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Michel Masson
Pesquisador PNPD pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da PUC-Rio
Contato: mnlmasson@gmail.com
o livro procura demonstrar o impacto do setor habitacional pelo setor financeiro resultou
complexo imobiliário-financeiro sobre as políticas em perdas, no que diz respeito ao direito à
habitacionais e, por extensão, sobre as economias moradia adequada dos mais pobres e vulneráveis
políticas da urbanização, assumindo, para tanto, ao redor do mundo, pois a redução do déficit
os vínculos que passam a ser estabelecidos de moradias é obtida ás custas de “aspectos
entre os mercados fundiários e a regulação mais amplos desse direito, como habitabilidade,
urbanística. Em síntese, o tema central de Rolnik localização, disponibilidade de serviços e
é o denominado processo de financeirização da infraestrutura” (Pag. 127). Ao interligar os atores
moradia: a transformação da casa em mercadoria, centrais do sistema financeiro global aos sistemas
sua transmutação de bem de uso em capital fixo. domésticos de financiamento habitacional -
Implícito a esse mecanismo, afirma a autora, está fundos de pensão, bancos de investimento,
a construção da hegemonia, tanto ideológica instituições de crédito e instituições públicas -, o
quanto prática, de um modelo de política processo de mercantilização da moradia termina
pública de habitação - com lastro neoliberal - vinculando diretamente a macroeconomia
fundamentado na promoção do mercado e do com os indivíduos e famílias. O efeito desse
crédito habitacional para a aquisição da casa movimento, de acordo com a autora, é a
própria. Segundo Rolnik, tal modelo dominante “constituição e consolidação de uma base popular
está diretamente atrelado aos conflitos urbanos conservadora, em que cidadãos são substituídos
que emergem atualmente em diversas regiões do por consumidores no mercado de capitais. ”
planeta. Na apresentação do livro, a autora expõe (pag.29). A bem da verdade, vale lembrar que
sua hipótese: isso ocorre sem que sejam oferecidas alternativas.
Sobrepondo-se às demais formas de posse
estabelecidas - como a habitação para aluguel
A hegemonia da propriedade individual e algumas formas de propriedade cooperativa
escriturada e registrada em cartório sobre e coletiva -, o paradigma da “casa própria” se
todas as demais formas de relacionamento consolidou como modelo praticamente único
com o território habitado constitui um de política habitacional, fazendo do acesso aos
dos mecanismos poderosos da máquina de esquemas de crédito estabelecidos pelos mercados
exclusão territorial e de despossessão em financeiro e imobiliário algo vital para as famílias
marcha no contexto de grandes projetos (...). de baixa renda.
Na linguagem contratual das finanças, os
vínculos com o território são reduzidos à Guerra dos Lugares se organiza em três capítulos.
unidimensionalidade de seu valor econômico Intitulado “Financeirização global da moradia”,
e à perspectiva de rendimentos futuros, o primeiro se vale da abordagem histórica para
para os quais a garantia da perpetuidade expor a estrutura do processo de financeirização
da propriedade individual é uma condição. da economia política da habitação em escala
Desta forma, enlaçam-se os processos de mundial. Predominante a partir da segunda
expansão da fronteira da financeirização metade do século XXI em regiões distintas
da terra e da moradia com as remoções e como Europa, Estados Unidos, América Latina,
deslocamentos forçados (Pag.13).. Oriente Médio e Ásia, a “colonização da terra
e da moradia na era das finanças” - enunciada
no subtítulo do livro - tem origem na crise
Atenta às especificidades de cada contexto do desenvolvimentismo fordista e no declínio
abordado, Rolnik desvela como a tomada do do welfare state. Com a emergência do
a Espanha, em que sobram imóveis vazios e México, Guatemala, Bolívia, Equador, El Salvador,
pessoas sem teto e endividadas. A despeito do Colômbia, Venezuela e Brasil.
desfecho trágico, lembra Rolnik, o dado perverso Ao fim do primeiro capítulo, Rolnik investiga
é que a crise hipotecária que assolou o sistema o microfinanciamento, derradeira estratégia de
financeiro internacional e o estado de emergência financeirização da moradia, que equivale, como
habitacional que a sucedeu em alguns países define a autora, na abertura da última fronteira
não resultaram em mudança de paradigma. Pelo para o investimento e a acumulação de capital:
contrário, ao invés da implementação de outros as favelas da periferia do capitalismo. Se antes as
modelos de provisão e gestão de moradia, as famílias de baixa renda que habitavam territórios
respostas governamentais consistiram na massiva populares das cidades não eram consideradas
injeção de recursos públicos nos bancos privados um mercado para serviços financeiros em razão
e nas instituições de crédito, com o objetivo de da impossibilidade econômica de arcarem com
evitar sua bancarrota e promover nova rodada a dívida do financiamento da moradia, essa
de estímulos à produção de habitação pelo realidade muda a partir da década de 1980,
setor privado, resultando na maior operação de quando os mercados de capitais nacionais e
liquidez dos mercados de crédito da história. internacionais se convencem da rentabilidade
Sem a imposição de qualquer tipo de condição, de integrar os favelados aos seus sistemas de
conclui a autora, tais recursos seguiram a crédito. Afinal, como bem ilustra a epígrafe do
lógica financeira e, em vez de se dirigirem subcapítulo, “é preciso procurar o dinheiro onde
para a recuperação dos mercados habitacionais ele está: com os pobres. Eles não têm muito,
locais, procuraram investimentos em áreas mais mas são muitos”. Não por acaso, aponta Rolnik,
lucrativas nos mercados emergentes, como a a América Latina possui a maior carteira de
China. Por fim, o exemplo norte-americano microfinanciamento habitacional do mundo.
demonstra, também, que o argumento neoliberal
da redução do gasto público com moradia via Denominado “Os sem-lugar ou a crise global
financeirização é falacioso, à medida que este não de insegurança da posse”, o segundo capítulo
cessou de crescer nos Estados Unidos durante prossegue na análise acerca do impacto do
o período anterior ao colapso acima descrito, complexo imobiliário-financeiro sobre o direito à
sendo, na verdade, direcionado para os setores de moradia nas cidades, mantendo o foco, contudo,
mais alta renda. no tema da ausência de segurança de posse.
Manifesto sob formas distintas, em diferentes
Quanto ao modelo de subsídios à demanda - contextos, esse problema tem como face mais
presente também nos sistemas hipotecários -, em visível e cruel as remoções forçadas, que atingem,
que recursos públicos são dirigidos diretamente aos sobretudo, as populações mais pobres. Grosso
compradores de imóveis construídos e vendidos modo, Rolnik divide em dois os principais
no mercado por empresas privadas, Rolnik mecanismos mobilizados nos processos globais
dedica especial atenção ao caso paradigmático de deslocamento populacional e despossessão:
do Chile. Promovido ao final dos anos 1970 por a) os grandes projetos de infraestrutura e
agências de cooperação bilaterais e multilaterais, renovação urbana por conta das reconstruções
particularmente pelo BID, o modelo chileno pós-desastres naturais e das preparações para
de subsídios para habitação foi incorporado a sediar megaeventos; b) a exploração econômica
partir do final da década de 1980 por países em em função da expansão das áreas de mineração,
desenvolvimento na América Latina onde os agronegócio, turismo, pesca e incorporação
assentamentos informais eram regra, entre eles, imobiliária.
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transformação urbanística que define o conteúdo Rolnik retraça a relação entre produção
urbanístico. Em última análise, a autora vê nisso habitacional e capital financeiro existente
uma nova forma de colonização, que opera por no Brasil desde o governo militar dos anos
meio da superimposição sobre territórios de 1960 e 1970. Instrumentos privilegiados de
projetos estruturados a partir de um modelo de financiamento interno da economia do país, o
negócios, os quais substituem as formas de vida Banco Nacional de Habitação (BNH, 1964-
ali existentes, via remoções e demolições. Ao fim, 1986) e o Sistema Financeiro da Habitação
num único movimento, a capacidade dos mais (SFH) implementaram, sob apoio da Aliança
pobres de participar ativamente na definição dos para o Progresso1 , uma política de construção
destinos da cidade é diminuída, ao mesmo tempo de moradias responsável pela construção de
em que eles são transformados em veículos para o conjuntos habitacionais através da Cohab
alargamento do mercado financeiro globalizado. (Companhia de Habitação) e por remoções em
Nomeado “Financeirização nos trópicos: moradia massa de favelas. Depois do desenvolvimentismo
e cidade no Brasil emergente”, o terceiro e autoritário e socialmente perverso do regime
último capítulo discorre sobre o processo de militar, com sua estrutura de regulação fundiária
mercantilização da moradia e do solo urbano excludente, o país passa por um processo de
em âmbito brasileiro, situando-o no contexto democratização que culmina com a promulgação
das transformações que ocorreram no país da Constituição Federal de 1988, a qual
entre o final do século XX e início do século incorpora um capítulo sobre política urbana.
XXI, período marcado por ambiguidades Sem embargo, com a eleição de Fernando Collor
e contradições, que abrange processos de para presidência no ano seguinte, ascende,
redemocratização política, momentos de em meio à crise financeira e reformas fiscais
estagnação (1980-1998) e retomada do ortodoxas, um projeto neoliberal-conservador.
crescimento econômico. Concomitantemente, a Em seguida, objetivando controlar a inflação,
ascensão ao poder de uma coalizão liderada pelo o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-
Partido dos Trabalhadores (PT), comprometida 2003) adota o Plano Real (1994), nova moeda
com uma agenda onde o acesso à moradia e reforma no sistema financeiro que inclui,
adequada era central na construção de um entre outras coisas, a abertura do mercado aos
Estado de direitos, fortalecem a hegemonia dos bancos estrangeiros. As reformas liberalizantes
circuitos globalizados das finanças e as agendas repercutem no setor imobiliário. Inspirado
neoliberais, especialmente no campo das políticas no mercado de hipotecas norte-americano, é
de habitação. Atenta às relações com o panorama criado, nesse período, o Sistema Financeiro
internacional, Rolnik aborda os efeitos político- Imobiliário que, ao fazer uso de inovações como
territoriais da experiência econômica brasileira de as operações de securitização e o regime de
“inclusão via ampliação do mercado” a partir de alienação fiduciária (1997), amplia a participação
duas frentes: a) o modelo de produção massiva do capital de finanças no setor imobiliário. Ainda
da casa própria via mercado: o programa Minha na gestão de FHC, são lançados os Programa
Casa Minha Vida; b) os projetos urbanos mais de Arrendamento Residencial (PAR), em que o
claramente identificados com as novas formas empreendedor privado passa a ser responsável
de financiamento e governança: as operações por toda a operação, da compra do terreno à
urbanas em São Paulo e os projetos ligados aos construção, incluindo o projeto, e o Programa
megaeventos Copa do Mundo e Olimpíadas no Social de Habitação (PSH), em que o Estado
Rio de Janeiro. leiloava subsídios por região e bancos podiam
adquiri-los para construir casas em parceria com fornecer apoio técnico aos governos locais.2
os municípios. No final dos anos 1990, operações Na esteira dessa iniciativa, são instituídos,
como fusões, aquisições e entrada de fundos de entre outras coisas, o Conselho Nacional das
investimento internacionais sinalizam no Brasil Cidades, o Sistema Nacional de Habitação de
o processo de tomada do setor de incorporação Interesse Social (SNHIS, 2005) e o Sistema
residencial pelo setor financeiro. Nacional de Habitação (SNH), que elabora
Por outro lado, aponta Rolnik, com a aprovação uma Política Nacional de Habitação (PNH).
do Estatuto da Cidade em 2001, são obtidos Em 2007, é lançado o Programa de Aceleração
avanços legais no campo da política habitacional do Crescimento (PAC), responsável por grandes
em termos de reconhecimento do direito à cidade obras de infraestrutura - incluindo saneamento,
como riqueza social, portanto, de “quebra do energia, siderúrgicas, aeroportos e obras viárias
controle excludente do acesso à riqueza, à renda -, viabilizado, em larga medida, graças à
e às oportunidades geradas no (e pelo) uso e aprovação em 2004 da lei das parcerias público-
ocupação do solo urbano”. A partir de “emenda privadas (PPPs), inspirada no modelo britânico
popular” à Constituição, é proposta uma reforma e proposta pelo Ministério do Planejamento.
urbana que leva em conta os assentamentos Visando a inclusão de extratos mais baixos de
informais e sua integração à cidade. Instrumentos renda e a redução da pobreza, o governo adota
como as Zonas Especiais de Interesse Social a estratégia da expansão do mercado interno via
(ZEIS) são retomados e aperfeiçoados, bem consumo, amparada, entre outras ações sociais,
como são propostos planos diretores municipais pelo aumento do valor do salário mínimo,
participativos. Desafiando a máquina burocrática pela concessão de incentivos para a produção e
pública e os interesses conflitantes dos partidos aquisição de bens duráveis (por meio de isenções
políticos, o planejamento territorial participativo fiscais e da ampliação de linhas de crédito via
encarna “a utopia da cidade para todos” ao taxas de juros baixas e subsídios diretos) e pela
propor uma agenda que assume o espaço público implementação de políticas públicas, como
em sua dupla acepção: tanto como campo de o programa de transferência de renda Bolsa
interações políticas, quanto expressão territorial Família. Nesse contexto de inclusão via consumo,
do acordo dessas interações. Na prática, hegemônico a partir de 2006, portanto,
entretanto, tais planos não chegaram a lograr concomitante à crise financeira internacional
pleno êxito, resultando na derrota política da deflagrada pela derrocada do crédito subprime
plataforma de reforma urbana. Fracasso este, no mercado hipotecário norte-americano, é
afirma a autora, indissociável da emergência lançado, em 2009, o Minha Casa Minha Vida.3
do planejamento estratégico em solo brasileiro Pautado no modelo único de promoção da
nos anos 1990, modelo que, por sua estrutura casa própria acessada via mercado e crédito
negocial verticalizada, inviabiliza modelos hipotecário, o programa passou de pacote de
horizontais democráticos calcados na participação salvamento de incorporadoras financeirizadas,
comunitária, desconsiderando anseios, aspirações com escala razoavelmente modesta, à política
e especificidades locais. Espoliar, gentrificar, habitacional do país. Cabe ainda ressaltar que
enfim, homogeneizar. essa conjuntura coincide com a preparação de
12 cidades brasileiras para recepcionar a Copa
Durante o governo Lula (2003-2011), é criado, do Mundo de 2014 e, no caso do Rio de Janeiro,
em 2003, sob bastante expectativa, o Ministério para a preparação da cidade para as Olimpíadas
das Cidades, órgão governamental encarregado de 2016.
de formular a política urbana nacional e
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estreitam a histórica relação entre o estado afirmando-o como um retrocesso no que tange
brasileiro e as empreiteiras, os quais, em última ao direito à moradia adequada. De maneira clara
instância, terminam por institucionalizar o e precisa, mas com algum grau de repetição dos
complexo imobiliário-financeiro. Desde os argumentos, o livro lança luz sobre os danos
anos 2000, lembra a autora, com a reforma do inerentes a um sistema de habitação existente
marco regulatório das relações entre empresas e há quase duas décadas, astuto em vincular
Estado, a responsabilidade de definir e executar moradores e investidores, inábil, no entanto, em
projetos e de fazer a gestão de espaços e serviços manejar a assimetria de interesses entre as partes.
é transferida progressivamente para as primeiras. Daí o sentido ambíguo assumido pela moradia,
“Dessa forma, vão se constituindo espaços ilustrado por Rolnik: “casas de cimento e tijolos”
cada vez mais regidos por relações contratuais para os moradores, “abstrações, frações de
privadas, recortados do conjunto da cidade” unidades de valor, uma especulação entre tantas”
(Pag. 354), a exemplo do projeto Rio Olímpico, para os investidores. Diante desse desequilíbrio e
definido e implantado de maneira paralela e das inúmeras consequências nefastas sempre para
sem diálogo com o Plano Diretor da cidade. “As o lado mais vulnerável, uma série de questões se
empreiteiras definem os projetos, constroem impõem. (Pag. 78).
e fazem a gestão pelo menor preço. O Estado O sistema habitacional financeirizado é passível
só paga a conta.” Na esteira desse conluio, de ajustes, no sentido de melhor equalizar,
em que “atores privados passam a ter também digamos, as forças encarnadas pelos termos
exercício de governo, ampliando, portanto, a “público” e “privado” ou, de fato, “interesse
zona de indefinição entre o público e o privado comum” e “construção especulativa do lugar”,
e reconfigurando a ordem política” (Pag. 355), “gerenciamento” e “empresariamento”, “direito
vêm as remoções e reassentamentos. A um só à cidade” e “mercantilização da terra urbana” se
tempo, os moradores são deslocados da frente constituem antinomias inconciliáveis? Tendo
de expansão de fronteiras do “complexo” e em vista o profundo arraigamento do anseio
transformados em mercado de consumo cativo por propriedade na cultura capitalista, seria
do produto casa própria, de baixa qualidade e viável nos dias de hoje a promoção em larga
em territórios precários. Ao fim, Rolnik expõe escala de modelos alternativos à casa própria?
as raízes de um “modelo de Estado capturado Cabe a atualização do modelo de habitação
por interesses privados e conformado por uma social originalmente desenvolvido no contexto
cultura de opressão e exclusão, simultaneamente do pós-guerra, ou sua retomada representa
tensionado por um processo de combate à total anacronismo? Afinal, como suprimir o
pobreza e inclusão via consumo e pela tomada da enorme déficit habitacional existente no mundo,
terra urbana e da moradia pelas finanças globais”. produzindo em quantidade sem comprometer
(Pag.368). Na versão brasileira do complexo a qualidade? Valioso quadro de referência para
imobiliário-financeiro, ela conclui, empreiteiras e enfrentar os dilemas da política habitacional no
incorporadoras seguem comandando a lógica de Brasil e no mundo no século XXI, Guerra dos
expansão das cidades, através de entrelaçamentos Lugares também atesta os atuais impasses da
cada vez mais complexos e de operações esquerda: não fornece propostas concretas, mas,
financiadas por um fundo público: o FGTS7. sim, apresenta lições, incita a reflexão, aponta
Longe de realizar um simples inventário, direções. Sem dúvida, seu maior mérito é expor
Guerra dos Lugares faz um balanço pessimista as vísceras de um modelo “excludente, predatório
acerca do modelo habitacional financeirizado, e patrimonialista” (Pag. 266), evidenciando a
extrema urgência em redirecionar as políticas em três faixas. A primeira faixa (até 1,6 mil reais de
de habitação vigentes. Induzido por Rolnik, renda familiar) oferece um produto quase totalmente
me arrisco a afirmar, o caminho é integrá-las subsidiado, construído por empresas privadas e
plenamente às políticas urbanas, articuladoras, distribuído para beneficiários definidos pelos governos
locais. A segunda faixa (famílias com renda mensal
por definição, de pensamentos sobre habitação,
entre 1,6 mil reais e 3,1 mil reais) é beneficiada por
política fundiária e cidade. Enquanto as políticas
subsídios diretos menores, cerca de 20% do valor
habitacionais não forem efetivamente públicas, da unidade, assim como por linhas de crédito com
não serão produzidos ambientes urbanos mais taxas de juros abaixo das condições de mercado e pela
justos, inclusivos e democráticos. Muito pelo concessão de garantia por um fundo público (Fundo
contrário, será mantida uma perversa geografia da Garantidor da Habitação - FGHab). Os benefícios
desigualdade. da terceira faixa (renda familiar mensal até 5 mil
reais) são apenas crédito mais barato e a garantia do
FGHab. Para as faixas 2 e 3, tanto a construção como
Notas: a comercialização das unidades habitacionais são feitas
1: Programa norte-americano de cooperação diretamente pela empresa privada que construiu os
orientado para a América Latina como o objetivo imóveis. A Caixa Econômica financia a produção e
oficial de promover desenvolvimento econômico, fornece subsídios para a compra das unidades, mas os
mudanças sociais e democratização política. Lançado riscos e as responsabilidades são da empresa.
no governo John F. Kennedy (1961-1963) no
contexto da Guerra Fria e da Revolução Cubana, o 4: Criado em 1966, o Fundo de Garantia do Tempo
plano na verdade intencionava conter o avanço do de Serviço (FGTS) consiste em um fundo arrecadado
comunismo soviético, além de proporcionar abertura pela União por meio do recolhimento compulsório
ao investimento das empresas de capital estadunidense mensal de 8% do salário dos empregados, destinado
nos países latino-americanos. a indenizar trabalhadores demitidos sem justa causa.
Desde os programas do BNH até os dias de hoje, ele é
2: Integravam o Ministério da Cidades: Olívio a grande fonte de recursos da política habitacional.
Dutra (Ministro de Estado), Ermínia Maricato
(Ministra Adjunta e Secretária-Executiva), Jorge 5: A crise das cidades é caracterizada por uma série de
Hereda (Secretário Nacional de Habitação), Raquel fatores, entre eles: o problema da mobilidade, causado
Rolnik (Secretária Nacional de Programas Urbanos), por uma política de suporte à circulação de carros
Abelardo De Oliveira Filho (Secretário Nacional em detrimento do transporte coletivo de massa; um
de Saneamento Ambiental), José Carlos Xavier tipo de espaço público marcado pela separação entre
(Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade enclaves fortificados e favelas, por conta da violência;
Urbana), João Luiz Da Silva Dias (Presidente da a precariedade e o déficit habitacional, evidenciados
Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU), pelo contínuo crescimento dos assentamentos
Ailton Brasiliense Pires (Diretor do Departamento informais, pelas ocupações de terrenos e edifícios
Nacional de Trânsito – Denatran) e Marco Arildo vazios, acirrado pelo recente boom no preço dos
Prates Da Cunha (Presidente da Empresa de Trens imóveis e aluguéis, e sua elevação muito acima da
Urbanos de Porto Alegre – Trensurb). renda dos mais pobres.
Salve Salve
2016
Fotografias realizadas por Michel Masson no Horto, Rio de Janeiro.
Para ver a série completa, acesse www.michelmasson.com
Com origens que remontam a um Engenho de cana-de-açúcar do século XVI, posteriormente desapropriado pelo príncipe regente D. João
em 1808 para a construção de uma fábrica de pólvora e a fundação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Horto é lugar de gente simples
e tradições fortes. Grotão, Morro das Margaridas, Hortão, Vila São Jorge. Reminiscência da cultura afro-brasileira, do tempo dos terreiros
de candomblé e de umbanda, dos escravos e da roça. Resquício do modo de vida rural, espécie de pastoral idílica em meio à cidade. Quasi-
campo, quasi-subúrbio. Gente integrada, arraigada em meio à mata. Região literalmente de raízes, onde se misturam a ruína da senzala e
os aquedutos, o casario colonial da feitoria e as crianças jogando bola, o caminhão de gás e a missa improvisada aos domingos, a prosa das
senhoras do lado de fora das casas e os rios e árvores que sempre estiveram lá. Sabedoria e sobrevivência. Cordialidade e solidariedade. Lugar
bucólico que desperta minha memória afetiva. Hoje, sob iminente processo de desapropriação, o Horto é uma das comunidades abordadas
no livro por Raquel Rolnik. Salve Salve é cumprimento, saudação, reverência popular, mas, também, celebração, homenagem.