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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES
MÚSICA POPULAR

RELATÓRIO FINAL REFERENTE À PESQUISA:

“A construção das linhas de baixo de Luizão Maia”

Aluno: Rafael Fávero Martins


Orientador: Profº Leandro Barsalini
Quota: 01/08/2008 a 31/07/2009

RA: 045876
RG: 34.599.381-0
CPF: 307.759.518-46

Campinas, Junho de 2009


Índice

1.Introdução..........................................................................................3

2.Sobre as Transcrições.......................................................................5

3.Transcrições e Análises.....................................................................6

3.1.Análise – Folhas Secas..................................................................6

3.2.Análise – Brigas Nunca Mais.............................................. ...........9

3.3.Análise – Chovendo na Roseira...................................................12

4.Conclusão........................................................................................15

5.Discografia.......................................................................................17

6.Bibliografia.......................................................................................17

7.Anexos.............................................................................................18

7.1.Transcrição – Folhas Secas.........................................................18

7.2.Transcrição – Brigas Nunca Mais.................................................20

7.3.Transcrição – Chovendo na Roseira............................................21

2
1.Introdução

Neste último relatório de pesquisa tratamos de finalizar as atividades


propostas no cronograma.
Durante estes últimos seis meses, buscamos aprofundar as leituras que
tratam sobre a música instrumental em geral e sobre o contrabaixo, tanto com
ênfase no aspecto histórico do instrumento, quanto nas análises técnicas
específicas de contrabaixistas importantes na formação e compreensão de
aspectos da linguagem musical brasileira atual.
Procuramos analisar estas fontes a fim extrairmos delas conteúdos que
julgamos importantes para o prosseguimento do nosso trabalho.
Analisamos auditivamente as três últimas canções propostas no trabalho: a
música Folhas Secas, letra de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, a canção
Brigas nunca mais de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e por último Chovendo na
Roseira de Tom Jobim, todas gravadas por Luizão Maia ao contrabaixo.
A hipótese inicial, que orienta nosso processo de investigação, volta-se
para as características específicas da música do contrabaixista Luizão Maia,
manifestada através de seu fraseado e suas conduções de linhas de contrabaixo,
buscando entender de que modo seu desenvolvimento técnico e sua execução
possibilitaram a fixação de novos padrões de linguagem e mostrar como isso
implica na produção e recriação de arranjos com características fortes de
entrosamento rítmico entre os instrumentistas.
Buscamos compreender de que maneira o instrumentista constrói suas
levadas coligando elementos musicais de estilos diversos como o samba, o jazz e
outros ritmos brasileiros. Para isso, nos servimos de trabalhos que apresentam
fundamentos teóricos para que pudéssemos desenvolver nossa pesquisa em
torno desse aspecto.
Utilizamos para as análises rítmicas e técnicas do instrumento as
publicações Bateria e Baixo na Música Popular Brasileira1 e Música Brasileira para
contrabaixo2, volumes 1 e 2. Em ambos os trabalhos, os autores apresentam
diversos estilos e aplicações musicais brasileiros, com suas acentuações
características, diferenças de ritmos e interpretações para contrabaixo. Estes
materiais foram usados para exemplificação e comparação com o material
transcrito e analisado na pesquisa.
Para a análise harmônica, utilizamos Harmonia e Improvisação3- no qual o
autor trata de assuntos que consideramos importantes na análise da harmonia das
canções. Assuntos como harmonia funcional, progressões harmônicas e escalas

1
MONTANHAUR, Ramon/ SYLLOS, Gilberto. Bateria e Baixo na Música Popular Brasileira. Editado
por Almir Chediak. Ed. Lumiar. Rio de Janeiro, 2003
2
GIFFONI, Adriano. Música brasileira para contrabaixo: demonstrações e exercícios com ritmos
brasileiros. São Paulo. Ed. Irmãos Vitale. 1997 coordenação: Luciano Alves
3
CHEDIAK, Almir. Harmonia e Improvisação. Rio de Janeiro, Editora Lumiar, 1986 (9ª ed.)

3
aplicadas à improvisação e ao enriquecimento melódico foram estudados a fim de
enriquecermos nosso trabalho.
A dissertação de mestrado de Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas, intitulada
Teoria da Harmonia na Música Popular: uma definição das relações de
combinação entre os acordes na harmonia tonal,4- foi também utilizada em nossa
pesquisa devido ao fato de que o autor desenvolveu seu estudo sobre diversas
práticas harmônicas da música popular, mais especificamente a harmonia centro-
européia, a harmonia norte-americana e a harmonia da música popular feita no
Brasil.
No que diz respeito às análises melódicas e formais do repertório escolhido
utilizamos o trabalho Arranjo: Método Prático5. Tal obra, reunida em três volumes,
trata de temas como: melodia, frases, ritmos, modos de acompanhamento entre
outros. Considerando o ritmo como um elemento, na maioria das vezes,
preponderante na caracterização de um motivo melódico. ”Os fatores constitutivos
de um motivo são intervalares e rítmicos (...)”6 nos guiamos também através das
técnicas e métodos musicais contidos nessa mesma obra.
Buscamos analisar de que modo Luizão Maia, de forma muito particular,
compõe suas linhas de baixo e conduz suas levadas destacando assim o papel do
contrabaixista na música popular brasileira. No entanto, apenas as análises
musicais não desvendariam esse modo de composição do contrabaixista. Para
entendermos como Luizão constrói suas levadas, fez-se necessário uma pesquisa
bibliográfica que relacionasse sua forma de tocar aos aspectos históricos do
contrabaixo na música brasileira7 - à consolidação desse instrumento no repertório
popular, como também às diversas formas de estruturação das linhas de baixo na
história da MPB.
O trabalho Os alicerces da folia: A linha de baixo na passagem do maxixe
para o samba de José Alexandre Carvalho8 - caminha nesta direção. Carvalho faz
uma retrospectiva histórico-musicológica do maxixe e do samba do período de
1870 a 1940 a partir do estudo de instrumentos responsáveis pela execução do
baixo e da análise das linhas de baixo e das formações instrumentais mais
utilizadas por tais gêneros nesse período.

4
FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Teoria da Harmonia na Música Popular: uma definição das
relações de combinação entre os acordes na harmonia tonal. São Paulo. Dissertação de Mestrado,
IA/UNESP, 1995.
5
GUEST, Ian. Arranjo: Método Prático. Rio de Janeiro, Ed. Lumiar, 1996 (3 volumes)
6
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. Tradução: Eduardo Seinciman.
São Paulo, EdUSP, 1991. p. 35
7
Nessa pesquisa, toda vez que fizermos referência ao instrumento contrabaixo, serão utilizados os
termos “contrabaixo acústico” para o instrumento mais grave da família dos violinos e “baixo
elétrico para a guitarra-baixo. O termo contrabaixo será utilizado genericamente para estes dois
instrumentos.
8
CARVALHO, José A. L. L. Os alicerces da folia: A linha de baixo na passagem do maxixe para o
samba. Campinas, Tese de Mestrado. IA/UNICAMP. 2006

4
O livro, A Construção do Samba9- também foi utilizada. Eesse trabalho
retrata bem como se deu a evolução do samba em momentos importantes na
história da música popular brasileira como: a gravação histórica, em 1917, do
primeiro samba gravado “Pelo Telefone” e, posteriormente, a expansão do gênero
no decorrer dos anos, saindo das pequenas rodas como a casa da Tia Ciata e
alcançando todo povo brasileiro com o rádio e o disco.10
Outro trabalho que trata sobre o gênero samba é Feitiço Decente:
transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933)11 de Carlos Sandroni,
Neste trabalho, Sandroni discuti a estruturação do samba urbano carioca,
resultado de transformações em sua métrica e rítmica, bem como nas maneiras de
ser executado entre as décadas de 10 a 30. No entanto, autor não retrata somente
as mudanças musicológicas do samba, mas os contextos culturais, sociais e
político no qual o gênero musical estava inserido.Como critério de
representatividade, o autor selecionou obras musicais produzidas no âmbito dos
projetos nacionalistas ou veiculadas através destes, especialmente aquelas
orientadas por uma preocupação artística revolucionária12.
Para a análise das três últimas canções propostas, utilizamos neste último
relatório alguns trabalhos já citados no relatório parcial. Esses trabalhos foram
essenciais para analisarmos seus aspectos estruturais, quais sejam, a harmonia, a
melodia, o arranjo, o ritmo e a formação instrumental.

2.Sobre as Transcrições

Procuramos transcrever as linhas de contrabaixo da forma que mais se


aproximassem às ouvidas nas gravações originais.
É importante considerar que ao se analisar a partitura da música, diversos
fatores não são levados em conta, o que pode ocasionar uma interpretação
equivocada daquilo que está sendo tocado nas gravações. A partitura não
considera totalmente os diferentes níveis de intensidade de cada linha transcrita
ou mesmo a técnica e a sonoridade singular ao músico que a executa.13
Portanto, embora as transcrições tenham sido feitas com o máximo de cuidado, o
acesso às gravações tem ainda grande importância para se apresentar
considerações sobre o material abordado.

9
CALDEIRA, Jorge. A construção do samba. São Paulo. Mameluco Prod. Artísticas, 2007.
10
CALDEIRA, Jorge. Op. Cit. p. 19.
11
SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente (1917 -1933). Ed. Zahar, UFRJ. 2001.
12
GARCIA, Miliandre de Souza. Do Arena ao CPC:o debate em torno da arte engajada no Brasil
(1959-1964). Curitiba. Tese de Mestrado, UFPR/PR. 2002
13
PELLEGRINI, Remo Tarazona. A análise dos acompanhamentos de Dino Sete Cordas em
sambas e choros. Campinas-SP. Dissertação de Mestrado. IA/UNICAMP, 2005 p. 50

5
3.Transcrições e Análises

3.1.Folhas Secas

A primeira música analisada neste relatório final foi Folhas Secas, letra de
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, transcrita do “Especial Elis Regina”
gravado no programa “Ensaio” pela TV Cultura em 1973. Nessa gravação temos
ao piano César Camargo Mariano; na bateria Paulo Braga; no contrabaixo Luizão
Maia e Elis Regina cantando.
Essa música é estruturada na forma INTRO AABA, executada em samba-
canção de andamento lento de 50 bpm. Essa introdução inicia-se com levada
percussão (4 compassos) e em seguida base rítmico-melódica desse trecho é
constituída pelo contrabaixo que se mantém tocando predominantemente
colcheias e semínimas sem variações rítmicas.

Figura 1: Introdução da música Folhas Secas.Compassos 5 e 6.

O contrabaixo realiza um ostinato14- formado por padrões curtos, repetindo-


se a cada dois compassos de 2/4. Percebemos uma sonoridade bem grave do
baixo, como se estivesse imitando o som de um bumbo. Esta sonoridade é tirada
do contrabaixo através de um toque bem leve nas cordas e bem próximo ao braço
do instrumento.
Em relação ao modo de se tocar o contrabaixo no samba-canção e o
contrabaixista de maior destaque desse gênero, o músico e pesquisador Adriano
Giffoni cita em seu livro: “(...) Luizão Maia pode ser citado como um dos maiores
destaques, com sua condução que incluía poucas notas mas com muita
criatividade nas passagens de acordes, alem de extrair do instrumento uma
sonoridade macia e ao mesmo tempo definida”15.
Segue abaixo alguns exemplos de levadas que se assemelham à levada
feita por Luizão:

14
“O termo ostinato originou-se no Barroco e significa em italiano ostinato, persistente. É uma linha
de baixo de tamanho e complexidade variável que é constantemente repetida ao longo de uma
composição, tanto vocal como instrumental formando a base para os desenvolvimentos melódicos,
harmônicos e contrapontísticos desta composição”. (CARVALHO, José A. L. L. Op. Cit. p. 30)
15
GIFFONI, Adriano. Música brasileira para contrabaixo: demonstrações e exercícios com ritmos
brasileiros. São Paulo. Ed. Irmãos Vitale. 1997 coordenação: Luciano Alves Vol. I p. 25

6
Figura 2: Exemplo, de levadas de bossa nova, retirado do livro Música brasileira
para contrabaixo: demonstrações e exercícios com ritmos. ( vol. I; pág. 45)

Figura 3: Exemplo, de levadas de bossa nova, retirado do livro Música brasileira


para contrabaixo: demonstrações e exercícios com ritmos. ( vol. I; pág. 45)

Ainda sobre Folhas Secas, em seguida começa a parte AABA. Esta parte
cantada é construída sobre uma harmonia tonal16. Construída sobre o tom de Sol
Maior (G), a música se desenvolve sobre uma progressão harmônica comum nos
sambas.

Figura 4: Campo Harmônico Maior sobre o tom de Sol Maior.

Para melhor compreendermos como Luizão Maia conduz suas levadas de


contrabaixo fazendo com que suas linhas dialoguem diretamente com a
progressão harmônica da canção, faremos a análise harmônica da parte A da
música.

Figura 5: Compassos 9 a 28 da música Folhas Secas

16
“A harmonia modal destaca a característica sonora de um modo. Cada modo tem sua nota e sua
progressão harmônica característica. A harmonia modal pode ter o caráter puro quando é formada
apenas por acordes diatônicos do seu modo ou pode ter caráter misto quando há a presença de
outros modos e tonalismo na progressão”. CHEDIAK, Almir. Op. Cit. p. 121

7
A partir da figura acima podemos analisar como Luizão constrói suas linhas
e observar a condução melódica-harmônica do contrabaixo.
Comparando a harmonia da música com a linha que o baixo faz, percebe-
se que ambas caminham juntas.

Figura 6: Compassos 9 e 10 da música Folhas Secas

Nota-se o uso de poucas notas na constituição da levada por parte do


baixo. Somente da nota fundamental do acorde (sol) e a quinta (ré) são usadas
em ambos os compassos.
Analisando os compassos a seguir, percebemos a mesma forma de
pensamento ao se construir a linha do baixo.

Figura 7:Compassos 11 a 16 da música Folhas Secas

No compasso 16 percebemos uma diferença na forma de condução. Nesse


caso sé utilizada nota de passagem, no caso a nota (ré sustenido).
Ritmicamente, o contrabaixo realiza uma linha simples marcando as notas
fundamentais (f) dos acordes. Ela varia sobre padrões originados de semínimas e
colcheias, com algumas semicolcheias. Através das transcrições observa-se que
Luizão utiliza figuras rítmicas repetitivas, o que define a pulsação da canção.

Figura 8: Trecho a partir do compasso 33 a 37 da música Folhas Secas.

8
Como podemos observar na figura acima, através de uma linha rítmica
comprometida com a marcação dos tempos do compasso, Luizão dá “chão”, ou
seja, as notas fundamentais dos acordes estão no primeiro tempo do compasso,
para que os outros elementos rítmicos da música, como o piano e a bateria,
possam se estruturar.
Esta colocação é extremamente importante, pois o uso de células rítmicas
bastante percussivas faz com que a linha de baixo seja mais marcada e simples,
diferenciando-se das linhas ornamentadas e contrapontísticas presentes em
muitos sambas-maxixados da década de 1920.17

Figura 9: Transcrição da parte do bombardino do samba carnavalesco de 1938


“Bumba meu boi” que ilustra bem a linha ornamentada. (CARVALHO, 2006, p. 94)

3.2 Brigas Nunca Mais

A segunda música analisada neste relatório foi Brigas Nunca Mais, de Tom
Jobim e Vinicius de Moraes. Transcrita do álbum Elis e Tom, esta canção
apresenta diversas peculiaridades no que se diz respeito aos aspectos rítmicos
que formam a composição das linhas de baixo de Luizão Maia, bem como a
interação do contrabaixo com outros instrumentos: bateria, piano, guitarra e voz.
Estruturada na forma INTRO AB e executada no estilo bossa-nova, a
música é tocada em andamento médio de 70 bmp.
A música inicia-se com uma levada suave e marcada e a base rítmico-
melódica desse trecho é constituída pela bateria, pela guitarra e pelo contrabaixo
que se mantém tocando predominantemente colcheias e semicolcheias sem
variações rítmicas.
O contrabaixo e a bateria realizam um ostinato que se repete a cada dois
compassos de 2/4.

Figura 10: Trecho da Introdução. Compassos 1a 4 da música Brigas Nunca Mais.

17
CARVALHO, José A. L. L. Op. Cit. p. 75

9
Este recurso é muito utilizado na estruturação dos baixos na música popular
como na música erudita. Para efeito de comparação podemos citar o samba
Madalena, de Ivan Lins e Footprints de Miles Davis. Ambas apresentam uma
célula rítmica que é repetida em diversos compassos durante toda a música e
também durante a introdução.
Composta na década de 50, período em que a música brasileira sofreu
grande influência da musica norte-americana, Brigas Nunca Mais tem uma
harmonia que se assemelha à harmonização do repertório jazzístico.
Logo após a introdução, a música inicia-se com a utilização de acordes
bastante dissonantes e sofisticados, porém, mantém-se a afinidade e a coerência
com o estilo de interpretação bossa-novista. Vejamos a partir do 5º compasso a
harmonia dissonante da música

Figura 11: Compassos 5 a 10 da música Briga Nunca Mais.

Seguindo a progressão harmônica da canção, podemos analisar pela


transcrição da linha melódica que o contrabaixo realiza, que Luizão Maia faz um
acompanhamento definindo bem as tônicas e mantendo a base rítmica com
poucas notas.
É importante notarmos também que os três instrumentos (piano, bateria e
contrabaixo) desempenham um papel rítmico sem que o fraseado de cada
instrumento se perca e se choque um com outro, inclusive em ocasiões quando ao
fim de uma progressão há espaço para fraseados.
Criadas sobre padrões de semínimas e colcheias, a linha que o contrabaixo
realiza é bem simples e as notas fundamentais (f) dos acordes são sempre
marcadas no 1º tempo de cada compasso. Através das transcrições observa-se
que Luizão utiliza figuras rítmicas repetitivas, o que defini a pulsação da canção.
Outra característica marcante na condução da linha de baixo de Luizão é a
utilização de antecipações de acordes no meio e nos fins de compassos.

Figura 12: No exemplo acima podemos observar um trecho da linha de baixo


realizada por Luizão.Compassos de 12 a 20 da música Briga Nunca Mais.

10
Observamos nos compassos 14 e 17 uma linha simples, marcada com as notas
fundamentais (f) dos acordes. Essa linha varia sobre padrões originados de
semínimas e colcheia.Já nos compassos 12 e 19 observamos antecipações nos
acordes.

Figura 14:Compassos 14 e 17 Figura 15: Compassos 12 e 19

Adriano Giffoni, em seu trabalho, fornece alguns exemplos de levadas de


baixo tocadas no gênero bossa nova18. Na figura abaixo podemos notar que as
notas do 1º tempo do compasso são as notas fundamentais(f) dos acordes.

Figura 16: Levada de bossa nova retirada do livro Música brasileira para
contrabaixo: demonstrações e exercícios com ritmos. ( vol. II; pág. 26)

A sonoridade suave, de como as notas são tocadas, revela o bom gosto de


Luizão Maia ao se escolher o timbre que mais se adapta ao estilo como também a
forma de tocar o contrabaixo. Auditivamente podemos notar que Luizão utiliza uma
tonalidade fechada, ou seja, grave e o modo de tocar as cordas com a mão direta
é bem próximo ao fim do braço do contrabaixo, deixando a nota assim menos
seca.
Outro ponto que merece destaque no modo de tocar de Luizão é o fato de
que ele utiliza-se de muitas - notas mortas (ghost note)19 - na condução de suas
levadas. O uso desse recurso faz com que o baixo imite um instrumento de
percussão, como por exemplo, o surdo. “Quando em um gênero ou estilo musical
já existe uma linha de baixo, estilisticamente e tecnicamente definida, mas, devido

18
GIFFONI, Adriano. Op. Cit.Vol II p. 10
19
A nota morta (ghost note) é uma notação musical utilizada para representar uma figura rítmica
percussiva.

11
a uma mudança de contexto instrumental, um outro instrumento baixo passa a
realizá-la, este instrumento normalmente procura reproduzir a linha original”.20
Nas figuras transcritas abaixo podemos observar a utilização dessa técnica:

Figura 15: Compassos 41 a 44 da música Brigas Nunca Mais. No caso, as ghost


notes são representados pelas notas em X.

3.3.Chovendo na Roseira

A última canção analisada em nosso relatório foi Chovendo na Roseira, de


Tom Jobim.
Tomamos como base para a análise a gravação da música que se encontra
no disco Elis e Tom, gravado em 1974.
A música inicia-se com uma levada suave e marcada, 45 bpm, e a base
rítmico-melódica é constituída pelo violão, piano, bateria e contrabaixo que se
mantêm tocando predominantemente semínimas e colcheias com variações
rítmicas.
Em relação ao modo como são tocadas as notas, essa música apresenta
uma característica peculiar. É valsa em 3 por 4 e as colcheias são tocadas com
swing feel.21
Abaixo exemplificamos a forma como são interpretadas as notas na canção
analisada;

Figura 16: Notas tocadas com swing eights

20
CARVALHO, José A. L. L. Op. Cit. p. 152
21
O termo swing eights é usado para designar uma forma de se tocar colcheias no jazz. Já straight
eights corresponde ao termos oposto usado na notação musical.

12
Figura 17: Notas tocadas com straight eights

Essa característica encontrada na canção é uma concepção jazzística. Ela


norteia o modo de tocar as colcheias nas exposições dos temas e nas construções
dos improvisos.
Para se compreender melhor o modo como se interpreta as colcheias na
música norte-americana é necessária uma audição atenta a diversas gravações
de jazz.
Analisando-se o inicio da música, transcrevemos a introdução da canção
para podermos visualizar a interação entre os instrumentos melódicos.

Figura 18: Compassos de 1 a 4 da música Chovendo na Roseira

A interação transcrita no exemplo acima ilustra bem a desenvoltura e


flexibilidade em relação ao ritmo da música.
O violão e o piano fazem a mesma função na música, que é de mostrar a
harmonia e de torná-la leve e suave. Visto que os dois instrumentos se
completam, ambos executam uma levada com divisão rítmica com o uso de
poucas notas, que lembra o estilo de tocar introduzido por João Gilberto na Bossa-
Nova22. Na gravação, ambos aparecem como preenchimento timbrístico
complementado por uma flauta e um quarteto de cordas que tocam melodias entre
os espaços em que Elis Regina não canta23.

22
Para maiores detalhes sobre a levada do violão de João Gilberto consultar GARCIA, Walter. Bim
Bom, A contradição sem conflitos de João Gilberto. São Paulo, Paz e Terra, 1999.
23
O crítico musical Marco Antonio Barbosa relata sobre os músicos que compuseram o projeto de
gravação do álbum: “Tom entrou com a voz, piano e violão; o quarteto (Hélio Delmiro, guitarra;
Luizão Maia, baixo; Paulinho Braga, bateria; e o próprio Cesar, no piano elétrico) que tocava com
Elis ao vivo na época, mais a guitarra de Oscar Castro Neves, formaram a base sonora do álbum.
"Primeiro o Tom botava a voz e tocava. Depois entravam as cordas", narra Cesar, referindo-se ao
naipe de cordas arranjado pelo americano Bill Hitchcock - um dos poucos americanos a participar
do projeto, que era quase 100% brasileiro apesar de gravado na Califórnia, no estúdio MGM”.
Extraído do site www.cliquemusic.com.br em 28/06/2008

13
Além do piano e do violão serem instrumentos de extensão e timbres
diferentes, o violão toca os acordes numa região mais grave do instrumento e o
piano mais aguda dando à canção característica peculiar.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é o fato de que os três
instrumentos (piano, violão e contrabaixo) desempenham um papel harmônico
sem que as idéias de cada instrumento se percam e se choquem um com o outro.
Percebe-se os espaços preenchidos, entre uma progressão harmônica e outra,
são sempre melodias dobradas ora pelo piano, ora pela violão, junto da flauta ou
do quarteto de cordas.
Tais características apontadas acima têm uma enorme importância para o
que viria a ser o estilo rítmico de Luizão Maia, sobretudo a partir do diálogo
estabelecido com o piano, violão e a bateria. Com uma forma muito particular de
conduzir suas levadas, Luizão aplica com muita precisão as notas fundamentais
dos acordes nos primeiros tempos do compasso, dando base rítmica e melodia
aos outros instrumentos. Vejamos abaixo as notas nas quais o contrabaixo
repousa.

Figura 19: Compassos 151 a 158 da música Chovendo na Roseira

A base rítmica desse trecho é constituída pela bateria e pelo baixo que se
mantêm tocando poucas notas e com poucas variações. Essas variações
acontecem de uma maneira muito sutil. Geralmente são notas de passagem para
o próximo acorde, como as duas últimas colcheias de tercina do terceiro tempo,
que prepara a semínima do primeiro tempo do compasso seguinte. Isso é uma
característica dos baixos na bossa-nova e em sambas-canção.24 Abaixo
exemplificamos a utilização de notas de passagem para o próximo acorde.

24
GARCIA, Walter. Bim Bom, Op Cit..

14
Figura 18: Compassos 61 a 67 da música Chovendo na Roseira

Para Carlos Almada, uma boa linha de baixo deve bastar-se


harmonicamente, isto é, não deve precisar que outro instrumento toque os
acordes para que a progressão harmônica seja claramente percebida25. Neste
caso, o baixo é o fundamento da harmonia e do ritmo, sendo que é a partir dele
que as outras vozes se estruturam. Estas duas funções, a de servir e a de gerar o
ritmo e a harmonia, pautam a possibilidades criativas na composição da linha de
baixo.
Luizão apresenta um fraseado que se dá através da repetição de alguns
grupos de figuras rítmicas, sendo essas adaptadas de acordo com o caminho
harmônico estabelecido. No caso de Chovendo na Roseira, a frase melódica do
baixo vai se adaptando às situações harmônicas que se sucedem.
Pela transcrição observa-se que Luizão sempre toca notas que
caracterizam os acordes da progressão harmônica.O que geralmente se altera são
as figuras rítmicas usadas pelo baixista.

Figura 19: Harmonia do piano e linha de contrabaixo nos compassos 12, 19 e 34


da musica Chovendo na Roseira.

4.Conclusão

Este trabalho acadêmico, concluído pelo seu pesquisador, não esgota o


assunto proposto.
Concluído o trabalho, o encontro deste com outras leituras e audições de
gravações do período analisado acrescenta novos dados e possibilita o
surgimento de novas propostas sobre o assunto.
As leituras de métodos referentes ao contrabaixo e ritmos brasileiros e
estrangeiros, como também as análises das transcrições, nos permitiram recolher
dos materiais estudados, algumas hipóteses sobre as linhas de baixo de Luizão
Maia.
25
ALMADA, Carlos. Arranjo. Campinas. Editora da Unicamp, 2002 p.58.

15
De forma muito particular e criativa, o contrabaixista Luizão Maia, cria suas
levadas e conduz suas linhas de baixo com muito balanço. A utilização, com muita
precisão, de uma ampla gama de deslocamentos rítmicos e de “notas mortas”
tornam seus fraseados muito parecidos com os fraseados de instrumentos graves
de percussão, como tamborim, surdo, etc.
Há uma grande interação rítmica dos instrumentos – piano, baixo e bateria -
isso se deve ao fato de que os instrumentos se completam ritmicamente, como
visto nas análises. Tal característica tem uma enorme importância para
entendermos como o contrabaixo de Luizão Maia, estabelece um diálogo com o
piano e a bateria.
Visto sob a perspectiva das músicas analisadas, o fraseado melódico de
Luizão se adapta à progressão harmônica por meio de movimentos diatônicos,
passagens cromáticas e arpejos de acordes. Assim sua linha delineia a cadência
de acordes na qual a canção se estrutura.
Portanto, com uma linha comprometida ritmicamente com a marcação dos
compassos e com um fraseado definindo com clareza a condução harmônica,
Luizão abre a possibilidade de que outros instrumentos podem se estruturar na
canção.
Por fim, um importante fator que contribuiu para o desenvolvimento técnico
de Luizão e possibilitou que ele desenvolvesse novos padrões de linguagem do
baixo foi sem dúvida nenhuma a substituição do contrabaixo acústico pelo
contrabaixo elétrico.
Na música popular a partir dos anos de 1930, contrabaixo acústico aprece
como o principal instrumento baixo, sendo que na década de 1950 ele passa a ser
substituído progressivamente pelo baixo elétrico.
Até os anos 30, os baixistas usavam as cordas com ação bem alta, tocando
muito forte para que se pudesse tirar som do instrumento. Com a melhoria da
amplificação e criação do contrabaixo elétrico, os baixistas puderam abaixar a
ação das cordas, pois já não necessitava tocá-la tão fortemente. Este fato permitiu
maior agilidade e velocidade nas passagens musicais. A partir então os baixistas
começaram não apenas fazer a marcação do ritmo, mas também a dobrar os
temas e a improvisar.
Nesse contexto, a participação de Luizão Maia como instrumentista na
música brasileira pode ser analisado como uma possível síntese das principais
transformações que a música no Brasil passou durante todas essas décadas
como: a incorporação do jazz, da música latina e de outras influencias
estrangeiras.

16
5.Discografia

-REGINA, Elis. Programa Ensaio. Gravado originalmente em 1973. TV Cultura.


Relançado por Trama.

-REGINA, Elis/JOBIM, Tom. ELIS e TOM. Philips. 1974

6.Bibliografia

-ALMADA, Carlos. Arranjo. Campinas. Editora da Unicamp, 2002

-CALDEIRA, Jorge. A construção do samba. São Paulo. Mameluco Prod.


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-
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. Tradução:
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7.ANEXOS

7.1.TRANSCRIÇÃO- FOLHAS SECAS

18
19
7.2.TRANSCRIÇÃO- BRIGAS NUNCA MAIS

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