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Língua
Portuguesa
como segunda
língua para
surdos
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Pedro Stieler
Diretor Presidente Pedro Stieler
Coordenação Geral
Mara Regina Escobar
Diretora Vice-Presidente Maria Bernardete Bechler
Coordenação Pedagógica
UNÍNTESE
Marla Hilgert (Pedagógico)
Willian Dourado Teixeira (Tecnologia)
Equipe Técnica | Produção
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UNÍNTESE
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Professora Especialista em Tradução, Interpretação e Docência da Língua Brasileira de Sinais
pela UNÍNTESE e UTP – Universidade Tuiuti do Paraná. Licenciada em Letras, pela
Universidade Anhanguera Uniderp e Tradutora/Intérprete de LIBRAS.
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Contudo, como a surdez impede que a criança surda necessários às etapas da escolarização, seja na alfabetização,
incorpore um sistema linguístico oral/auditivo, ela não consegue no letramento ou nas séries que seguem.
dar significado para a língua, mesmo em contato com ela, o que A disciplina “Língua Portuguesa como Segunda Língua”
vai tornar mais difícil o processo de aquisição da língua pretende refletir sobre esta realidade, oferecendo suporte para
portuguesa escrita, ao entrar na escola. Isso explica porque a que os professores consigam enfrentar o desafio de ensinar a
simples menção dessa palavra desperta, para a maioria dos língua portuguesa para surdos, auxiliando estes alunos a se
surdos, a sensação de algo penoso, frustrante, sendo eles apropriarem desta língua, possibilitando-lhes a conquista de
estudantes ou não. resultados na aprendizagem, mediante a garantia de que
Para crianças ouvintes, o simples contato com a língua tenham as mesmas condições que os demais alunos inseridos
oral permite que elas interiorizem uma estrutura sintática2 e um neste mesmo ambiente linguístico.
vocabulário dotado de significados que passam a ser Nos tópicos seguintes serão tratadas as seguintes questões:
empregadas na construção dos diálogos e nas mais diversas
situações de comunicação falada. Esse uso da língua falada a) se os fatores biológicos interferem no aprendizado da
facilita o processo de alfabetização com o domínio da escrita, língua portuguesa para os surdos e, se assim o for, quais
contribuindo para toda a aprendizagem da criança. devem ser os métodos a serem utilizados para que a
aprendizagem ocorra.
As crianças surdas em idade escolar têm direito ao
acesso à escola com professores qualificados para recebê-las, b) O processo de aquisição linguística por crianças surdas;
assim como acontece com alunos ouvintes. O desconhecimento c) A alfabetização e o letramento de crianças surdas,
por parte dos professores de como a criança surda aprende a vivenciados numa perspectiva bilíngue, pressupondo que as
língua portuguesa acarreta em enormes problemas: mesmas tenham se apropriado da primeira língua, a LIBRAS.
primeiramente, o aluno não consegue entender os conteúdos no
seu todo, lacunas no entendimento, na comunicação e na
aprendizagem está relegada, em muitos casos, à mera
repetição de palavras e sons destituídos de significados. A
escola poderá ser frustrante, uma vez que não responde às
expectativas de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno
surdo, contribuindo para que ele se sinta como um estrangeiro
em seu próprio país. Por outro lado, o professor sente-se
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angustiado por não conseguir estabelecer uma comunicação
linguística eficaz para a construção dos conhecimentos
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Estrutura sintática refere-se a forma de se organizar uma ideia compreensível através dos
vocábulos de uma língua e utilizá-la para uma comunicação oral ou escrita, considerando um
conjunto de regras que formam o sistema lingüístico.
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Por outro lado, a surdez hoje, entendida sob o ponto
de vista cultural e sócioantropológico, leva em conta as
questões culturais envolvidas nas manifestações linguísticas
das pessoas surdas, expressas através da Língua Brasileira
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de Sinais – LIBRAS. Reconhecida oficialmente como meio de O reconhecimento de que esta língua, utilizada pelos surdos
comunicação utilizado pela “comunidade surda”, a LIBRAS é, como meio de comunicação, é na verdade a primeira língua
portanto, uma língua carregada de significados, manifestando (L1), exige dos educadores o entendimento do ensino da Língua
experiências visuais, modos de vida, emoções e expectativas. Portuguesa ao usuário surdo da LIBRAS como uma segunda
língua (L2).
Uma pessoa surda, que domina o uso da LIBRAS, ao
entrar para a escola regular onde a língua predominante é a
Língua Portuguesa, exige que os educadores possuam um
conhecimento básico da estrutura da LIBRAS, para que esse
professor possa compreender o aluno e auxiliá-lo na construção
de novos conhecimentos em uma nova língua, no caso a Língua
Portuguesa. Exige, também, do educador, uma redefinição de
estratégias com o emprego de recursos apropriados, uma vez
que o ensino da Língua Portuguesa será ministrado para um
aluno usuário da LIBRAS e, portanto, o professor estará
ensinando a ele uma segunda língua. Perspectivas no ensino da Língua Portuguesa
como segunda língua para surdos.
O uso das duas línguas nesse processo caracteriza o
princípio da educação bilíngüe, partindo do entendimento de
que a pessoa faz uso de uma língua materna, a qual deve ser
reconhecida e valorizada, bem como da aceitação de que, no
caso dos surdos, esta primeira língua, a materna é a LIBRAS
(denominada L1) e a Língua Portuguesa a ser ensinada é a Observamos que o ensino da Língua Portuguesa para os
segunda língua materna (denominada L2). surdos está cada vez mais vinculado ao ensino da escrita em
contraposição à modalidade oral/auditiva. Na perspectiva
bilíngue, ensinar a Língua Portuguesa como uma segunda
língua para os surdos, deve ser entendida como a aquisição
da escrita. Neste processo a leitura é fundamental (BRASIL,
O bilinguismo possibilita ao surdo adquirir/aprender
a língua que faz parte da comunidade surda (...).
2002, p.18). A leitura é o foco no ensino da língua
Esta proposta também oferece o acesso à língua portuguesa aos surdos, visto este processo estar vinculado ao
ato de ler (decifrando os grafemas) e de compreender palavras
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oral e aos conhecimentos sistematizados,
priorizando que a educação deve ser construída a e textos. É na leitura e compreensão que nos apropriamos
partir de uma primeira língua, a de sinais, para em da estrutura gramatical da Língua Portuguesa. Na leitura o
seguida ocorrer à aquisição da segunda língua, o
português (oral e/ou escrito). (DIZEU & CAPORALI,
sujeito reflete seu universo sócio-histórico-cultural, pois “a leitura
2005, p. 591). do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta é
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importante para a continuidade da leitura daquele” (FREIRE, que mudará mediante a apropriação de toda a estrutura desta
1997, p.11). Nessa perspectiva, segunda língua, onde a leitura é um fator essencial.
Deste modo, ao aprender um vocábulo na Língua
Portuguesa valendo-se da LIBRAS como meio de instrução, o
aluno surdo irá compreender primeiramente o significado na
LIBRAS para posteriormente associá-lo ao grafema utilizado na
“A leitura atinge um grande público, em que o surdo se escrita da Língua Portuguesa, para depois memorizá-lo,
insere como cidadão-leitor tanto quanto um ouvinte, relacionando-o ao seu significado.
embora os procedimentos metodológicos sejam
diferentes quando se trata da aquisição de L1 e L2 e de Posteriormente, no texto, estes vocábulos estarão
aquisição da modalidade escrita da língua oral pelo isolados e também desconexos para os iniciantes deste
surdo.” (BRASIL, 2002, p. 19). aprendizado. No entanto, quando não há o conhecimento da
LIBRAS por parte do aluno e o ensino fica condicionado à
capacidade auditiva deste indivíduo, o processo dependerá de
outros fatores, como o grau da perda auditiva e o estímulo
oportunizado a este aluno no contato com a língua portuguesa
O ensino da Língua Portuguesa para os surdos deve na modalidade oral/auditiva.
centrar-se na modalidade escrita por estar adequada à sua
realidade, independentemente da capacidade auditiva. O foco
prioritário é o de subsidiar linguisticamente este aluno em sua
primeira língua (L1) LIBRAS e, posteriormente, ao valer-se
desta como meio de comunicação, utilizá-la também como
ferramenta de instrução da Língua Portuguesa escrita, a sua
segunda língua (L2).
Na prática, porém, este é um grande desafio para nós
ouvintes, principalmente no espaço escolar onde a maioria é
falante, usuária da Língua Portuguesa, a língua oficial do
ensino. Pensar na Língua Portuguesa como segunda língua,
para nós educadores ouvintes, é uma tarefa, um tanto
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desconfortável. É pensar, por exemplo, na aprendizagem escrita
da língua inglesa, por um ouvinte que possui outra língua
materna: inicialmente estará se apropriando de alguns
vocábulos e escrevendo-os num texto de forma desconexa, sem
condições de expressar, nesta escrita, a compreensão obtida, o
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português (QUADROS, 2005, p.33).
cognitivo acompanhará o desenvolvimento da linguagem. A
criança surda que não usa a LIBRAS, ao ser inserida na escola,
com o ensino da Língua Portuguesa, irá adquirir uma pseudo-
língua, com lacunas linguísticas e principalmente atrasos
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na língua de sinais e conseguir estruturar seus pensamentos de
forma a estabelecer uma comunicação é que, inicia-se o
processo de ensino da L2 (Língua Portuguesa escrita).
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UNÍNTESE
(Artigo da disciplina Língua Portuguesa como 2ª língua) Curso de Pós-
graduação em Docência, Tradução e Interpretação da LIBRAS. Santo
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