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RESUMO
Mulher-Poder.
BARBOSA, Silvia Maria Silva. The Power of Zeferina in the Quilombo of Urubu. An
historical, political-social reconstruction. 2003. 192 p. Master Theses on Science of
Religion. Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, 2003.
ABSTRACT
INTRODUÇÃO.............................................................................................................13
2 .6.1 Localização...................................................................................................................................85
2.6.4 Religião.........................................................................................................................................93
2.6.5 Mitologia dos Orixás em Urubu...............................................................................................102
2.6.5.1 Exu..............................................................................................................................................104
2.6.5.8 Oxalá.............................................................................................................................................108
2.6.5.9 Oxumaré.....................................................................................................................................108
2.6.5.10 Nanã............................................................................................................................................109
.4.4.3.Dandara............................................................................................................................................165
3.4.4.4. Tereza............................................................................................................................................166
3.4.4.6 Mariana..........................................................................................................................................168
3.4.4.7 As anônimas...................................................................................................................................168
CONCLUSÃO..............................................................................................................175
REFERÊNCIAS...........................................................................................................181
APÊNDICE .................................................................................................................192
À minha ancestralidade e herança histórica de resistência acesa na convivência com
Marlene Moreira da Silva.
Reconhecimento
Jesus, Cátia Gomes, Cátia Cardoso, Rosemary, Vitória, Tatiana Barbosa, Ana Emília,
Sara, Eliad, Aninha, Estela, Adriana, Maria do Carmo, Lucinha, Marli, Avelina, Lea,
Edna, Cacilda, Luzmila, Kelly, Meive, Andréa, Alba e às outras protagonistas históricas
Oliveira Silveira1
Encontrei-as enfim
ME ENCONTREI!!!
1
SILVEIRA, Oliveira Ferreira. In: Pêlo Escuro, Porto Alegre: S/ed., 1977.
Mahin Amanhã
Miriam Alves2
Malês
Geges
Bantus
Nagôs
2
ALVES, Miriam. Estrelas no Dedo, São Paulo: S/ed., 1985.
INTRODUÇÃO
poder, e esta foi a sua colaboração na construção histórica político-social brasileira. Mas
nunca se diz: ‘essa mulher tem poder’. Zeferina teve poder que se traduziu na luta de
desse poder passa pela herança de ancestralidade, pelo conhecimento de raiz da cultura
dessa líder angolana foi legitimado pelos quilombolas na luta de efetiva participação
O ato de ritualização da luta nesse espaço de resistência permite com que as (os)
guerreira. No ponto extremo desta caminhada encontra-se a falta de identidade que cria
não. Entretanto, resgatar a história das mulheres negras, no tempo da escravidão, não é
tarefa impossível, e se passos mais arrojados não foram dados, isto se deve ao
maneira geral às minorias sociais (SOARES, 1994, p.2). Por que os historiadores
Anastácia, Luiza Mahin). Mas os textos que descrevem essa luta ainda são resultado de
uma luta sociopolítica de perspectiva androcêntrica, pois quando estes mencionam a luta
das mulheres negras claramente expressam uma visão que as essencializa no silêncio
história, escrita na ótica das maiorias excluídas. Tal reconstrução é possível porque
“tudo tem uma história, que pode em princípio ser reconstruída e relacionada ao restante
bairro de Pirajá e arredores, sobretudo, as mulheres negras vivem, lutam, têm poder. E é
história de exclusão e resistência e que vai servir para reconstruir o passado e contribuir
para o futuro da comunidade. Portanto, resgatar essa luta hoje significa nos
apropriarmos da memória de insistente resistência das (os) atuais quilombolas, a fim de,
nas entrelinhas dos textos históricos, desvelar o “inarticulado, a maioria silenciosa dos
memória, tal como ela relampeja no momento de um perigo” (SUESS, 1993-94, p.2).
histórica para reapropriar-se do passado das mulheres que participaram como agentes
Pirajá. Neste bairro de característica afro- indígena, pude perceber que no imaginário
sobre Zeferina.
jeito de mulher negra nordestina, eu trouxe para a Academia este tema, disposta a
registrar aspectos da luta desse quilombo a partir de uma perspectiva feminista, evitando
vida, meus valores. Portanto, é minha percepção do mundo enquanto mulher, negra,
inserida na religião dos orixás que dá a forma à minha reflexão que, por sua vez, é
limitada e parcial.
Possíveis esclarecimentos
como um sistema de estruturas opressoras. Usar esses termos contribui para identificar e
poder.
diferente no tempo e espaço, visto que tempo e espaço são coisas diferentes. Se eu
Urubu. O culto aos orixás africanos, que no Brasil passou a denominar Candomblé,
tupinambás, com o nome de Pajelança. Tanto entre os cultos indígenas quanto entre as
Objetivos
Geral
3. Verificar como o poder dessa líder quilombola serviu como elemento que facilitou na
4. Analisar até que ponto esse poder confere força na luta dos atuais quilombolas.
Hipóteses
3. Que este poder não foi visibilizado pela historiografia oficial e nem pelos
Referencial teórico
vigente, enquanto capacidade de se impor em meio à ação estratégica. Para ele, a função
O paradigma social é a luta. Uma luta que, enquanto ação social, comporta sempre o
caráter de ação estratégica dentro de uma relação dinâmica, presente em todo lugar.
agir em comum. O poder está na posse do grupo e continua existindo enquanto o grupo
respeito manifesto.
do Urubu, que lhe permitia meter cunha na supremacia colonial escravista enquanto
sujeito histórico.
Método
Partindo da suspeita de que o exercício do poder pode ser usado para quebrar
estruturas ou reforçar estruturas e de que o poder da líder Zeferina foi usado para
diferente, ele tenta desconstruir, criativamente, essa invisibilização a partir dos textos
3
Sobre o método crítico-feminista da libertação vide Elisabeth Schüssler FIORENZA, Pero ela dijo –
Práticas feministas de interpretación bíblica, Madrid: Frotta, 1996.
feminista da Dra. Elisabeth Schüssler Fiorenza, visto que este método possibilita a
Fontes
sua maioria, como grande armadilha, pois, esquecendo a situação particular de cada
quilombos brasileiros foram liderados por mulheres, mas essa história ainda carece de
chama atenção para o fato de que a história da líder Zeferina precisa ser sistematizada,
participação das mulheres negras nas lutas dos escravizados” (PASSOS, 1996, p.40).
pesquisadora Maria Lúcia de Barros Mott diz que “a falta de informações e escassas
pesquisas sobre os quilombos fazem com que se saiba muito pouco sobre a participação
das mulheres quilombolas e o que se tem são fragmentos” (MOTT, 1988, p.45).
optamos por fazer uma reconstrução histórica, a partir de uma fonte bibliográfica mista,
usando material contido nos livros Liberdade por um fio, Dossiê povo negro, Dossiê
mulher negra, livros de João José Reis, Kátia Maria de Queiroz Mattoso, Clóvis Moura,
Pierre Verger, Sônia Maria Giacomini, Maria Lúcia Mott, além de monografias dos
Joaquim, Maria de Lourdes Siqueira, Edson Carneiro, Carlos Serrano, Maria Inês
Cortez de Oliveira, Clóvis Moura, dentre outros. A Coleção Memorial Pirajá, alguns
Sobre os capítulos
de resistência, sobretudo das mulheres negras a partir da realidade dos porões nos
cultural/religiosa. Este capítulo vai desde a conceituação do termo em estudo até sua
breve conclusão.
I. SALVADOR ENTRE 1822-1826: ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA
cidade de Salvador. Apesar de sua longa vida naquela que foi a primeira capital do
Brasil, a escravidão não existiu sem uma imensa resistência negra que ia do sarcasmo,
de quilombos.
enfoques tradicionais sobre a população negra: busca-se conhecê- la, discutindo aspectos
historiografia.
é objetivada pelo desejo de colocar em evidência esta história de luta, de forma que nos
da época.
uma abordagem da situação das mulheres negras. Ainda neste capítulo, apontaremos as
sincretismo nas irmandades, das rebeliões, dos suicídios, das fugas enquanto aspectos
constituíam, muitas vezes, numa viagem sem volta. Essa travessia se dava num
ambiente sórdido dos navios negreiros e muitos escravos (as) morriam durante o
homens, mulheres, crianças negras, uns por cima dos outros, com péssimas condições
higiênicas, sem espaço para a latrina, num ambiente propício para a proliferação de
uma ração alimentar escassa à base de feijão, milho e farinha de mandioca que, muitas
vezes, estava deteriorada. Alé m de sofrer elevado índice de morbidade, era acometido
inglesas. Tal comércio assumia uma extrema importância na medida em que dele
considerada sem tanta utilidade, supérflua. Como se pode suspeitar, até o alimento e a
água faziam parte da lista dos supérfluos e, como tal, a população africana dominada
não tinha garantido estes elementos em quantidade suficie nte para suprir as suas
copo d’água, a cada três dias, para que um negro não morresse de sede. Portanto, para
os 120 dias de travessia dos primeiros tempos de tráfico, a quantidade d’água era de
quarenta copos para cada negro e/ou negra. Segundo Júlio José Chiavenato (1987, p.26),
“a relação entre o espaço ganho com a redução dos tonéis d’água e os negros que
Esse trajeto da África até Salvador era feito de forma desumana, permitindo que
doentes iam sendo jogados ao mar para não contaminarem o resto da ‘mercadoria’.
substituição à perda de 50% dos negros (as), com a superlotação dos tumbeiros,
buscaram uma forma mais racional de trazer uma quantidade menor de africanos (as) e,
com esta avaliação, perder entre 10 e 20% somente. Ainda assim, não havendo grande
alívio para a população escrava, “os doentes e mortos continuaram sendo alimento de
portuária, alguns escravos (as) enfraquecidos (as) podiam ser engordados nos depósitos
antes que fossem exibidos aos compradores. Entretanto, “os (as) enfermos (as)
À luz clara do sol dos trópicos aparecia uma coluna de esqueletos cheios de
pústulas, com o ventre protuberante, as rótulas chagadas, a pele rasgada,
comida de bicho, com o ar parvo e esgazeado de idiotas. Muitos não só
tinham de pé; tropeçavam, caíam e eram levados aos ombros como fardos.
Despejada a carga na praia, entregues os conhecimentos das peças -da-índia
ao caixeiro do negreiro, a fúnebre procissão partia a internar-se nas moitas da
costa, para aí começarem as peregrinações sertanejas (MARTINS apud
FREITAS, 1984, p.18) .
retornava a bordo para a limpeza do porão, encontrando, então, “os restos, a quebra da
carga que trouxera; havia por vezes cinqüenta e mais cadáveres sobre quatrocentos
Salvador, era redistribuída para outras regiões, através da figura dos revendedores. Este
comércio mobilizava uma imensa quantia de capitais e auferia lucros tais que
compensava o pagamento por seus altos impostos, os quais eram mais elevados do que
escravista e exportadora.
1.2 Situação econômica, política e social
A cidade de Salvador vivia uma situação de escravidão. Era composta por uma
mais ativa que a do Rio de Janeiro. Essa onda de prosperidade, animada pela abertura
dos portos e pelas leis que libertaram as atividades econômicas das antigas restrições,
não iria durar muito. O encarecimento dos escravos, devido às dificuldades e finalmente
mais tarde o cólera e uma série variada de fatores passariam a forçar o declínio da
De 1820 até 1840, boa parte do Brasil viveu um período de grande instabilidade
política e social. Após a guerra pela independência e a conseqüente expulsão das tropas
portuguesas de vários pontos do país, a tarefa que se imponha naquele momento era a da
julho de 1823, ainda neste período a província foi palco de revoltas militares, motins
habitantes, contava, no início do século XIX, com dez freguesias urbanas, que eram,
Senhora da Conceição da Praia, Santo Antonio do Carmo, São Pedro Velho, Santana do
de-obra escrava. Graças à sustentação da mão-de-obra negra, esta capital pôde assumir,
desde sua fundação, grande importância como centro político, administrativo, comercial
do século XVIII e primeira década do século XIX, vai declinar a partir de 1821, em
oficiais militares, comerciantes, mestres artesãos e pessoas que viviam de renda. Havia
mendigos e desocupados.
açúcar brasileiro. Nesta região, a produção tomaria tamanhas dimensões que não seria
superada por nenhum outro setor da colônia, constituindo-se no maior centro produtor,
com a principal área de cultivo, situando-se nos contornos da Baía de Todos os Santos,
Mais difícil é avaliar a proporção de mulheres negras. Reis (apud SOARES, 1994,
p.16), utilizando os dados coligidos por Andrade nos inventários pós- morte entre 1811-
1860, encontrou 128 homens para cada 100 mulheres, ou seja, 56% dos escravos
urbanos eram do sexo masculino. Ele concluiu que esses números revelam também a
presença dos africanos, responsável pelo desequilíbrio numérico entre os sexos. Ou seja,
A historiadora Kátia de Queirós Mattoso diz que a população negra baiana era
ela afirma que o número de mulhe res era relativamente elevado entre a população
número considerável da população livre da cidade que dependia dele para a sua
A população livre que se localizava entre os dois extremos da cadeia social era
centro dessa corrente serviam para humanizar as relações sociais, aproximando suas
extremidades além de tornar seus costumes mais flexíveis. Faziam parte dessa
papel de confidente dos jovens e dos senhores. Quando se tinha necessidade material,
ambulante, oferecendo nas ruas os quitutes que foram preparados em casa. As agregadas
(os) eram encontradas/os nas diversas camadas sociais da população livre branca,
A pequena população branca existente formava a elite local, vivendo quase que
penas. Em contrapartida, os cidadãos livres, porém, que não tinham aptidão para o
comércio, não conseguia um cargo público, uma posição nas tropas regulares ou mesmo
careciam de talento para exercer algum ofício, acabavam recorrendo aos escravos “de
ganho” para o seu sustento. Portanto, como bem atesta o historiador baiano João José
Reis:
mediações com o branco. Se, por um lado, não foi possível a existência de uma vida
população formada por negros e mulatos, maioria residente em Salvador. Mas, nestas
termos quantitativos) era garantida pelas sucessivas levas de escravos africanos que
chegavam nos portos baianos, e aliada às alforrias, aumentava em número com o passar
os limites da cidade, com suas pequenas casas térreas, de “porta e janela” ou mesmo “de
porta e duas janelas”, instaladas nas freguesias menos povoadas, ou mesmo adensando a
azeite de oliva, os vinhos finos e frutas secas importadas da Europa consumidos nos
representava o poder. Ela conformava o tipo de vida. Papel dominante, por certo, porém
de maneira alguma exclusivo” (MATTOSO, 1988, p.37). À minoria branca, então, eram
açúcar. Aqueles que sobreviviam dos modestos ganhos de seus escravos passavam os
dias percorrendo a cidade atrás de clientes interessados nos seus serviços (carregadores,
Mas os “senhores” e “senhoras” ficavam reclusos em casa sem ter muito a fazer, atentos
terço.
pobres, portanto, corriam o risco de serem tomados por “vadios”, sendo obrigados a
exercer (ou aparentar exercer) alguma ocupação que lhes desse algum tipo de
em constante luta de resistência social. Vejamos o que nos diz João José Reis:
e/ou criando a sua vontade nas mobilidades e imobilidades da população escrava. Dessa
relação se podia tecer toda uma trama de relações sociais nas quais, e sempre, o coletivo
1988, p.21).
Na cidade baiana, em detrimento, sobretudo das influências culturais africanas,
se tornou visível a presença de cultos aos antigos orixás. E, de forma mais material, as
revolta aberta à aparente aceitação sem reservas, conservando, zelosamente, sua língua,
Salvador em 22 de janeiro de 1808. Com isto, o país passa de colônia à sede do governo
popular, sobretudo por causa da fome e miséria. A situação política era marcada pela
tirania regencial e manipulação da Inglaterra (SILVA & BASTOS, 1977, p.88-9). Este
A escravidão negra africana foi uma das formas mais eficientes e eficazes que
braços e a população de Portugal era pequena demais para abastecer sua colônia de
da elite aristocrática, que detinha o poder econômico e político. Neste caso, a monarquia
constituiu a base de sua estrutura social e econômica. Embora tenham ocorrido algumas
p.94).
setembro de 1822, achavam relevante conquistar a soberania da nova ordem por todo o
elite baiana, apoiada pelas tropas do general Labatut, pela esquadrilha de Delamare e
com a presença massiva negra e dos excluídos, travara a batalha pela independência da
juntamente com ele, derrotados e obrigados a voltar para Portugal (REIS, 1998, p.105).
A lógica era liberdade. Portanto, se era para libertar o país da escravidão, por
que não os escravos brasileiros? O povo não venceu em 1823. De fato, essa vitória
favoreceu, sobretudo, aos senhores dos engenhos baianos, pois os que comungavam
culminando com o levante em 1826 em Pirajá, mesmo local onde, três anos antes,
pela Igreja e legitimado pelo Estado. Este último reconhecia a escravidão como uma
comércio (GALEANO, 1979, p.91). O Brasil tem uma dívida histórica com a
comunidade africana e seus descendentes porque tudo que foi construído e produzido
durante três séculos e meio de colonialismo foi às custas da escravidão de povos
africanos.
primeira capital portuária, levas enormes de escravos africanos para a lavoura do açúcar
de resistência negra, criou vários mecanismos de defesa contra leva ntes, fugas e outras
historiografia oficial.
marcada por muito sofrimento, pois a elas cabiam as funções de escrava e também de
de seus filhos, ainda em seus ventres. Além de terem seu leite minguado e experimentar
crianças das mulheres negras que, porventura, nascessem neste “novo mundo”, pois era
mais rentável adquirir “ferramenta’’ pronta para o uso (homem/mulher negro/a adulto/a)
do que ainda prepará- la (criança negra). Diante destes fatos, é possível afirmar que a
plantio e colheita de seu alimento, originário da terra, sem direito a nem mesmo uma
família. Isto porque a possível relação de parentesco entre escravos passava, quase
exclusivamente, pela figura da mãe e, nos primeiros anos de vida da criança, pela
relação mãe-filho (a). Neste caso, o ventre materno é que designa a condição de seus
frutos. Logo, sobretudo entre 1822 e 1826, é quase inexistente a paternidade na família
escravos e das escravas, visto que o casamento significava uma limitação à mobilidade
de sua “mercadoria escrava”. Como se pode observar, se existiu uma vida familiar entre
características do homem livre e branco, por sua própria condição imposta pelo sistema
de escravidão.
eram “privilégios” de homens brancos, não sendo estendidos aos homens negros muito
indiretamente, atingidos. Eles não tinham o direito, sequer, de queixar-se dos muitos
abusos, sobretudo sexuais, que as suas mulheres eram diretamente vítimas, tampouco
se vingar de seu sedutor. Os escravos, portanto, muitas vezes, também eram atingidos
quando as suas mulheres caiam “nas graças” de seus senhores, cabendo a eles a
decidirem, ainda que indiretamente, qual o tipo de relação subjetiva e sexual possível à
população escravizada. Como nos diz Sonia Maria: “A negação dos escravos, enquanto
ser humano, implicou necessariamente na negação de sua subjetividade, que foi violada,
negada, ignorada, principalmente nas relações entre eles: mãe escrava -filhos (as), pai
interior da família, e sua “cria” era levada ao espaço ausente da esfera privada numa
espécie de abrigo infantil, a Casa da Roda, ou seja, Casa dos Enjeitados, dando origem,
com isto, aos alarmantes índices de mortalidade dos enjeitados, crimes de infanticídios e
Como se não bastasse a fragilidade que experimentava nas relações entre mãe
escrava- filhas (os), para esta mulher era permitido, tão-somente, ser “mãe-preta”, “ama-
mães-pretas revela uma das facetas de expropriação da senzala pela casa-grande, tendo
crianças. Por isto, a possibilidade de a escrava ser mãe de seu filho preto foi lhe
arrancada ao ser transformada em mãe-preta da criança branca. Então, o preço da
proliferação dos senhorzinhos (as) era o abandono e a morte da população negra infantil
dentro da casa- grande: na frente das crianças e da ama lhe dá o seu leite, os senhores e
senhoras agridem fisicamente sua escrava. Desta forma, a criança, filho/a do senhor e
da senhora branca, aprende desde cedo o seu papel nesta cadeia de violência e,
conforme vai crescendo, o/a senhorzinho (a) desenvolvia a prática de esbofetear a cara
que atribuía à maternidade negra o papel, tão-somente, social básico, ou seja, de escrava
amamentador. Elas eram alugadas, vendidas sozinhas e/ou acompanhadas de sua “cria”,
pois o que importava era somente o lucro que esta “mercadoria” daria ao seu dono ou
ela era tida como uma “mercadoria desvalorizada” (HAHNER, 1978, p.119ss).
período pós-parto, exceto quando quem comprava se interessava em levar “as duas
mercadorias”. Daí concluir que “a possibilidade de mãe e filho viverem sob o mesmo
teto parece ter estado intimamente ligada ao destino reservado à mercadoria-escrava-
leiteira” (GIACOMINI, 1988, p.53). Neste contexto, era importante que o leite da
escrava não se estancasse, pois este constituía numa valiosa fonte de renda para o
atendimento da criança da senhora e mãe branca, foram impedidas de nutrir-se com seu
leite visava diretamente a proteção dos interesses econômicos e sexuais dos senhores.
Além de terem seus corpos vendidos pelos senhores (as) a fim de suprir a necessidade
retirada de seus filhos e filhas para serem levados aos orfanatos baianos. Em
mulheres também eram vítimas de doenças venéreas (sífilis, gonorréia, etc), resultado
da apropriação de seu corpo como objeto sexual do homem branco (VALENTE, 1987,
p.16).
A mulher negra era vista pelos senhores como objeto sexual, por isso eles se
moral e religioso, assim como das séries de funções que tinham por obrigação observar
guardarem virgens, pois quando não eram usadas pelo senhor, tornavam-se iniciadoras
forma antagônica à mulher branca. A negra era vista como objeto sexual do branco,
de seus atributos físicos, as negras são acusadas, sobretudo pelas senhoras brancas, de
engomadeiras, entre outras atribuições a elas reservadas. Daí dizer que os escravos e
mercadorias, velas, banhas e demais produtos que eram comercializados pelos negros e
negras de ganho. Neste caso, caberia à senhora branca gerenciar a unidade doméstica,
sendo que a tarefa mais pesada era exercida pelos escravos e escravas domésticas
função de controle sobre o trabalho forçado, embora, algumas vezes, a senhora branca
buscasse o prazer, entregando, sem restrições, o lar às escravas, muitas delas eram
contra a negra ocorria num clima de total impunidade através das mutilações,
relação ao trabalho escravo, sobretudo doméstico, que ocupava a maioria das mulheres
mulher escrava através da exploração sexual do seu corpo pertencente, pela própria
cativos como objeto sexual só se concretizava para a escrava, visto que recaía sobre ela,
estava respaldada nas determinações patriarcais que definia e legitimava tal ato absurdo.
Apesar de sua longa existência, a escravidão não existiu sem uma intensa
profundos, de uma ampla resistência cultural (REIS & SILVA, 1989, p.62). Em
Salvador, mesmo diante de toda opressão sofrida, o povo de origem africano encontrou
resistência escravista. Por onde houve escravidão, o desejo de liberdade dos (as)
escravos (as), “aves altivas por natureza”, fez eclodir táticas de resistência negra.
elas eram postas em prática já na travessia nos navios negreiros que faziam a rota do
Brasil e do Caribe, como bem expressa a palavra malungo, que significa “irmãos de
que não se podiam comunicar. Apesar dessas diferenças, irmanados pelo suplício
comum, estes grupos formavam um novo povo, uma nova família: os irmãos de viagem
se dando por meio da natural união de cor, autodenominado-se parentes; os que servem
mesmo navio, iam se reconhecendo malungos, ou seja, irmãos (ãs) de viagem. De fato,
1992, P.64).
libertos formaram redes de solidariedade e ajuda mútua para livrar do cativeiro seus
pais, mães, filhos, filhas, irmãos, irmãs, etc. Portanto, para os que optaram em
permanecer vivos e deixaram seus filhos viver tiveram que desenvolver múltiplas
Kátia Mattoso (1992, p.163) diz que “a etnia também estava presente quando os
Fazia parte da tática de libertação por solidariedade entre famílias, apoio de “parentes”
parentes (OLIVEIRA, 1989, p.174s). Cabe mencionar que, ampliando os laços étnicos
a visão mítica do escravo dócil e passivo, contribuiu para criar um clima de permanente
tensão no trivial caseiro das famílias e no âmbito público patriarcal da sociedade baiana.
1988, p.16).
Na cidade de Salvador, a religião, sobretudo dos orixás (presente nos candomblés e nos
quilombos) serviu como referencial de luta de resistência da população afro-
destaque as praticadas por mulheres negras, pela população de rua, sincretismo, e ações
política deste segmento foi evidenciada nas várias lutas e movimentos de revolução,
entre outros, o Levante do Urubu (1826), com Zeferina, e a Revolta de Malês (1835),
É evidente que a maioria dessas mulheres ficou no anonimato, mas houve quem
resistência, no apoio moral e material aos homens negros, na recriação das tradições
criarem estratégias de resistência nas senzalas, nas casas de seus senhores e senhoras
brancas estiveram, politicamente, ativas nas ruas, nos cantos da cidade, nas irmandades,
social fosse utilizada por elas para passar informação, amp liar a articulação entre os
alimentícios, de origem africana, nas feiras, nas ruas como táticas de resistência,
Nas praças públicas, essas vendedoras de quitutes (as atuais baianas de acarajé)
uma luta de libertação do sistema escravista (JOAQUIM, 2001, p.24-25). Não é difícil
imaginar que as negras libertas abriram suas casas para reuniões conspiratórias, já que
qualquer hora, por toda a cidade. No subúrbio e no campo, estes negros festejavam
suas casas simples, saíam os escravos e as escravas pelas ruas de Salvador com a
garantisse a subsistência de seus donos e suas donas – e invariavelmente algo mais que
pudesse sustentá- los também. Por sua vez, com “liberdade” para percorrer todas as ruas,
praças e becos da cidade, a população negra, aos milhares, dava a Salvador um caráter
escravista. Sobre os (as) escravos (as) de ganho, Pierre Fatumbi Verger (1987, p.504)
afirma que:
tonéis que eram objetos mais volumosos eram suspensos em varas que carregavam nos
transportava nas ruas, o canto servia para dar resignação, força de resistência negra. O
silêncio foi um dos maiores vestígios de sutil resistência da população escravizada, pois
para cultuar a religião dos dominantes sem abrir mão de suas crenças ancestrais. Nas
sistema escravocrata (COSTA, 2002, p.9). Com isto, ao se aproximarem mais do ideal
cultural da população negra. Muitos destes locais eram oferecidos pelos brancos
europeu de cultura (SILVA, 1987, p.19). Mas, por outro lado, publicamente, as
se posicionaram contrárias aos direitos do senhor. E é neste ambiente que os (as) negros
(as) vão criar táticas de resistência, burlando a lógica escravista legitimada pela Igreja
Católica.
As irmandades tiveram, desde as origens, um sentido social. Foram de expressão
interétnica, com obrigações de colaboração mútua entre os seus membros. Tudo isso
seria para fins múltiplos: desde a compra de alforria, festejos, pagamentos de missas,
aproveitou o espaço das irmandades para estruturar-se por etnia, tornando-se um dos
veículos de sua organização. A população de cor na Bahia era uma variedade, e isto
esse espaço étnico para, a partir daí, se organizar no trabalho, no lazer, na religião.
de culto. Neste caso, a legitimação das práticas religiosas africanas, ali dentro, foi
Dirigida por mulheres nagôs, teve o seu núc leo central constituído por uma variada
Glória (pois a festa tem como base litúrgica a Assunção de Maria aos céus) e, ao mesmo
desde os ritos aos segredos da religião dos Orixás. Essa persistência cultural de origem
Foi dentro desses espaços que a comunidade negra conseguiu construir seu
espaço físico de caráter cultural legítimo dentro da sociedade, embora, por estratégia
política, solicitasse, muitas vezes, permissão ao próprio governo. O uso das práticas
língua africana. De fato, “foi no interior das confrarias e Irmandades que se fizeram as
um tipo de relação que lhe possibilitou também um jogo duplo: sob o manto dessas
camuflagem, escondendo seus orixás atrás das máscaras dos santos católicos e
cultuavam seus ancestrais e orixás sem sofrer os mais violentos castigos. Portanto,
impunha e, desse modo, foi- lhes permitida a conservação das suas tradições,
rebeldes atuaram em várias regiões da Bahia (cidade, subúrbio, campo). Muitas vezes,
tiveram seus planos frustrados, outras vezes foram vitoriosos. Como coloca Klein
iniciativas contavam com uma quantidade significativa, outras vezes não passavam de
dos escravos entre os enge nhos dos senhores pobres para aqueles dos senhores mais
relações com os escravos e suas exigências a respeito de trabalho que aquele menos
Como bem atesta Clóvis Moura (1981, p.7) “a população escrava exerceu um
para dinamizá- la tiveram de negá- la, já que não lhes ofereceram possibilidades de
ascensão capaz de modificá- la. Esta necessidade é que leva essa população escrava a se
Era comum a fuga de escravos (as) das casas de seus senhores na cidade,
voltando para seus antigos senhores no campo e/ou do campo para a cidade. Isto se
dava, muitas vezes, porque não se acostumavam com a nova vida que iriam ter, seja por
fidelidade ao antigo senhor (a) ou pela lembrança da vida menos sofrida dos campos.
A fuga, em sua maioria, ocorria por parte dos escravos e das negras que viviam
da venda nas ruas por conta de seus senhores. Estes escravos (as) de ganho vendiam
e a violência, buscando refúgio nas plantações e nas matas próximas. De fato, os (as)
escravos (as) fugiam para longe da casa de seu senhor ou senhora, não importando se
elaboradas exigências, recusando retornar ao serviço até que lhes fosse concedido mais
recém-chegada era mais voltada às rebeliões contra seus senhores e senhoras brancas.
Entre essa raça o desequilíbrio sexual criava menos laços de famílias e laços locais
um escravo injustiçado que matava seu senhor ou superior. Um grupo de escravos que
premeditava tal ato tentava geralmente envolver toda a plantação e também planejar
uma fuga última (KLEIN, 1987, p.225). As fugas de escravos (as) eram uma prática
cotidiana e a caça destes (as) pelos seus senhores intensa. Um (a) escravo (a) fugido (a),
mesmo após ser capturado (a) e freqüentemente castigado (a) com rigor, podia fugir
outras vezes, numa atitude destemida ou às vezes desesperada (MOTT, 1986, p.3s).
Desde muito cedo, crianças escravas desapareciam sozinhas do cativeiro. Era só
começavam a perambular pelos campos ou pelas ruas das cidades. Podia tratar-se,
certamente estava explícito neste ato de escapulir o desejo de liberdade (REIS, I, 1998,
p.58).
alguém, era apreendida, sendo muitas vezes entregue aos Inspetores de Quarteirão
quando se tratava de área urbana, ou ficava sob a guarda de quem a encontrava, até
aparecer o seu proprietário ou pessoa que provasse ser o responsável por ela. O
o que facilitava a captura. Foi também uma prática corrente daquele que encontrasse um
escravo fugido valer-se dos jornais a fim de informar à pessoa interessada sobre o seu
paradeiro. Um (a) escravo (a) podia sozinho buscar liberdade ou acompanhado de um
ou mais parceiros.
também eram realizadas por membros de uma mesma família escrava (pai, mãe, filhos,
“camaradas”, que juntos decidiam conquistar a liberdade. Tais fugas têm um sentido
envolvimento afetivo de escravos (as) com libertos e livres que ali ocorria com
interação entre escravos (as) e não escravos (as). Além dos contatos que estabeleciam
por meio das prestações dos serviços, vendendo ou carregando coisas a mando de seus
Para o escravo (a), sobretudo que tinha laços familiares, não bastava liberdade
individual. Ele (a) buscava persistentemente e de variados jeitos, por meios legais,
ilícitos ou até desesperados, livrar a si e aos seus do cativeiro. O suicídio praticado por
essa preta, entre tantas mulheres negras, revela o que significava para a população negra
Tendo elas sempre vivido livres, a mãe preferiu praticar suicídio coletivo a voltar,
juntamente com seus filhos (as), à condição servil. Diante de tanta humilhação e sem
travessia da África para o Brasil, como forma de protesto e resistência, afirmando, com
isso, que a vida lhe pertencia e, por isto, tirava esse “privilégio” de seus donos. Muitos
escravizados (as) se deixaram morrer de tristeza e outros (as) faziam o caminho da fuga.
Na luta por liberdade, o suicídio deve ter sido o último recurso da população
assegurando-se de que, assim sendo, eles também estariam para todo o sempre livres
das mazelas do cativeiro, ou, quem sabe, acreditando na possibilidade de ficarem juntos
e livres na eternidade.
sempre, não ter a quem recorrer. Os abortos, sobretudo no século XIX, surgem em
decorrência dessa situação que constitui numa negativa de gerar filhos (as) para a
escravidão.
pátria- mãe, serviu, enquanto resistência escravista, para que muitos negros (as), em
decorrência dessa profunda tristeza, fossem acometidos (as) pela morte. Com essa
prática de “tirar a própria vida”, os (as) escravos (as) tiravam do colonizador fracassado
o direito sobre suas vidas, acreditando juntar-se aos seus parentes ancestrais africanos
Desde a escravidão ela foi alijada da riqueza que produziu. Mas, apesar da repressão
que a marginalizou, nada conseguiu eliminar suas forças de lutar pela liberdade. Mesmo
permaneceu incubada, tornando visível, muitas vezes, através das rebeliões, dos
ações concretas de busca de liberdade. A melhor expressão dessa busca foi a formação
O quilombo foi uma das formas que a população escrava encontrou para se
quilombos foi um dos exemplos eficazes de resistência negra que surgiu como
sociedade multirracial e pluricultural, e assim perdurou por muitos anos, sob liderança
desigualdades.
questão sobre o que são quilombos na África e no Brasil. Optaremos por uma
destacaremos sua localização, sua formação histórica, sua religião, aspectos mitológicos
quilombo carrega em seu bojo uma gama de dinamicidade que ainda não foi explorada
destruição dos mesmos (PRICE, 1996, p.53). As próprias pesquisas documentais sobre
Embora muitas histórias de quilombos ainda não tenham sido escritas, houve
muito mais quilombos do que foram mencionados pela historiografia oficial e que
persistem até hoje (a exemplo, entre outros, de Lages dos Negros e Rio das Rãs, na
suspeita de que os poucos escritos sobre quilombos foram realizados a partir de uma
se, neste item, uma discussão teórica sobre a noção de quilombo, numa perspectiva
desconstrutivista.
(GENOVESE, 1983, p.71). Este autor não considera o fato de que a “cultura africana” é
constituições próprias. É, assim, uma visão etnocêntrica não levar em consideração essa
diversidade.
Ainda mais, contraditoriamente à sua referência genérica a uma “sociedade
indicam uma organização econômica baseada na família, que seria uma instituição mais
trouxeram a experiência dos quilombos para o Brasil não seriam capazes de aprender as
p.19).
essa composição racial teria que repercutir no tipo de organização, na cultura desses
empreender as ações. Isso que dizer que cada quilombo tem uma experiência particular
de formação, em que os mencionados fatores, e outros, foram com certeza avaliados
associação destes com outros grupos étnicos locais, já que os quilombos no Brasil
Suspeita-se, portanto, que o que até agora foi escrito sobre a história dos
estado permanente de guerra, ou, como diz o autor: “Não havia trégua possível”
quilombo não pode ser reduzido ao que se convencionou atribuir para o modelo de
Palmares, que foi cristalizado, através dessas características apontadas por Moura, visto
local e às forças sociais em jogo. Ou seja, não havia quilombo em geral: havia quilombo
concretamente, com história, e, portanto, singularidade própria. O seu caráter universal
considerou que “o quilombo foi um movimento típico dos escravos”, enquanto que as
revoltas englobaram outros subalternos - escravos, livres, negros, mulatos, etc (REIS,
1996, p.15). Esta idéia unívoca dos quilombos dificulta a análise das variáveis que
algodão nos mercados mundiais. Em outros casos, tanto os escravos como outras
àquele que considera apenas as fontes escritas - transportar para a atualidade as notícias
relatos orais são essenciais para dirimir as dúvidas e lacunas existentes nos documentos
oficiais. Richard Price, por exemplo, alerta-nos para o fato de que o total conhecimento
histórico até aqui registrado sobre Palmares foi produzido com base nos textos de
destruição deste quilombo (PRICE, 1996, p.53). Importante, também, é considerar que
os registros oficiais referem-se apenas àqueles quilombos que foram atacados pelas
terão sido apenas aqueles registrados oficialmente e que foram reprimidos? Por
inferência para os que assim raciocinam, os quilombos foram um fenômeno social que,
quilombos foram identificados e destruídos. Assim, o relato dos descendentes tem sido
datas, na compreensão dos processos históricos, têm uma função meramente didática
sido uma impressão falsa dos relatórios oficiais que observaram o quilombo por uma
ações violentas. E ainda persiste porque sabemos que a Lei Áurea não elevou a
caso, é ainda preciso rever o que significou o processo abolicionista para os ne gros e as
a data de 1888, embora seja um marco formal para os negros no Brasil, não
tem importância central no que diz respeito aos quilombos. Eles se formaram
por escravos libertos e insurretos e negros livres antes e depois da abolição.
Enquanto vigora a escravidão, os quilombos cumprem a função de abrigar as
populações negras, configurando um tipo de resistência. Finda a escravidão, e
sabemos que a Lei Áurea só vem formalizar uma realidade conquistada pelas
populações negras, uma vez que quase todos os escravos já se haviam liberto
quando da assinatura da Lei, os quilombos serão o único espaço onde muito
negro excluído pela nova ordem que se configura, poderá sobreviver física e
culturalmente. Os quilombos continuam representando a resistência negra. E,
portanto, perfeitamente lógico falar-se em quilombos mesmo após 1888
(OLIVEIRA, 2001, p.31).
O conjunto de ensaios publicados no livro “Liberdade por um fio”, sobre
de interação destes com a sociedade envolvente, inclusive grupos e camadas sociais não
tantos outros elementos não observados pela historiografia oficial brasileira, incluindo a
alianças com outros grupos sociais, para ocupar terras, de diferentes maneiras, e, assim,
estabelecer o contraditório com o sistema escravista (GOMES, 1995, p.30 -35). Por
decisões, nos períodos de guerra contra os colonizadores. Porém, isso não representava
Agora sabemos, no entanto, que a real autoridade política era bem mais
dispersa do que acreditavam os brancos, existindo diversos líderes rivais de
comunidades (ou grupos de comunidade) geograficamente dispersos,
constantemente manobrando para aumentar o seu poder (PRICE, 1996, p.54).
Origens, mas bem expressas não apenas na cor da pele de sua gente,
sobretudo na memória, nas lembranças dos velhos, de histórias contadas por
seus avós, que nos remetem sempre a um outro passado: o dos mucambos. A
história dos avós é história vivida (FUNES, 1996, p.467).
A tradição oral, desde lá, continua sendo, até hoje, uma das grandes fontes de
herança, visto que a maioria dos povos da África central praticava este sistema de
parentesco matrilinear (MUNANGA, 1989, p.61). E este modelo, no Brasil, buscou-se
2.2 Etimologia
de línguas bantu dos grupos lunda, ovibundo, mbundo, kongo, imbagala (kilombo,
aportuguesado: quilombo). Seu significado, no Brasil, tem a ver com alguns ramos
desses povos bantu, cujos membros foram trazidos escravizados nesta terra
(MUNANGA, 1989, p.58). Este mesmo autor observa que, no início da sua constituição
na África, entre os séculos XVI e XVII, o quilombo era uma instituição bantu,
a dos povos bantu, envolveu povos das regiões diferentes entre Zaire e Angola”
(MUNANGA, 1989, p.58). É possível que Zeferina, a líder do Quilombo do Urubu,
conceito de quilombo está associado ao caráter político de resistência, mas também uma
idosos.
No Brasil, os quilombos surgiram como uma forma de luta persistente para fazer
surgir uma nova sociedade na qual, de fato, a prática da justiça e o direito à participação
sistema escravista imposto sobre a raça ne gra. Mas, sobretudo, mostrar a revolta contra
os maus-tratos que sofriam todos os negros, negras, crianças, idosos, além de revelar a
busca do povo negro por um espaço próprio para celebrar a sua fé e viver os seus
costumes e de afirmar que a identidade ne gra estava sendo recuperada, após o genocídio
nos navios negreiros, nas senzalas e nos trabalhos forçados (SILVA, 1987, p.20).
O quilombo localizou-se nas matas, visto que o mato foi espaço possível de
mercados mundiais. Isto beneficiou tanto escravos como outras categorias sociais que se
decorrer dos anos, o quilombo africano passou a ser uma instituição de caráter social,
invulnerável às armas de inimigos. A pessoa iniciada tinha que ser brava e disponível
para, se preciso fosse, vagar extensamente pelo território (MUNANGA, 1989, p.60).
fazendo iniciar nos ritos da máquina de guerra que constituía o quilombo africano”
(SERRANO, 1989, p.138). De fato, Nzinga não se deu por vencida pelos portugueses
escrava para sobreviver, resistir e, sempre que possível, fugir do sistema colonial
Este fenômeno de escravos (as) fugidos (as) se espalhou por todo o Brasil, e boa
parte dele s conseguia manter uma vida relativamente mansa e pacífica, formando
núcleos de comunidade negra que subsistem até hoje em áreas isoladas (a exemplo das
Palmares, que se formou na Serra da Barriga, nas matas de Alagoas. Através do registro
negro que lutou e acreditou na liberdade dos oprimidos, em plena vigência da sociedade
Salvador, proporcionou, com facilidade, a fuga de escravos (as) dos engenhos para a
multiplicaram as fugas das fazendas de café do oeste paulista (BEOZZO, 1992, p.65).
Os muitos quilombos brasileiros deixaram pelos caminhos as trilhas da liberdade
represálias. Mas, nem castigos, nem capitães-do-mato, nem represálias, nem cachorros
p.22).
angolana, buscam refúgio nas matas do atual Parque São Bartolomeu, dando início ao
modo geral e elementos de todas as demais etnias que se sentiam oprimidos pelo
A vida na Floresta Urubu era para todas as pessoas que buscavam a condição
mulatos, cafuzos, cabras, sararás, brancos, morenos e loiros. Como a proposta dos
quilombos era acabar com o sistema escravista, assim, os (as) quilombolas do Urubu
estavam sempre organizando ataques para ajudar a libertar outros negros e negras. O
região que fugiam com o objetivo de viverem no dito "paraíso" e possuírem um pedaço
de terra onde pudessem trabalhar livremente. A terra era cobiçada por fazendeiros que
pela grilagem desejavam usufruí- la, pois a mesma era fértil e já trabalhada.
2.6.1 Localização
Cajazeiras, na cidade de Salvador. Possuía uma estrutura baseada no culto aos ancestrais
uma casa de candomblé, sendo dirigida por Antonio de Tal, que recebia negros (as)
forros de diversas localidades de Salvador: Queimadinho, São Caetano, Misericórdia,
Embora não se tenha encontrado registro sobre a data de origem desse quilombo,
pois a historiografia oficial enfocou, apenas, um lado dessa história de resistência negra,
parte-se da suspeita de que pelo fato de terem os quilombos surgidos a partir do século
XVI e que o relato do levante desse quilombo tenha ocorrido no século XIX, torna
possível imaginar que este, também, tenha existido num século anterior ao XIX.
possui área de 1.550 hectares. Seu valor ecológico é elevado, pois é uma das últimas
áreas verdes do Salvador. Esta floresta apresenta uma grande variedade de ambientes:
floresta ombrófila densa (Mata Atlântica, com aproximadamente 900 ha), ecossistemas
afro lutam para preservar o que consideram um local sagrado para suas práticas
religiosas, chegando, em 1982, a assinar um convênio que daria condições para que
existiam engenhos de cana na região, onde hoje está situado o bairro de Pirajá, e foi ali
travada a batalha de Pirajá, ganha pelo exército dos libertadores em 1823. A história do
são problemas que resistem aos anos. À segregação espacial e às carências somam-se o
injustiça social.
portuguesa. O que motivou a saída dos autóctones do local foi a crença de que o mundo
suspeita-se que a beleza especial do lugar, com suas cachoeiras, florestas, pântanos,
fascínio e um poder de persuasão irresistível aos "donos da terra" que, "abrindo mão" de
sua vida nômade, fincaram raízes, construindo uma grande aldeia nesta floresta. É
possível que ali os autóctones tenham achado aquilo que expresse o significado concreto
1549. A missão dos jesuítas tinha por objetivo "domesticar" e adequar os autóctones ao
bárbaro. E isto se tornou um pretexto para que os jesuítas fundassem aldeias dentro
funcionou como proteção aos indígenas dos futuros ataques organizados pelos
algo sem sucesso, visto que, para os Tupinambás, consumir carne humana tinha um
seus latifundiários e engenhos que o tempo todo visavam a acumulação de riqueza. Para
origem africana (conforme capítulo anterior). Parte da floresta do Urubu serviu como
espaço para implantação dos engenhos de cana-de-açúcar e que, ainda hoje, se pode
observar ruínas de uma construção que muitos moradores do Parque afirmam ser de um
velho engenho de cana e que depois serviu para abrigar o Quilombo do Urubu.
liderada por uma mulher angolana de nome Zeferina, composta de pessoas idosas,
plantava-se cana, mangueiras, jaqueiras e tudo que servisse para o consumo interno
produção servia como fonte de renda, sendo partilhada com a “tribo vizinha” e trocada
eram idéias que faziam parte da história de suas vidas (SERPA, 1998, p.68).
grau de pluviosidade, cachoeiras, contribuindo para uma boa base física nesse espaço
(FORMIGLI, 1998, p.12). Mas ainda alguns elementos de ordem social, econômica e
cultural irão contribuir para o conteúdo dinâmico da realidade desse quilombo, atual
bairro de Pirajá, que se localiza numa área bastante fértil do subúrbio baiano.
era pequeno e apenas se iniciava, tinha necessidade de uma vida predatória para a sua
1981, p.340).
serviços urbanos. Seu sistema produtivo, que conheceu uma fase basicamente
recoletora, se manteve através da caça, da pesca, dos vegetais medicinais, extração do
óleo de palmeira, cultivo e colheita de frutos como jaca, manga, laranja, fruta-pão,
coco, abacate, laranja-cravo, cajá, jenipapo, banana e outras frutas nativas, servindo
onça, anta, raposas, veados, pacas, cutias, coelhos, preás, tatus, tamanduás, quatis,
cobras e inúmeras outras espécies que davam base de alimentação, capaz de suprir a
população local. Além desse setor de economia simples recoletora, cabe-nos destacar o
setor artesanal que produzia cestos, pilões, tecidos, potes de argila e vasilhas de um
modo geral. Dali, também, saía grande parte do material bélico usado: facas, flechas,
p.169).
que era colhido duas vezes por ano. Depois da colheita, os quilombolas descansavam
solidariedade e a cooperação eram praticadas desde o início ali. A “sociedade livre” era
regida por leis consagradas pelos usos e costumes, não permitindo a existência de
vadios nem exploradores no quilombo, mas uma ativa fiscalização social que se forma
p.179).
religioso e militar. Neste ato de renúncia e inserção, a criança também passava por um
das táticas de guerra (SERRANO, 1989, 139-41). Imagina-se que em Urubu não tenha
Palmares, uma das filhas da líder Aqualtune deu- lhe um neto, portanto uma criança
quilombola, que foi o grande Zumbi dos Palmares (MOTT, 1988, p.45). Tal afirmação
possui relevância por causa do fato de que alguns quilombos não chegaram a ser
destruídos nem mesmo descobertos pelas autoridades e, sobrevivendo à abolição,
constituíram em povoados cujos habitantes mantêm-se unidos, até hoje, por laços
de Lages dos Negros e do Rio das Rãs, exemplo vivo dessa realidade.
suas danças, suas persistentes orações e fantásticas invocações aos deuses ancestrais.
Esta população negra, como forma de levantar sua auto-estima, vestia-se imponente e
Quilombo do Urubu teve grande importância e foi conhecido por seu alto grau de
2.6.4 Religião
culto do caboclo que, apesar de toda a sua simbologia indígena, é uma reelaboração
nacional do culto negro aos ancestrais (SODRÉ, 1988, p.57). Segundo Oliveira, o
de Angola (LIMA, 1998, p.62). Urubu, posteriormente, foi lugar onde as pessoas aflitas
e gratificadas que, sozinhas ou em grupos, iam banhar-se nas fontes e nas cachoeiras de
cujos nomes evocam sua s crenças. Nas pedras e nas árvores consagradas a seus orixás,
seus voduns, seus encantados, seus inquices, seus caboclos “arriam ebôs”, eram
colocadas as oferendas.
origem que, em espírito, existe no atual Parque São Bartolomeu. Essa ancestralidade
está nas pessoas, na memória delas, mas também assentada em lugares na reserva
único ou divindade suprema: Zambi, Kalunga, Lessa, Mvidie, entre outras divindades.
Esse ser criador é longínquo que, após ter criado o mundo, se distanciou dele, deixando
a administração nas mãos de seus filhos e filhas divinizadas, que são os ancestrais
fundadores de linhagens. Os espíritos desses ancestrais fazem o elo entre as pessoas e o
Deus único, criador de tudo que existe no mundo bantu (Angola, Congo, Moçambique,
costumava-se reduzir e simplificar as religiões bantu pelo culto dos ancestrais. E, neste
culto, o mundo é visto como um conjunto de forças hierarquizadas por uma relação de
energia ou força vital, cuja fonte é o próprio Deus criador (MUNANGA, 1989, p.62).
Na religião dos orixás presente ali, essa energia ou força vital é distribuída em
ordem decrescente aos ancestrais e defuntos que fazem parte do mundo divino,
seguindo ao mundo dos vivos, numa relação hierárquica, iniciando pelos reis, chefes de
aldeias, de linhagens, pais, mães e filhos, finalizando pelo mundo animal, vegetal e
mineral (JOAQUIM, 2001, P.78-9). E esta estrutura é, de certa forma, refletida no modo
constitui o centro e o interesse maior de toda a obra de Deus. Neste universo, a força
Como se pode inferir, um ser é por definição uma força; daí o caráter dinâmico
do ser e da pessoa humana. Uma força reforça ou enfraquece outra força. A relação
entre o criador e a criatura é uma constante porque o primeiro é por sua natureza
dependente do segundo quanto a sua existência e sua substância. O ser humano passa a
ser receptáculo do sagrado. Portanto, a força primogênita domina sempre a força última
e continua a exercer sua influência vital sobre ela. Todo ser humano é colocado dentro
de forças vitais, algumas mais desenvolvidas do que a sua própria força. Essas forças
linhagem, da família, são as mães e os pais fe iticeiros (as), bruxas (os), etc. Essas forças
promoção na profissão, etc), aumentando sua força vital, ou em mau sentido (doença,
1989, p.63).
felicidades. Os mitos de origem africana nos ensinam que todos esses povos, hoje com
identidades diferentes, foram no início grupos criados por irmãos. Não é difícil perceber
que em Urubu:
seja, pelo que ele contém ou por sua identificação com o sagrado existente nesta
comunidade. Desse modo, podemos avançar mais no sentido de entender o Quilombo
"povo de santo", na natureza tudo tem uma razão de ser. O canto da cigarra fora de hora
neste lugar de resistência, enquanto espaço capaz de conferir identidade cultural. Por
isto, o florir de uma árvore que extrapola características rotineiras pode revelar coisa
extraordinária e comum aos adeptos dessa religião. O cair de uma fruta pode significar
uma mensagem, solicitação, formulação aos não leigos. Portanto, segundo compreensão
teológica quilombola, onde existir os sinais naturais da criação, as árvores, os rios nas
cotidiana, por forças sagradas (JOAQUIM, 1998, p.41). Além dos mitos, têm-se as
lendas. A lenda da criação do mundo, contada pelos fiéis de Bessen, divindade Jêje que
perseguição, sobretudo policial e da religião católica, o povo negro fiel à religião dos
orixás sob este sistema de intolerância religiosa teve de andar escondido, camuflando
suas divindades. Neste período, foi determinado que Bessen, entidade do candomblé,
fosse identificado com São Bartolomeu, santo da Igreja Católica. Ora, feliz ou
urbanístico do atual Parque São Bartolomeu, também há, implicitamente, uma sutil
São Bartolomeu, pela sua composição, se identifica como local sagrado que, além de
como local de retiro e meditação para outras religiões. Neste local, além da cachoeira
evocativo, que pode se traduzir por espaço útil e reservado aos rituais do povo de
candomblé. Ainda hoje é local de várias invocações e de vários ebós e oferendas das
várias nações de santo que por ali acorrem, nas crises de emergência ou da aflição, ou
a cachoeira de Oxumaré; a bacia de Oxum, que reúne as águas que descem das duas
cachoeiras, de Oxum e Nanã. A pedra de Omolu. A pedra de Tempo e o mato, igbô, que
ainda envolve tudo – mato de Ossanha, mas também de Ogun e de Ossóxi e reino
Bartolomeu e arredores, sendo que cinco deles é angola, nos quais se constata a
presença das divindades indígenas, portanto, de culto aos caboclos (SERPA, 1998,
p.76). Muitos terreiros levavam às cachoeiras as pessoas que acabavam de ser iniciadas
na religião dos orixás para seu primeiro contato com a rua, após seu processo interno de
iniciação. Este costume teve uma longa duração até que, devido o desmatamento, a
uma freqüência maior para tal prática ali. Por isto, no atual Parque São Bartolomeu, é de
suma relevância a defesa da flora, dos rios, das águas e a recomposição e manutenção
"obrigações" devem ser realizadas à margem de rios, lagos, nascentes, etc. Os orixás,
que estão espalhados pela cidade são conhecidos pelo "povo de santo". A cachoeira de
O centro desse quilombo, em torno do santuário afro, foi o local onde surgiu
Angola, apoiado por todo o suporte natural composto da lagoa, de cachoeiras, das
árvores e rio. A fé nos Orixás serviu como referencial de luta de resistência à escravidão
negra. Infelizmente, hoje, a flora e a fauna desse ambiente natural vêm sofrendo
andamento dos rituais da religião do Candomblé. De fato, corre-se o risco de não poder
contar mais com a mata que abarcou o Quilombo do Urubu como reserva para o
sagrado. Esta prática vem sendo preservada, até nossos dias, pelos movimentos políticos
religioso ao Parque São Bartolomeu tinham início no final da noite. A caminhada era
acompanhada por cantos, orações aos presentes e aos deuses africanos. Ao chegar neste
eram escolhidas a vê- lo de dentro das águas frias da cachoeira (DUARTE, 1998, p.22).
tudo que ocorria ao seu redor. As folhas que formam quadros, presas nos galhos, os
passarinhos que revoam e cantam em sinal de resposta às indagações do povo que ali
está. Os animais do chão daquele lugar, que tentados pelo cheiro do "nosso de comer",
ou até as figuras de Oxum e Nanã (donas das águas doces) no alto das pedras
observando, ora sorrindo, ora temerosa, ou até zangada diante da rebeldia de seus filhos
passar do dia, se retirava daquele lugar sagrado, levando uma ansiedade coletiva de
carregava. Tal ritual aconteceu, piamente, até os anos sessenta (DUARTE, 1998, p.22).
Hoje, graças à violência, ainda acontece, mas de forma meio que parcial. Cabe ressaltar
que para os atuais quilombolas e o "povo de santo" a essência dessa cultura religiosa é
sua essência.
origem. Estes termos são particulares de cada filiação (LIMA, 1998, p.62). Na Bahia,
floresta do Urubu.
local sagrado de muitas maneiras. Consagrado por tantos vários ritos. Mas, segundo
Vivaldo Costa Lima (1998, p.62), “é o ato, é o ritual que sacraliza o espaço. E isto
Os africanos souberam muito bem fazer isto, recriando os seus mundos, suas
esperanças, sua religião, sua cultura de resistência, sobretudo nos quilombos e nos
candomblés.
seguinte mito explica a origem dos orixás, que são os encantados das religiões africanas,
Urubu.
Olorum, o ser supremo generoso, o criador, era inicialmente uma massa infinita
Sua respiração criou o ar. O movimento desse ar gerou a água. Da dança da água com o
ar resultou a lama. Olorum se encantou e continuou a dançar, quando viu surgir uma
bolha vermelha linda que ia crescendo. Tanto Olorum se encantou que soprou para
dentro dela seu hálito: era seu espírito dando- lhe vida. Assim surge, desta relação
iorubana. Nas Américas, o panteão é constituído por cerca de uma vintena de orixás
(PRANDI, 2001, p.20). Maria de Lourdes Siqueira constatou que os fundadores de
terreiros têm uma preferência por sete orixás. Todavia, há a existência de um panteão de
entre os orixás e os humanos. Leva os pedidos de ajuda e traz as respostas. Por isso,
“despachar” significa “enviar exu”. Está sempre presente nos cultos, pois cada um dos
demais orixás depende de sua função. É o primeiro a receber as oferendas. Exu come de
todos os alimentos oferecidos aos outros orixás (PRANDI, 2001, p.21, 46, 54, 56, 60,
83).
2.6.5.2 Ogum
também dono da música e do ritmo, porque criou os instrumentos. Criou o facão para
abrir os caminhos da vida e a espada para se defender. Como forjador do ferro, é o orixá
2001, p.91-100).
2.6.5.3 Oxóssi
É o senhor da caça, o orixá das matas e florestas. Recebeu o arco e a flecha para
prover a sua comunidade com alimentos. Como aquele que, no retorno de sua atividade,
colocava-se a descrever para seus irmãos e suas irmãs a caça que havia avistado e o
orixá alegre, mas que não teme a luta. Seu mito conta que, ao caçar, viu a sua presa,
olhou-a, mediu-a, mirou e disparou contra ela a flecha certeira que acabou acertando o
seu próprio coração. É o caçador de si mesmo. Vale conferir os mitos em que Oxóssi,
diante da grande fome que assolava a terra, pôs-se a caçar e providenciar alimentos para
Coube- lhe assumir o governo sobre as folhas. Cuida da mata, que guarda o
segredo das folhas. Com elas, ele soube criar todos os remédios e todas as porções
mágicas para curar as pessoas. As folhas são os elementos da natureza que, de modo
especial, contêm o axé, a força vital. Como conhecedor dos mistérios do poder curativo
Cuba. A partir do mito em que o criador entrega a um orixá o cuidado das florestas, das
plantas, das folhas, afirma-se que a religião africana é a primeira a conferir à natureza
um caráter sagrado. Tudo é criação de Olorum e por isso cada folha, por menor que
seja, deve ser tratada com respeito. Num mito, Ossaim desobedece à ordem de
Orunmilá, de roçar o mato de suas terras para fazer uma grande plantação; nega-se a
cortar as plantas com propriedades medicinais. Num outro, este orixá recusa grandes
pagamentos pelas curas que realiza; insiste em receber apenas os honorários justos
2.6.5.5 Oxum
Mãe das águas doces. Com sua doçura tomou para si o cuidado das crianças e a
preservação das águas doces (rios, lagos, lagoas, diques, cachoeiras), sem as quais os
seres humanos não poderiam viver. Bela, é dona do ouro e da vaidade, mas também da
líquido uterino, onde a criança se aconchega. As crianças têm a sua proteção até que
possam caminhar e falar, quando ele as entrega aos cuidados de outro orixá.
Conta o mito que, logo que o mundo foi criado, todos os orixás vieram para a
Terra e começaram a tomar decisões e dividir encargos entre eles, em conciliábulos nos
quais somente os homens podiam participar. Oxum não se conformava com essa
situação. Ressentida pela exclusão, ela vingou-se dos orixás masculinos: condenou
da fertilidade era fadada ao fracasso. Por isso, os homens foram consultar Olodumaré.
Estavam muito alarmados e não sabiam o que fazer sem filhos para criar nem herdeiros
para quem deixar suas posses, sem novos braços para criar novas riquezas e fazer as
guerras e sem descendentes para não deixar morrer suas memórias. Olodumaré soube,
então, que Oxum fora excluída das reuniões. Ele aconselhou os orixás a convidá- la, e às
outras mulheres, pois sem Oxum e seu poder nada poderia ir adiante. Os orixás
2.6.5.6 Xangô
fogo, poderoso, majestoso e vaidoso; grande amante, tem prazer em estar rodeado de
mulheres belas. É marido de Oiá, Oba e Oxum, sendo esta última a sua preferida. Adora
festas. Seu alimento predileto é o amalá, preparado à base de quiabo. Teme e odeia a
caracterizando-se por uma postura tranqüila, mas firme. Os mitos contam histórias em
que Xangô é reconhecido como o guardião da justiça. Num episódio, derrota o monstro
que devorava homens, mulheres, pessoas idosas, adultas e crianças. Noutro, inventa o
fogo, para que os orixás e os humanos pudessem comer alimentos cozidos (PRANDI,
Protege sempre, mas desafia e afronta. Brava, arrebatadora em sua paixão, dirige a
encantamento. Sua alimentação é o acarajé, que significa “bolo de fogo”. Nos mitos,
Iansã conquista o mesmo poder que possuía seu companheiro Xangô, extrapolando-o
da respiração, do ar. É o ancião branco, calmo e bondoso que tem a sabedoria, rege o
conflito entre os povos e semeia a paz entre as pessoas. Inventor do pilão, usa-o para
pilar o milho branco ou esmagar o inhame e alimentar seus filhos e suas filhas. Seu
prato predileto é o acaçá e/ou à base de milho branco. Num dos mitos, Oxalá é
apresentado como aquele que criou a superfície sólida da terra, denominada Ifé, que
quer dizer “ampla morada”, na qual plantou árvores para alimentar os seres humanos.
Num outro mito, Oxalá livra a população de uma cidade da cruel mortandade de
homens, mulheres e crianças. E ainda num outro, este orixá expulsa de sua casa o filho
2.6.5.9 Oxumaré
Orixá do arco- íris, que cruza o céu e a terra, ligando-os. O Candomblé, assim
como as religiões africanas em geral, tem uma visão holística do cosmos: todo o
universo é uma coisa só, uma totalidade, não existindo divisões, fragmentações. O que
existe é uma diferença entre o mundo visível e o invisível. Responsável pelo equilíbrio
cósmico, Oxumaré rege a chuva, a fertilidade da terra e as boas colheitas, que afastam a
2.6.5.10 Nanã
Orixá dona da lama. Conta o mito que quando Olorum encarregou Oxalá de
fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários caminhos. Tentou fazer o
homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer
de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra, ainda a tentativa foi pior. Fez de fogo e o
homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada. Foi então que
Nanã Burucu veio em seu socorro. Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu
cetro e arma, e de lá retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama a Oxalá, o
barro do fundo da lagoa onde ela morava, a lama sob as águas, que é Nanã (PRANDI,
2001, p.196).
sob o peso da proibição oficial, foram “imprimindo” nas senzalas, nas matas, nos rios,
caboclo existente até hoje, no bairro da Mata Escura, com o nome de Bate Folha.
“Urubu foi uma tentativa de recriação, adaptada, das relações sociais angola-congolesas
na Bahia, estruturada na prática dos cultos aos ancestrais africanos no candomblé ali
instalado”. Este é o único caso descoberto, até agora, pela documentação de reações
armadas contra a escravidão baseada no culto aos Nkisis, Orixás (PASSOS, 1996, p.30).
pessoa que acredita nos seus mistérios e que tem ligação com o terreiro e que exige das
1977, p.108-9).
Era desejo dos quilombolas encontrar um chão onde fosse possível, depois de
tanta opressão, viver em paz para reorganizar a vida a seu modo, ao jeito de herança
que uma família extensa pudesse cuidar coletivamente de suas necessidades materiais,
A população africana, “antes de vir escrava para a América, era um ser inteiro:
corpo e alma livres. Os escravistas não tinham interesse na sua alma – ou na sua cultura,
costumes, nada disso interessava” (SANTOS, 1985, p.8). A relação entre fé e luta de
conferia poder de resistência aos quilombolas. Essa força reunida de homens, mulheres,
crianças, idosos, jovens não deixou suas almas se abaterem diante da monstruosidade de
negou à raça, sobretudo negra. Essa força que saía das entranhas, de homens e mulheres,
lugar que lhes assegurassem aproximação de uma vida digna e que pudessem orgulhar-
se do seu porte físico, da sua cultura, além de uma força física, exigia todo aparato de
resistência espiritual, resguardada pela religiosidade que fortalecia seus espíritos para
enquanto pássaro que embeleza, ainda hoje, esta floresta e que deu nome ao quilombo
pássaro preto, que possuía poder místico, despachando-o até a África. A rapidez do
urubu fazia com que, num longo e rápido vôo, levasse até a África os clamores, as
Nesta dinâmica que transcendia um tempo lógico, o urubu trazia as respostas das
prol da vida.
vida) com que são atribuídas ao urubu na lenda, salvaguardada pelo “povo de santo” até
hoje.
quilombo-candomblé, era algo que estava profundamente ligado com a força vital do
axé, cujos princípios fundamentais estão [e são] na própria natureza. O mato da floresta
Urubu, elemento vegetal, assim como os minerais e os animais serviram como lugar de
os quilombolas.
resistência eram decorrentes das lições aprendidas naquele cotidiano, onde a lógica do
multidões, nas organizações políticas, nas festividades pela fartura do alimento que a
reproduzir o modo de vida africano. As frentes das casas desses espaços tornam-se
juventude, onde se costuma reunir para descansar, dialogar e se informar das novidades,
dos fuxicos etc. Quase tudo iniciava num grande terreiro, fosse terreiro de frente das
baianos.
O Nordeste herdou fortemente essa prática. É possível que tal herança seja
advinha do fato de que nesta região concentra-se maior número da população de origem
onde se celebra, às noites, as festas de Santo Antonio, de João e de São Pedro, ocasião
em que, em volta de uma grande fogueira, vestido a caráter, se come (entre outros
alimentos típicos da região) milho e batata assada na brasa e se bebe muito licor. Ao
som de fogos e de muita música festiva regional (mais especificamente o forró), após
aumenta os laços de parentesco, de tal modo que de simbólico vira real no cotidiano da
comunidade, formando, dessa forma, uma nova família. Esse compromisso que surge ao
Dentro das casas dos terreiros, sendo ela de Candomblé ou não, os adeptos de
uma religião sincrética, antes de reviverem as festas das colheitas em frente dos terreiros
das casas, fazem rezas e orações para os santos e/ou orixás “aniversariantes”. O terreiro
era (e ainda é!) o espaço onde as pessoas vivenciam momentos em família. Todos se
por toda a cultura no interior baiano, seja nos quilombos, nos candomblés e nas famílias
extensas.
O terreiro é lugar de festas religiosas das famílias extensas. Espaço de
O Quilombo do Urubu foi uma revolta religiosa contra a escravidão negra e que
de resistência. Por isto, a fé nos orixás, no interior dos atuais terreiros, sobretudo angola
e localizados na região onde abrigou o Quilombo do Urubu e arredores, tem sido uma
africana extensa.
1809, 1810, 1814, 1816; os incidentes, levantes de 1822 e 1826 em Urubu; as rebeliões
de 1827, 1828, 1830, culminando com a Revolta de Malês, em 1835 (VERGER, 1987,
p.329-341).
O Levante do Urubu foi um enfrentamento dos (as) negros (as) aquilombados
(as) nas matas de Pirajá contra ataque das tropas policiais, quando um grupo de escravos
fugitivos levava alimento para outro grupo de quilombola situado na periferia da cidade.
insurreições dos negros uma revolta nobre de seres oprimidos contra a usurpação de sua
liberdade, que eles reivindicavam por este corajoso e heróico exemplo” (VERGER,
1987, p.330).
levante de 1826.
participação popular, com a presença de escravos e libertos nos combates. Este foi um
evidenciado, sobretudo para este grupo, que a mudança do estatuto político do país não
marginalidade.
populares. Não tardou para aparecer neste cenário mais uma insurreição negra. Foi
que fazia a tropa, encontrou um capitão de assaltos e mais dois crioulos gravemente
feridos pelos negros que se achavam na baixa do Urubu” (FERREIRA, J, 1903, p.95).
O coronel Francisco da Costa Branco, após suspeita de que os capitães-do-mato
Antonio Neves e José Corrêa foram assassinados pelos quilombolas de Urubu, comanda
Divisão Militar, chefiados por José Baltazar da Silveira, dirigem-se para o Quilombo do
Divisão Militar, de que este quilombo arquitetava uma revolução, ainda, no final desse
ano, forças militares e de cavalaria foram enviadas ao quilombo. Após uma longa e
violenta batalha, os escravos foram derrotados, mas muitos conseguiram fugir por
Este levante foi liderado pela líder Zeferina, que lutou com armas de fogo, arco e
flechas. Os registros policiais afirmam que eram 50 negros e algumas pretas contra mais
de 200 homens armados com armas de fogo e cavalos e, mesmo assim, só conseguiram
arsenal a fim de serem empregados nas obras reais e as mulheres enviadas às cadeias da
Durante a luta, havia o grito de guerra: “Morra branco! Mata, mata!”. Segundo
menos recuassem. Ela, sendo presa por vários soldados, foi última a desistir. O
registros policiais pelo historiador Valter de Oliveira Passos, por ocasião do levante em
1826, além das que fugiram, incluindo crianças, idosos, homens e mulheres, jovens e as
encarnado, o que nos leva a suspeitar que este terreiro fosse regido pelos orixás Iansã e
Tabaques, duas vasilhas armadas com piaçaba; chapéu de sol grande coberto
com panos de cores diferentes, tendo uma figura com chifre; um ferro de
ponta com 4 palmas e meio de cumprimento; uma patrona de couro cru com
8 cartuchos de pólvora dentro de um pão; algumas figuras de madeira, um
caixão com vários artífices como que possuidores de ventura. Um balaio com
vários búzios enfeitados, uma cauda de cavalo enfeitada, pão com espigão de
ferro na ponta, uma coroa encarnada, um vestido de veludo encarnado, um
pau com bandeiras de papelão encarnado, um chapéu encarnado com três
pontas, uma manta de tonquim encarnado, paus com bandeiras de papelão
verde, branco com fitas encarnadas, chocalhos, cascavéis, paus pequenos
pintados de encarnado enfeitados com fitas, coroas de papelão com alguns
enfeites de búzios, contas de vidros de diferentes cores, mesas de varas
pintadas forrada com um colchão de damasco, pratos, coroas e vestimentas
(Passos, 1996, p.29-30).
Este fato não caiu no silêncio histórico; ao contrário, fez acordar no subúrbio
desta capital e dentro do mato de que toda ela era cercada inumeráveis ajuntamentos de
que Zeferina e outras tantas e tantos tiveram neste espaço “ainda sagrado para as
A mata do Urubu foi um espaço onde a comunidade negra pôde, realmente, ser
negra. Ela foi negra no seu jeito de se organizar, na sua maneira de lutar, na sua forma
de invocar seus nkisis, seus orixás, seus ancestrais e seus antepassados (as), sobretudo
essas mulheres expressam através de seu poder escapam das análises racionalistas e se
impõem como autoridades no meio das massas empobrecidas (GEBARA, 1991, p.6). E
é nesta tradição de poder que surge Zeferina. Mas, quem foi essa mulher? Que tipo de
poder exerceu? De onde esse poder se originou? Até que ponto esse poder foi um
legitimado no confronto com os policiais, que ocorreu em 1826, tem sido reconstruída
patriarcal.
moradias. Mas são essas mulheres excluídas pela sua condição de gênero, pela sua raça,
pela sua condição social, pela localização residencial, pelo seu baixo nível educacional e
pela prática de espiritualid ade de origem africana que buscam reconstruir, com a
participação efetiva dos homens, jovens e crianças, a história de resistência de seu povo,
a partir do resgate criativo do poder e atuação de Zeferina. Ela foi a mulher que teve
poder de desenvolver práticas de enfrentamento, resistência, transgressão e de superação
escravista, que foi salvaguardada pela tradição oral, sobretudo nos espaços de atuação
Como atesta a tradição oral, a líder Zeferina teve participação efetiva na luta de
imaginário da comunidade local, que tem o poder de registrar a memória de luta desse
um referencial de superação das injustiças e exclusões sociais atuais. Mas, até agora,
essa história de luta foi apenas incluída nas entrelinhas da historiografia oficial e é
superficialmente mencionada pelos historiadores comprometidos com as questões
raciais.
hoje, ela está viva na memória individual e coletiva do bairro de Pirajá e arredores.
protagonizada pela atuação da líder Zeferina, tem sido importante fator na reconstrução
geração e as vindouras.
sobre o Levante de Urubu nos textos oficiais. A destruição quase total dessa
comunidade, por ocasião do levante em 1826, apagou também muitos fatos. Esse
finalidade de defender a luta de um povo; de que todo texto é resultado de uma luta
ideológica; de que a luta dos quilombolas em Urubu, representada pela liderança local,
foi a favor da vida do seu povo escravizado; de que essa história foi parcialmente
pelos historiadores comprometidos com as questões raciais; de que tudo tem uma
história que pode ser reconstruída e de que essa história urge por ser escrita na
de Angola, a fim de enraizá- la enquanto herança e formação cultural a partir daí. Além
de pluralidade local (MUNANGA, 1989, p.62). Não é difícil imaginar que a estrutura
especialistas do assunto e que contou com a liderança das mulheres negras Agualtune e
quilombola. E esta tarefa só será possível a partir da leitura, com imaginação criativa e
algumas suspeitas, dos textos patriarcais que mencionam a história desse quilombo e de
mulher, líder quilombola. De outra forma, seria quase que impossível reconstruir
historicamente o poder dos negros em Urubu a partir da atuação da líder Zeferina. Mas,
4
Sobre os povos Kimbundu vide PEGADO, Ana Maria. In: Revista Angolana de Cultura Mensagem 5.
Portugal: Editorial Caminho, 1990, p.3-9.
A identidade de Zeferina tem sido resgatada nas bocas dos (as) militantes
líder guerreira foi salvaguardada e, hoje, essa história de luta contra o sistema escravista
Mas, o que o Dia Nacional da Consciência Negra tem a ver com a luta de
Zeferina? Do ponto de vista histórico, sabe-se que esse dia refere-se à morte do grande
Suburbana tem ligação direta com tais festividades, e, em se tratando de uma heroína
que nos une à África e à diáspora negra. Zumbi, Zeferina, Luiza Mahin, os
resistência negra.
partir da rememoração da luta de Zumbi, de Zeferina e tantas outras pessoas negras que
lutaram pela libertação e respeito aos seus direitos se constitui num momento de
nome de Urubu, que contou com a liderança de Zeferina e tem sua história marcada por
século XIX).
representações.
localizada no centro desse quilombo e que por ocasião do levante foi presa e obrigada a
exercer trabalho forçado (como, por exemplo, as citações de Clovis Moura, Maria Lúcia
de Barros Mott, Walter Passos, Kátia Mattoso, Heitor Frisotti, entre outros).
partes que afirmam que ela enfrentou os soldados até o fim, armada com arco e flecha.
primeira metade do século XIX, foi trazida ainda criança nos braços de sua mãe Amália,
Bahia, foi uma descendente direta de escravos e fundou o Quilombo do Urubu para
proteger a si e seu povo da escravidão. Ali, junto com os índios, organizou os escravos
que, ali, foi uma grande guerreira que, bravamente e com habilidade, lutou com as
tropas policiais para libertar “sua gente” da submissão e opressão. Por ser líder, ela foi
levada presa e morreu na carceragem local. Os seus restos mortais foram sepultados em
A tradição oral conta que ela foi uma escrava, guerreira e que com seu arco e
flecha fez a revolução do povo escravizado, contando com a proteção dos seus
quilombo serviam de resistência para as tropas portuguesas que ali sempre tentavam
invadir sem sucesso. Ela tem uma história de luta e resistência que é exemplo para todos
nós e de que há uma música que se refere a ela como uma líder negra e quilombola.
A líder Zeferina foi uma escrava, quilombola que, ao persistir seu ideal de
viva a memória de resistência dessa líder guerreira como meio de se apropriar de uma
5
O conteúdo dos dois parágrafos a seguir tem a finalidade de contribuir de forma complementar na
reconstrução da identidade da líder Zeferina e é resultado de entrevistas feitas em 22/01 a 08/03 do
corrente ano, com 20 lideranças negras e moradores locais, sobretudo religiosas, pertencentes ao
candomblé. Os entrevistados eram de ambos os sexos e com idade entre 30 a 63 anos conforme apêndice.
Portanto, é fácil compreender que, sobretudo para comunidade suburbana,
Tudo leva a crer que o poder de Zeferina, visível na sua atuação como sujeito
cultura africana. Esse saber herdado chegou até Zeferina através do processo de
educação informal materna. Essa tradição oral de resistência cultural serviu para
poder de Zeferina tenha vindo da herança de sua ancestralidade e de que tenha sido uma
poder de Zeferina com base nas suspeitas acima, cabe apresentar uma breve discussão
do Urubu.
teóricos (as).
conotação política e designa, basicamente, a figura central do poder, mas no singular ele
detêm parcelas de poder "que lhes permitem meter cunhas na supremacia masculina e
1992, p.184).
humana de agir, fazer algo, de associar-se a outros indivíduos e de agir de acordo com
estas pessoas. O poder está na posse de um grupo e contínua existindo enquanto o grupo
1994, p.479). No grego, a palavra Hypomoné, poder se traduz por “resistência” visto
compreensão de poder enquanto algo relacional, que tem a capacidade de agir de acordo
qualidade de vida, que faz parte do desejo que está intrínseco ao âmago da luta
espiritual feminista, de que é algo inerente à mulher, se estilhaçando em múltiplos
que para isto encontre resistência alheia (WEBER, 1991, p.34). Para Weber, só existirá
encontrar obediência para ordens de qualquer espécie, por parte de determinado grupo
de pessoas.
modernas.
A lógica weberiana, referente ao conceito de poder, é impositiva e pretende ser
imperativa no senso comum, através das táticas punitivas contra certas resistências, a
vontade e atingir o seu correspondente objetivo, maior será o poder de um grupo sobre
E neste caso, “as mulheres foram e ainda são vítimas de uma forma autoritária e
excludente de participarem do poder, uma vez que lhes é negada qualquer participação
instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados”
(FOUCAULT, 1990, p.89). O poder é visto como uma relação dinâmica de estratégia,
estruturas e técnicas modernas de poder. Sua tônica é defender a idéia de que poder e
sociedades modernas podem ser caracterizadas como sociedades discip linares. Mas,
considerado, por ele, como elemento central de qualquer sistema social vigente. Ou
melhor, como a capacidade de se impor em meio à ação estratégica. E neste caso, este
considera que o poder é um fenômeno mais profundo do que o poder estatal, visto que,
função produtiva do poder em relação ao saber, enfatizando que o forte poder ocorre
Continuando, ele acentua sua análise das técnicas modernas de poder em torno
de conceitos, normas, corpo e saber. Para o lugar de normas morais de ação inclui-se a
norma como obrigatória normalmente social e realidade social atual. Lugar primário do
moderno exercício de poder são os corpos físicos e suas exteriorizações de vida. Como
comunidade quilombola detinha parcela de poder que lhe permitia meter cunha na
de compreensão social, justamente por não se fixar somente no instituc ional ou num
autorização da comunidade e este poder só poderá ser efetivado quando não houver
caso, o poder é representativo e que só pode estar a serviço de práticas não brutais e em
empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados
para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades” (ARENDT, 1990,
p.212).
dar a isto o nome de resistência passiva é uma ironia, pois “se trata de um dos
meios mais ativos e eficazes de ação já concebidos, uma vez que não se lhe
pode opor um combate que termine em vitória ou derrota, mas somente uma
chacina em massa da qual o próprio vencedor sairia derrotado e de mãos
vazias, visto como ninguém se pode governar mortos” (ARENDT, 1990,
p.212).
p. 212-3).
ver com o exercício de poder de Zeferina, na qual a luta pelo desejo de transformação
autorizada por si mesma e pela comunidade em Urubu tornou a líder desse espaço de
violência, de poderes, de memória coletiva de resistência negra e que persiste até hoje
por indicação dos membros das aldeias. Todos eles compunham a chefia encabeçada
por um ser pertencente, preferencialmente, à linhagem chefial mais velha. O rei e/ou a
rainha simbolizava a chefia e tinha obrigações religiosas. Seu poder não era absoluto,
linhagens e outros notáveis da corte (SILVA, 1998, p.44-45). È possível imaginar que a
comunidade que se organizou no Quilombo do Urubu foi influenciada por este sistema
de poder.
Ademais, no centro dos quilombos africanos havia uma aldeia que, constituindo
espaço de resistência negra (MUNANGA, 1989, p.61). Tudo leva a crer que essa matriz
forma bastante solidária, expressa já, inicialmente, pela acolhida dos autóctones
Tupinambás aos escravos (as) fugitivos (as) ali. A partir daquele momento, foi possível
ambas as raças.
consenso do grupo, quanto à escolha do (e da) líder, obedecia a tradições morais que
momento de celebração desse poder acontecia quando um (ou uma) chefe era escolhido
(a) para organizar um festejo religioso ou profano. Cada líder local era considerado
“conselheiro”. Todos lhe deviam obediência, seja pela idade ou pela respeitabilidade
presença do Candomblé de Angola e dos índios tupinambás expressa bem essa base de
organização social local. Na lógica de que "todos são parentes", e assim se consideram,
terra foi aprendida com o povo autóctone e por herança da cultura do sistema
matrilinear africano.
Urubu deviam conhecer bem. Neste caso, pode-se imaginar a presença de um conselho,
por nível de segurança e estabilidade dos seus membros e segmentos em relação à sua
rapto de negros ou mulheres, tudo isso foi uma constante neste nível de interação
(MOURA, 1988, p.179-81). Imagina-se que em Urubu, também, os seus componentes
No centro desse quilombo foi implantada uma casa de candomblé que foi
do atual Parque São Bartolomeu podem representar o modelo de aldeias dos quilombos
sistema matrilinear.
acesso ao desejo de liberdade. Para os escravos (as) fugitivos (as) ali, a formação de
frutas, hortaliças, aves etc. Imagina-se que, assim como em Palmares e outros
quase autônomo: por causa de suas condições especiais, pôde se tornar num primeiro,
mostram bem tal conflito (MOURA, 1988, p. 07 e 107). Por outro lado, entre a
e da inserção nos processos nítidos de rebelião (como nos casos tratados por Moura,
elementos estranhos e das tropas das milícias desta capitania. O pesquisador baiano
muitas regiões não podem ser compreendidos se dissociados deste importante fator
"posse útil da terra" é presente na concepção daquelas pessoas que se apropriam desse
periodicamente de modo bastante livre por cada uma das famílias, sobretudo nucleares,
a repartição e herança das posses (Silva, apud. ALMEIDA, 1997, p.11). Segundo Décio
Freitas, esta tradição de propriedade coletiva da terra foi trazida da África pela
possível como modo exclusivo de subsistência, por força da pressão sobre o “território”
São Paulo).
Portanto, é um poder que vem do mato, das pedras, das árvores consagradas aos orixás.
Este poder é buscado pelos aflitos e pelos gratificados que, sozinhos ou em grupos
votivos, lá vão banhar-se nas fontes e nas cachoeiras que têm os nomes evocadores de
suas crenças, "arriar ebó" nas pedras e nas árvores consagradas a seus orixás, seus
voduns, seus encantados, seus inquices, seus caboclos. Todas essas formas postuladas
de poder estão por ali, naquelas águas, naquelas pedras, naqueles matos. Na floresta do
importantes componentes sociais (LIMA, 1998, p.57-58). Imagina-se que este foi um
mítico e místico, viveu e lutou pelo sonho de liberdade. Este fato, acentuado por ocasião
do levante em 1826, até hoje é visto e reconstruído como marco referencial de poder na
subúrbios de Salvador.
negras atuais, que são retalhos de histórias. Uma cocha de retalhos, retalhos de uma
mesma história! A mulher negra, para resgatar sua identidade, vem encontrando apoio
em grupos organizados por mulheres negras que abrigam, dentro de um corpo, várias
fim de fazer realçar o glamour e a nobreza do seu povo (EGYDIO & OLIVEIRA, 1999,
p.40).
Por isto, é fácil imaginar que o exercício de poder de Zeferina enquanto líder do
no Quilombo do Urubu a favor de si e do seu povo escravizado. Este poder foi resultado
Nzinga até as anônimas brasileiras. De sorte que este poder vem sendo, dinamicamente,
recriado enquanto referencial de resistência pela atual comunidade local. A seguir,
na estrutura familiar dos povos bantu e adotados também pelos povos que vieram para o
(GOMES, 1992, p.21-2). Onde quer que fosse possível a adoção desse sistema:
histórica da tradição de sua família, seu clã, sua tribo, formando, assim, as aldeias. A
vida era simples. A solidariedade entre as pessoas era o traço mais comum e tão forte a
(HAMA & ZERBO, 1982, p.65-67). A comunidade é quem dava o valor da vida social,
se dentro deste grupo e, ao mesmo tempo, era a comunidade que dava grandes lições de
familiar e comunitário que surge a mulher, desempenha ndo função relevante para o
líderes que mantinham a ordem em caso de conflitos, que acontecia m, por exemplo,
delito fosse grave, para, em seguida, dar os conselhos e a bênção, que garantiam o
tradição oral. Para a mulher era importante também o círculo de conversas com outras
convívio para trocar idéias e aprender umas das outras sobre o cotidiano. Em todo esse
processo, a mulher era respeitada. O marido deveria tratá- la bem a partir do momento
(do) antepassada (do) que guardava a pessoa de todos os deslizes, más intenções e
poder de participar da agricultura, que era uma das fontes principais de alimentação,
assegurada pela solidariedade imposta pelo trabalho agrícola em comum e pelo culto
dos ancestrais. A terra era considerada sagrada, importante para a sobrevivência onde
eram cultivados produtos para o sustento das comunidades (GOMES, 1992, p.32).
A figura da mulher, neste sistema, era de profunda reverência porque era ela
quem sabia selecionar os alimentos para dar de comer à família. Ela sabia como guardar
pela esperança que nutria a família, clã e tribo, de que nunca fa ltaria o alimento
para ser semeada. Cultivavam mandioca, milho e outros alimentos. As mulheres ainda
que teve um papel determinante na comercialização com outros reinos (GOMES, 1992,
p.33).
recorria-se para a mulher, que tinha sempre uma possível solução. Ela sabia guardar as
como o centro da vida cultural comunitária; ela é quem dá e salva a vida, ela é mãe que
nutre a vida, é guerreira que faz a organização da luta de resistência contra a dominação
colonial africana. As mulheres pertencente cultura banto por causa de sua vocação para
Angola, existiram rainhas, guerreiras que contribuíram para a soberania e defesa de seu
povo, a exemplo do reino de Ngola, onde a conhecida Nzinga Mbande dirigiu seu povo.
Em muitas ocasiões, a mulher era tida como instrumento de paz ao ser dada a uma
determinada tribo para apaziguar conflitos existentes entre elas (MAESTRI, 1988, p.88-
89).
históricas da resistência. Mas não se pode negar o fato que essas mulheres tiveram de
Essas mulheres tiveram que partilhar o poder de seus filhos e filhas com o seu
irmão, tio da criança, traduzido na expressão do exercício de um poder parcial das mães
sobre seus (as) filhos (as). Se assim não fosse porque, então, não se escolheu a tia do (a)
mesmo (a) na distribuição relacional desse poder? Mas, apesar da mulher exercer uma
sistema matrilinear de resistênc ia, sempre foi vítima direta das táticas sexistas,
autoritária e de opressão do homem a ela. Por isto, embora não seja difícil pensar que
também, que no sistema patrilinear a exclusão da mulher é mais acirrada ainda. Por
isto, optou-se por reconstruir o poder de Zeferina decorrente do saber de raiz matrilinear
de Angola.
responsável por dar continuidade à vida comunitária e cultural de sua família, clã e
seus) antepassadas (os), ela faz participar todos os membros da sociedade numa união
vital. Nesta cultura, a criança é de fundamental relevância visto que, ela é o elo de
expressão viva entre os mortos, os vivos e as futuras gerações (SILVA, 1992, p.17).
existe “onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais de
transferência de saber de uma geração à outra, onde ainda não foi sequer criada a
dupla estrutura corpórea e espiritual que cria condições especiais para a manutenção e
A educação africana é algo que se processa por toda a vida. A própria existência
é educação que se processa nos indivíduos em seu meio social a partir do seu
nascimento, ocorrendo das mais variadas formas de convivência entre as pessoas e meio
processo que exige da mulher grande responsabilidade e profunda eficiência, pelo fato
de que o que está implícito no testemunho dela é o próprio valor do ser humano que faz
o testemunho, o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte, a fidedignidade das
teóricos e nas pilastras da tradição africana, que são os ofícios artesanais tradicionais.
atenções da liderança para com as iniciantes (os) são minuciosos, exigindo, muitas
treinando-a e corrigindo-a até que adquira a maturidade (HAMPATÊ BÃ, 1980, p.197-
8).
tradição oral, tendo sua mãe Amália como educadora, responsável em perpetuar os
conhecimentos de suas ancestrais, guerreiras e quilombolas 6 . E é este poder, originário
do saber de raiz, que esta líder herdou, ainda criança, se encarnou na totalidade do seu
encarregando-se de uma mensagem prática que orientou a vida até a morte dessa
guerreira.
escravidão negra brasileira, assim como toda guerreira que no sonho de ver seus direitos
É possível imaginar que Zeferina foi iniciada nos valores da tradição africana e
angolano” - e que se traduziu em poder para lutar e resistir contra a escravidão negra -
6
Sobre processo de formação oriundo da tradição oral africana vide Roger BASTIDE. As Américas
Negras, 1974, p.34ss.
Portanto, Zeferina deve ter sido educada dentro de um processo informal, tendo
Salvador no contexto de escravidão. Através da tradição oral, Zeferina deve ter herdado
o saber necessário que lhe conferiu poder expresso na organização dos quilombolas em
afro-baiana. Portanto, não é difícil suspeitar que o poder que Zeferina expressou na luta
orixá Iansã.
Mas, afinal de contas, quem são as Yami? As Yami são mulheres incluídas na
Fatumbi Verger (apud SIQUEIRA, 1995, p.438), o poder das Yami é atribuído às
mulheres velhas e, em alguns casos, às jovens que o teriam recebido como herança da
mãe ou de uma de suas avós. Além disso, ocorre o caso de uma mulher de qualquer
idade tê- lo sem saber e que, após algum trabalho feito por qualquer Yami, acaba
descobrindo.
Na sociedade da Geledés Iyá Agdá, Yami é uma deusa mãe que segura a criança
em seus braços, tendo vínculo com o mito da criação e com os cultos dos orixás. As
transformação, visto que são muito astuciosas (Verger apud SIQUEIRA, 1995, p.438).
que sua mãe Amália procurou mantê- lo acordado em sua filha desde criança. Na Bahia,
ambas mantiveram vínculo com a religião dos orixás, que lhes conferiu poder de
capacidade de resistir e liderar a si mesma e a seu povo contra a exclusão social, a partir
do Quilombo do Urubu.
Suspeita-se que o poder que capacitou Zeferina para enfrentar os soldados até o
fim no levante de 1826 em Urubu, armada com arco e flecha, fazendo com que o
guerreiras e protetoras dos rios, dos bosques, das matas e montes. Elas eram conhecidas
por Ayabas que em iorubá significa rainha, detendo poder de herança ancestral
que Zeferina tenha sido filha de Iansã. Na mitologia dos orixás, quem é Iansã?
Portanto, assim como ser de Iansã é sentir-se muito respeitada, querida, visto
Urubu uma conduta ética que buscou expressar vários aspectos dos atributos desse
de responsabilidade com a vida comunitária. Com o grito de guerra (mata branco, viva
Bate Folha. Por ter pertencido à religião dos orixás, Zeferina deve ter tido seu poder
legitimado pelo seu passado de profunda e madura inserção nesse universo místico
constituinte da cultura matrilinear africana. Tal afirmação nos leva a suspeitar que, além
de líder quilombola, Zeferina tenha sido uma das lideranças espirituais do terreiro que
(MOTT, 1988, p.50). Essa sutileza de detalhe, numa reconstrução feminista, leva-nos a
suspeitar que Iansã tenha sido a “dona dessa casa” de candomblé, ousando- nos, mais
uma vez, imaginar criativamente que Zeferina fosse, por herança ancestral, “filha de
Iansã”. O grito de guerra que a líder deu na ocasião do levante em 1826 enriquece tal
suspeita, visto que grito é algo que caracteriza a presença e a força de transgressão de
É possível imaginar que deve ter existido uma identificação entre a atitude
(JOAQUIM, 1995, p.163). Entretanto, através da intuição e análise das cores, não se
pode negar a possibilidade de Xangô também ter sido o patrono dessa “casa de santo”
ali localizada.
Mas pela atitude política contraditória e subversiva da líder desse quilombo na
luta contra o sistema escravista e em defesa de seu povo negro, por ocasião do levante
Oxumaré, Ossoxi, Ogum, Nanã, espíritos de caboclos que eram (e ainda são) cultuados
A luta das mulheres contra a escravidão foi uma dentre as muitas lutas da mulher
brasileira, com o objetivo de resgatar sua participação informal exercida, quase sempre
fora de esferas de poder e dos quadros políticos partidários, mas importante e eficiente.
quilombola e guerreira.
acrescida da especificidade de gênero, faz com que se saiba muito pouco sobre tal
mulher submissa, passiva, sexo frágil e mostrar uma outra versão de mulher negra
negras.
brasileiro foi mais acirrada. Por causa da diferença de gênero, a mulher negra teve que
histórico- mítica foi necessária para que essas guerreiras pensassem no resgate de uma
possível auto-estima, refletida na luta de resistência por onde existisse escravidão negra.
trabalho agrícola e pela educação. Elas também detinham poder atribuído pela herança
batalha usando, como arma, as marcas de sua ancestralidade que só a sabedoria, aliada
ao poder da tradição oral, pode registrar (EGYDIO & OLIVEIRA, 1999, p.36).
passa a reconhecer-se como portadora de títulos de nobreza que a qualifica como figura
espontânea vontade, outras foram raptadas para suprir a falta crônica de mulheres nas
zonas rurais e, neste caso, pouco importava se essa fosse escrava, forra ou senhora
(MOTT, 1988, p.42). Muitas delas chegaram mesmo a chefiar alguns espaços de
Grosso, de Mariana no Rio de Janeiro, de Felipa Maria Aranha, na Amazônia, além das
lideranças quilombolas.
resistência africana. A rainha Nzinga foi uma mulher corajosa que participou de
vida e estabilidade de seu povo angolano, durante anos (COSME, 1994, p34).
Mbandi. A rainha Nzinga é sucedida pelas irmãs Mona e Vitória Mbandi e, por último,
seu sobrinho Ngola Kanini. Portanto, a rainha Nzinga Mbandi se insere numa tradição
sucessiva que envolve pai, irmão, irmãs e sobrinho e seu reinado ocupou a terceira
A guerreira angolana Nzinga Mbandi, após a morte de seu pai, inaugura seu
poder de ação, já no reinado de seu meio- irmão, o rei Ngola Mbandi, indo negociar,
com apoio de uma delegação enviada pelo rei de então, visando uma possível aliança
entre seu irmão e colonos na cidade de Luanda. Lá chegando, foi recebida com pompa e
conseguiu honrar a memória de seu pai, firmando acordo de paz entre os colonos.
Mbandi percebeu que a guerra, inicialmente, não era a melhor solução para se alcançar
paz. Para isso, julgou necessário, em primeiro lugar, manter o acordo de paz e, depois,
formar a coligação. Essa guerreira percebeu também que lutar isoladamente significaria
retornar para casa e para não prejudicar as relações com os portugueses, ordena a morte
contar com alguns homens do Planalto do Bié. Essa coligação atacou e venceu os
se agravou ainda mais com a chegada dos holandeses com suas armas de fogo, aliando-
se à Nzinga a fim de, mais tarde, também eles dominarem o território. Depois de várias
de-obra escrava para desenvolver a sua economia. Após várias batalhas que visavam
vez, exp ulsar os portugueses porque estes, agora, contavam com o apoio de colonos e
escravistas brasileiros que lhe enviaram navios e milhões de soldados, comandados pelo
suficiente. Mas Nzinga, não se dando por vencida, renunciou à fé católica, fundiu-se ao
aperfeiçoou em táticas de guerra e permaneceu até sua morte ao lado de seu povo
p.139-41).
Essa luta de resistência escravista que Nzinga participou em defesa do seu povo
oprimido, enquanto sujeito, não foi silenciada no tempo e, depois de 14 anos de luta
armada, Angola, que desde o século XV foi colonizada por Portugal, tornou-se
aos 82 anos, deixando registrada sua significante atuação política, sobretudo nas
após 163 anos da morte física da rainha quilombola de Angola Nzinga Mbandi, Zeferina
assume, publicamente, a luta contra o sistema escravista, inserindo-se na tradição de
resistência quilombola.
3.4.4.2. Aqualtune
mulher negra, pertencente à elite de Palmares, mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi.
Graças à formação do Coletivo de Mulheres Negras (apud MOTT, 1988, p.45), sabe-se
que Aqualtune foi filha do rei do Congo e que essa princesa, por conta das rivalidades
existentes entre os diversos reinos africanos, foi vendida como escrava para o Brasil.
levada para Recife, num navio negreiro. Grávida e vendida para um engenho em Porto
Calvo, de onde teve notícias de Palmares e, prestes a dá à luz, organizou uma fuga
coletiva rumo a este espaço de resistência. E lá, ao lado de Ganga Zumba, iniciou a
3.4.4.3. Dandara
Dandara, no século XVII, atuou como uma das lideranças quilombolas, lutando,
Palmares ainda criança. Por ocasião da primeira rebelião contra a escravidão no Brasil e
da formação do Quilombo dos Palmares, a guerreira Dandara esteve partilhando o poder
paz assinado por Ganga Zumba e o governo português. Colocou-se contra o mesmo,
inimigo, a guerreira Dandara desconhecia qualquer limite. E, neste caso, o limite era o
ilimitado.
batalhas, Dandara pediu a Zumbi que toma sse a cidade. Sua posição, contrária à atitude
de Ganga Zumba de assinar o tratado de paz com o governo português, levou outras
lideranças a ficarem ao seu lado e de Zumbi dos Palmares. É fácil imaginar que, para
Dandara, a paz em troca de terra no vale de Cucaú era a destruição da República dos
3.4.4.4. Tereza
ocupado por negros e índios e liderado por uma mulher chamada Tereza. A rainha
7
Informação da Internet disponível no site www.altavista.com.br no endereço:
http://www.ipit.br/área_pedagógica/tisa/movimentos%20Negros/site/Negro/site/negritude/expoente_dand
ara.htm pesquisado em 07 de agosto de 2003.
Tereza, provavelmente nascida no Brasil, era de procedência de Benguela, distrito de
Mott:
Tereza impôs tal organização a Quariterê que o quilombo pôde sobreviver até
1770. Contava com um parlamento, presidido pelo capitão-mor José Cavallo,
um conselheiro da rainha, José Piolho, e um sistema de defesa, organizado
com armas trocadas com os brancos ou roubadas em incursões às vilas das
redondezas. O controle que Tereza exercia sobre a aldeia era férreo. Temendo
deserções, que inevitavelmente desaguariam em traições, punia com a força
ou agressões físicas aqueles que tentavam abandonar Quariterê. Tereza era
vaidosa e se fez assistir por um bom número de negras e índias (MOTT,
1988, p. 46).
Este quilombo, durante o governo dessa líder quilombola, contou com uma
possuía teares com os quais fabricava tecidos grosseiros que, juntamente com os
existiu um quilombo chefiado por uma mulher negra chamada Felipa Maria Aranha.
Este quilombo abarcava mais de 300 quilombolas e Felipa, pela valentia, foi intitulada
Holandesa. Tudo leva a crer que estes quilombolas eram respeitados pela vizinhança e
isto se justifica pelo fato de levarem suas crianças para serem batizadas nas igrejas
3.4.4.6. Mariana
Vassouras, existiu um quilombo que possuía 200 pessoas que, durante o massacre das
tropas do governo, uma dentre os quilombolas, na linha de frente, gritava: “morrer sim,
entregar não”. Este quilombo foi chefiado pelo ferreiro e rei Manoel Congo e pela
enfermeiras de seus parceiros e as que trabalhavam nas roças. Seus nomes eram
juntamente com Manoel Congo, a uma rede subversiva que visava pôr fim à escravidão
africana. Após a morte do líder, essa organização secreta continuou ocasionando outras
3.4.4.7. As Anônimas
Essa luta que extrapolou continente se fez presente nas cercanias de Salvador, na
primeira metade do século XVIII. Ali, formou-se o quilombo Buraco do Tatu, composto
por 65 adultos, governado por dois chefes, cada qual possuía mulher. Havia dois
“feiticeiros”, um homem mandinga e uma “velha”. Essa indelével informação aflora
nossa imaginação a fim de pensar nas mulheres que compunham esse quilombo, entre
outros, e que se passaram anônimas na historiografia oficial. E ainda assim, quando são
habitada por uma tribo indígena denominada Malalis, houve um quilombo que foi
chefiado por uma mulher negra, sem nome. Esta, certamente, inclui-se na lista das
anônimas e quilombolas, mas que lutou de frente contra o sistema patriarcal excludente
de então.
espaços e formas, contra a escravidão desde o século XV, portanto, antes mesmo da
invasão do Brasil pelos portugueses. E a luta de Zeferina em Urubu está inserida nesta
tem permitido que elas lancem mão de diversas estratégias a fim de saírem da condição
representativo dessa líder quilombola que foi à luta pela sobrevivência escravista e se
verdadeiro poder dessa líder achava-se na posse do grupo, e a existência de sua duração
de forma democrática. E, neste caso, a líder Zeferina não exerceu um poder de cima
para baixo, não liderou sozinha, mas, enquanto uma das representantes desse espaço de
Zeferina exerceu foi diluído entre as demais lideranças e quilombolas. Ali, a coesão
grupal estava assegurada pela solidariedade imposta em comum e pelo culto dos
ancestrais.
a África. Essa história de luta enquanto herança de poder foi salvaguardada nos terreiros
de candomblé do subúrbio baiano, sobretudo pelas “mães de santo”, e sendo recriada e
colonial.
desse poder tenha se dado de forma relacional, coeso, entre os membros da comunidade
este mesmo poder buscou respeitar uma certa hierarquia carismática. O que legitimou
tal poder foi o apelo ao passado de resistência, sobretudo das antepassadas e ancestrais.
participação das mulheres foi decisiva (CARNEIRO, 1977, p.105). E, neste caso, o
saber de resistência cultural dessa líder guerreira foi também originário daí. Este saber
que se traduziu em poder de resistência que capacitou essa angolana para desenvolver
uma práxis plural de poder e de respeito à alteridade. Neste sentido, a rainha Zeferina,
dimensões político-religiosas.
subúrbio baiano.
executa seu poder de ação contraditória, metendo cunha na supremacia dos escravistas
alternativo. Hoje, nos bairros do subúrbio baiano, o poder dessa guerreira vem sendo
uma vida pessoal e político-social (SIQUEIRA, 1998, p.426). Este poder se traduziu no
bem-estar, buscando priorizar os direitos das pessoas idosas e das crianças, além de
O poder de Zeferina pode ser visto como força social de resistência, que buscou
reconstrução social. O poder dessa guerreira foi exercitado de forma, coesa, fora dos
solidariedade entre os "parentes" e seu governo foi exemplo de que uma mulher
1989, p.36-7).
comunidade suburbana, que tem permitido salvaguardar essa história de luta enquanto
que a guerreira Zeferina “renasce das cinzas”, conferindo poder de memória subversiva
baianos.
CONCLUSÃO
econômica. A escravidão atingiu mais diretamente as mulheres negras. Elas eram vistas
como objetos sexuais dos brancos, escravas, infanticidas, sensuais, lascivas, imorais,
relações familiares. As mulheres brancas eram senhoras, mães, castas, puras e reduzidas
pessoas escravizadas. Poder viver em liberdade significava fazer, em tese, o que bem
quisesse e entendesse de sua vida, apropriar-se do produto de seu trabalho, ter pleno
de seu povo. Sobretudo nos quilombos e nos Candomblés, elas foram as principais
No Brasil, as fugas para os quilombos foram uma das muitas maneiras que a
população escrava que fugiu de engenhos de açúcar dos bairros de Alto do Cabrito e
Pirajá, durante o período da escravidão, fundou na área, que hoje é o Parque São
Bartolomeu, o Quilombo do Urubu. O local tem uma existência ligada à história e à
cultura do nosso povo. No seu interior, encontram-se as áreas onde se travou a famosa
batalha de Pirajá em 1822, durante as lutas pela independência da Bahia. Seu interior
preservação dessa religiosidade faz com que, até hoje, o parque seja procurado pelos
adeptos do culto.
seu diferente aspecto. Hoje, a comunidade negra composta dos atuais quilombolas
persiste como segmento social diferente dos demais que o cercam. Também o é com
base na percepção interna e externa de uma cultura e de uma história que lhe é própria,
apesar de marcada por uma longa convivência com relação aos padrões mais
Urubu foi uma revolta contra a escravidão de raízes religiosas. Ali, através da oralidade,
religião. O poder de atuação da líder Zeferina no levante de 1826 foi exemplo vivo de
contra a escravização portuguesa. A líder recebeu de sua mãe Amália uma forte
luta de resistência do quilombo que a rainha Nzinga Mbandi participou em Angola. Essa
a África.
tudo que constituía a escravidão. Na força de seus ancestrais, orixás e no poder do raio
de Iansã, “que corta a escuridão do céu”, foi autorizada e reconhecida pela comunidade
solidariedade, provando, sobretudo ao matador colonialista, uma coragem que não tem
de justiça social.
O poder de Zeferina serviu como elemento que facilitou a lut a dos quilombolas
nos espaços de resistência ecológica e cultural do bairro de Pirajá e arredores este poder
tem sido reconstruído dentro de uma continuidade e dinamicidade cultural africana,
A identidade da líder Zeferina tem sido resgatada nas bocas das (os) militantes
político e acadêmico.
No Parque São Bartolomeu e bairros arredores, ainda hoje, após 177 anos do ato
celebrações do Dia Nacional da Consciência Negra, por ser uma realidade mítica de
resistência negra. Seu exemplo não foi esquecido, mas continua vivo em cada mulher
negra, em cada homem negro, em cada criança negra, em cada adolescente negro (a)
para os quais a sociedade recusa os direitos mais elementares e que mesmo assim lutam
seus filhos, apesar da desvalorização que a sociedade impõe a seu trabalho. Operárias de
aparência”, ainda tão comum nos anúncios de empregos, exclui, sem sutileza, as
trabalhadoras que não correspondem aos padrões de beleza brancos, impostos pela
sociedade.
das mulheres negras e quilombolas no subúrbio baiano, têm sido resgatadas a partir do
empática identificação com a mesma. Essa tradição de poder de resistência negra que
resistência é propor que se celebre no lugar central onde acolheu o Quilombo do Urubu,
(Almir Satter)
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ENTREVISTA
NOME____________________________IDADE _________________SEXO________
RELIGIÃO_______________PROFISSÃO_______________BAIRRO_____________
1. O que você conhece da história do atual Parque São Bartolomeu? E esta história
lhe foi contada por quem?
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______________________________
3. Você acha que o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) tem
alguma coisa a ver com a luta de Zeferina?
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