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A Mensagem (autoral)

Lorrayne Layla experimentava uma sensação de tristeza, que ela mesma


não saberia dizer a causa. Não era somente o sentimento de fracasso, comum
em fins de ano, que a impedia de coexistir com o mundo ao seu redor. Se
soubesse também não poderia remediar justamente aquilo que a fazia se sentir
viva naquele momento. A melancolia lhe aspirava superioridade. A alegria
inane das pessoas lhe causava profundo desdém. Contemplou a multidão
histérica, assim como se contempla um monstro, um monstro sem cabeça diria
Chaplin.

Deixou a festa cedo, pouco depois do entusiasmo. Lorrayne, que nunca


foi muito tolerante quanto aos próprios sentimentos, preferiu, naquela noite,
uma exceção. Aborrecida de mais uma festa onde as expectativas não foram
supridas, abasteceu uma taça com bebida forte e foi pra sacada; queria relaxar.
O seu espírito era neste momento uma das flores doentias de Baudelaire.
Compartilhava com o poeta o vinho dos solitários.

Decepcionar-se – ou frustrar-se, como é o caso – consegue ser mais


comum em festas do que o cheiro de halls e cigarros.

Lorrayne estava sozinha em seu apartamento na capital, e deixou a festa


sem que seus amigos soubessem.

Agora a moça tinha nas mãos uma taça com vinho e um último gole.
Tomou-o e permaneceu absorta. Era pouco mais de meia noite, quando ela
recebeu uma inesperada mensagem em seu celular:

“De Júlio. Oi, lembra de mim? Faz tempo q a gente naum se vê. Como vc
ta? Tou com saudade!

À porta de seu quarto sentiu o telefone vibrar. Leu a mensagem e seguiu


para sala de estar. Pensou em tomar banho e desistiu. Sentou no sofá. Ligou a
TV. Procurou algum programa bom, que não fosse um cortejo com. Achou um
de humor, que não era bom. Não tinha importância. Ela só queria manter os
olhos fixos, para que o pensamento pudesse voar. Novamente o celular vibrou.
Novamente era Júlio – a mensagem era a mesma. Lorrayne leu-a com os
olhos. Demonstrou mais interesse desta vez. Não o bastante para responder.

Houve uma época em que já teria respondido desde a primeira. Isto se


não fosse ela mesma quem o estivesse incomodando no meio da noite.
Lorrayne gostava de conversar com Júlio, principalmente quando triste. Por
algum motivo, ele a deixava bem. Foram grandes amigos quando estudaram
juntos no ensino médio. Por ele teriam sido namorados, por ela talvez, mas
nunca quiseram arriscar. Numa noite de franqueza, entre uma separação e
outra de Lorrayne – ela sempre estava namorando – os dois conversaram
sobre a possibilidade de ficarem juntos. Decidiram que se a vida fosse um filme
e o beijo o final feliz, sem o risco do depois e as complicações que nele há,
nada no céu e na terra poderia impedi-los de se amarem. Temiam o fim da
amizade.

Não temeram o fim das aulas. Juraram amizade eterna, confirmaram


endereços e telefones, e as primeiras semanas foram de contato intenso.
Contudo, o tempo torna preguiçosos os sentimentos. Necessidade de se ver e
bem querer dão lugar a uma saudade verdadeira, que a distância se encarrega
de substituir pelas amizades novas que surgem. Não havia mais saudade;
havia apenas uma lembrança boa, mas tão distante que talvez não valesse os
créditos de uma resposta.

O celular estava num canto do sofá. Lorrayne, meio sonolenta, moveu


levemente os lábios como que sorrindo. Era o que sobrara das grandes
gargalhadas que no passado dera com o amigo. Um olá não fará mal – pensou.
Inclinou-se para pegar o celular. Recuou a tempo, advertindo-se que Júlio já
poderia estar dormindo. Ele parecia não estar se importando com o sono da
garota, mas ela se importava em não ser incômoda. Não obstante, Lorrayne
sabia que o rapaz não se incomodaria. Provavelmente ele estava com o
telefone em mãos, esperando a resposta. Porém, quando não se está a fim de
fazer alguma coisa, qualquer desculpa é bem vinda. Lorrayne não queria olhar
para trás, principalmente depois da noite que tivera. Seria como se agarrar a
um passado divertido para amenizar um presente infeliz.

É claro que a moça não pensava nestas coisas conscientemente. Apenas


os bons motivos são conscientes. Mas, não era pelo medo de incomodar que
Lorrayne queria desligar o telefone. Antes que pudesse transformar a vontade
em ato, Júlio se manifestou.

“Ta uma noite normal... A não ser pelo estranho q te observa”.

Houve um curto período de suspense. Lorrayne quis rir, mas quem a


visse diria que estava assustada. Certamente era uma brincadeira de Júlio, que
sempre foi palhaço, mas a garota só conseguia pensar no outro lado do cara.
Ele era esquisito, muito esquisito.

A grande janela de vidro, única na sala, ganhara aspecto ameaçador.


Poderia ter ali um doente a observando de binóculo, masturbando-se talvez,
pensou ela – vira cena parecida num filme. E tal qual a desafortunada
protagonista do filme, estava ela de calcinha e sutiã. Lorrayne desdenhou a
possibilidade e usando desse sentimento, fechou as cortinas, e formulou uma
frase para enviar ao antigo amigo. Júlio foi mais rápido.
“Tou zoando com vc. Viu como tem coisas bem piores do q um amigo
com xaudade te enchendo no meio da noite!? Agora me envia alguma coisa.
Pode ser um palavrão se kiser”.

Desta vez ele conseguiu fazê-la sorrir de verdade. Lorrayne apagou o que
tinha escrito antes e enviou algo carinhoso para Júlio, juntamente com um
pedido de desculpas pela demora em responder: é que ela estava dormindo, só
foi acordar com a última mensagem.

“Axei q vc tinha ido na festa. Vc ta bem? Nunca perdeu uma festa de fim
de ano”.

“Tou bem – respondeu Lorrayne – tou com um pouco de cólica e kuase q


minha menstruação desce + cedo por causa dakela história de estranho na
janela... Fui a festa, mas voltei cedo. Naum tinha nada”.

Júlio recebeu a primeira mensagem com desconfiança, e a segunda com


um sorriso. Ele reconhecia aquele estilo. Trocaram muitas mensagens outrora.
Era a maneira usual de se corresponderem, assim como era usual para
Lorrayne falar de suas coisas íntimas nas mensagens que enviava. Júlio não
sabia o porquê disso, mas achava legal.

A conversa continuou. Falavam de como foram e de como estavam, e


reclamavam. Reclamar é a primeira atitude de amigos que se reencontram.
Normalmente são reclamações poéticas, dessas que se vê em filmes, que não
dá repulsa, e que até faz rir.

Lorrayne falou do seu último namorado. Um narcisista filho de uma puta.


Na penúltima vez em que ficaram, depois de se beijaram, ele disse que a pele
dela estava áspera, cheia de espinhas, e aconselhou o uso de sabão de coco.

“Bom conselho. Vc tem muita espinha mesmo” – concordou Júlio.

“Filho da puta...”

Júlio, por sua vez, omitiu. Ele nunca falava de si. Normalmente porque
Lorrayne estava respondendo as perguntas dele, e ela gosta muito de falar.
Mas também porque Júlio nunca achava a própria história interessante. Se não
omitisse, mentiria um bocado.

Se não omitisse e nem mentisse, não teria muito pra dizer. Na verdade os
anos de afastamento foram uma droga para ele. Não viajou, quase não
conheceu garota que valha a pena comentar – as comentáveis, ele não
agarrou. Não se envolveu em brigas, não escreveu um livro, não plantou uma
árvore, não virou um roqueiro famoso. Trabalhar foi tudo o que fez. Trabalhar e
pensar em Lorrayne.
Uma hora de bate-papo silencioso e parecia que as aulas nunca tinham
acabado. Lorrayne falou sobre isso e depois quis saber das lembranças que
Júlio tinha da escola. Que escola que nada. A garota queria mesmo era saber o
que ele tinha a dizer sobre o convívio com ela. Dependendo do que fosse, ela
saberia se o cara ainda era a fim dela ou não. Capricho da vaidade. Garotas
gostam de se sentirem atraentes, charmosas e bonitas; para isso, seduzem os
meninos, não por estarem a fim deles, coitados, apenas para que os mesmos
as desejem. Uma terapia de beleza. E os asnos, pensam que estão com tudo.

“Naum cabe na tela de um celular as páginas lidas e relidas de um trecho


feliz da vida de uma pessoa”.

Era mais do que ela esperava. Bem dizia Tolstói que, a vida sem vaidade
seria quase que insuportável.

“Caramba, hein!!! Vc realmente gostava dakela escola”.

“A escola era uma merda. Estar contigo é q me deixava feliz” – enviou


Júlio, impulsivamente.

Muito direto até para Lorrayne. Ela ficou sem ter o que dizer, mas gostou
do que leu. Estava precisando daquilo mais do que nunca. Lorrayne estava
demorando mais que o normal para responder, Júlio era muito ansioso, e a
possibilidade de tê-la assustado e acabado com a conversa estava
aterrorizando ele. Júlio andava pelo quarto, confuso.

Os fogos haviam terminados e só se ouvia um amontoado de vozes


indistinguíveis lá fora. Estava quente, e um suave vento sacudia as cortinas
assombrosamente. Lorrayne ascendeu a luz e evitou olhar para o escuro,
fechou os olhos e pode ouvir um cão latindo ao longe. Não foi o bastante para
aliviar um medo inexplicável que sentia. Um terrível pensamento acometeu-a
naquele momento: se fosse ele agora um psicopata? Sentiu o sangue em suas
veias gelar. Esses tipos são mais comuns do que julgamos pensar – sussurrou.

Muito provável – pensou ela –, em se tratando de um tipo tão estranho.


Tentou lembrar-se de ocasiões que pudesse confirmar sua hipótese.

Um dia, a merendeira dele caiu bem no meio do pátio, espalhando


pedaços estranhos que mais pareciam coco de cachorro. Na mesma hora ele
foi cercado por uns trinta e cinco garotos. E todos começaram a gritar “morcela,
morcela…” Ele caiu de joelhos. Cabeça baixa e as lagrimas rolando enquanto
em volta dezenas de crianças gritavam morcela pra ele. O apelido lhe caiu
bem, pois ele era magricela como uma linguiça. Situação digna de criar um
Leatherface.
Júlio de pé no meio do seu quarto escuro, barba por fazer e seus olhos
mansos, viajando pelos pôsteres nas paredes, das bandas preferidas de
Lorrayne, segurava o celular com dedos finos e trêmulos. Estava demorando
mais que o normal, então foi logo redigindo qualquer coisa que pediria
resposta. Lorrayne então digitava, e ele esperou...

“Por q nunca fikamos??”

Júlio se sentou, mas sentaria num prego se não tivesse opção. Porque
nunca ficaram? – pensou. Porque ela não quis, obviamente – concluiu. Disso
ele tinha certeza. A quantidade de sentimentos que Lorrayne deixou
desperdiçado no peito do cara seria o bastante para converter o diabo. E não
foi por duvidar, pois ele sempre deixou claro o que sentia. Ela não quis e
pronto.

Não passava pela cabecinha estúpida de Júlio a ideia de que para ficar
cada vez mais próximo da amada, muitas vezes ele deu uma de confidente,
ouvindo troços relacionados aos agarros da moça, e até dando a sua opinião.
Situação ridícula. Que tipo de sujeito não sabe que quando uma garota se
apega demais a ele, e não pelos motivos certos – sexo – esse sujeito ganha
sua total confiança, e acaba ficando meio que assexuado? Alguém que não
compensa arriscar por causa dos hormônios. Mas o cabeçudo do Júlio nunca
cogitaria tal possibilidade. Ainda bem que ele não pretendia estragar tudo a
culpando por um passado sem beijos. Acabou enviando uma mensagem até
legal.

“Tenho uma pergunta melhor: Por q a gente naum fika?? Sempre quis vc.
Hehehe...”

“Uau, que direto! Axei que com a distância vc já teria me eskecido e


estaria namorando uma loira peituda... Lembra da loira peituda?”

Sempre que falava do seu futuro, Júlio incluía nele uma loira peituda.

“Eu tou namorando, mas ainda naum é a minha loira peituda...”.

Inesperado. Lorrayne, que estava deitada, com o fone, ouvindo Coldplay


em seu celular, sentou-se no sofá. Olhava a TV, ainda ligada, mas prestava
atenção na música que ouvia. Desde o início, a garota não estava levando
muito a sério aquele flerte noturno. Mas um flerte sempre empolga, seja como
for. E além do mais, Júlio sabia envolver; tinha estilo. Não é de se admirar certo
choque com o repentino namoro do cara – repentino para ela.

Aquele parecia um bom momento para dizer tchau e ir dormir. Lorrayne


morria de sono e se isso não bastasse, a conversa começava a ficar chata. É
chato para uma garota egocêntrica ficar de conversa com um cara que começa
a falar da própria namorada. Se ao menos fosse o amor da vida dela até que
seria suportável, mas o sujeito era o Júlio.

A egocêntrica Lorrayne Layla ficou louca para dar um fim àquilo tudo, de
uma maneira ríspida inclusive. Mas a Lorrayne orgulhosa não seria tão
precipitada. Não, não seria. Ela pensaria um pouco. Pensaria e lembraria que
Júlio a ama. Sempre amou. Pensaria mais, e descobriria que ele estava era
querendo fazer ciúme nela – ideia boba, mas o amor é bobo. E depois de
pensar mais um pouco, concluiria que o melhor a fazer era continuar a
conversa, para ver no que dava.

Lorrayne – não a egocêntrica e nem a orgulhosa, a Lorrayne mesmo –


continuava sentada, ouvindo música alta e assistindo TV, enviou para Júlio
uma mensagem indignada. Indignação fingida e mal fingida, como nas vezes
em que brincavam de brigar na escola. Algo que Júlio achava fascinante.

Mais uma vez o orgulho estava certo. Restabelecido o controle,


revigorado o ego, Lorrayne quis saber quem era essa talzinha que Júlio estava
pegando. Se ela a conhecia, se era da turma, se era bonita, essas coisas.

“Naum sei se vc conhece. O nome dela é Marcela... Ela ta dormindo aki


em ksa, no meu quarto, bebeu todas”.

Não é verdade. Júlio está sozinho. Não tem mais ninguém em casa.
Mentiroso como sempre.

“Ela ta na sua ksa!? Por que vc naum come ela?!”

“Depois que terminar de ler o livro que vc me deu kkkkkk...”.

“Aqle livro??? Ñ leu ainda?”.

“Varias vezes, perdi a conta, me faz lembrar de ti”.

Era um Machado de Assis. Ela disse que era uma boa leitura. E passado
dois meses, Júlio não tinha chegado à metade do livro. Agora diz que leu várias
vezes para lembrar-se dela. O cara odiava ter que olhar no dicionário a cada
parágrafo que terminava. Todo livro antigo – dizia ele – devia passar por uma
revisão no seu vocabulário para se adequar à linguagem atual. O livro logo
voltou ao seu canto obscuro para que Júlio pudesse se concentrar nos seus
pensamentos obscuros.

“Não fuja do assunto” – enviou Lorrayne.

“Naum é assim que funciona minha cara”.

“Naum é mesmo! Vc naum disse se ela é bonita”.


“Ela é bonita. Se fosse feia eu nem falava dela”.

“Que superficial vc... Largaria ela por mim???”

Ele já tinha dito antes, mas ela queria ouvir de novo. Júlio leu, pensou
bem e respondeu:

“Tou pensando se devo lutar por vc ou esquecê-la de vez para ficar com a
garota dormindo na minha cama. O q vc acha?”

“Naum tenho opinião sobre isso. Mas agora sei q vc a largaria por mim.”

“Largaria sim. Agora preciso saber: O que vc sente por mim? Tenho
alguma chance?”

Toda a coragem que Júlio economizara nos tempos de colegial parecia


ter se transformado em mensagens diretíssimas agora. Lorrayne tentou não
responder.

“Eu q pergunto: O q vc sente por mim?”

“Quase naum me lembro do seu rosto, mas ainda gosto de vc... Sua vez
de responder”.

“Te adolu D + + +”.

Não foi uma boa resposta. Aquilo era coisa de amiguinha.

“Tenho chance?”

“Tivemos nossa chance...”.

Júlio tentava lembrar quando foi isso. E o arrependimento veio, pois ele
sempre espreita decisões. Mas, já era tarde, como é para todo arrependido.
Lorrayne só podia fazer o que todo mundo faz: esperar a consequência, se é
que viria alguma.

Tivemos nossa chance, lera Júlio com os olhos. Júlio era um desses que
complicam. Esperam o momento certo, a ideia certa, quando bastaria apenas
chegar junto sem cerimônia. A vida é muito simples, e os ignorantes usufruem
bem dessa sabedoria, sem se dar conta disso, certamente.

Lorrayne, a intolerante, cansou da pena que sentia e resolveu ir dormir.


Mas, mesmo os mais intolerantes, esperam mais um pouquinho. Foi quando o
celular vibrou.

“Estranho. O seu fora naum foi tão terrível quanto imaginei que seria. Ker
dizer, naum doeu tanto”.
“É que vc ta namorando. Ninguém chora, se todos estão contentes”. Ps:
Naum foi um fora. Foi uma resposta impensada para uma pergunta que naum
se faz”.

Foi um fora e Júlio não estava a fim de discutir isso. Acabaria ouvindo
aquela história de que chance não se pergunta, se consegue. Desfazer a
imagem de contente é que era a sua maior preocupação.

“Naum tou contente. Naum confunda. Acho que tou tão deprimido que
começo a perder a capacidade de sentir”.

“Naum seja tão dramático”.

“Serei + dramático ainda: Prove que sou importante”.

“É madrugada e eu ‘tô aqui, ti dando toda a minha atenção”.

“Naum basta. Vc naum salva a vida de ninguém com isso”.

Salvar a vida! Do que é que ele estava falando? – pensou ela. Lorrayne
ficou de bobeira.

“Que conversa doida é essa?” – perguntou a moça.

“Conversa doida naum pede explicação. Pense apenas que sou juiz e réu, e
que tudo depende da sua habilidade em transformar palavras em sentimentos”.
“PS: Sentimentos bons espero (Sou um juiz meio imparcial)”.

Muito obtuso, mas legal. Juiz e réu era uma brincadeira que fez sucesso
na época em que estudaram juntos. Tinha conotação sexual, mas era bem
engraçado ver o cara se julgando e se punindo. Lorrayne escreveu
rapidamente uma mensagem, cheia de carinho, mostrando a Júlio que todo
mundo gostava dele. Elogiar na primeira pessoa é meio esquisito, por isso
geralmente usa-se esse “todo mundo aí”.

“Péssimo. Deu até vontade de morrer” – respondeu ele quase que


simultaneamente.

“Sem essa, tá! Ninguém me engana. Vc tá querendo é ir comer a tal da


Marcela...”.

“Talvez. A punição pode ser o abandono de coisas, ou pessoas importantes,


por outros naum tão importantes assim. Naum deixe acontecer. Só vc importa”.

“Sinceramente naum sei o que vc quer”.


Nem Júlio sabia o que queria. Em sua cabeça reinava uma confusão
extraordinária. Acredito que ficou assim depois que viu Lorrayne, naquela
mesma noite, saindo sozinha e quieta da festa. Parecia precisar dele, foi o que
ele deduziu. Não precisava como ele mesmo constatou. Mas parecia que
precisava e o cara saiu fora quando a festa esquentava. Andou por ruas
sinistras sem medo, sentiu medo de ligar para ela quando já estava em casa, e
acabou enviando uma mensagem medrosa.

Agora ele fazia uma pressão besta para a garota revelar possíveis
sentimentos ocultos. Era mais uma dessas ideias geniais que aparecem de vez
em quando, e que causam uma vergonha enorme no dia seguinte. Mas, Júlio
estava cagando para o dia seguinte. Acho que descobriu que não era ela que
precisava dele, mas ele que precisava desesperadamente de Lorrayne.

“Eu te amo”– enviou Júlio – “vc é a única coisa boa que tenho e eu naum
tenho vc. Mostre para mim um valor que eu ainda naum achei em mim. Dane-
se o que os outros pensam. Só vc importa”.

Lorrayne tirou o fone do ouvido e um cravo da testa. Pegou o celular e


sem pensar muito, começou a redigir a tal mensagem salvadora. Não pensava
para escrever porque pensava no “eu te amo” que tinha recebido. Um “eu te
amo” mexe com a pessoa, falando sério. Principalmente se a pessoa nunca
ouviu um. Lorrayne nunca tinha ouvido um “eu te amo” antes. Estava
acostumada com os similares, que são vulgares, naturalmente. Júlio tinha
mandado bem mais uma vez, embora fosse por um motivo que Lorrayne
considerava besta.

“Cadê a minha mensagem??? O fim deixa agente impaciente” – enviou


ele.

“O que está acontecendo garoto?”

“Estou prestes a me atirar do quarto andar...”

A garota ficou nervosa e demorou mais. Quer dizer, demorou porque


apagou o que já tinha escrito. Foi sem querer. Ela fechou o aplicativo quando
foi olhar a mensagem que chegara. Mas não houve lamento. Estava ficando
uma droga mesmo. É que elogiar na primeira pessoa é esquisito,
especialmente se o elogio for sincero.

Lorrayne parou e respirou. Seu pensamento voou finalmente, e encontrou


uma lembrança que se perdia no seu antônimo. Era uma lembrança de quando
se reconheceram pela primeira vez. Alunos com boas notas foram
selecionados para ir numa palestra que aconteceria no Auditório Municipal.
Lorrayne Layla tinha boas notas, naturalmente. Mas suas melhores amigas
eram burras e seu namorado também. Um possível isolamento não a fez
desistir. Seria até legal inventar um monte de coisas para eles no dia seguinte.

A palestra acabou meio tarde. Ao sair, Lorrayne percebeu que seu pai
não estava esperando-a, como o combinado. Uma ligação resolveria aquele
desencontro, mas ela não tinha celular naquele momento. Tudo o que podia
fazer era ficar lá parada, esperando quem devia esperá-la.

A rua foi ficando vazia e sombria. As pessoas da palestra sumiam nas


esquinas, enquanto que outras, que a noite se encarregava de deixá-las
suspeitas, pareciam espreitar a moça. Lorrayne sentiu medo. Foi quando Júlio
apareceu, cumprimentou e sentou ao seu lado no meio-fio. Uma boa
companhia, embora pouco conhecida. Até então aquele carinha era só um
colega de sala de aula, nada mais.

Ele perguntou e Lorrayne disse que estava esperando pelo pai. Júlio
resolveu ficar por ali. Também tinha ido à palestra, e também esperava pela
sua carona. Conversaram pouco. O pai de Lorrayne chegou rápido.
Despediram-se e ela entrou no carro. A garota deu uma olhada para trás e viu
Júlio seguindo o seu rumo a pé. Para ele, aquele gesto certamente não tinha
significado muita coisa – chegou a pensar que tinha incomodado. Mas para ela
foi fantástico. E engraçado porque Júlio era engraçado.

Sempre é bom recordar. Para Lorrayne foi bom e inspirador. Em pouco


tempo, sem frases feitas nem nada, a garota redigiu a mensagem mais linda e
sincera da história das mensagens por celular. Antes de enviar, ela salvou
umas três vezes o que tinha escrito, caso resolvesse usar em outra ocasião.
Fez isso e enviou. Não obteve resposta.

Lorrayne deixou a sala e foi para o quarto. Esperou só mais um


pouquinho e depois caiu na cama. Estava preocupada, mas pegou logo no
sono.

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