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net/publication/337354114
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Luciano Gonçalves
University of São Paulo
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ABSTRACT: The work deduces of part of the critic fortune dedicated to the
work of the storyteller Samuel Rawet, occurrences of literary-critical
approaches, in terms of comparison, with the writer João Guimarães Rosa. As a
cutting, chooses some of the critical works of Assis Brazil, one of the most
influential scholars of Rawet, to extract such occurrences. Thus, it discusses the
concept developed by the researcher for the "Generation of 1956 ", placing this
concept in the scene of Brazilian literature. From this generation, the two writers
would be the maximum representatives in the narrative of the new national
literature, Rosa of the novel, and, Rawet of the tale. Although for to the most
inattentive reader, the relationship between these two names may be unusual,
and in view of the fact that they produced other literary genres, We try to
demonstrate, with the research and analysis of the historiographical material,
which somehow this relationship is recurring on the field of literary criticism
established by the theorist in question. Finally, we conclude that, at least in
terms of critical reception, Rawet and Rose also are considered great writers,
responsible for controversial, meaningful and productive changes in the
Brazilian literature.
1. Introdução
440
O alerta reproduzido acima parte de um dos escritores mais atuantes
da literatura brasileira contemporânea: o paulista, Nelson de Oliveira. O trecho,
extraído de seu O século oculto e outros sonhos provocados, compõe a
introdução de tal obra, composta por “crônicas passionais” (OLIVEIRA, 2002, p.
8), em que o mesmo disponibiliza, ao leitor, textos de sua autoria, publicados
na impressa nacional.
A título de esclarecimento, Oliveira destaca, ainda, na referida
introdução, que,
73
Com relação aos estudos de Bines, o texto da estudiosa, citado a cima, pode ser encontrado, em versão
abreviada, sob o título “A recepção crítica da obra de Samuel Rawet” (BINES, 2007b, p. 190-203). Nesta
última publicação, a passagem referente a Assis Brasil encontra-se na página 199.
442
A realização de um trabalho, por mais simples que este se configure,
para afirmar a grandeza de João Guimarães Rosa, de início, pode soar
estranha e desnecessária. Há muito que estudiosos, igualmente, grandes, se
empenham em demonstrar tal grandeza.
Em nosso caso, o adjetivo “grande”, aproveitado da própria crítica
(BRASIL, 1995, p. 278), ganha sentido novo, quando o utilizamos para, além
de definir as caracterizações empreendidas à obra de Guimarães Rosa, de
mesmo modo, e principalmente, descrever o trabalho do contista Samuel
Rawet. O que se segue é fruto da investigação deste último, sem a proposição
de tentar estabelecer uma escala de perfeição, em que se extrai o “melhor” em
detrimento de um “pior”, com relação à produção escrita dos dois escritores.
74
A afirmativa se refere, exclusivamente, ao material coletado por nós até o momento.
443
movimento modernista75. Para expor o esquema e suas partes, recorramos às
palavras do autor, quando ele elege como representativos dessa geração,
respectivamente: “a) o surgimento da Poesia Concreta; b) a estreia de Samuel
Rawet com o livro Contos do Imigrante; e o aparecimento de dois romances:
Doramundo, de Geraldo Ferraz, e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães
Rosa”. (BRASIL, 1969, p. 15-16).
Sendo este último - Guimarães Rosa - o alvo de sua análise de forma
mais detalhada, Brasil reserva, logo na introdução de seu trabalho, as
justificativas para tais escolhas. Sobre Rawet, encontra em Contos do
Imigrante, os motivos para o destaque estético porque este “quebrava, de
chofre, as normas do nosso conto, impondo uma nova maneira de conceber o
gênero – elimina a tradição da história ‘curta’ por uma valorização do antigo
episódico. Ele não mais conta ‘casos’, situa flagrantes e momentos da alma
humana”. (BRASIL, 1969, p. 17-18, grifos no original). Esta tese de Brasil será
desenvolvida exaustivamente em outros trabalhos, como veremos adiante.
Sob a égide de A nova literatura, em 1973, crítico piauiense lança aquela
que seria a sua história crítica da literatura brasileira. Nesse sentido,
encontramos quatro volumes dedicados ao romance, a poesia, ao conto e à
crítica, respectivamente.
O autor parte do pressuposto de que o cenário da literatura brasileira
vivencia, naquele ponto, uma fase “nova”, adjetivo que será utilizado com
exaustão no título dos volumes, na divisão e classificação dos autores que
serão estudados. A fase caracterizada como tal tem como ponto de partida a
crítica estabelecida por Brasil aos “críticos desinformados” e aos “leitores
apressados”. Sobre esses críticos, a pecha de “desinformados” se deve ao fato
de, segundo Brasil, os mesmos, postulavam, até então, que “depois de João
Guimarães Rosa nada mais aconteceu na ficção brasileira” (BRASIL, 1973, p.
15). Aqui, o teórico se refere, especificamente, à prosa.
Para o estudioso, em um plano geral, a construção de seu pensamento
vai de encontro ao “brado que se ouve, bastante alarmante, [...] de que a
literatura entrou em crise ou está, o que é pior, estagnada”. (BRASIL, 1973, p.
75
Em obras posteriores, o crítico acrescenta um quarto pilar: a crítica literária, representada pelo
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil/SDJB.
444
15). Em meio a esta discussão, Brasil admite a existência de uma “crise” nos
meios de divulgação da literatura, mas a este aspecto, não dá vazão. Por outro
lado,
76
Em O livro de ouro da literatura Brasileira: 400 anos de História Literatura, o autor retoma essas três
referências para definir uma subdivisão da História de nossa literatura: “A nova literatura (de 1956 a
1976)” (BRASIL, 1980, p. 215-216). Em seu conjunto, tal obra compreende, ainda, e, respectivamente, a
“Origem e Formação da Literatura Brasileira (De 1553 a 1810)”; “O Romantismo (De 1811 a 1871)”; “O
Realismo (De 1880 a 1908)”; “O Modernismo (De 1922 a 1955)”. O período correspondente à “nova”
literatura fecharia o panorama histórico desenvolvido pelo autor.
446
começou exatamente em 195677. Tal data esta sendo utilizada como
orientação:
77
Em seu Dicionário prático de literatura brasileira, depois de arrolar algumas informações biográficas
sobre o escritor Samuel Rawet, assim como uma breve descrição estética de sua produção contística,
Assis Brasil relembra os três marcos da Geração de 1956, destacando que, nestes, ocorre “uma pesquisa
de formas e de linguagens nunca empreendida antes” (BRASIL, 1979, p. 288).
447
Brasil publicado em 1974 em que esta relação estética entre as obras de
Rawet e Rosa são o ponto de partida para a construção da apresentação do
primeiro. (BRASIL, 2008a).
Depois do ensaio Guimarães Rosa, em que registra o nome de Rawet
como uma das três referências básicas para a renovação da nossa literatura,
Brasil retoma o assunto e, mais uma vez, reforça que seria Rawet “uma
espécie de pioneiro, de visionário das novas conquistas e conquistas do conto
brasileiro hoje”. (BRASIL, 2008a, p. 281).
Na medida em que apresenta a obra de Rawet publicada até então,
Brasil adianta e rebate o tom da crítica que prevalecerá em um período dos
textos destinados à análise da mesma: a ideia de que a ficção do escritor seria
uma transposição de sua vida real. A esse respeito, é exemplar a afirmação do
crítico sobre a novela Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um
passado que não existe porque é futuro que já passou porque sonhado:
Porém, antes que seu leitor desvie de seu foco e se perca, Brasil alerta
que quando se refere ao artista que vive a sua arte, “não queríamos dizer que a
biografia do artista seja a sua própria obra, mas tão somente deixar claro que
certas ‘imposições’ culturais levam o artista a ser ‘interprete’ de sua própria
raça ou seu próprio destino”. (BRASIL, 2008a, p. 285-286, grifos no original).
Essa interpretação, obviamente, reside de forma específica no tratamento
estético que recebe as palavras na configuração de uma linguagem literária.
Para exemplificar com outros nomes, Brasil rememora Kafka, Joyce e
Hesse, em um plano internacional, e Guimarães Rosa, no plano da literatura
brasileira. Mais adiante, explica seu ponto de vista sobre Rawet alertando que
448
ele não é um simples contador de casos ou determinadas
situações – é um escritor que se situa a além das
peripécias técnicas e lingüísticas. A sua meta é o homem,
e para encontrar o homem, ele como grandes artistas,
procura ver o mundo de uma maneira nova, pessoal,
criadora. E em função desse mundo cria a sua linguagem,
que é o próprio mundo ao nível da expressão artística [...].
(BRASIL, 2008a, p. 287).
450
repetições”. (BRASIL, 1982, p. 236). A análise que Brasil estabelecerá sobre o
trabalho da estudiosa, seguira em um tom comparativo ao de Merquior.
De início, destaca que
451
eles retrocederam no tempo para encontrar a sua ‘matriz
inspiradora’ (BRASIL, 1982, p. 237, grifos no original).
452
informado de Merquior não servem. (BRASIL, 1982, p.
238, grifos no original).
453
Rosa, especificamente, Brasil aponta que “ele vinha revitalizar a linguagem
literária e dar maior liberdade ao criador”. (BRASIL, 1975b, p. 48).78
Com os estreantes Murilo Rubião, Brenno Accioly e Jones Rocha,
encontramos os “autores que iriam ‘ligar’ o conto moderno às melhores
79
experiências no gênero” (BRASIL, 1975b, p. 48, grifo no original) . Nesse
sentido, “com o aparecimento de Samuel Rawet, o conto brasileiro deixava de
vez as influências e largava mão o ‘lastro’ machadiano e ainda o aspecto
naturalista da ficção. Aqui, o conto moderno dá lugar a um novo conto, com
outras e ricas preocupações estéticas”. (BRASIL, 1975b, p. 49, grifo no
original).
Na resenha sobre Rawet, Assis Brasil afirma que o escritor foi “uma
espécie de pioneiro, de visionário das novas conquistas e pesquisas do conto
brasileiro de hoje”. (BRASIL, 1975b, p. 67). Sobre esta primeira coletânea, mais
uma vez, comparativamente com Grande Sertão: Veredas, ocorreu o que o
estudioso, agora, define como “desorientação momentânea da crítica em
relação a seus valores estéticos”. (BRASIL, 1975b, p. 67), que ele tinha
afirmado no primeiro volume, dedicado ao romance, sem detalhar muito seu
pensamento.
Depois de mais algumas informações sobre Contos do Imigrante (1956),
Assis Brasil ainda menciona outras obras de Rawet, tais como Diálogo (1963),
Abama (1964), Sete Sonhos (1967), Viagens de Ahasverus... (1970). Por fim,
destaca que é importante não esquecer O Terreno de uma Polegada Quadrada
(1969). Sobre este último livro, Brasil reforça que se trata de “uma experiência
de Rawet à procura de situar o ‘espaço’ do humano, num mundo caótico e sem
meta. A técnica empregada aqui é caótica, bem realizada, e o trabalho se
destaca como um de seus mais inventivos”. (BRASIL, 1975b, p. 72, grifo no
original). Para concluir, afirma que, devido à má divulgação da boa literatura, o
78
Em obra mais recente, Teoria e prática da crítica literária, o estudioso rememora os dois nomes, o de
Rosa e o de Lispector, no momento em que traça os “Aspectos históricos do conto”. Para o crítico, os dois
“são os nossos revolucionários no conto novo: alto nível literário da linguagem, síntese criativa, técnica
aprimorada. Já não contam propriamente uma história, criam um clima, uma tensão, transpondo a sua
prosa para a fronteira da poesia.” (BRASIL, 1995, p. 246).
79
Essa ideia poderá ser encontrada, mais uma vez, em BRASIL (1980, p. 240).
454
grande público desconhece esse que, “embora ainda jovem, está no nível de
nossos melhores ficcionistas”. (BRASIL, 1975b, p. 72).
80
Os trabalhos são: “A experiência do trágico (Recordando Rawet...)”, de Gilda Salem Szklo; “Rawet,
solitário nas obras e na morte”, sem autoria, publicado no jornal O estado de São Paulo; e, por último,
”Rawet, a solidão, na vida e na morte”, de Carlos Menezes. Os três escritos datam de 1984, ano da morte
do artista.
81
Embora, neste ponto, não seja possível afirmar, com segurança, o local e o ano exatos de publicação do
ensaio “Morreu o grande escritor”, é possível depreender de sua leitura e dos objetivos de Teoria e
prática da crítica literária – dar seguimento aos estudos do pesquisador de A nova literatura (em seus
quatro volumes), agora, tendo vista a literatura brasileira da década de 1980 –, que tal ensaio foi escrito,
imediatamente, depois da morte de Rawet. O texto, publicado novamente e disposto como prefácio da
segunda edição de Contos do Imigrante, não possui ano de publicação. Em Santos, porém, o texto de
Brasil (BRASIL, 2008b, p. 269-279.) aparece referenciado com data de publicação em 1972.
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um “exagerou ou fora atingido em sua vaidade pessoal” (BRASIL, 1995, p.
278).
Neste ponto, explica o que para ele serve de justificativa para a
repercussão de tal notícia:
João Guimarães Rosa tinha extrapolado, por alguma
razão oculta, o fechado círculo da vida literária, talvez
pela polêmica que motivou sua obra, talvez por ser do
Itamarati e conseguir abrir algumas portas, talvez por ter
sido chamado de ‘equívoco’ e de ‘gênio’ ao mesmo
tempo. O certo é que ele teve manchete na primeira
página de jornal quando morreu, como esses políticos
menores e medíocres tem sempre. (BRASIL, 1995, p.
278, grifos no original).
3. Considerações Finais
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No cenário da recepção dessa obra, a figura de Assis Brasil avulta em
números e em riscos. Sobre o primeiro aspecto, ressaltamos o número de
estudos em que o pesquisador dedicou algumas palavras à obra de Rawet.
Sobre a questão dos riscos, apontamos a elaboração e o estabelecimento, na
década de 1960, de uma geração literária, herdeira dos modernistas de 1922,
responsável por experimentações que puderam, para o estudioso, configurar
uma nova literatura brasileira, o que resultou na reação de uma crítica
desaparelhada.
Frutos desse processo, em mais de uma oportunidade, as obras de
Rosa e Rawet foram alvo dessa crítica. Os representantes da “Geração de
1956”, na narrativa, em outros aspectos receberam tratos diferenciados.
Sem desmerecer o papel que Rosa representa na literatura, o trabalho
se insere na linha de estudos que sinalizam para a importância da literatura de
Rawet, responsável pela transformação do conto brasileiro. Em nossa
trajetória, outras questões ainda estão por ser, senão respondidas, elaboradas:
aspectos referentes às motivações de construção e manutenção de cânones, e
a leitura dessa literatura, ainda hoje, desafiadora, da qual podemos apontar
como exemplos, os dezoito contos da última coletânea do mesmo, Que os
mortos enterrem os seus mortos, 1981, alvo de nossos estudos em nível de
mestrado.
4. Referências
459
______. A nova literatura: I o romance. Rio de Janeiro: Editora Americana,
1973.
460
KIRSCHBAUM, Saul. Presença de Samuel Rawet na literatura brasileira.
Literatura e resistência em tempos de opressão. In:______. (Org.). Dez
ensaios sobre Samuel Rawet. Brasília: LGE, 2007, p. 40-54.
SEFFRIN, André. Bibliografia básica sobre Samuel Rawet em livro. In: RAWET,
Samuel. Contos e Novelas reunidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2004, p. 483-486.
461