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REVISTA DR.

PLINIO 91, Outubro 2005


o santo Do mês

1o. de outubro

Santa Teresa do
Menino Jesus e
a pequena via
Há dez anos Dr. Plinio entregava sua alma a Deus, no
tríduo da festa de Santa Teresinha (outrora celebrada
no dia do falecimento de Dr. Plinio, 3 de outubro).
Ele próprio fizera o oferecimento de si como vítima
do amor misericordioso por aquelas almas e aqueles
acontecimentos que esperara, baseado na leitura das obras
da Santa de Lisieux (cfr. Editorial, página 4).
Transcrevemos a seguir, um dentre os diversos
comentários tecidos por Dr. Plinio à edificante vida e
missão de Santa Teresinha.

E m fins do século XIX a Divina Providência susci-


tou Santa Teresinha do Menino Jesus para des-
pertar uma nova forma de espiritualidade pró-
pria a conduzir grande número de almas a Nosso Senhor .
penitências terríveis, sofriam cruzes e provações pavoro-
sas, porque eram assistidos pela graça e esta encontrava
neles uma natureza capaz de grandes feitos .
Quando Santa Teresinha surgiu, as pessoas já estavam
Foi uma resposta de Deus às manobras feitas para en- profundamente infiltradas de Revolução e, portanto, sem
charcar de Revolução a mentalidade do homem ociden- a coragem e disposição para lances heróicos de virtude .
tal . Essa réplica consistiu na famosa pequena via a qual, Por desígnio da Providência, ela abriu às “pequenas al-
conforme afirmação profética da Santa, haveria de levar mas” (como as chamava) o caminho para o Céu .
incontáveis almas ao Céu . Trata-se da via do reconhecimento da própria fraque-
za e da ausência de coragem, de força de vontade pa-
Um caminho para os menos fortes ra enfrentar imensos sacrifícios . E da convicção de que
Nosso Senhor se compadece das almas fracas, diminutas
A pequena via é própria aos espíritos mais débeis, sem em comparação com as do passado, e que assiste àque-
meios naturais para realizar extraordinários atos de ge- las com bondade, afabilidade, abundância de graças que
nerosidade interior que marcaram tantos santos do pas- substituem nelas, vantajosamente, aquilo que a natureza
sado os quais se flagelavam de maneira espantosa, faziam não lhes proporcionou .

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Desde muito jovem Santa
S. Hollmann

Teresinha sentiu o chamado


à perfeição, e dedicaria seus
breves anos de vida a ensinar
às “pequenas almas” o
caminho para o Céu

À direita, “Santa Teresinha solicita a


autorização de seu pai para entrar
no carmelo” - Buissonnets, Lisieux
(França); acima, já carmelita professa

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O Santo do mês

Quer dizer, para as pessoas dos séculos anteriores Nessa situação, própria a afligir qualquer um, ela sem-
atingirem o pleno amor de Deus eram necessários — va- pre manteve confiança cega na Providência, e reafirma-
lendo-me de uma expressão inadequada — tantos quilo- va a cada instante seu desejo de morrer como vítima do
watts de sofrimentos. Porém, as do tempo de Santa Tere- amor misericordioso de Nosso Senhor para com aqueles
sinha, e a fortiori as de nossa época, são incapazes de su- que seguem a pequena via.
portar tais graus de ascese. Então, a rogos de Maria San- E, de fato, certa noite, quando já se achava deitada pa-
tíssima, a graça lhes concede vigor para carregar meno- ra dormir, Santa Teresinha sentiu o peito incomodado e
res quantidades de cruzes. Porém, elas o fazem com tan- expeliu uma golfada. Veio-lhe logo a idéia de que poderia
ta intensidade de amor que acabam suprindo a quota de ser sangue, indício da fatídica doença daquela época, a tu-
sofrimentos pelos quais não suportariam passar. Pois aos berculose. Essa enfermidade tornou-se comum em fins do
olhos de Deus, o impor- século XIX, e a medicina
tante não é o quilowatt da não lograva combatê-la efi-
dor, e sim a intensidade de cazmente, pois não desco-
amor com que é padecida. brira ainda os medicamen-
Dessa sorte, o que as tos existentes hoje. Assim,
S. Hollmann

grandes almas conquista- grande era o número de ví-


vam apenas no fim de sua timas dessa moléstia.
existência, depois de mui- Ora, Santa Teresinha
tos tormentos, as da peque- experimentou tal alegria
na via recebem gratuita- diante da hipótese de es-
mente logo no começo da tar tuberculosa, que ofere-
vida espiritual, unindo-se a ceu a Deus o sacrifício de
Nossa Senhora, à Santíssi- não examinar de imedia-
ma Trindade, por uma par- to o lenço sobre o qual gol-
ticular bondade de Deus. fara durante a noite, e fa-
Esta graça encurta o cami- zê-lo apenas na manhã se-
nho e faz o amor nascer ce- guinte, à luz do dia. Veri-
do, tão veemente que, com ficando depois ser mesmo
uma “quilowatagem” me- sangue, transportada de jú-
nor de sofrimento, brilha bilo, ela compreendeu que
com uma luz fulgurante. sua derradeira paixão co-
meçava.
Admirável exemplo Manifestou-se desse mo­
de Santa Teresinha do a tuberculose, doença
lenta, trágica sob vários as-
O modelo característico pectos, sobretudo naque-
dessa via foi a própria San- le tempo, quando tantos
ta Teresinha do Menino dela sofriam e morriam.
Jesus, uma pequena alma Era, pois, uma via comum,
típica, cônscia de sua inca- na qual a noite escura e o
pacidade de suportar gran- Relíquia de Santa Teresinha - Carmelo de Lisieux abandono se tornaram ca-
des sofrimentos. Entretan- da vez maiores.
to, recebeu ela tal intensidade de amor a Deus que, des- Santa Teresinha passou a ser provada com tentações
de menina, fidelíssima à sua vocação, fazia meditações contra a Fé (também assíduas na vida dos santos), e che-
e amava tanto as coisas do Céu que sobrepujava em vir- gou a afirmar serem estas tão violentas que só acreditava
tude a um número incontável de pessoas. porque queria crer, tanto as razões de fé se tinham obnu-
Levou uma existência de verdadeiro sofrimento no bilado em seu espírito. Sentia que estava morrendo, e na
Carmelo de Lisieux, tendo sido acometida por uma pro- Terra nada mais havia para ela. Porém, a morte vinha aos
vação muito freqüente no claustro, embora no seu caso poucos, a conta-gotas, no meio do sofrimento e da dor.
se apresentasse mais profunda: a aridez contínua, devi- De seu leito, ouviu um dia a conversa entre duas frei-
do à qual ela não sentia consolações na piedade, nem no ras sobre seu fim próximo, e este comentário: “Quando fa-
imenso amor a Deus que possuía. lecer nossa Irmã Teresa do Menino Jesus, e for preciso es-

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S. Hollmann
Vítima do amor misericordioso,
Santa Teresinha ofereceu as dores
comuns do dia-a-dia, bem como
as grandes provações durante a
doença, com intensa caridade,
salvando assim um incontável
número de almas

Acima, Santa Teresinha no seu leito


de dor; à direita, relíquia da Santa,
conservada no Carmelo de Lisieux

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O Santo do mês

crever uma circular às demais comunidades contando co- as que ficarão felizes tendo isso”. Quer dizer, seriam dis-
mo transcorreu a vida dela no claustro, não sei realmente tribuídos como relíquias após sua glorificação nos altares.
o que será narrado. Porque ela não fez nada. Ao longo dos Em diversas ocasiões pronunciou ela essa linda frase:
anos passados aqui, realizou apenas coisas pequeninas...” “Passarei meu Céu fazendo bem sobre a Terra”. E tam-
Nossa Santa sentiu-se consolada ao ouvir essas pala- bém afirmou: “Só estarei inteiramente livre das coisas da
vras, pois de fato ela oferecera somente sacrifícios me- Terra depois que o número dos eleitos estiver completo”.
nores a Nosso Senhor, que os recebia por meio de Nos- Se pensamos que esse total dos escolhidos só será atingido
sa Senhora. Entretanto, devido ao amor com que eram no fim do mundo, esse dito significa que ela intervirá em
aceitos, o Redentor os acolhia com sumo agrado. Assim, nosso favor enquanto houver homens atuando na Terra.
ela salvava um incontável número de almas. Ela abria
dessa forma a pequena via.
Então, uma característica da espiritualidade de San-
“Passarei meu Céu fazendo o bem
ta Teresinha é esse modo de oferecer as dores comuns do sobre a Terra”, costumava dizer Santa
dia-a-dia, as quais Deus pede habitualmente a todo mun- Teresinha, prometendo interceder pelos
do. Porém, trata-se de oferecê-las como o fez a vítima do
amor misericordioso de Nosso Senhor.
homens até o fim do mundo

Uma inundação de graças... Abaixo, prece diante da urna funerária de Santa


Teresinha, no Carmelo de Lisieux; à direita, “Milagres
de Santa Teresinha”, vitral do mesmo convento
Santa Teresinha nunca se vira favorecida por graças mís-
ticas extraordinárias, como visões ou revelações. Até que
no último momento de sua vida foi arrebatada num êxta-
se, ficou transportada de alegria, ergueu-se na cama e dis-
se palavras de entusiasmo diante daquilo que via. Depois,
reclinou-se e expirou. Seu corpo jazia nesta Terra, mas sua
alma já ingressava na eterna bem-aventurança.
Dentro da extrema pobreza carmelitana, seus fune-
rais foram esplêndidos, porque um quintessenciado aro-
ma de violeta, procedente não se sabe de onde, dominou
literalmente o lugar em que o corpo dela se encontra-
va exposto à visitação pública. Como uma de suas pri-
meiras intercessões junto à misericórdia divina, obteve a
conversão da superiora de seu convento, que tanto a ti-
nha amargurado.
De lá para cá, Santa Teresinha inundou o mundo com
graças, sendo considerada a mais solícita em atender os pe-
didos feitos, inclusive os relativos aos bens terrenos. Nes-
se sentido, célebre é o caso passado em um convento na ci-
dade de Galípoli, na Turquia. Essa comunidade se achava
em grandes apuros financeiros, sem nenhum dinheiro pa-
ra pagar suas despesas. A superiora implorou então o au-
xílio de Santa Teresinha: no dia seguinte, ao abrir o cofre
da casa, encontrou a quantia necessária e mais ainda...
Obtendo-lhes donativos materiais, Santa Teresinha atrai
as almas para que peçam bens espirituais. E ela as atende.

Destinada a socorrer a Terra


Tinha ela certeza de que seria canonizada, e nos últi-
mos dias de sua vida recomendava conservassem fragmen-
tos de suas unhas ou fios de suas sobrancelhas, dizendo:
“Guardem-nos, porque após minha partida, haverá pesso-

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Foi, portanto, uma Santa especialmente designada
Fotos: S. Hollmann

pela Providência para fazer grande bem à Terra. Mui-


tos eleitos há cuja memória, por assim dizer, desaparece,
perde-se, devido à versatilidade humana. Algum benefí-
cio eles fazem, porém menor se comparado com o rea-
lizado por uma Santa que vai para o Céu com o progra-
ma de continuar a agir intensamente nos acontecimentos
terrenos, apenas repousando quando o número dos esco-
lhidos estiver completo.

Alegria com a felicidade dos


habitantes do Céu
Para Santa Teresinha, cada ano que passa é um perío­
do de ação, de vitória, de esplendor. Pois no dia de sua
festa, a um título especial, comemora-se um aniversá-
rio que a torna intensamente feliz e aumenta sua glória
no Céu. É verdade que esta, no Paraíso, não cresce após
ter terminado o mundo. Mas, enquanto tal não suceder,
é passível de aumento. Por exemplo, se um bem-aventu-
rado escreve um livro, e 200 anos depois de sua morte
essa obra é ocasião de instrumento para a salvação de
alguém, a alegria e a glória dele se avolumam no Céu.
Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, sinto-me um pou-
co insultado pensando em meus sofrimentos aqui no mun-
do, nesse vale de lágrimas, e o senhor anuncia que Santa
Teresinha, já muito feliz, recebeu uma felicidade a mais no
Céu. Parece uma distribuição desigual dos dons divinos...”
Ora, os planos de Deus não são igualitários, e, sobre-
tudo, os relativos aos que estão no Céu e na Terra. Per-
manecemos aqui para sofrer e expiar, e os santos no Pa-
raíso para desfrutar a verdadeira felicidade. Se padecer-
mos, lutarmos e expiarmos bem, seremos também daque-
les que irão para o Céu, felizes por toda a eternidade.
Dessa maneira, há uma inteira proporção, não igualdade,
entre a nossa desventura e a ventura de Santa Teresinha.
Mais. Devemos nos rejubilar com todos que se acham
no Paraíso, pois nos precederam nesta Terra com o sinal
da Fé. Viveram antes de nós com o signo da Cruz. São
nossos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa
Senhora, e nos cabe desejar a alegria deles: a felicidade
de um irmão interessa a outro irmão.
Por fim, cumpre considerarmos que, ao ver nosso con-
tentamento pela felicidade dela, Santa Teresinha há de
se tornar particularmente propensa a nos alcançar graças
cada vez maiores. Do Céu, ela nos acompanha com afa-
bilidade, com um sorriso todo dela, e dirige à Santíssima
Virgem uma empenhada prece por nós: para que aumen-
te nossa fé, nossa crença, nossa esperança e nosso gáu-
dio com as glórias futuras que nos aguardam na venturo-
sa eternidade, junto a ela e aos Sagrados Corações de Je-
sus e Maria.   v

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