Cambo
e em Timor Leste, e as eleições na América Central contêm pronunciadas manipulaçõt
dicotômicas de simbolos e agendas políticas. Estas campanhas dos meios de comunicaçã
social foram bastante bem sucedidas ao salientarem questões políticas e ao fazerem importar
tes afirmações ideológicas para todo o público e ao mundo em geral. Nestes casos não si
ouviram vozes dissidentes em nenhum dos principais meios de comunicação social dos Esta
dos Unidos, mesmo quando essas vozes pudessem ter sugerido informações relevantes que
tivessem sido «omitidas» ou «não sclcccionadas». (A cobertura televisiva ofereceu conclusões
semelhantes; ver Chomsky e Hcrman, 1979a; Chomsky e Herman, 1979b; Herman, 1982).
Estes dois estudos são apresentados como ilustrações do facto de uma «pronacanda framework»
«A produção social
das notícias:
O m u ggin g nos m edia» (*)
Stuart Hall, Chas Chritcher, Tony Jejferson, John Clarke e Brian Roberts
(*) Reedição de: «The Social Production of News: Mugging in thc Media», de Stuart Hall, Chas Chritcher,
Tony Jeffcrson, John Clarke e Brian Roberts, publicado no livro The Manufacture o f News, de Stanley Cohcn c
Jock Young (Eds.). Bcvcrly Hills, Ca: Sagc Publications c London: Constable. Direitos de autor Sage.
224
jornalista — começa a estruturar o processo. Ao nível mais geral, isto envolve uma orientação
para itens que são «fora do comum», o que de certo modo vai contra as nossas expectativas
«normais» acerca da vida social, o inesperado terramoto ou a alunagem, por exemplo. Poderi
amos chamar a isso o valor-nolicia primário ou fundamental. Contudo, e com certeza, «a
singularidade» não esgota a lista, como nos será revelado ao olharmos para qualquer jom al:
acontecimentos que se referem a pessoas ou paises de elite; acontecimentos que são dramáti
cos; acontecimentos que podem ser personalizados para essencialmente evidenciar as caracte
rísticas de humor humanas, como tristeza, sentimentalismo, etc.; acontecimentos que têm
consequências negativas e acontecimentos que são parte ou podem fazer parte de um assunto
noticiável existente, são todos notícias possíveis (Galtung e Ruge, 1970). Desastres, dramas, os
gestos do dia-a-dia — cômicos e trágicos — de pessoas vulgares, a vida dos ricos e poderosos,
e temas tão perenes como o futebol (no Inverno) e o cricket (no Verão), todos eles encontram
um lugar regular nas páginas de um jom al. Duas coisas resultam disto: a primeira é que o
jornalismo tenderá a realçar os elementos extraordinários, dramáticos, trágicos, etc., numa
«estória» (*) para reforçar a sua notabilidade; a segunda é que acontecimentos que maior
pontuação tenham num número destes valorcs-notícia terão maior potencial noticioso do que
os outros. E acontecimentos com pontuação elevada em todas as dimensões, tais como no caso
do assassínio de Kenncdy (isto é, que são inesperados e dramáticos, com consequências
negativas, assim como tragédias humanas envolvendo pessoas de elite, dirigentes de uma
nação poderosa, que possuem o estatuto de tema recorrente na imprensa britânica), tomar-se-
-ão tão noticiáveis que serão interrompidos programas — como nos flashes noticiosos na rádio
e na televisão — para que estas ocorrências possam ser comunicadas imediatamente.
Quando mais tarde viermos a considerar o caso do mugging (**), gostaríamos de dizer
alguma coisa acerca da forma como estes valorcs-notícia tendem a funcionar em conjunto,
como uma estrutura. Para os nossos propósitos presentes, contudo, basta dizer que os valores-
notícia fomecem critérios nas práticas de rotina do jornalismo que permitem aos jornalistas,
editores e agentes noticiosos decidir rotineira e regularmente sobre quais as «estórias» que são
«noticiáveis» e quais não são, quais as «estórias» que merecem destaque e quais as que são
relativamente insignificantes, quais as que são para publicar e quais as que são para eliminar
(Nordenstrong, 1972; Breed, 1955; Hall, 1975). Embora não estejam escritos em parte algu
ma, formalmente transmitidos ou codificados, os valores-notícia parecem ser largamente parti
lhados entre os diferentes meios de comunicação (embora tenhamos mais a dizer acerca da
forma como estes são diferentemente inflectidos por determinados jom ais) e constituem um
elemento essencial na socialização profissional, prática e ideologia dos jornalistas.
Estes dois aspectos de produção social de notícias — a organização burocrática dos
media que produz as notícias cm tipos específicos ou categorias e a estrutura de valores-notícia
que ordena a sclecção e a posição de determinadas «estórias» dentro destas categorias — são
apenas parte do processo. O terceiro aspecto — o momento da construção da própria notícia
— é igualmente importante, embora menos óbvio. Isto envolve a apresentação do item ao seu
presumível público, em termos que tanto quanto os apresentadores do item possam avaliar o
tomem compreensível a esse público. Se o mundo não é para ser representado como uma
confusão de acontecimentos desordenados e caóticos, então estes acontecimentos devem ser
(*) Nota dc tradução - Na cultura profissional dos jornalistas anglo-saxónicos, o termo story é frequentemente
utilizado para referir-se não só à notícia como ao acontecimento. Nesta antologia utilizou-se a forma ortográfica
«estória» para evitar qualquer confusão que podería surgir com a outra forma ortográfica «história».
(**) Nota de tradução - Assalto a uma pessoa, habitualmentc na rua.
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identificados (isto é, designados, definidos, relacionados com outros acontecimentos do conhe
cimento público) e inseridos num contexto social (isto é, colocados num quadro de significa
dos familiares ao público). Este processo — a identificação e a coníextualização — é um dos
mais importantes, através do qual os acontecimentos são «tomados significativos» pelos me
dia. U m acontecimento só «faz sentido» se se puder colocar num âmbito de conhecidas
identificações sociais e culturais. Se os jornalistas não dispusessem — mesmo de forma
rotineira — de tais «mapas» culturais do mundo social, não poderíam «dar sentido» aos
acontecimentos invulgares, inesperados e imprevisíveis que constituem o conteúdo básico do
que é «noticiável». As coisas são noticiáveis porque elas representam a volubilidade, a
imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo. Mas não se deve permitir que tais
acontecimentos permaneçam no limbo da «desordem» — devem ser trazidos aos horizontes
do «significativo». Este trazer de acontecimentos ao campo dos significados quer dizer, na
essência, reportar acontecimentos invulgares e inesperados para os «mapas de significado»
que já constituem a base do nosso conhecimento cultural, no qual o mundo social já está
«traçado». A identificação social, classificação e contextualização de acontecimentos noticio
sos em termos destes quadros de referencia de fundo constitui o processo fundamental através
do qual os media tom am o mundo a que eles fazem referência inteligível a leitores e especta
dores. Este processo de «tomar um acontecimento inteligível» é um processo social — consti
tuído por um número de práticas jornalísticas específicas, que compreendem (frequentemente
só de modo implícito) suposições cruciais sobre o que é a sociedade e como ela funciona.
U m tal assunção de fundo constitui a natureza consensual da sociedade: o processo de
significação — dando significados sociais aos acontecimentos — tanto assume como ajuda a
constndr a sociedade como um «consenso». Existimos como membros de um a sociedade
porque — é suposto — partilhamos uma quantidade comum de conhecimentos culturais com
os nossos semelhantes; temos acesso aos mesmos «mapas de significados». N ão só somos
todos capazes de manipular estes «mapas de significados», para compreender os acontecimen
tos, mas também temos interesses, valores e preocupações fundamentais, em comum, que estes
mapas encorporam ou reflectem. Todos nós queremos manter basicamente a mesma perspecti
va acerca dos acontecimentos. Neste ponto de vista, o que nos une, como uma sociedade e
cultura — o seu lado consensual — , ultrapassa em muito o que nos divide e distingue como
grupos ou classes de grupos. Ora, a um nível, a existência de um consenso cultural é uma
verdade óbvia; é a base de toda a comunicação social (Wirth, 1948). Se não fossemos todos
membros da mesma comunidade linguística, não poderiamos comunicar uns com os outros. A
um nível mais lato, se não habitássemos, até certo ponto, as mesmas classificações de
realidade social, não «poderiamos compreender o mundo como um todo». Em anos recentes,
contudo, este facto cultural básico da sociedade tem sido elevado a um nível ideológico
extremo. Porque ocupamos a mesma sociedade e pertencemos mais ou menos à mesma
«cultura» supõe-se que haja, basicamente, uma única perspectiva dos acontecimentos: a que é
fornecida por o que é algumas vezes chamada a cultura, ou (por alguns sociólogos) o «sistema
central de valores». Esta perspectiva nega quaisquer discrepâncias estruturais importantes
entre diferentes grupos, ou entre os mapas de significado muito diferentes numa sociedade.
Este ponto de vista «consensual» tem consequências políticas importantes, quando usadas
como um a base e dada como adquirida por toda a comunicação. O mesmo ponto de vista parte
da assunção de que todos temos, mais ou menos, os mesmos interesses na sociedade, e que
aproximadamente a mesma quota-parte de poder na sociedade. Esta é a essência da ideia do
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entre classes c grupos, Se existirem algumas divergências, diz-se, existirão n
ios e institucionalizados para as expressar e reconciliar. O «mercado livre» em opii
nedia pressupõe a garantia da reconcialização de descontinuidades culturais, entre
e outro. As instituições políticas — parlamento, o sistema bipartidário, a represent
i, etc. — são supostos garantir igual acesso ao processo de tomada de decisões
is grupos. Supõe-se que o desenvolvimento de uma economia de consumo tenha cr
lições econômicas para todos terem a sua parte na criação e distribuição da riquezi
itege-nos a todos igualmente. Esta perspectiva de consenso da sociedade é partici
forte em sociedades capitalistas organizadas, democráticas e modemas; e os media e:
> instituições cujas práticas estão mais ampla e consistentemente baseadas na assun
«consenso nacional». Assim, quando os acontecimentos são «delineados» pelos mc
uadramentos de significado e interpretação, supõe-se que todos nós possuímos c sa
íalmente como utilizar esses enquadramentos, que eles são extraídos fundamcntalm
lesmas estruturas dc compreensão para todos os grupos sociais e públicos. Claro que
io de opinião, como na vida política e econômica, permite-sc que haja diferenças
de vista, desacordo, argumento e oposição; mas isto é entendido como realizando
le um enquadramento concordante e básico mais lato — «o consenso» — , o qual toc
rem, e no qual toda a contestação, desacordo ou conflito de interesses pode ser recon
Ia discussão, sem recurso ao confronto ou à violência. A força deste apelo ao consen
mente demonstrada na primeira alocução ministerial de Edward Heath, a seguir
ção dc greve dos mineiros em 1972 (sugerindo que os apelos abertos ao consenso s;
irmente eficazes quando o conflito é mais visível):
«No tipo de país em que vivemos não pode haver nenhuns «nós» ou «eles». S
há «nós»; todos nós. Se o governo é «derrotado», então o país é derrotado, porque
Governo c precisamente um gmpo de pessoas eleitas para fazer o que a maioria c
«nós» quer ver feito. E o nosso estilo de vida. Na realidade, não interessa se é ui
piquete de greve, uma manifestação ou a Câmara dos Comuns. Estamos todos habiti
ados a discussões pacíficas. Mas quando a violência ou a ameaça de violência é usadr
desafia aquilo que a maior parte de nós considera ser a forma correcta de fazer a
coisas. Eu não acredito que vós elejais um governo para permitir que isso aconteça <
posso prometer-vos que isso não será tolerado onde quer que ocorra» (citado en
Murdock, 1973, p. 206).
Nesta secção queremos começar por explicitar a «adequação» entre as idéias dominantes
c as ideologias e práticas dos media. Isto não pode ser simplesmente atribuído — como
algumas vezes o é em teorias de pura conspiração — ao facto de que os media são, em grande
medida, pertença de capitalistas (embora essa estrutura de propriedade seja corrente), uma vez
que isto seria ignorar a «relativa autonomia» do dia-a-dia do jornalista e dos produtores de
notícias cm relação ao controlo econômico directo. Em vez disso, queremos chamar a atenção
para as mais rotineiras estruturas de produção de notícias, para observar como é que os media
vêm, de facto, e em última instância, a reproduzir as definições dos poderosos, sem estarem,
num sentido simplista, ao seu serviço. Devemos aqui insistir numa distinção crucial entre
definidores primários e secundários {primary e secondary definers).
Os media não criam autonomamente as notícias; melhor, estão dependentes de assuntos
noticiosos específicos fornecidos por fontes institucionais regulares e credíveis, como Paul
Rock refere:
228
parlamento fabricam mecanicamente notícias que são... assimiladas pela imprensa.»
(Rock, 1973 c 1980, p. 64).
Uma das razões disto tem a ver com as pressões internas da produção jornalística —
como Murdock refere:
A segunda razão tem a ver com o facto de as notícias dos media estarem orientadas pelas
noções de «imparcialidade», «equilíbrio» e «objcctividadc». Isto é formalmcnte reforçado na
televisão (uma situação de quase monopólio, onde o Estado está directamcnte envolvido num
sentido regulador) mas há também «regras» ideológicas profissionais idênticas em jornalismo
(Carcy, 1969). U m produto destas regras é a distinção cuidadosamente estruturada entre
«facto» e «opinião». Mais importante, estas regras profissionais dão origem à prática de
assegurar que as afirmações dos media sejam, onde quer que seja, fundamentadas em afirma
ções «objectivas» e «autorizadas» de fontes «dignas de crédito». Isto significa o recurso
constante a representantes dignos de crédito de instituições sociais importantes — membros de
parlamento para assuntos políticos, patrões e dirigentes sindicais para questões industriais, etc.
Tais representantes industriais são «dignos de crédito» devido ao seu poder e posição
institucionais, mas também ao seu estatuto de «representante»: ou representam «as pessoas»
(membros de parlamento, ministros, etc.) ou grupos de interesses organizados (como são agora
considerados o TUC e o CBI). Uma última «fonte acreditada» é o «perito»: a sua actividade —
a busca «desinteressada» do conhecimento — , não a sua posição ou representação, abona em
favor da «objcctividadc» e «autoridade». Ironicamente, as próprias regras destinadas a perservar
a imparcialidade dos media, e que se desenvolveram a partir do anseio de maior neutralidade
profissional, servem também para orientar poderosamente os media nas «definições da reali
dade social», que as suas «fontes acreditadas» — os «porta-vozes» institucionais — fornecem.
Estes dois aspectos de produção jornalística — as pressões práticas de trabalho constan
tes contra o relógio e as exigências profissionais de imparcialidade e objectividade — combi
nam-se para produzir um exagerado acesso sistematicamente estruturado aos media por parte
dos que detêm posições institucionalizadas privilegiadas. Deste modo, os media tendem, fiel e
imparcialmente, a reproduzir simbolicamente a estrutura de poder existente na ordem
institucional da sociedade. Isto é o que Becker chamou «a hierarquia de credibilidade» — a
probabilidade daqueles que em posições poderosas ou de elevado status na sociedade, e que
dão opiniões sobre tópicos controversos, de terem as suas definições aceites, porque tais porta-
-vozes são considerados como tendo acesso a informação mais precisa ou especializada em
assuntos particulares do que a maioria da população (Becker, 1972). O resultado desta prefe
rência estruturada dada pelos media às opiniões dos poderosos é que estes «porta-vozes» se
transformam no que se apelida de definidores primários (primary definers) de tópicos.
229
Qual é o significado disto? Podia-se bem argumentar que através do requisito do «equilí
brio» — uma das regras profissionais ainda não tratadas — as definições alternativas têm
oportunidade de ser ouvidas; cada «parte» está autorizada a apresentar o seu caso. De facto, a
construção de um tópico em termos de debate no qual há oposições e conflitos é também uma
forma de dramatizar um acontecimento para reforçar a sua noticiabilidade. O importante da
relação estruturada entre os media c os prímary defmers institucionais é que permite aos
definidores institucionais estabelecer a definição ou interpretação primária do tópico cm
questão. Então esta interpretação «comanda a acção» em todo o tratamento subsequente e
impõe os termos de referência que nortearão todas as futuras coberturas ou debates. Os
argumentos contrários a uma interpretação primária são obrigados a inserirem-se na sua
definição de «o que está em questão» — devem ter como seu ponto inicial esta estrutura de
interpretação. Este enquadramento interpretativo inicial — o que Lang e Lang (1955) chama
ram «estrutura inferencial» — é extremamente dificil de alterar, fundamentalmentc, logo que
estabelecida. Por exemplo, dado que as relações raciais na Grã-Bretanha têm sido definidas
como um (problem a de números» (isto é, quantos negros há no pais), então mesmo os porta-
vozes liberais, ao provarem que os números atribuídos a emigrantes negros foram exagerados,
estão, todavia, obrigados a subscrever, implicitamente, o ponto de vista de que a discussão é
«essencialmente» sobre números. De igual modo, Halloran e os seus colaboradores demons
traram claramente como a «estrutura inferencial» de violência — uma vez estabelecida no
período introdutório — dominou a cobertura da segunda manifestação contra o Vietnam e os
acontecimentos da «Grosvcnor Square», apesar de todas as provas directas contradizendo a
sua interpretação (Halloran et al., 1970). Efectivamentc, a definição primária estabelece o
limite de todas as discussões subsequentes através do seu enquadramento do problema. Este
enquadramento inicial fomecc então os critérios segundo os quais todas as contribuições
subsequentes são rotuladas de «relevantes» para o debate, ou «irrelevantes» — fora de ques
tão. As contribuições que se afastam deste enquadramento são acusadas de «não tratarem a
questão» (Hall, sem data; Clarke et al., 1974).
Os media, então, não se limitam a «criar» as notícias; nem se limitam a transmitir a
ideologia da «classe dirigente» num figurino conspiratório. Na verdade, sugerimos que, num
sentido critico, os media não são frequentemente os prímary defmers de acontecimentos
noticiosos; mas a sua relação estruturada com o poder tem o efeito de os fazer representar não
um papel crucial mas secundário, ao reproduzir as definições daqueles que têm acesso privile
giado, como de direito, aos media como «fontes acreditadas». Nesta perspectiva, no momento
da produção jornalística, os media colocam-sc numa posição de subordinação estruturada aos
prímary defmers.
E esta relação estruturada — entre os media e as suas fontes (poderosas» — que se
começa a esclarecer a questão negligenciada do papel ideológico dos media. É isto que
começa a dar substância e especificidade à afirmação básica de Marx de que «as idéias
dominantes de qualquer época são idéias da classe dominante». A argumentação de Marx é
que a preponderância das «idéias dominantes» funciona primariamente porque, além da sua
detenção e controlo dos meios de produção materiais, esta classe também possui e controla os
meios de «produção mental». Ao produzir a sua definição de realidade social, e o lugar do
«cidadão comum» dentro dela, eles constrocm uma imagem particular de sociedade que
representa interesses de classe específicos como os interesses de todos os membros da sociedade.
Devido ao seu controlo sobre os recursos materiais c mentais e o seu domínio das instituições
230
principais da sociedade, as definições desta classe do mundo social oferecem a base racional
para aquelas instituições que preiegem e reproduzem a sua «forma de viver». Este controlo
dos recursos mentais assegura que as definições disponíveis mais poderosas e «universais» do
mundo social sejam suas. A sua universalidade garante que sejam partilhadas, até certo ponto,
pelas classes subordinadas da sociedade. Os que governam, governam também através das
idéias; deste modo, governam com a aprovação das classes subordinadas, e não principalmente
através da sua manifesta coerção. Parkin faz uma afirmação semelhante: «As definições
sociais e políticas dos que têm posições dominantes tendem a ser objectivadas nas normas
institucionais principais, fornecendo, assim, a estrutura moral para todo o sistema social.»
(Parkin, 1971).
Nas instituições principais, sociais, políticas e legais, a coerção e o constrangimento
nunca estão completamente ausentes. Isto é tão verdade nos media como em qualquer outro
lugar. Por exemplo, os jornalistas e as reportagens estão sujeitas a pressões econômicas e
legais, assim como a outras formas evidentes de censura (por exemplo, na cobertura dos
acontecimentos na Irlanda do Norte). Mas a transmissão de «idéias dominantes» depende
mais dos mecanismos não coercivos para a sua reprodução. As estruturas hierárquicas de
comando e de revisão, a socialização informal em papéis institucionais, a sedimentação de
idéias dominantes na «ideologia profissional» — todos ajudam a garantir, nos media, a sua
reprodução continuada na forma dominante. O que temos estado a salientar nesta secção é
precisamente o modo como uma determinada prática profissional assegura que os media
desempenhem um papel importante, eficazmente mas «objectivamente». na reprodução da
vertente preponderante das ideologias dominantes.
Até aqui temos considerado o processo através do qual a «reprodução das ideologias
dominantes» é assegurada nos media. Como devia ser claro, esta reprodução, na nossa opi
nião, é o produto de um conjunto de imperativos estruturais e não de uma conjura aberta com
aqueles que ocupam posições poderosas. Contudo, todo o ciclo de «reprodução ideológica» não
está completo até demonstrarmos o processo de transformação que os próprios media devem
realizar nas «matérias-primas» (factos e interpretações) que os poderosos fornecem para pro
cessarem estas «estórias» «potenciais» numa forma de produto acabado, a noticia. Sc a
primeira secção salientou uma orientação relativamente passiva cm relação às definições
poderosas e autoritárias, nesta secção é nossa preocupação examinar aqueles aspectos da
criação de notícias nas quais os media desempenham um papel mais autônomo e activo.
O primeiro ponto em que os media se tomaram, efectivamentc, independentes, foi o da
selectividade. Nem toda a afirmação por parte de um primary define: importante cm relação a
um tópico determinado tem probabilidades de ser reproduzida nos media - nem todas as
partes de cada afirmação. Exercendo a selectividade, os media impõem os seus próprios
critérios nas «matérias-primas» estruturadas — c, assim, se apropriam activamente delas e as
transformam. Atrás frisámos como os critérios de selecção — uma mistura de coacções
profissionais, técnicas e comerciais — serviram para orientar os media em geral nas «defini
ções dos poderosos». Aqui, pelo contrário, queremos dar ênfase a que tais critérios — comuns
a todos os jornais — são, todavia, diferentemente utilizados, avaliados e tomados operacionais
por cada jornal. A sua organização e estrutura técnica (em termos de números de jornalistas
or 1
diferente. Tais oitercnças, tomadas em conjunto, sao o que produzem as «pcrsonah
sociais» muito diferentes de jornais. A orientação dominante do News o f ilie World em re
ao «escandaloso» e ao «sexual», e a preocupação do Daily Aíirror pelo interesse «hurr
ias «estórias» são apenas dois exemplos óbvios de tais diferenças internas em «personalic
;ociais». É nisto — quando a própria «personalidade social» de cada jom ai entra cm acçi
|ue começa realmente o trabalho de transformação. (Smith, 1975).
Um aspecto ainda mais significativo do «trabalho dos media» c a actividade de tran
lar um acontecimento numa notícia acabada. Isto tem que ver com a maneira como um
codificado pelos media numa forma de linguagem particular. Precisamente, como já a
entámos, como cada jom ai tem um enquadramento organizacional específico, um ser
iticioso c os leitores, assim também cada um desenvolverá um modo de discurso regul
racterístico. Isto significa que o mesmo tópico, fontes e estruturas inferenciais aparecí
crentemente mesmo em jornais com uma perspectiva semelhante, uma vez que as difere
áricas de discurso terão um efeito importante em modificar o item original. De espe
lortância na determinação da forma particular de discurso adoptado será a parte especí
espectro dos leitores, aos quais o jom ai acha que habitualmente se dirige: o seu púb
inatário. A linguagem utilizada será, pois, a própria versão do jornal da linguagem
'ico a que se dirige principalmente: a sua versão da retórica, imagens c stock comum
lecimcnto subjacente que supõe que o seu público partilha e que, deste modo, constiti
de reciprocidade produtor-leitor. Por esta razão queremos chamar a esta forma de disc
- diferente para cada saída de notícias — o idioma público dos media.
Embora tenhamos salientado aqui as diferentes linguagens de jornais diferentes, e:
e não deve ser levada demasiado longe. Não é o vasto âmbito pluralista de vozes que
t às vezes têm de representar, mas um âmbito dentro de certos limites ideológic
'os. Enquanto cada jom ai se pode considerar como dirigindo-sc a uma secção diferen
)lico-lcitor desse jom ai (ou diferentes tipos de jornais estarão em competição por difere
(ores do público), o «consenso de valores», que está tão profimdamente enraizado e:
is formas de linguagem pública, é mais limitado do que a variedade de formas c
igcm em uso» pública poderíam sugerir. Os seus problemas, embora distintos, pressi
e como fazendo parte do muito largo espectro de «homens sensatos», e os leitores sã
; em geral nesses termos.
codificação de itens e tópicos em variações de linguagem pública oferece um elementi
itivo dc variação no processo de transformação de notícias na sua forma final; mas
>m a «objcctividade» e a «imparcialidade» atrás referidas, esta variação não está
iamente, estruturalm ente em desacordo com o processo a que cham ám os «rcproduçãc
a» — porque traduzir um item noticioso para uma variante de linguagem pública
nbém, para traduzir para um idioma público as afirmações e pontos de vista dos
lefiners. Esta tradução de perspectivas oficiais num idioma público não só tom a essas
a s m ais «disponíveis» aos não iniciados como lhes dá força popular e ressonância,
ado-os dentro do horizonte de compreensão dos vários públicos. O exem plo seguinte
«aumento de crimes violentos em Inglaterra e no País cie Gales tinha originado uma preocupa
ção pública justificável». O que o Mirror faz neste caso c traduzir a preocupação do inspcctor-
-chefe com o aumento do crime violento entre os jovens numa forma mais dramática, mais
conotativa e mais popular — uma manchete que diz simplesmentes «Desordens na Grã-
-Bretanha: ‘Violência Estúpida’ de Brigões Preocupa Polícia». Este título reveste o sóbrio
Relatório de valor-noticia dramático. Passa da linguagem oficial do calmo Relatório para
uma retórica mais noticiável. Mas também insere a afirmação no imaginário popular, estabele
cendo ao fim de longa utilização, incluído o uso criado pela própria cobertura anterior do
jornal das actividades de hooligans de futebol e «bandos» de skinheads. Esta transformação
num idioma público dá, deste modo, ao item uma referência pública externa c validade em
imagens e conotações sedimentadas na quantidade de conhecimento que o jornal e o seu
público partilham. A importância deste ponto de referencia público externo é que ele serve
para objectivar um assunto público. Isto é, a publicitação de um assunto nos media pode
trazer-lhe um estatuto mais «objectivo» enquanto questão realmcnte (válida) de interesse
público como teria sido o caso, tivesse ele ficado como mero relatório feito por técnicos e
especialistas. A atenção concentrada dos media confere o estatuto de elevado interesse público
às questões que são salientadas; estas são geralmcnte compreendidas por toda a gente como as
«questões prementes do dia». Isto faz parte da função dos media da «agenda-selting». A
marcação das agendas tem também um efeito de confirmação da realidade.
O significado de utilizar um idioma público na marcação da agenda é que devolve a
linguagem de comunicação do dia-a-dia ao consenso. Embora seja verdade que a linguagem
«do dia-a-dia» já está saturada de inferência e interpretações dominantes, o processo continuo
de traduzir definições oficiais formais para termos de conversação corrente reforça, ao mesmo
tempo que disfarça, as ligações entre os dois discursos. Isto é, os media «pegam» na lingua
gem do público e, em cada ocasião, devolvem-lha modificada com conotações dominantes e
consensuais.
Este papel mais «criativo» dos media não é, obviamente, completamente autônomo. Tais
traduções dependem do potencial de tradução da «estória» (a sua noticiabilidade) e do seu
apoio em tópicos familiares e duradouros de interesse — hooliganismo, violência de multi
dões, comportamento de bandos de «desordeiros». Este processo nem é totalmentc livre c sem
constrangimentos nem é uma reprodução simples e directa. É uma transformação; e tais
transformações necessitam de «trabalho» activo da parte dos media. O seu efeito geral é,
todavia, o de ajudar a fechar o circulo pelo qual as definições dos poderosos se tom am parte da
realidade dado com adquirido pelo público, traduzindo o mundo não familiar para um mundo
familiar. Tudo isto se encontra na fórmula simples de os jornalistas, apesar de tudo, saberem,
melhor do que ninguém, «transmitir as coisas ao público».
Até aqui tratámos a questão da produção de notícias. Agora queremos chamar a atenção
para a relação entre o «idioma público» e a sua voz editorial. Até agora discutimos as
transformações envolvidas no passar de uma declaração feita por um primary definer para
uma linguagem do dia-a-dia: para um código, ou «modo de discurso» habitualmente utilizado
por esse jornal — o seu «idioma público». Mas a imprensa tem também a liberdade de
escrever editoriais e exprimir uma opinião acerca de tópicos de grande interesse; não está
limitada a «reproduzir», através de seu «código» próprio, as declarações dos poderosos. Ora,
233
uma forma comum de exprimir uma opinião é declarar as suas opiniões, dizer o que pensa
mas expresso no seu idiomc. público. Por outras palavras, as próprias declarações e pensamen
tos do jornal acerca de um acontecimento — o produto do juizo editorial — estão representa
dos na linguagem pública do jom al da mesma maneira que as afirmações dos definidores
primários - o processo c muito semelhante. Quer se argumente a favor ou contra a linha de
acção, a linguagem utilizada é a habitua! do jom al específico. No entanto, há um segundo tipo
de editorial que vai além da expressão dos seus próprios pontos de vista num idioma público e
que de facto proclama estar a expressar os pontos de vista do público. Chamamos a este
processo mais activo falar pelo público (cm oposição a simplesmente utilizar um idioma
público). Algumas dessas vozes editoriais são tão distintas (por exemplo, The Times) que seria
mais preciso falar delas como a própria voz do jom al. Contudo, é improvável que tal voz seja
sempre completamente independente na sua retórica do sentido do editor acerca do idioma
público do seu presumível público. A essência da diferença, que exemplificaremos quando
considerarmos brevemente alguns editoriais relativos a mugging na parte final deste capítulo, é
a existente entre o editorial que diz «Nós acreditamos...» e o que diz «O público acredita...».
Este «falar pelo público », esta forma de articular o que se supõe que a vasta maioria do
público pensa, este inscrever da legitimidade pública nas perspectivas que são expressas pelo
próprio jom al, representa os media no seu papel mais activo de fazer campanha — o ponto
onde os media mais activa c abertamente modelam e estruturam a opinião pública. Este tipo de
editorial toma habitualmentc a forma ou de apoio para uma acção de contrapeso, em relação a
um a medida já tomada, ou, ainda mais frequentemente, duma exigência da necessidade duma
acção mais forte — porque a maioria o exige.
Em qualquer das formas de editorial, os media estabelecem uma ponte de mediação
crucial entre o aparelho de controlo social e o público. A imprensa pode legitimar e reforçar as
acções dos controladores trazendo os seus próprios argumentos independentes para influenciar
o público na defesa das acções propostas (usando um idioma público); ou pode fazer pressão
sobre os controladores incitando a «opinião pública» a apoiar os seus próprios pontos de vista
de que «são necessárias medidas mais fortes» (tomando a voz do público). Mas, cm qualquer
dos casos, o editorial parece fornecer um ponto de referência objcctivo e externo para mobili
zar a opinião pública. Não se deve esquecer que este reportar da (suposta) opinião pública aos
poderosos, que é o reverso do processo anterior descrito de traduzir definições dominantes
para um (suposto) idioma público, toma o público como ponto de referência importante em
ambas as ocasiões (legitimação) dado que, de facto, o ultrapassa. Através de outra torção, estas
representações da opinião pública são depois inscritas frequentemente pelos controladores
como «prova imparcial» daquilo que o público, de facto, acredita e quer. As espirais de
amplificação são, neste último exemplo, particularmentc complexas e rígidas. (Observaremos
alguns exemplos a partir do caso de mugging mais adiante.)
O que nos interessa aqui é o papel geral dos media no processo de formação activa da
opinião pública. Em sociedades onde o grosso da população não tem acesso directo nem poder
sobre as decisões centrais que afectam as suas vidas, onde a política oficial e opinião estão
concentradas e a opinião popular está dispersa, os media desempenham um papel de ligação c
de mediação critica na formação da opinião pública e na orquestração dessa opinião com as
acções e perspectivas dos poderosos. Os media não só possuem um quase monopólio do
«conhecimento social», como fonte primária de informação daquilo que acontece - também
dirigem a passagem entre aqueles que estão «no saber» e a ignorância estruturada do público
234
cm geral. Ao desempenhar es:e papel de ligação e mediação, os media são reforçados, não
enfraquecidos, pelo facto de serem, formal e esiruturalmente, independentes, tanto das fontes a
que se referem como do «público» cm nome de quem falam. Este quadro pode ter tendência
para sugerir uma situação de «encerramento perfeito» onde a passagem livre das ideologias
dominantes está perfeitamente assegurada. Mas esta imagem fonemente conspirativa não é
correcta e deveriamos ter cuidado com a sua aparente simplicidade e elegância. O factor
central que impede um tal «encerramento perfeito», contudo, não é uma questão de controlo
técnico ou formal, ou fruto do acaso, ou o bom senso e consciência dos profissionais.
Se a tendência para o encerramento ideológico — a tendência prevalecentc — é mantida
pela forma como os diferentes aparelhos estão ligados estruturalmeníc a fim de promover as
definições dominantes de acontecimentos, então a contratendência deve também depender da
existência de fontes organizadas e articuladas, que geram ccm/ra-definições da situação. Como
Goldman (1969) observou, os grupos sociais e as colectividadcs são sempre a infra-estrutura
das ideologias — e das contra-ideologias. Isto depende, até certo ponto, de a colectividade que
gera a contra-ideologia e exige explicações ser uma força de compensação poderosa na socie
dade; de ela representar uma maioria organizada ou minoria substancial; e de ter ou não um
grau de legitimidade dentro do sistema ou poder ganhar uma determinada posição através da
luta (Horowitz e Liebowitz, 1968; Hall, 1974 b). Os definidores primários, actuando em ou
através dos m edia , achariam difícil estabelecer um encerramento completo em torno de uma
definição de um assunto controverso (relações industriais), sem ter dc lidar com uma defini
ção alternativa gerada por porta-vozes dos sindicatos, visto os sindicatos serem agora uma
parte reconhecida do sistema de negociações institucionalizadas na área industrial, possuírem
uma perspectiva articulada da sua situação e interesse, c terem ganho «legitimidade» no
terreno onde o conflito econômico c o consenso são debatidos e negociados. M uitos
contradefmidorcs emergentes não têm, contudo, nenhum acesso ao processo de definição.
Mesmo os definidores primários com acesso regular, como os porta-vozes sindicais oficiais,
devem responder em termos pré-estabeleeidos pelos definidores primários e as definições
privilegiadas, e têm um a melhor oportunidade de serem ouvidos e influenciarem o processo
precisamente se colocarem o seu caso nos limites desse consenso. O sccretário-geral de TUC
tem o cantinho mais facilitado se lançar um processo judicial «razoável» contra outra das
entidades patronais, se a sua argumentação, discussão e negociação se fizerem dentro das
normas, mais do que defender uma acção grevista não oficial, etc. Se não aceitarem as regras
do jogo, os contraporta-vozes correm o risco de ser definidos fora da discussão (porque
infringiram as regras da oposição razoável) — rotulada como «extremista» ou «irracional» ou
actuando ilegal ou inconstitucionalmente. Os grupos que nem sequer garantiram esta medida
limitada dc acesso são regular e sistematicamente estigmatizados, na sua ausência, como
«extremos», sendo as suas acções sistematicamente desautorizadas ao serem rotulados de
«irracionais». O encerramento do tópico em tomo da sua definição inicial tem mais facilidade
de conseguir contra grupos que estão fragmentados, relativamente desarticulados, ou que
recusam ordenar os seus «objectivos» em termos de exigências razoáveis dentro de um progra
ma prático de reformas, ou que adoptem formas extremas de luta de oposição para garantir os
seus fins, ganharem um processo ou defenderem os seus interesses. Qualquer destas caracterís
ticas tom a mais fácil aos definidores privilegiados rotulá-los livremente, recusando-se a levar
as suas contradefinições em linha de conta.
235
Assim, os media ajudam a reproduzir e a manter as definições da situação que favore
cem os poderosos, não só recrutando activamente os poderosos nas etapas iniciais onde os
tópicos são estruturados (Hall, 1975) mas favorecendo certas formas de expor tópicos e man
tendo certas áreas estratégicas de silêncio. Muitas destas formas estruturadas de comunicação
são tão comuns, tão naturais, tão dadas como adquiridas, tão profundamente embutidas nas
próprias formas de comunicação que são utilizadas, que são dificilmente visíveis, como cons
truções ideológicas, a não ser que se pergunte deliberadamente: «Que mais podería ser dito
deste tópico, que não tenha já sido dito? «Que questões se omitiram?» «Porque é que as
perguntas — que pressupõem sempre respostas de determinada natureza — reincidem tantas
vezes nesta forma? Porque é que certas outras questões nunca aparecem?» Na área do conflito
industrial, por exemplo, W estergaard observou recentemente:
Tentamos indicar a forma pela qual as estruturas e as práticas de rotina dos media em
relação à elaboração de notícias serve para «enquadrar» acontecimentos dentro de paradigmas
interpretativos dominantes e, deste modo, unir opiniões dentro do que Urry (1973) chama «o
mesmo tipo de âmbito». Uma vez que os media são institucionalmente distintos das outras
agências estatais, as suas iniciativas não advêm automaticamente do estado. N a verdade, as
oposições frequentemente aparecem de facto entre estas instituições dentro do complexo do
poder na sociedade. Os media são também impelidos por motivos institucionais e racionais
que diferem dos dos outros scctores do estado. Por exemplo, o impulso competitivo de ser
«primeiro com as notícias» pode não ser do interesse imediato ou vantajoso para o estado. Os
media muitas vezes querem descobrir o que os definidores primários preferiam manter calado.
Os conflitos recorrentes entre políticos — especialmcnte políticos do Partido Trabalhista — e
os media indicam que os objectivos dos media e os dos definidores primários nem sempre
coincidem (Hall et al., 1976). Apesar destas reservas, contudo, parece inegável que a tendên
cia prevalecente nos media se verifica na direcção da reprodução, entre todas as suas contra
dições, das definições dos poderosos, da ideologia dominante. Temos tentado sugerir a razão
de esta tendência se inscrever nas próprias estruturas e processos do próprio acto de elaboração
das notícias, e não poder ser atribuído à fiaqueza dos jornalistas ou à prepotência dos seus
patrões.
236
O crime como notícia
«Pode ser importante notar nesta ligação que os confrontos entre «transgressores
marginais» e os agentes de controlo têm sempre atraído uma boa porção da atenção
do público... Uma parte considerável daquilo a que chamamos «notícia» c dedicada a
reportagens sobre desvios comportamentais e as suas consequências, e não é simples
explicar a razão pela qual estes itens devem ser considerados noticiáveis ou porque
merecem a extraordinária atenção que obtêm. Talvez apelem a um número de perver-
sidades psicológicas no seio do grande público, como têm sugerido alguns comentadores,
mas ao mesmo tempo constituem uma das nossas principais fontes de informação
sobre os esboços normativos da nossa sociedade. Num sentido figurado, pelo menos, a
moralidade e a imoralidade encontram-se no cadafalso público, e é neste encontro que
se traça a linha que as separa.»
O crime é, então, «notícia» porque o seu tratamento evoca ameaças mas também reafir
m a a moralidade consensual da sociedade; desenrola-se perante nós uma peça de moralidade
moderna na qual o «demônio» é expulso tanto simbólica como fisicamente da sociedade pelos
seus guardiões — a polícia e a magistratura. Para que esta afirmação não seja considerada
excessivamente dramatizada deve ser comparada com o comentário seguinte do Daily Mail
(intitulado «Os Homens Tidos Como Certos») no assassínio de três policiais cm 1966:
237
a sociedade !ho pede, vai à viela não iiuminada investigar o barulho. É por isso que a
morte de um policia por violência é tão profundamente sentida entre nós. A morte de
três homens em Shepherd’s Bush, insensata e deliberadamente abatidos a tiro no seu
posto a manter a ordem e a decência, apresenta-se como um choque terrível, que
parece sacudir a própria terra. A uma incredibilidade ofuscada segue-se a compreen
são de que essa ordem não deve ser tida como adquirida — a selva ainda cá está.
Ainda existem nela animais selvagens para serem controlados (')■
As notícias criminais não são, claro, uniformemente desta natureza dramática. Muito é
rotina e sumário, porque o volume dos crimes é só por si visto como rotina. O crime é
entendido como um fenômeno permanente e reincidente c, por isso, muito dele é inspecciona-
do pelos media de uma forma igualmente rotineira. Shuttleworíh, no seu estudo sobre a
reportagem da violência no Daily Mirror, notou os muitos diferentes tipos de apresentação
utilizados, dependendo da natureza da violência a ser tratada (Shuttleworth et al., 1975). Ele
comentou especialmente o espaço rclativamente pequeno, e a maneira abreviada c impessoal
como são relatadas muitas formas «mundanas» de crime. (A brevidade destes relatos é ainda
limitada pela lei sub judice que impede a imprensa de comentar um caso que esteja em
tribunal, e o recente reforço das regras contra a imprensa que atribui culpa antes de esta ser
provada.) Muitas notícias sobre o crime fazem, por conseguinte, pouco mais do que notarem
que um outro crime «sério» foi cometido. Todavia, os media estão altamente sensibilizados
para o crime enquanto potencial fonte de notícias. Muito deste relato «mundano» de crime
ajusta-se ainda ao nosso argumento geral — assinala a transgressão das fronteiras normativas,
seguidas de investigação, prisão e retribuição social em termos de condenação do transgressor
(o trabalho de rotina da polícia e dos tribunais oferece uma tal permanente categoria de
notícias que a muitos «repórteres novatos» é atribuída na sua primeira tarefa «o sector crimi
nal». Se sobreviverem a este trabalho de rotina — a maioria dos editores principais aprendem
a pressupor — estarão então prontos para tarefas maiores e mais exigentes). A reportagem, a
um nível mais desenvolvido, de certos exemplos dramáticos de crime, surge c salienta-se no
cenário deste tratamento rotinizado do crime. A alteração na visibilidade de certas notícias de
crime funciona em conjunto com outros processos organizacionais e ideológicos dentro dos
media por exemplo, a relativa «competitividade» de outras notícias pelo espaço c atenção, a
novidade da notícia ou a sua topicalidade, ctc. O crime, aqui, não é significativamente diferen
te de outros tipos de notícias regulares. O que selecciona determinadas «estórias» de crime
pela atenção especial, e determina o relativo grau de atenção que lhes é dado, é a mesma
estrutura de «valores-noticia» que é aplicada a outras áreas noticiosas.
Um ponto especial sobre o crime como notícia: é o estatuto especial da violência enquan
to valor-notícia. Qualquer crime pode ser levantado à visibilidade noticiosa se a violência lhe
estiver associada, visto a violência ser talvez o supremo exemplo das «consequências negativas
dos valores-noticia». A violência representa uma violação básica do indivíduo; o maior crime
pessoal ó o «assassínio», ultrapassado apenas pelo assassínio de um agente que zela pelo
cumprimento da lei, o polícia. A violência é também o supremo crime contra a propriedade e
contra o estado. Representa, assim, uma ruptura fundamental na ordem social. O uso de
238
violência marca a distinção entre aqueles que são esscncialmente da sociedade e aqueles que
estão fora dela. No discurso atrás citado, o senhor Hcath traçou a distinção crucial entre
«argumento pacifico», «o que a maior parte de nós acredita ser a forma correcta de actuação»,
e a «violência» que a «desafia». A base da lei c salvaguardar «essa forma correcta de
actuação», proteger o indivíduo, a propriedade e o estado daqueles que usam «violência»
contra eles. Isto é igualmente a base do cumprimento da lei e do controlo social. O estado, e só
o estado, tem o monopólio da violência legítima, e esta «violência» é usada para salvaguardar
a sociedade de utilizações «ilegitimas». A violência constitui assim o limiar critico na socieda
de; todos os actos, especialmente os criminosos, que transgridem essa fronteira, são, por
definição, merecedores de atenção noticiosa. Queixamo-nos frequentemente que em geral «as
notícias» contêm demasiada violência: um item pode subir ao topo da agenda noticiosa
simplesmente porque contém um «grande estouro». Esses que assim se queixam não compre
endem o que são as «notícias». É impossível definir os «valores-notícia» em formas que não
colocariam a «violência» no topo, ou próximo do topo, da atenção noticiosa.
Vimos anteriormente como a produção de notícias está dependente do papel desempe
nhado pelos definidores primários. Na área das notícias de crime, os media parecem estar mais
fortemente dependentes das instituições de controlo do crime para as suas «estórias» do que
praticamente em qualquer outra área. A polícia, os porta-vozes do Ministério do Interior e os
tribunais constituem um quase monopólio como fontes de notícias de crime nos media. Muitos
grupos profissionais têm contacto com o crime, mas é só a polícia que se afirma como
especialista profissional na «guerra contra o crime», baseada na experiência directa e pessoal.
Esta «especialidade dupla», exclusiva e particular, parece dar aos porta-vozes da polícia
credito autorizado. Além disso, tanto as relações sociais formais como as informais de elabora
ção de notícias, das quais o jornalista extrai o seu material «de crime», estão dependentes de
um a noção de «confiança», por exemplo, entre a polícia c o correspondente de crime; isto é,
na reportagem objectiva e credível feita pelo jornalista da informação privilegiada à qual lhe
foi dado acesso. A «traição» dessa confiança conduzirá à secagem do flaxo de informação
(Chibnall, 1973). O Ministério do Interior, investido de responsabilidade suprema política e
administrativa para o controlo do crime, é digno de crédito devido à sua responsabilidade para
com o Parlamento e, consequentemente, para com a «vontade do povo». Anteriormente já
referimos ao estatuto especial dos tribunais. Os juizes têm a responsabilidade de dispor dos
transgressores do código legal da sociedade; isto confere-lhes inevitavelmente autoridade. Mas
a constante atenção dos media às suas declarações poderosas sublinha a importância do seu
papel simbólico: o seu estatuto como representantes c «ventríloquos» do bem c da verticalidade
contra as forças do mal e das trevas. O que é mais impressionante nas notícias de crime é que
elas raramente envolvem uma descrição de «testemunho ocular» ao contrário da notícia
enviada da frente de batalha pelo correspondente de guerra. As «estórias» de crimes são quase
totalmcnte produzidas a partir das definições dos definidores primários institucionais.
Esta situação de quase monopólio fornece a base para os três formatos típicos de notícia
de crimes que, em conjunto, cobrem a maior parte das variantes de «estórias» de crime.
Primeiro, o relato baseado em afirmações da polícia acerca de investigações de um caso
particular — que envolve uma reconstrução policial do acontecimento e pormenores da acção
que estão a desenvolver. Segundo, o «estado de guerra contra o crime» — normalmente
baseado em estatísticas de chefes de Polícia ou do Ministério do Interior sobre crimes correntes,
7 39
juntamente com a interpretação feita pelos porta-vozes do significado dos simples números —
o que c a mais séria ameaça, onde tem havido mais sucesso policial, etc. Terceiro, o material
de apoio à reportagem do crime — a «estória» baseada num caso de tribunal: alguns, onde o
caso é considerado ser especialmente noticiável, seguindo os acontecimentos relativos ao
julgamento dia-a-dia; outros, onde apenas o dia da sentença e especialmente as observações do
juiz são consideradas noticiáveis; e ainda outros que consistem meramente de relatos breves e
sumários.
Contudo, a razão porque os definidores primários de crime figuram tão proeminente
mente nas reportagens dc crime nos media não é uma função exclusiva do seu estatuto
particularmcnte autorizado. Tem também a ver com o facto de que o crime esta menos aberto
às definições concorrentes e alternativas do que a maior parte dos assuntos públicos. Uma
declaração do CB1 é igualmente «contrabalançada» por uma declaração do TUC, mas um
depoimento da polícia sobre crime é raramente «contrabalançada» com outro de um criminoso
profissional, embora o último tenha mais experiência em crimes. Mas, como oposição, os
criminosos não são nem «legítimos» nem organizados. Em virtude de serem criminosos,
foram privados do direito de participar na negociação do consenso sobre o crime; e na própria
natureza da maior parte de actividade criminosa, eles são um extracto relativamente desorga
nizado, individualizado e fragmentado. Só muito recentemente é que os prisioneiros se tom a
ram suficientemente organizados e articulados e se pronunciam em seu nome para ganharem
acesso à discussão, digamos, sobre a reforma penal, mesmo quando se trata dc condições
prisionais ou métodos de disciplina nas prisões. Em geral, o criminoso, pela sua conduta, é
tido como ter sido privado, juntamente com outros direitos de cidadania, do seu «direito de
resposta» até ter pago a sua dívida para com a sociedade. Tal oposição organizada existe dc
facto — habitualmente na forma de específicos grupos reformistas e especialistas — e muitas
vazes partilha com os definidores primários a mesma definição básica do «problema», e está
interessada em meramente propor meios alternativos para o mesmo objectivo: o retomo do
criminoso ao rebanho.
Isto significa que, onde parece haver um largo consenso e as contradcfiniçõcs quase não
existam, as definições dominantes dirigem o campo dc significação de uma forma relativa
mente incontestada. Qualquer discussão que haja tende a realizar-se quase exclusivamente
dentro dos termos de referência dos controladores. E isto leva à repressão de qualquer jogo
entre definições dominantes alternativas: ao «tomar todas as potenciais alternativas invisí
veis», leva o tratamento do crime em questões exactamentc ao terreno do pragmático — dado
que há um problema com o crime, o que se pode fazer? Na ausência de uma definição
alternativa, proposta eficientemente c com clareza, o âmbito de qualquer reinterpretação de
crime pelo público como assunto do seu interesse é extremamente limitado. Consequentemente,
tuna das áreas onde os media têm mais probabilidades de ser bem sucedidos na mobilização da
opinião pública dentro da estrutura dominante de idéias é em questões relacionadas com o
crime e a sua ameaça à sociedade. Isto toma a via do crime unidimensional e transparente no
que diz respeito aos mass media e à opinião pública - onde os assuntos são simples,
incontroversos e claros. Por este motivo, o crime e o desvio oferecem duas das principais
fontes de imagens de poluição e estigma na retórica do público (Douglas, 1966). E não é
apenas coincidente que a linguagem utilizada para justificar a acção contra qualquer potencial
grupo dc perturbadores desenvolva, como um dos seus indicadores criticos de fronteiras, o
imaginário da criminalidade e da ilegalidade, aplicando-o ou directamcnte ou indircctamente
740
por associação (Rock e Hcidensohn, 1969; Cohen, 1973), por exemplo, o significado de
estudantes contcsíatários como «estudantes hooligans» ou «vagabundos» ou «rufiões
acadêmicos».
Mugging c os media
Até aqui temos vindo a discutir as características gerais da produção jornalística; demos
depois mais atenção às formas que estas assumem em relação à produção de crime-como-
-notícia. Nesta secção ligaremos estas análises de produção jornalística, especificamentc, com
o tratamento dado pela imprensa às notícias sobre o mugging. Ao examinar, cronologicamen
te, a natureza variável deste tratamento dado pela imprensa, poderemos ver não só a aplicação
de valores-notícia específicos mas, mais importante, como estes funcionam como estrutura cm
relação com um tópico particular — neste caso um tipo específico de crime — para manter a
sua noticiabilidade.
Talvez ajudasse começarmos com o quadro I, que ilustra o padrão geral de reportagem
jornalística de muggings durante o nosso período experimental — de Agosto de 1972 a Agosto
de 1973; mas primeiro precisamos de dizer alguma coisa sobre a sua base empírica. A nossa
amostra baseou-se na leitura diária tanto do Guardian como do Daily Mirror durante o
período experimental de 13 meses. Tivemos também acesso a amplos arquivos de recortes de
jornais relativos a mugging neste mesmo período, os quais tinham sido reunidos na sequência
de um a extensiva, mas não exaustiva, leitura de outros diários nacionais, os jornais nacionais
dc domingo e os vespertinos londrinos. Devido à ênfase ligeiramente diferente dada às noticias
tanto nos jornais de domingo como nos de Londres, não incluímos «estórias» extraídas destas
fontes no quadro I nem o texto acompanhante. A nossa investigação, somente baseada nos
diários nacionais, produziu 33 acontecimentos diferentes relacionados com os muggings no
Daily Mirror, 18 no Guardian, e 60 no todo. Ao chegar a estes números, decidimos contar
todas as reportagens diferentes relacionadas com um mugging específico (isto é, follow-ups do
mesmo acontecimento até às etapas finais, tais como o processo judicial, a apelação, etc.)
como um a unidade; decidimos igualmente que o primeiro mês durante o qual o acontecimento
fosse mencionado deveria ser o mês no qual seria registado no quadro. Mais ainda, decidimos
igualmente que a coluna de «amostra total» deveria incluir somente o número total de aconte
cimentos diferentes. Assim, ao chegarmos a estes números para cada mês, o mesmo aconteci
mento em, digamos, quatro jornais diferentes foi contado como um só acontecimento. Nas
colunas separadas no caso do Guardian e do Daily Mirror, pelo contrário, se o mesmo
acontecimento aparecesse nos dois jornais, era registado nas duas colunas. Os relatos sobre o
mugging no estrangeiro foram excluídos do quadro. (Os interessados na cobertura da im
prensa dc muggings em geral, em oposição à cobertura de acontecim entos específicos
sobre o mugging — relatos de crimes ou processos jurídicos — deve consultar o quadro II
no fim deste capítulo.
Deve-se depreender do quadro I que o auge da cobertura pela imprensa de muggings
ocorreu em Outubro de 1972. A partir daí verifica-se uma quebra no interesse da imprensa. A
manutenção desse interesse para além do ano novo, ao longo de Março e Abril, deve-se
provavelmente muito ao efeito do caso Handsworth. Depois disso, só um a torrente de
«estórias» no Daily Mirror em Junho apresenta o mugging com alguma apreciável visibilida
de nos media. Embora, como sabemos agora, Agosto de 1973 não foi de forma alguma o fim
241
da estória de mugging, parece justo concluir que por volta de Agosto de 1973 os imiggiiigs
tinham concluído «um ciclo» da sua noticiabilidade. Enquanto os números envolvidos são
pequenos e não muito reveladores só por si, quando nos voltemos para a natureza variável da
cobertura, emerge de facto um padrão mais distinto — um padrão que confirma a noção de
um «ciclo de noticiabilidade».
O mugging rompe como uma «estória» devido à sua singularidade, a sua novidade. Isto
encaixa-se na nossa noção de singular como valor-notícia principal: a maior parte das «estóri
as» parecem necessitar, em primeiro lugar, de algum elemento novo para serem levantadas à
visibilidade noticiosa; o mugging não foi cxcepção. O assassínio da Ponte de Waterloo,
definido pela polícia como um «mugging gorado», foi localizado e representado para o seu
público pelo Daily Mirror como um «novo tipo aterrorizante de crime». Alguém apunhalado
ou até morto no decurso de um assalto não é sem dúvida novidade. O que levanta este
assassínio, cm particular, acima da categoria de «insignificante», é a atribuição de um «novo»
rótulo; isto assinala a sua novidade. Coerente com a nossa argumentação, este acontecimento
é mcdiatizado pela policia que investiga o caso; eles fornecem o rótulo de mugging, e portanto
a legitimação para ser usado pela imprensa. O jornalista trabalha depois este esboço de
definição. Enquadra c contcxtualiza os detalhes da «estória» de acordo com a lógica operacional
dos valores-notícia; realça a sua novidade (um «estilo novo e atcrTorizante de crime») e a sua
ligação à América.
Q UADROI
Ago 1972 1 2 2
Set 1972 4 1 4
Out 1972 12 9 23
N ov 1972 2 0 4
Dez 1972 0 1 2
Jan 1973 3 2 5
Fev 1973 1 0 4
M ar 1973 2 2 4
A br 1973 2 0 5
Mai 1973 0 1 1
Jun 1973 5 0 5
Jul 1973 0 0 0
A go 1973 1 0 1
Total 33 18 60
242
Galtung e Ruge (1973) puseram a hipótese de que «uma vez que algo atingiu as
manchetes e foi definido como 'noticia', então continuar-se-á a defini-lo como tal durante
algum tempo», e o nosso exemplo certamcnte validou esta hipótese. Talvez mais importante,
embora por algum tempo, a simples atribuição do rótulo de mugging foi suficiente para trazer
à órbita do noticiável muitos acontecimentos de crime discretos c vulgares. Os exemplos mais
claros deste processo foram alguns dos primeiros «casos jurídicos» de mugging mais publicitados:
estes foram, de facto, julgamentos por pickpockcting (*) (ou mesmo tentativas de pickpocketing).
Outros exemplos foram a pequena quantidade de «estórias» em Setembro/Outubro de ataques
cometidos por raparigas. Podería parecer que o mugging fornecia algo como um elemento de
convergência para o interesse latente acerca do crescimento da violência feminina — um
interesse que se tomou desde então manifesto e independente do interesse pelo mugging. Este
processo — que Hall (1974 a) designou como o efeito «generativo e associativo» de novos
rótulos — esteve também muito em evidência durante o período em que os rótulos mod/rocker
tinham alguma novidade. (Cohen, 1980)
Contudo, o valor-notícia de «novidade» está eventualmente gasto: através da repetição o
extraordinário transforma-se, eventualmente, em vulgar. Na verdade, em relação a qualquer
«estória» particular, a «novidade» tem claramente um período de vida mais limitado de todos
os valores-notícia. Neste ponto, no «ciclo» de uma «estória», são necessários outros valores-
-notícia mais duradouros para acrescentar a noticiabilidade cm declínio, e sustentar a sua
«vida» como notícia. Dois valores, em particular, pareciam desempenhar um papel de amplifi
cação cm relação aos muggings: os valores-notícia do «bizarro» e da «violência». Relativa
mente a estes dois valores-notícia, verificamos um aumento no número de relatos de muggings,
ao longo do nosso período experimental, que pareceram ganhar visibilidade noticiosa, cm
primeiro lugar devido à presença de tais valores-notícia suplementares. Embora os números
envolvidos sejam reduzidos, parecem ser suficientemente marcantes para nos autorizar a
fazermos inferências. Pelo contrário, o valor-notícia de «pessoa de elite» ou «pessoa famosa»
não parece ter um papel significativo de aumentação na nossa amostra. No total, encontrámos
somente cinco «estórias» que pareciam ganhar visibilidade noticiosa, principalmcnte por
causa do nome famoso da vítima: duas apareceram em 1972 (•’) e três cm 1973 (!).
Por relato «bizarro» queremos dizer uma que tenha características invulgares, singula
res, excêntricas, esquisitas, estranhas e grotescas. Na nossa amostra tais relatos podiam scr
subdivididos em duas — umas com um toque de humor e outras com tons mais ameaçadores e
grotescos — , mas o termo «bizarro» parece adequado para cobrir o elemento de noticiabilidade
comum aos dois tipos. Durante 1973 só encontrámos um relato assim. A «estória» do Guardian
de 10 de Novembro de 1972 de um jovem que conduziu um homem, que não tinha nenhum
dinheiro, a um banco, apontando-lhe uma arma, para levantar um cheque. Mas entre M arço e
Julho de 1973 encontrámos cinco — algumas humorísticas, algumas grotescas. Como exem
plo de cada uma escolhemos duas «estórias» do Daily Mirror. (<) A primeira, intitulada
«Muggers Apanham Homem Errado», publicada no dia 5 de Junho de 1973, constitui uma
«estória» humorística cheia de contorções e contradições. O relato falava de um mugging
«Até agora, este ano, cerca de 450 casos foram comunicados à secção da policia
(organizada para tratar dos muggings na zona Sul de Londres). Destes, 160 foram
substanciados como roubos violentos e outros 200 confirmados como roubos a pesso
as, quer por puxão quer por pickpocketing.» (Sunday Times, 1 de Outubro de 1972.)
245
de mugging na América como ponto de referência contra o qual a sua sentença
mira contextualizada; mas, em primeiro lugar, este exemplo ilustra o «apoio» das «este
■m declarações autorizadas de definidores privilegiados fora dos media.
Em Outubro de 1972, encontramos um exemplo de como os media utilizam uma «ba:
is definições para o seu próprio trabalho de definição em tal questão. O Daily Mirror
Dutubro de 1972 acompanhou o relatório do juiz Hines, sentenciando três jovens ado
; a três anos de prisão por mugging com tun editorial que apanhava a sua dcclaraçãc
\ decisão que sou obrigado a tomar pode não ser a melhor para vós jovens individ
mas é a que devo tom ar tendo em vista o interesse público.» O editorial acresceu
ópria «voz» de campanha — o seu «idioma público» — ao do juiz: «O juiz Hines
Há vezes em que as intimações que normalmente pareceríam cruéis c injustas, «TI
impostas... para o mugging não se tom ar incontrolável como acontece na Améri
tem de ser severo e certo». Aqui podemos ver a imprensa num papel mais actix
ndo (m as sim ultaneam ente usando com o justificação) afirmações jurídicas sol
j com o um a questão pública. O círculo apertou-se, o tópico m ais fechado, as rei
media e os definidores prim ários reforçaram -se mais m utuam ente. N a verdade, j
ão há lugar para debate : «O ju iz H ines tem razão.»
ia sem ana depois (13 de O utubro de 1972), o jornal Sun. num editorial inti
ndo os M uggers», deu m ais um passo no sentido de encerram ento, alinham
co m a definição dom inante do tribunal. N este exem plo, o Sun não aplica
lúblico» — m as antes toma a voz do público ; tom a-se no «ventríloquo» do p<
Alguns meses mais tarde é o sector judiciário que re\’igora o interesse público pelo
mugging (ou toma a voz do público) como defesa das suas políticas de intimação.
Neste último exemplo, a «opinião pública» foi importada de volta para o discurso
judiciário como forma de reforçar c tom ar legítima uma afirmação jurídica sobre o crime.
Enquanto anteriormente os media baseavam as suas «estórias» em provas apresentadas pelos
tribunais, agora os tribunais usam o público («toda a gente pensa») para apoiar as suas
afirmações. Isto é um círculo excessivamente limitado de reciprocidades mútuas e reforçadas.
Mas mesmo esta torção da espiral de amplificação não nos deverá cegar de modo a ignorar o
ponto inicial do processo: o ponto onde começou e a partir do qual se renova continuamente -
o papel dos definidores primários e privilegiados, que ao classificarem o mundo do crime para
os media e para o público, estabelecem as principais categorias através das quais os meios de
comunicação c os jornalistas dirigem os seus temas secundários e variações.
Uma semana antes, outro juiz havia acrescentado a última torção à espiral e, cfectiva-
mente, «fechou o círculo». Condenando dois jovens cujo advogado se referira às pesadas penas
dadas ao caso Handsworth no dia anterior, o juiz comentou que «A imprensa divulgara que
‘não havería mais penas leves’ para assaltos de rua envolvendo roubo». (’) Aqui se vê a
reciprocidade entre as diferentes partes da cultura do poder duma forma extremamente clara
e explícita. Temos aqui exactamente o lado inverso do processo assinalado anteriormente no
QUADRO II
Ago 1972 5 í 6 3 9
Set 1972 2 5 7 5 12
Out 1972 7 18 25 19 44
N ov 1972 5 5 10 13 23
Dez 1972 0 2 2 4 6
Jan 1973 4 5 9 4 13
Fev 1973 0 1 1 7 8
M ar 1973 7 9 16 37 53(*)
A br 1973 4 4 8 13 21
Mai 1973 2 0 2 4 6
Jun 1973 0 5 5 0 5
Jul 1973 0 0 0 0 0
Ago 1973 1 1 2 0 2
AS ESTÓRIAS
Introdução
de N elson Traquina
253
autor deixa lima advertência aos jornalistas: as formas narrativas, que os jornalistas preci
sam de controlar para serem respeitados como profissionais, também têm o poder de contro
lar os jornalistas e, através deles, o próprio público que consome as noticias.
Paul Weaver aponta também a importância da forma no seu trabalho de comparação
das noticias de imprensa com as noticias televisivas. Referindo-se às noticias norte-america
nas, Weaver acentua as diferenças entre estas duas variedades de noticias, mas reconhece
que há também semelhanças. Entre estas, Weaver refere que ambos os tipos de noticias são
variedades de jornalismo, isto é, relatos correntes sobre acontecimentos correntes, reconhe
cendo assim a dificuldade que uma focagem sobre o presente representa para o jornalismo (e
que já fo i sublinhado nos artigos de Traquina e Schlesinger). Outra semelhança destas duas
variedades de jornalismo é a sua incapacidade de descrever a complexidade e a ambigiddade,
bem como a sua vulnerabilidade perante os «pseudo-acontecimentos». Outras semelhanças,
apontadas pelo autor, são: ambas reflectem o ethos da comunidade jornalística e são molda
das pelos processos e pelas estruturas de produção; ambas centram a sua atenção em
acontecimentos e numa linha simplista de «acção dramática»; ambas utilizam «os mesmos
temas, fórmulas e símbolos na construção das suas narrativas», ou seja, são «cortadas da
mesma fazenda intelectual e retórica».
Apesar de tantas semelhanças, e elas são de peso, Wea\-er parece sublinhar as diferen
ças entre as noticias de imprensa e as noticias tele\’isivas. Uma diferença determinante
relaciona-se com a estnitura das noticias. Aqui, o autor sublinha dois aspectos. Primeiro, as
noticias televisivas são mais unidas estruturalmente porque são organizadas em função do
tempo, enquanto as notícias de imprensa são organizadas em função do espaço. Por isso, o
noticiário televisivo, em contraste com o jornal, tende a privilegiar uma unidade temática
(um ponto que o artigo de Gurevitch e Blumler ilustrou quando refere a preocupação dos
jornalistas da BBC em encontrarem um tema na construção do «pacote»). Segundo, a dife
rença estrutural existe igualmente em relação a cada noticia individual. Weaver explica que
a noticia televisiva é um todo que só é inteligível quando visto na sua totalidade, precisando,
por isso, de um tema que atravessa toda a noticia do inicio até ao fim. Em contraste, a noticia
de imprensa é geralmente organizada segundo a pirâmide invertida, com os elementos mais
importantes da noticia logo no primeiro parágrafo, o lead. Devido às diferenças estruturais,
Weaver chega à conclusão polêmica de que as noticias televisivas são mais interpretativas e
menos constrangidas pelo fluxo diário dos acontecimentos.
Outra diferença entre as noticias televisivas e as noticias de imprensa é que enquanto
estas são visuais as noticias televisivas são audiovisuais. Segundo o autor, as noticias de
imprensa empregam uma voz narrativa impessoal em que a forma retórica apaga a presença
do jornalista na procura do ideal da objectividade; em contraste, a voz narrativa das noticias
televisivas é pessoal devido à presença fisica do jornalista. Todavia, Weaver reconhece que o
jornalista televisivo ê representado como uma personagem omnipresente que fala com a
autoridade de quem sabe tudo. Neste ponto, o autor conclui então que as noticias de impren
sa dizem menos do que realmente sabem devido ao constrangimento da narrativa impessoal,
enquanto as notícias televisivas dizem mais dó que sabem.
A terceira diferença sublinhada é a importância dada pelas noticias televisivas ao
espectácido, cujo índice mais evidente é a preocupação demonstrada pelosjornalistas televisivos
com a imagem, i.e., a existência de boas imagens como critério de noticiabilidade. Escreve
Wea\'er: «Esta preocupação leva o jornalismo televisivo a dar cobertura desproporcionada a
254
acontecimentos, ou aspectos de acontecimentos, que são espectaculares ou filmados de fo r
mas espectaculares».
Até agora tivemos a oportunidade de ver a importância das diferentes vozes narrativas
(Bird e Dardenne), a evolução histórica das formas narrativas (Scliudson), a influência das
características do meio sobre as formas (Weaver). 0 artigo de Da .MEL H allix e Pa OI.O
MancíNI chama a atenção para o factor nacional na análise da narrativas jornalísticas. Para
os autores, as noticias são uma forma de representação que ê estruturada pelos próprios
processos políticos e sociais que as noticias tentam «refleclir» e pelo próprio papel das
noticias nesses processos. Num estudo comparativo das noticias televisivas nos Estados
Unidos e em Itália transmitidas em 1982, Hallin e Mancini encontraram diferenças não só no
conteúdo noticioso mas sobretudo nas convenções narrativas utilizadas. Há mais noticias
estrangeiras no noticiário norte-americano e as noticias políticas são mais centradas na
actividade do governo, enquanto as noticias italianas privilegiam a actividade partidária. O
noticiário televisivo norte-americano é caracterizado pela sua unidade temática, enquanto o
noticiário italiano não apresenta uma lógica interna; ao nível da notícia individual, as
noticias americanas são mais estruturadas na form a de uma «estória» e, por isso,
interpretativas, enquanto as noticias italianas são, na terminologia dos autores, mais
«referenciais».
Outras diferenças são apontadas pelos autores. Primeiro, existe uma maior utilização
do elemento visual no noticiário norte-americano, enquanto o noticiário italiano emprega
mais convenções da imprensa. Segundo, as noticias americanas são mais frequentemente
constnddas na perspectiva do cidadão comum e as fontes «não oficiais» estão mais presentes
no noticiário (mesmo assim 68% das noticias dessa semana utilizam fontes oficiais), enquanto
as noticias italianas são altamente institucionalizadas. Escrevem Hallin e Mancini: «Rara
mente aparece alguém nas noticias televisivas italianas que não represente um participante
organizado do processo político.» Terceiro, os jornalistas televisivos norte-americanos rara
mente utilizam a primeira pessoa, enquanto os jornalistas televisivos italianos frequentemente
empregam o «nós», significando ele (o jornalista) e o público.
Os autores tentam explicar estas diferenças e fazem referência à natureza comercial da
televisão americana em contraste com o estatuto público da radiotelevisão italiana, a R A I .
Os clientes principais da televisão norte-americana são os publicitários, enquanto a clientela
principal da telexásão italiana são os partidos políticos. Mas consideram essa explicação
inadequada e avançam que a resposta se encontra na estrutura diferente do espaço público
em cada pais: o espaço público norte-americano é vazio, enquanto o italiano ê
institucionalizado de forma rígida. Escrevem os autores: «Dado que exercem controlo sobre
a televisão estatal, não há necessidade para os partidos políticos permitirem que os jornalis
tas usurpem a sua função como árbitros do significado político.» Acrescentam: «De facto, é
algo artificial dizer que o jornalismo existe em Itália como uma institidção única e reconhecí
vel. A Itália tem dois jornalismos e nenhum deles tem a autonomia de função, organização e
ideologia que o jornalismo norte-americano tem.» Os autores prosseguem a sua análise e
indicam que o jornalismo de imprensa está virado para o comentário político, enquanto o
jornalista televisivo italiano é «um fimcionário político». Em contraste, os jornalistas norte-
americanos definem-se como membros de uma profissão autônoma, que tem a sua própria
ideologia: assumem-se como representantes do público em prol do qual trabalham. Assim, o
papel dos jornalistas norte-americanos é muito activo em contraste com o papel passivo dos
255
jornalistas italianos, definidos como simples transmissores da informação. Hallin e Mancini
concluem: «Portanto, a característica unida e temática do noticiário americano resulta não
só dos imperativos comerciais mas também do papel central que o jornalismo tem no sistema
político norte-americano.»
Aqui, parece pertinente recordar o artigo de Schudson e a sua demonstração de que a
mudança nas convenções narrativas utilizadas pelos jornalistas norte-americanos traduziu
uma afirmação da crescente consciencialização e autonomia profissionais dos jornalistas.
Hallin e M ancini consideram que as diferentes convenções narrativas têm diversas
consequências sobre as noticias. Assim, as convenções utilizadas no noticiário americano
privilegiam o actor e requerem um «herói», dificultam a expressão de idéias abstractas,
implicam um papel mais activo por parte do jornalista na procura da informação, e impõem
uma postura mais critica por parte dos jornalistas. Estas conclusões podem levantar resetvas
- e certamente polêmica. Mas, igualmente, a importância da questão colocada pelos autores
da relação entre o jornalismo e a autoridade política não se limita às convenções narrativas;
ao contrário, essas mesmas convenções narrativas utilizadas pelos jornalistas podem refiec-
tir, em parte, a relação de forças entre os jornalistas e outros agentes sociais.
O último artigo desta antologia fornece uma reflexão critica sobre o tipo de conheci
mento que as noticias fornecem. Para E. Barbara Phillips, as noticias fornecem «familiari
dade acerca» e não «conhecimento sobre» as coisas. As noticias são assim devido a certos
hábitos mentais dos jornalistas acerca da realidade social, hábitos esses que provêm da
orientação prática dos jornalistas, da sua linguagem particular, o chamado «jornalês», e da
sua epistemologia especifica. Segundo a autora, os jornalistas são pragmáticos, orientados
para o concreto, focados sobre os acontecimentos. Os jornalistas violam o principio de
Platão segundo o qual a tarefa do teórico é a de evitar o desmembramento da realidade em
pequenos pedaços. Ao contrário do teórico, os jornalistas são atraídos pelo contingente. Na
terminologia do antropólogo Claude Lévi-Strauss, os jornalistas são bricoleurs, pessoas que
usam a lógica das mãos e dos olhos, a lógica do concreto, e seguem um impulso do oficio, o
instinto.
Segundo Phillips, os jornalistas possuem certos hábitos mentais relacionados com a
profissão, tais como a dependência do instinto, uma orientação temporal para o presente, e
uma linguagem especifica, denominada «jornalês».
O «jornalês» utiliza formatos específicos (a pirâmide invertida, por exemplo) que im
põem uma estrutura sobre os acontecimentos; e o «jornalês» Çimportante) realça o concreto,
o particular e o indivíduo em oposição ao estrutural, ao abstracto e ao universal. A unidade
das noticias é geralmente o acontecimento; o acontecimento gira em torno de pessoas em
situações contingentes; os formatos jornalísticos desaprovam o estabelecimento de ligações
entre os acontecimentos, e os jornalistas, como não teóricos, vêem os acontecimentos como
factos desconexos. Assim, para a autora, as noticias são um «mosaico», um «caleidoscópio
de formas variáveis da realidade superficial». Devido aos constrangimentos temporais e às
pressões da organização, as ambiguidades e os desenvolvimentos em fluxo tendem a ser não
noticias. E. Barbara Phillips conclui: «De um modo geral, as noticias dão a sensação de que
existe novidade sem mudança.» Como escreve Traquina, no artigo publicado na segunda
parte desta antologia: «Controlado pelo relógio, dedicado ao conceito de actualidade, obce
cado pela pergunta 'o que há de novo?', o jornalista e as empresas jornalísticas para as
quais trabalha, dão, sobretudo, importância ao objectivo de produzir as noticias sobre
os acontecimentos mais recentes. E na resposta aos seis 'servidores' habituais do lead
„ noticioso, os dois (como? porquê?) que mais carecem de explicação são precisamente aque-
les que o leitor quer da noticia e menos encontra. Exigir isso é talvez pedir demasiado a estes
profissionais inundados pela cheia de acontecimentos e assediados pela hora de fecho.»
Só uma mudança fundamental na natureza do jornalismo, como ele é praticado hoje em
dia, poderá alterar signijicativamente as noticias. Mas, com profissionais altamente qualifi
cados, com uma sólida formação cultural, e com empresas jornalísticas com recursos subs
tanciais que permitam melhor responder às exigências do dia-a-dia, o jornalismo consegue
ser menos vitima dos seus constrangimentos e da sua própria ideologia (como alguns casos
no jornalismo português exemplificam hoje em dia). Assim, as noticias terão mais valor e a
sua leitura será ainda mais necessária.
257
Contando «estórias» (*)
Gaye Tuchman
Frame analysis pode ajudar no estudo dos princípios de organização que estão
na base da selecção e definição dos acontecimentos noticiosos.
O s relatos de acontecimentos noticiosos são «estórias» — nem mais nem menos. Como
Robert Park (1925) afirmou há várias décadas, a notícia de jornal é uma forma de literatura
popular, uma reincarnação das ainda populares novelas apresentadas de um a outra forma.
Mais recentemente, citando uma aluna de Park, Helen Hughes (1940), Robert Damton (1975)
abordou a mesma questão: os repórteres descobrem acontecimentos nos quais conseguem
localizar os temas e os conflitos de uma sociedade particular. Estes acontecimentos são rccontados
essencialmentc através da mesma «estória» de ano para ano ou mesmo de década para década.
Por exemplo, Damton relata que enquanto era repórter de polícia, c andava à procura de uma
«boa 'estória'» num determinado dia, descobriu que haviam roubado uma bicicleta de criança.
Ele escreveu e publicou uma «estória» tocante, realçando o drama humano da perda de
propriedade do miúdo c soube posteriormente que, na prática, a mesma «estória» saira no seu
jornal alguns anos atrás.
Implícita no ensaio de Damton está a noção de que os jornalistas aprendem formas de
«estórias» que eles usam como equipamento profissional, como mecanismos que eles podem
aplicar para transformar os acontecimentos que encontram no seu produto profissional —
relatos de acontecimentos ou news stories. Todavia, Damton não fornece um a técnica para
analisar esta suposta «transformação». Neste artigo, gostaria de apresentar uma técnica atra
vés da aplicação dos conceitos de fram e e strip de G offm an (1975) às noticias e aos
(*) Reedição de: Journal o f Communicalion (Vol. 26, N* 4, 1976). «Telting Stories», de Gaye Tuchman.
Direitos de autor: Oxford University Press. Reedição com a aprovação do editor.
acontecim entos noticiosos. Como se mostrará, os conceitos de Goffman são particularmente
úteis porque eles não pressupõem que uma transformação ocorra quando os acontecimentos
noticiosos se tomam «estórias». Nem pressupõem que haja necessariamente uma correspon
dência entre acontecimento e «estória».
Como Gofiman (1975, pp. 10-11) o define, um frame c constituído pelos princípios de
organização que governam os acontecimentos — pelo menos os sociais — e o nosso
envolvimento subjectivo neles». Os frames organizam as «strips» do mundo quotidiano, en-
tendendo-se por strip «uma fatia ou corte arbitrário do fluxo da actividade corrente» (1975, p.
10). Além disso, eles também podem governar a constante organização social dos próprios
acontecimentos. Assim, eles podem constituir happenings soltos ou conversa amorfa como um
acontecimento perceptível, ao passo que sem o frame seriam apenas happenings ou apenas
conversa. Assim, utilizando as convenções da news stoiy como frame, os repórteres conse
guem mais do que fazer um acontecimento público; eles definem o que é e quais os happenings
amorfos que fazem parte do acontecimento (Smith, 1974). Como frames, as «estórias» ofere
cem definições da realidade social.
Um exemplo pode clarificar a aplicação do conceito de fram e às noticias. Considere-se a
seguinte troca de palavras, tirada de notas de campo:
A: Como foi?
B: Não muito grande.
A: Seis parágrafos?
B: Está bem.
A troca de palavras, em si, não tem sentido. Informação suplementar fornece um contex
to social e empresta’algum significado a esta fatia de conversa:
É claro que os «dispositivos de framing » (como seja noticiar e acrescentar uma determi
nada informação) identificam os happenings.
Neste exemplo, dar um início e um fim (um contexto) (') à conversa proporciona-lhe os
atributos de uma anedota estruturada e «revela» que a conversa c uma conferência editorial.
Mais importante ainda, esta conferência editorial eleva o fogo ao estatuto de acontecimento.
Embora o «fogo menor» possa ter causado estragos nas vidas das pessoas cujos lares foram
demolidos, o seu carácter público formou-se a partir da natureza da «estória» — um «fogo de
seis parágrafos» não muito interessante, aparentemente com falta de drama humano.
(') O uso de contextos na identificação do significado é discutido cm novas teorias sociológicas, incluindo
trabalhos de Garfinkcl (1967), Zimmerman e Pcllner (1972) c Smith (1974).
Para os repórteres, aquele «fogo de seis parágrafos» tem ainda outra característica. Não é
nem uma conflagração que destruiu os seus lares (como podería ter sido para os residentes dos
prédios destruídos), nem apenas um «fogo menor aparentemente com falta de drama humano»
(como podería parecer para os leitores do jomal). É uma «estória», melhor, uma de uma série
de «estórias», que é o produto de dias e anos de trabalho jornalístico de rotina.
A ênfase dada às «estórias» sugere que, pelo menos em parte, os repórteres possam falar
entre eles mais de «estórias» do que de acontecimentos. Eles podem ver o mundo quotidiano e
os seus documentos de apoio em termos do produto que vão fabricar — a «estória». Os
seguintes resumos de conversas, retiradas de observações de campo, ilustram este fenômeno:
Que existem noções abstractas de «estórias» é mais visivel nas referências negativas dos
repórteres. O repórter B tinha evidentemente na cabeça uma noção de um tipo de «estória»
durante a seguinte troca de palavras:
(*) Nota de tradução - Uma referencia ao autor do artigo. O exemplo é retirado dos seus apontamentos de
campo.
respeito à sua visita a um centro prisional da cidade no qual os reclusos recentemente se
haviam amotinado. Ele e outros repórteres haviam acompanhado uma comissão da Câmara
Municipal nessa visita e num período de perguntas e respostas com os reclusos. Os reclusos
queixavam-se de que estavam detidos antes do julgamento porque não conseguiam arranjar
dinheiro para pagar as elevadas fianças que haviam sido estabelecidas e que este procedimento
violava as disposições da Constituição americana. Os membros da Câmara esperavam receber
queixas acerca da comida e de outras condições de vida; eles não ouviram os argumentos
acerca da Constituição embora esses argumentos tivessem sido apresentados. O argumento
constitucional é a «estória», disse o repórter, mas o seu jornal, assim como os membros da
Câmara, esperavam a «estória» acerca das condições de vida. O repórter não conseguia
encontrar um lead que se ajustasse quer à «sua estória», quer àquilo que ele entendia ser a
«estória» tradicional acerca das condições prisionais que o seu jornal esperava receber. Final
mente, tirou a folha em branco da máquina de escrever, dizendo que se recusava a escrever «a
estória» esperada, e virou-se para outro assunto.
Argumentar que as notícias são «estórias» e que as «estórias» são frames para
identificar e definir acontecimentos pode parecer implicar que as «estórias» não são
factuais nem objectivas.
Esta inferência pode ser particularmentc compelativa porque alguns dos exemplos apre
sentados aqui envolviam fenômenos, como era o caso da visita ao centro prisional, que os
investigadores frequentemente discutem sob as rubricas da objcctividade e da parcialidade,
incluindo o conhecimento do repórter do ponto de vista particular do seu próprio jornal
(Breed, 1955b). Todavia, o facto de os repórteres como profissionais terem em princípio
aderido a um a norma de facticidade e objectividade pode demonstrar até que ponto o acto de
contar «estórias» é um aspecto compelativo do trabalho de um repórter e também demonstrar
que a «estória» faz exigências ao repórter enquanto contador de «estórias». As normas podem
servir para identificar as questões pertinentes. Se não houvesse qualquer questão, não havería
nenhuma necessidade de qualquer norma.
Ser um repórter que lida com factos e ser um contador de «estórias» que produz contos
não são actividades antitéticas. De facto, é muito provável que alguns acontecimentos nunca
consigam «ser notícia» porque o catálogo de antigos frames de «estórias» não inclui um fram e
particular que se lhes possa aplicar. Noutro local (Tuchman, 1977), sugeri que isto pode ter
sido o caso durante algumas fases da reportagem acerca do movimento feminista. Citando
uma repórter incapaz de escrever «estórias» acerca das actividades do movimento:
261
Pode-se comparar uma noção filosófica a um frame.
Do mesmo modo que as «estórias» enquanto frame permitem que alguns happenings
amorfos sejam definidos como componentes de um acontecimento, também as idéias enquanto
frames permitem ao investigador notar alguns fenômenos mas não outros (:). Como se mostra
neste ensaio, a análise do frame encoraja os investigadores a investigar os modos através dos
quais as noções de «estórias» dos jornalistas ajudam à identificação de alguns pormenores
como «factos pertencentes a um acontecimento». Também possibilita que os investigadores
evitem o problema espinhoso «do que realmente aconteceu» e que continuem a analisar
considerações organizacionais e profissionais que são parte essencial da reportagem. Afinal de
tudo, a noção de «estória» e as suas características formais são, para citar a definição de frame
dc Goffman, «princípios de organização». E, princípios de organização são fenômenos sociais
acessíveis à análise social, como Goffman demonstra.
Dizer que uma notícia é uma «estória» não é de modo nenhum rebaixar a noticia, nem
acusá-la de ser fictícia. Melhor, alerta-nos para o facto de a notícia, como todos os documentos
públicos, ser uma realidade construída possuidora da sua própria validade interna. Os relatos
noticiosos, mais um a realidade sclectiva do que uma realidade sintética, como acontece na
literatura, existem por si só. Eles são dociunentos públicos que colocam um mundo à nossa
frente.
(!) Smith (1974) traça em linhas gerais as abordagens sociológicas a este problema a fim dc analisar a cons
trução social dc documentários sobre a realidade.
«Mito, registo e ‘estórias’:
explorando as
qualidades narrativas
das notícias» (*)
(*) Reedição de: «Myth, Chroniclc and Story: Exploring thc Nanativc Qualities of News», de S. Elizabeth
Bird e Robert W. Dardenne, publicado no livro Media. Myths and Narratives: Telesision and lhe Press, de James
W. Carcy (Ed.), Ncwbury Park, Ca.: Sage Publications, 1988. Direitos de autor: Sage.
9/Ç-J
atras disciplinas, entretanto, o estudo da narrativa e da «estona» esta-se a i
importante, visto que a ênfase é dada aos textos enquanto construçõe:
ogos culturais redcscobriram nào só a narrativa como elemento importante
des analisam, mas também começaram reflexivamente a repensar as suas
ícas — as suas «estórias noticiosas» — que há muito haviam sido trata
bjectivos da realidade (Marcus, 1982). Como Braner (1984) adverte:
N a opinião da m aior parte dos escritores americanos sobre notícias, subsiste a assunçã
[ue há dois tipos de notícias, variavelmente chamadas hard em oposição a sofl, «importan
, em oposição a «interessantes» (Gans, 1979), «notícias» em oposição a «interesse huma
(Hughes, 1940), e «informação» cm oposição a «estória» (Schudson, 1978). Hughes, poi
mnln afirma aue os árticos noticiosos ou edificam ou entretêm. e esta divisão de um ou
Esia assunção tem retardado a discussão das qualidades narrativas das notícias de duas
maneiras. Primeiro, tem-nos impedido de ver as noticias como um corpo unificado que exibe
temas e padrões claros que pouco têm a ver com divisões de importante/interessante. Deixa
mos a ver as notícias dentro de um «modelo de transmissão» tradicional — essencialmente do
ponto de vista dos profissionais que criaram esta dicotomia. Pouco há que sugira que o público
sente o mundo como se este estivesse tão claramente dividido.
Segundo, esta assunção deixa-nos cegos para ver as qualidades estruturais de «estórias»
individuais. É aceite que a notícia liard c informativa e factual, enquanto a notícia soft é
divertida. Em termos de idéias, esta divisão é suposta ser ditada pelo conteúdo — certos tipos
de noticias «são» liard, outras soft. Estas qualidades são intrínsecas à narração dos aconteci
mentos. Esta percepção deixa-nos incapazes de ver a forma como os mecanismos narrativos
são utilizados em toda a escrita noticiosa, mantendo a ilusão de que todos os dispositivos
estruturais utilizados em notícias liard são meramente técnicas neutras que actuam como
canais de transformação de acontecimentos em informação, mais do que meios para a criação
de um determinado texto narrativo.
Acreditamos que para compreender o que são as noticias enquanto narrativas e o que
fazem, temos de pôr de lado a dicotomia importante/interessante e olhar para as «estórias
noticiosas» como um todo — tanto como um elemento de trabalho que é um a «estória»
contínua de actividade humana, e como «estórias» individuais que contribuem para essa
«estória» contínua. Considerar as notícias como narrativas não nega o valor de as considerar
como correspondentes da realidade exterior, afectando ou sendo afectadas pela sociedade,
como produto de jornalistas ou da organização burocrática, mas introduz uma outra dimensão
às notícias, dimensão essa na qual as «estórias» de notícias transcendem as suas funções
tradicionais de informar e explicar. As notícias enquanto abordagem narrativa não negam que
as notícias informam; claro que os leitores aprendem com as notícias. No entanto, muito do
que aprendem pode ter pouco a ver com os «factos», «nomes» e «números» que os jornalistas
tentam apresentar com tanta exactidão. Estes pormenores — significantes e insignificantes —
contribuem todos para o bem mais amplo sistema simbólico que as notícias constituem. Os
factos, nomes e detalhes modificam-se quase diariamente, mas a estrutura na qual se enqua
dram — o sistema simbólico — é mais duradoura. E poder-sc-ia argumentar que a totalidade
das notícias como sistema simbólico duradouro «ensina» os públicos mais do que qualquer das
suas partes componentes, mesmo se essas partes tivessem como finalidade informar, irritar ou
entreter.
265
Uma das normas mais produtivas de ver as notícias é considerá-las como um mito, um
ponto de vista que dissolve a distinção entre entretenimento e informação. Com isto não
queremos dizer que as noticias individuais são como mitos individuais, mas, enquanto proces
so de comunicação, as noticias podem actuar como o mito e o folclore (Bird, 1987). Bascom
(1954), numa afirmação clássica acerca das funções do folclore, escreve que ele serve como
educação, como validação de cultura, como realização do desejo, e como força de conformida
de, enquanto Malinowski (1974) considerava o mito como um «alvará» para a cultura hum a
na. Através do mito e do folclore, os membros de uma cultura aprendem valores, definições do
bem c do mal, c algumas vezes podem sentir emoções substitutivas — nem todas através de
contos individuais, mas através de um conjunto de tradições e crenças populares. Como
escreve Drummond (1984):
266
«Tais noticias são uma fonte importante de informação sobre os contornos
normativos de uma sociedade. Informam-nos do que está certo e errado, dos parâmetros
para além dos quais não nos devemos aventurar e das formas que o demônio pode
assumir. Urna galeria de tipos populares — heróis c santos, c também bobos, vilões e
demônios — é publicitada não só na tradição oral e no contacto cara-a-cara, mas a
públicos muito mais vastos e com recursos dramáticos muito maiores» (Cohen e
Young, 1981, p. 431).
Cada «estória» individual sobre o crime é escrita tendo como cenário outras «estórias»
sobre o crime, às quais retiram elementos e acrescentam outros. Os leitores raramente se
recordam de detalhes de «estórias» sobre o crime, e não «utilizam» a informação nas suas
vidas diárias (Graber, 1984). Em vez disso, as «estórias» tomam-se parte de uma «estória» ou
mito mais amplo acerca do crime e valores. Graber (1984) e Roshicr (1981) salientam que os
media não reflectem as verdadeiras taxas de crime. Se o único objectivo de relatar o crime
fosse a informação, faria sentido relatar todos os crimes, tais como assaltos e roubos de carros,
para que os leitores se acautelassem. Em vez disso, 26% de todos os crimes noticiados em
Chicago são assassínios (Graber). Graber e Roshier demonstram, no entanto, que as estimati
vas dos leitores acerca das verdadeiras taxas de crime estão muito mais próximas da realidade.
Os leitores não só consomem as notícias como um reflexo da realidade, mas como um texto
simbólico que define o assassínio como mais digno de nota do que os roubos de carros. As
notícias, como os mitos, não «contam as coisas como elas são», mas «contam as coisas
segundo o seu significado». Assim, as noticias são um tipo particular de narrativa mitológica
com os seus próprios códigos simbólicos que são reconhecidos pelo seu público. Sabemos,
quando lemos ou ouvimos uma notícia, que estamos numa «situação narrativa» particular
(Barthes, 1982) que exige um tipo específico de posição para ser compreendido.
Contar a «estória»
Mas como é que os mitos são, cm termos de relatos noticiosos individuais — as «estóri
as» contínuas — de facto narrados? O mito só tem significado no contar; os temas e os valores
culturais só existem se forem comunicados. Obviamente não existe um único mito ou narrativa
que seja meramente repetido; no entanto, para continuar a ter força, os mitos devem ser
constantemente recontados. Mais, os temas são rearticulados e reinterpretados ao longo do
tempo, temas que provêm da cultura e para a qual retomam. As «estórias» não são reinventadas
sempre que há necessidade; em vez disso, «você retira constantemente do inventário o discur
so que foi estabelecido ao logo do tempo» (Hall, 1984, p. 6).
Os folcloristas discutem a tradição oral em termos de uma «estória» ideal, um arquétipo
que não existe mas que é recriado em contos individuais. Assim, temos uma «estória» da
«Cinderella» (*), da qual não existe uma versão definitiva, mas que reconhecemos como a
mesma «estória» independentemente da variação. A um nível mais amplo, conhecemos uma
«estória» da «Cinderella» quando ouvimos uma — a «Cinderella» é um termo extremamente
o /:* 7
codificado na nossa cultura. De vez em quando a «estória» é recontada, reestruturando ima
gens difusas, «todas elas (...) reorganizadas ou apreendidas como um conjunto especifico de
acontecimentos somente no e através do próprio acto em que os narramos como tal» (Hemstein
Smith, 1981, p. 225).
Num contexto noticioso, Damton (1975) lembra-se de ter escrito «estórias» sobre o
crime que, embora registando acontecimentos verdadeiros, estavam enraizadas cm «estórias»
mais amplas, como a «estória da desolação».
Cohen (1981) argumenta da mesma forma ao avaliar como os media britânicos defini
ram os «mods e rockers» como «demônios folclóricos», descrevendo entrevistas com eles, não
necessariamente forjadas, mas «influenciadas pela concepção do repórter (ou subeditor) da
forma como alguém rotulado de rufião ou hooligan deveria expressar-se, vestir-se e agir
(p. 275). '
Muita da qualidade mítica das notícias deriva de uma tal «ressonância» — a sensação de
termos escrito ou lido as mesmas «estórias» repetidas vezes. O principio da consonância
(Galtung & Ruge, 1965) garante que os acontecimentos que possam na verdade ser diferentes
sejam codificados em estruturas já percebidas e previstas. As noticias «transmitem uma sensa
ção de drama infmitamentc repetido cujos temas são familiares e bem compreendidos» (Rock,
1981, p. 68). Frayn (1981) quase satiriza este processo na sua «demonstração de que, em
teoria, um computador digital podería ser programado para produzir um jornal diário perfeita-
mente satisfatório, com toda a variedade e sentido de noticia do antigo artigo concebido
manualmente» (p. 71). A tese de Frayn é que essa visão satírica corresponde à formulação de
notícias de tal maneira que só necessitamos de explorar o conjunto de notícias existente a fim
de criarmos constantemente novas configurações.
Assim, como Lévi-Strauss refere, «definimos o mito como um conjunto de todas as suas
versões (p. 217), ou, ao contrário, cada versão é influenciada e influencia ao mesmo tempo a
totalidade do próprio mito. Como Frye (1957) comenta: «A poesia só pode ser criada a partir
de outros poemas, os romances a partir de outros romances. A literatura molda-se a si própria»
(p. 287).
Os jornalistas, contudo, resistem ao ponto de vista de que as notícias também se moldam
a si próprias:
268
(1981) como «as regras que acentuam a relevância de: o Presente, o Invulgar, a Simplicidade,
as Acções, a Personalização e os Resultados», são precisamente os valores que qualquer
contador de «estórias» utiliza ao criar um conto. As «estórias» nunca «reflectem a realidade» e
falam de acontecimentos mundanos e quotidianos. Referem-se ao diferente e ao particular que
representam, no entanto, algo universal — precisamente como o são as notícias.
Em termos práticos, os valores-noticia, as regras e as fórmulas são essenciais para o
trabalho dos jornalistas. Os repórteres podem ter de escrever muitas «estórias» numa semana,
ou mudar-se para outra comimidadc c começar a escrever acerca dela imediatamente. Podem
fazê-la confortavelmente com todas as ferramentas de contar «estórias», dando-lhes um esque
leto sobre o qual colocam a carne da nova «estória». É a mesma habilidade do poeta épico
jugoslavo descrita por Lord (1971):
«Ele pode ouvir uma canção tuna vez e repeti-la imediatamente a seguir — não
palavra a palavra, é claro — mas pode contar a mesma ‘estória’ de novo por suas
próprias palavras» (p. 26).
O poeta oral utiliza um stock de «fórmulas comuns» que dão às «canções tradicionais
uma homogeneidade» e criam «a impressão de que todos os cantores conhecem as mesmas
fórmulas» (Lord, p. 49), assim como a «maioria das ‘estórias’ são simplesmente actualizações
menores de notícias anteriores ou novos exemplos de temas antigos» (Graber, 1984, p. 61). A
estrutura temporal do jom al diário assemelha-se mais à narrativa oral do que a qualquer outro
tipo de story-telling. Os seis repórteres de crime que saem do tribunal com a mesma «estória»
podem estar a escrever sobre a realidade, mas a sua «estória» emerge tanto das «estórias»
anteriores como dos factos relacionados com o caso em tribunal.
Os registos
269
Os registos não são «estórias», mas são ainda vitais narrativas reparadoras do mito. E o
reconhecimento de diferenças qualitativas entre o registo e a «estória» não são peculiares para
a nossa cultura. Em culturas predominantemeníe orais, os acontecimentos importantes podem
ser narrados como registo, em listagem de guerras, genealogias, etc... Em certo sentido, elas
são semelhantes ao que os historiadores uma vez chamaram história «objectiva». Por exemplo,
o Ndembu Africano faz claramente distinção entre nsang’u (registo) e kaheka («estória»).Tumer
(1982) descreve como um a sequência de acontecimentos envolvendo a realeza Ndembu pode
ser contada em ambos os estilos narrativos:
«Esta sequência pode ser contada por um chefe a quem se atribui a origem
Lunda na sua corte... como uma nsang’u , registo, talvez para justificar o seu titulo no
seu posto. Mas pode-se transformar os episódios deste registo em kaheka («estórias»)
e serem contados por mulheres idosas a grupos de crianças sentadas à lareira da
cozinha durante a estação fria» (p. 67).
Enquanto contados como «estórias», os relatos são ornamentados com adornos retóricos,
canções e um toque pessoal - c é através das «estórias» que as pessoas «realmente» compreen
dem os acontecimentos em termos humanos. Tumer realça que a diferença entre registo e
«estória» reside não na qualidade dos acontecimentos mas no modo como são narrados.
«Como em outras culturas, os mesmos acontecimentos podem ser estruturados como registo
ou «estória»... Tudo depende de onde, de quando e por quem são contados (p. 68). Ele realça o
aspecto mais ritualizado do registo, que envolve uma espécie de lista de acontecimentos
considerados noticiáveis. Através do registo, a estrutura geral do mito é realçada, emboras as
«estórias» individuais o não sejam.
O paralelismo entre este procedimento e as narrativas noticiosas são claros. A s notícias
envolvem uma boa porção de registos, relatando acontecimentos noticiáveis de uma forma
rotineira — a «rotinização do inesperado» (Tuchman, 1974 a). As avaliações do que merece
ser registado mudam através do tempo — traçando um esboço das mudanças dos registos
noticiosos podem dizer-nos muito de uma cultura e dos seus valores dominantes.
A forma narrativa do registo provém essencialmente da forma discursiva logos, que os
filósofos socráticos distinguiram do mylhos, ou «estória» (Fisher, 1985), e ficou identificado
como «objectiva», em todas as formas de narrativa, sejam elas história, notícia ou ciência
social. Descnvolveu-se a percepção de que o registo era a verdadeira forma de informar,
enquanto a «estória» era simplesmente diversão, e no jornalismo as duas tomaram-se distin
tas, tanto na forma como no conteúdo da dicotomia hard/soft. (Bird e Dardenne, 1986;
Schiller, 1981, Schudson, 1978). O registo não é mais um reflexo da realidade em todos os
seus aspectos do que a «estória». Enquanto o rei Ndembu faz registos de acontecimentos para
defender um ponto de vista, os cronistas históricos e escritores de notícias seleccionam quem e
o quê tem valor-notícia. A síndroma do «grande homem» na história tradicional está rcfiectida
nos registos noticiosos.
As im plicações
Aonde nos leva a apreciação das qualidades narrativas das notícias? Primeiro, os antro
pólogos usam o estudo da narrativa para encontrar um ponto de acesso à cultura, argumentando
que os textos, tais como os rituais, a arte, os jogos e outras configurações simbólicas são
«modelos» culturais que codificam valores e guias de comportamento (Colby, 1966,1975). Se
estudarmos estes modelos, dos quais as narrativas noticiosas são um tipo, podemos aprender
acerca dos valores e símbolos que têm significado numa dada cultura.
Como Colby, Rice (1980) baseou-se num trabalho anterior de Bartlett (1932), que
demonstrava que os membros de culturas diferentes recontam «estórias» de formas diferentes
e culturalmente determinadas. Rice verificou que os americanos, quando solicitados a re
contar os contos dos esquimós, fizeram-no de maneiras previsíveis, adaptando os contos ao
«esquema de estórias» americano:
«Pode muito bem acontecer que nenhuma forma longa de discurso pode ser
recebida por um leitor... a não ser que isso pennita e incita uma certa quantidade de
narratividade nos seus públicos» (Scholes, 1982, p. 64).
Cada vez mais, o trabalho sobre a narrativa revela que os leitores respondem à infor
mação apresentada na forma de «estória», independentemente do conteúdo. Donohew (1983,
1984) conduziu uma experiência para medir a reacção física de leitores a relatos noticiosos
dos suicídios em massa em Jonestown, contendo os mesmos factos mas estruturados diferen
temente. A sua conclusão:
Da mesma forma, Robins e Cohen (1981) oferecem uma explicação para a popularida
de improvável dos filmes de Kung Fu entre a juventude da classe operária britânica:
272
de comunicação de massas na consciência da classe operária é completamente des
prezível» (p. 484).
A «estória» de quem?
273
(1973) têm razão, o estudo da narrativa deveria estar no centro de qualquer consideração
sobre notícias no seu contexto cultural:
«As técnicas subtis e subjacentes da narrativa como arte, que não visam obvia
mente controlar, podem seduzir as pessoas a diminuir a sua capacidade de defesa... A
ascensão dos meios de comunicação de massa, que se adaptam melhor às «estórias»
do que aos sermões, reforça a posição de cultura expressiva. As formas expressivas,
incluindo as formas narrativas, podem muito bem assumir papéis cada vez mais
importantes no controlo social. Se isto ocorrer, o estudo da narrativa tomar-sc-á cada
vez mais relevante para o estudioso da sociedade» (p. 633).
Os estudos culturais americanos têm tido a tendência de adoptar uma estrutura consensual;
Carcy (1983) comentou a «crítica frequente e eficaz de que os estudos culturais nos Estados
Unidos, desvalorizada que está pelo vivo optimismo do pragmatismo, deixam inevitavelmente
de considerar o poder, o dom ínio, a subordinação e a ideologia com o questões centrais»
(p. 313). A abordagem consensual aceita que as notícias são parte integrante e não separada
do resto da cultura, mas deixa de considerar que, como sistema simbólico mediático, as
notícias não se encontram numa posição idêntica na cultura como, digamos, a tradição oral.
Mesmo nas poucas discussões sobre as noticias como «estória» ou mito, a análise
raramente vai além da afirmação de que as notícias contam «estórias» acerca de valores
culturais. Assim, Barkin (1984) refere que «os jornalistas desempenham um papel na afirma
ção e manutenção da ordem social» (p. 32), assumindo tacitamente que há, na verdade, um
reconhecido conjunto de valores que todos os membros de uma cultura subscrevem.
Certamente, o contar de «estórias» ou os valores-notícia que Barkin refere são cultural
mente partilhados:
«ao cnãdoT-perfonner é dada uma autoridade especial, pois ele está um tanto
distanciado do público e tende a ficar mais distanciado à medida que a cultura se
desenvolve, ao ponto de muitas versões da matriz mitológica desenvolverem uma
274
casta separada de criadores-/?eç/ôrmer.j, que são especialistas na representação da
mitologia» (Casvelti, 1978, p. 258).
«ao mesmo tempo, os produtores detêm uma posição poderosa face aos seus
públicos, e devem desempenhar o papel principal no moldar de expectativas e gostos»
(Hall, 1975, p. 22).
Sperry (1976) defende que este processo não é, de forma alguma, ideológico. Ela susten
ta que na produção de noticias, se a forma de «estória» que se tiver escolhido for um conto
heróico, então tem de haver um protagonista c um antagonista. Não se trata de favoritismo
político, mas simplesmente de uma fórmula de compreensão acerca do modo como o mundo
funciona» (p. 137). Esta perspectiva, contudo, leva-nos a perguntar como são feitas estas
designações; quem é o herói e quem é o vilão não é uma questão de selecção aleatória para
enquadrar as fórmulas existentes. Como Schudson (1982) argumenta, «o poder dos media não
está só (nem principalmente) no seu poder de declarar as coisas como sendo verdadeiras, mas
no seu poder de fornecer as formas nas quais as declarações aparecem».
Cada vez mais, cabe aos media «classificar» grupos como os grevistas (Glasgow University
Media Group, 1976, 1980), os manifestantes pacifistas e outros contestários (Gitlin, 1980;
Halloran et al., 1970), as feministas (Tuchman, 1978), os consumidores de droga (Young,
1981) c os homossexuais (Pearce, 1981). Hartmann c Husband (1971) verificaram que crian
ças brancas que tinham pouco contacto com crianças negras tinham mais tendência para ver
as relações raciais em termos de conflito (como a questão era habitualmente definida nos
media, de acordo com os valores-notícia) do que as que tinham experiência pessoal de vizi
nhos negros. Para os media, a utilização de convenções narrativas existentes e «mapas de
significado» (Hall et al., 1981), constrói a realidade de acordo com esses mapas e atribui
significados a novas realidades. É aqui que o «efeito ideológico» (Hall, 1977) é perceptível:
Deste modo, ao traçar os padrões do story-telling nas notícias, devemos estar cientes de
que os jornalistas não estão apenas a basear-se nesses padrões, estão também activamente a
reformulá-los «reparando o paradigma» constantemente (Bennett et al., 1985). É um processo'
que é mais complexo do que qualquer modelo consensual ou manipulador, que confere aos
media todo o controlo e considera os media como um tanto fora da cultura mas, no entanto,
afectando-a. Melhor, os media fazem parte da cultura, mas com um tipo específico de estatuto
privilegiado dentro dela. A reformulação narrativa dos media terá o máximo de sucesso
quando puder apresentar nova informação, de tal forma que esteja de acordo com as conven
ções narrativas existentes e a elas se possa acomodar. Os media não podem criar mitologia do
nada, mas são mais do que «transmissores passivos» do mito que tem sido sugerido (Gans,
1979, p. 294). Tais percepções, moldadas nos media, podem passar então a fazer parte da
estrutura cultural comum, a ser utilizada de novo pelos jornalistas num processo dialéctico
contínuo.
As conclusões
277
A política da forma narrativa:
a emergência das convenções
noticiosas
na imprensa e na televisão (*)
Michael Schudson
(•) Reedição de: Daedalus (Vol. 111, 1982). «The Politics of Narrativo Form: Emcrgcncc of News Conventions
in Print and Tclcvision», de Michael Schudson. Direitos de autor: Daedalus. Reedição com a aprovação do editor.
278
congresso dos Estados Unidos apareceu na televisão nesta época foi quando o Presi
dente dos Estados Unidos veio à Câmara para proferir o seu discurso do Estado de
União. Então, os homens do Congresso puderam ser vistos aplaudindo respeitosa
mente, com as suas funções efectivamente registadas pelos consultores do discurso do
Presidente» (Halberstam, 1979).
Mas isto credita a televisão de ter de longe mais influência no sistema politico do que de
facto tinha. O tratamento dado pela imprensa à mensagem do Estado de União mudou, na
verdade, radicalmente, para dar ênfase ao Presidente em desfavor do Congresso, mas isto
aconteceu há 75 anos, nos dias de Teddy Roosevelt, William Howard Taft e W oodrow Wilson.
As convenções sobre a cobertura da presidência, estabelecidas então continuam a moldar não
apenas o modo como o jornalismo de imprensa cobre o Presidente, mas também como a
televisão o faz.
A evidência que eu vou apresentar neste ensaio, contudo, não pode resolver o debate cm
tomo da influência da televisão — o debate entre aqueles que estão espantados com o seu
poder e aqueles que estão inclinados a não o ter em conta. Enquanto for verdade que uma nova
tecnologia pode condicionar a política e a sociedade, uma nova tecnologia aparece e entra em
uso apenas em certas circunstâncias políticas e sociais. O modo como a tecnologia é usada tem
uma relação, mas não completamente determinada, com a tecnologia em si própria. Em vista
disto, está de certo modo um pouco fora de propósito interrogarmo-nos acerca do impacto da
televisão na presidência, uma vez que não há modo de a questão poder ser concebivclmente
respondida. Nós devemos antes perguntar qual é o impacto desta televisão, da nossa televisão.
Responder a isto requer a compreensão do novo hardware, mais ainda do que a compreensão
do papel social do aparelho de televisão nas salas de estar americanas, nos escritórios e nos
quartos de dormir. Isto requer um exame dos canais nacionais de televisão como empresas de
negócios; a apreensiva relação de uma indústria visível e regulada, com as agências do
governo; as tradições do jornalismo americano que deram forma aos preconceitos e intenções
dos departamentos de informação dos networks ('); e as tradições de longas décadas de dura
ção entre o Presidente e a imprensa. A nossa televisão tem um a vida própria que desempenha
um papel na política presidencial; ela é parte do ambiente com o qual qualquer desenvolvi
mento na politica americana está relacionado. Mas a forma que a televisão toma ao cobrir a
presidência foi intuída, se não predestinada, por anteriores mudanças na relação entre o
jornalismo de imprensa e a presidência.
Neste ensaio, mostrarei as mudanças que tiveram lugar no modo como o jornalismo de
imprensa tem tratado a presidência desde os primeiros dias da República, mudanças que
reflectem novos desenvolvimentos, tanto na política como no jornalismo. Eu sugiro que o
poder dos media está não apenas (e nem sequer primariamente) no seu poder de declarar as
coisas como sendo verdadeiras mas no seu poder de fornecer as formas nas quais as declara
ções aparecem. A s notícias num jornal ou na televisão têm uma relação com o «mundo real»,
não só no conteúdo mas na forma; isto é, no modo como o mundo é incorporado em conven
ções narrativas inquestionáveis e despercebidas, sendo então transfigurado, deixando de ser
um tema de discussão para se tomar uma premissa de qualquer possível conversa.
(') Nota de tradução - Uma referência aos canais de televisão nacionais, conhecidos como os netn-orks,
nomeadamente a American Broadcasting Company (ABC), a Columbia Broadcasting Company (CBS) c a National
Broadcasting Company (NBQ.
O T rt
Falando de um modo geral, as pessoas não veem as notícias como elas acontecem; elas
apenas ouvem ou leem sobre elas. Os pais não experimentam o dia-a-dia dos seus filhos na
escola dircctamente, mas inteiram-sc por ele pelo que é narrado, transformado numa «estória»
pela criança. As crianças aprendem que os relatos das suas experiências, tal como as «estóri
as» e lendas que lhes contam, devem ter certas qualidades formais. Uma criança que eu
conheço contou à sua irmã mais velha a seguinte «estória»; «Era uma vez um rapazinho que
foi para a floresta. Ele ouviu um som. Um leão saltou sobre ele e comeu-o, mas ele raspou o
estômago do leão, matou-o a arrastou-o até casa. Fim.» Então ele contou a «estória» outra vez:
«Era uma vez um rapazinho que foi à floresta e um leão tentou comê-lo, mas ele matou o leão.
Fim.» Ou ainda um a vez mais: «Era uma vez um rapaz que matou um leão numa floresta.
Fim.» Finalmente: «Era uma vez. Fim.»
A criança tinha aprendido algo importante acerca da forma. Os jornalistas sabem algo
semelhante. Eles não oferecem rapazes, florestas e leões crus, mas cozinham-nos em forma de
«estória». As notícias não são ficcionais, mas sim convencionais. As convenções ajudam a
tom ar as mensagens legíveis. Elas fazem-no de uma maneira que se adapta ao mundo social
dos leitores e escritores, porque as convenções de uma sociedade ou tempo não são as mesmas
de outra altura diferente. Algumas das convenções das notícias mais familiares dos nossos
dias, tão óbvias que parecem intemporais, são inovações recentes. Como outras, estas conven
ções ajudam a tom ar legíveis mensagens culturalmente consistentes e mensagens culturalmen
te dissonantes. A sua função é menos aumentar ou diminuir o valor da verdade que as
mensagens transmitem do que dar forma c limitar o campo dos tipos de verdades que podem
ser ditas. Elas reforçam certas hipóteses acerca do mundo politico.
Examinemos umas quantas destas convenções:
284
Se esta forma de notícia incorpora, na sua própria estrutura, pressupostos sobre o nosso
sistema político, ela incorpora também pressupostos sobre o papel c a intenção dos nossos
media noticiosos. Toma-se como certo o direito e a obrigação do jornalista de mediar e
simplificar, cristalizar e identificar os elementos políticos no acontecimento noticioso. Presu-
me-se que o jornalista deva colocar o acontecimento num enquadramento temporal mais vasto
do que aquele que é imediatamente aparente para os não iniciados. É aqui que a noção mais
simples de objectividade — que só se deve escrever o que um observador ingênuo na cena teria
sido também capaz de escrever — é abandonada.
As notícias das décadas de 1910 e 1920 ilustram admiravelmente estes pontos. Que a
precminência do Presidente é assumida nestas «estórias», não requer ilustração: o Presidente e
as suas perspectivas, como estão expressas na mensagem, são os elementos-chave de quase
todos os leads das noticias de 1910 para a frente. Que o Presidente é visto num enquadramento
temporal caracterizado pela carreira pessoal, não pelo partido, precisa de mais ilustração. Aí
começa a ser dada mais atenção ao comparar a mensagem com outras mensagens do mesmo
presidente e de outros presidentes, um assunto que durante muito tempo teve lugar no comen
tário editorial, mas que apenas agora se toma numa parte regular da cobertura das notícias. Os
relatos do Times da mensagem de Taft em 1912: «Esta mensagem equipara-se com as melho
res na literatura das declarações do Executivo.» 0 A «estória» do Tribune em 1918 começa
assim: «Aparecendo esta tarde perante o Congresso, na véspera da sua partida para França, o
Presidente W ilson explicou a sua razão para assistir à Conferência de Paz e submeteu a
apreciação recomendações para legislação sobre questões domésticas que ele deseja que sejam
iniciadas durante a sua ausência.» Aqui, a reviravolta que a reportagem levou em relação ao
século x ix é dramática: a actividade congressional é tomada dentro do contexto do programa
presidencial, mais do que a mensagem observada dentro de um enquadramento temporal da
actividade congressional.
O lead do Evening Slar de 1928 é também instrutivo: «O Presidente Coolidge, na sua
mensagem anual submetida hoje ao Congresso, deu uma informação da sua administração e
recomendações para o futuro. Não mais imagens notáveis do desenvolvimento e não mais
perspectivas viris e optimistas do futuro foram traçadas por um presidente dos Estados Uni
dos.» Nota-se aqui não apenas a introdução de opiniões, mas o sentido de um papel histórico
do Presidente, não ligado a um partido mas à «administração» da nação, comparado não com
outros contemporâneos que com ele podem ou não concordar, mas com outros presidentes.
Num lead menos intruso, o Chicago Tribune, naquele ano, defendia este foco mais vasto: «A
mensagem de despedida de Calvin Coolidge como trigésimo presidente dos Estados Unidos
foi lida em ambas as Câmaras do Congresso hoje.»
(J) Em 1934, o New York Times relacionou Franklin Rooscvclt c a sua mensagem ao Partido Democrático, à
memória de Woodrow Wilson, e ao espírito da guerra: «Falando da tribuna na House Chamber, onde o seu predcces-
sor democrático, Woodrow Wilson, transmitiu a sua mensagem de guerra cm 1917, o Presidente Roosevelt afirmou
inequivocamente a permanência do ideal, se nâo mesmo da forma, da Administração da Recuperação Nacional.»
Mais recentemente, a «estória» de Hedrick Smith, no N&v York Times, acerca da mensagem anual de Jimmy Cartcr
de 1979, caracterizava desta forma: «Evocando a ‘New Frcedom’ de Woodrow Wilson, o ‘New Deal’ de Franklin D.
Roosevelt, c a ‘New Fronticr’ de John F. Kennedy, estabeleceu, pela primeira vez na sua presidência, um tema
epigramático - a ‘New Foundation* - para simbolizar o seu esforço para reestruturar as prioridades econômicas, a
política externa e os programas federais para o futuro da nação.»
285
a imprensa notou rapidamente, km 19J4, a tradição de escolher uma comissa
Presidente foi posta de parte e substituída por uma chamada telefônica para
rádio e a gravação da imagem-som estavam presentes e foi observado pel
itenção ao espectáculo de abertura do Congresso ainda continuava, mas r
'residente: o Evening Slar, notando a escolta motorizada do Presidente ao lon
a PcnnsyJvania, o Washington Post observando a presença da senhora Roosev
m 4 de Janeiro em 1936, Tumcr Catledge mencionava a radiodifusão no seu i