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Agora a moça tinha nas mãos uma taça com vinho e um último gole.
Tomou-o e permaneceu absorta. Era pouco mais de meia noite, quando ela
recebeu uma inesperada mensagem em seu celular:
“De Júlio. Oi, lembra de mim? Faz tempo q a gente naum se vê. Como vc
ta? Tou com saudade!
Desta vez ele conseguiu fazê-la sorrir de verdade. Lorrayne apagou o que
tinha escrito antes e enviou algo carinhoso para Júlio, juntamente com um
pedido de desculpas pela demora em responder: é que ela estava dormindo, só
foi acordar com a última mensagem.
“Axei q vc tinha ido na festa. Vc ta bem? Nunca perdeu uma festa de fim
de ano”.
“Filho da puta...”
Júlio, por sua vez, omitiu. Ele nunca falava de si. Normalmente porque
Lorrayne estava respondendo as perguntas dele, e ela gosta muito de falar.
Mas também porque Júlio nunca achava a própria história interessante. Se não
omitisse, mentiria um bocado.
Se não omitisse e nem mentisse, não teria muito pra dizer. Na verdade os
anos de afastamento foram uma droga para ele. Não viajou, quase não
conheceu garota que valha a pena comentar – as comentáveis, ele não
agarrou. Não se envolveu em brigas, não escreveu um livro, não plantou uma
árvore, não virou um roqueiro famoso. Trabalhar foi tudo o que fez. Trabalhar e
pensar em Lorrayne.
Uma hora de bate-papo silencioso e parecia que as aulas nunca tinham
acabado. Lorrayne falou sobre isso e depois quis saber das lembranças que
Júlio tinha da escola. Que escola que nada. A garota queria mesmo era saber o
que ele tinha a dizer sobre o convívio com ela. Dependendo do que fosse, ela
saberia se o cara ainda era a fim dela ou não. Capricho da vaidade. Garotas
gostam de se sentirem atraentes, charmosas e bonitas; para isso, seduzem os
meninos, não por estarem a fim deles, coitados, apenas para que os mesmos
as desejem. Uma terapia de beleza. E os asnos, pensam que estão com tudo.
Era mais do que ela esperava. Bem dizia Tolstói que, a vida sem vaidade
seria quase que insuportável.
Muito direto até para Lorrayne. Ela ficou sem ter o que dizer, mas gostou
do que leu. Estava precisando daquilo mais do que nunca. Lorrayne estava
demorando mais que o normal para responder, Júlio era muito ansioso, e a
possibilidade de tê-la assustado e acabado com a conversa estava
aterrorizando ele. Júlio andava pelo quarto, confuso.
Júlio se sentou, mas sentaria num prego se não tivesse opção. Porque
nunca ficaram? – pensou. Porque ela não quis, obviamente – concluiu. Disso
ele tinha certeza. A quantidade de sentimentos que Lorrayne deixou
desperdiçado no peito do cara seria o bastante para converter o diabo. E não
foi por duvidar, pois ele sempre deixou claro o que sentia. Ela não quis e
pronto.
Não passava pela cabecinha estúpida de Júlio a ideia de que para ficar
cada vez mais próximo da amada, muitas vezes ele deu uma de confidente,
ouvindo troços relacionados aos agarros da moça, e até dando a sua opinião.
Situação ridícula. Que tipo de sujeito não sabe que quando uma garota se
apega demais a ele, e não pelos motivos certos – sexo – esse sujeito ganha
sua total confiança, e acaba ficando meio que assexuado? Alguém que não
compensa arriscar por causa dos hormônios. Mas o cabeçudo do Júlio nunca
cogitaria tal possibilidade. Ainda bem que ele não pretendia estragar tudo a
culpando por um passado sem beijos. Acabou enviando uma mensagem até
legal.
“Tenho uma pergunta melhor: Por q a gente naum fika?? Sempre quis vc.
Hehehe...”
Sempre que falava do seu futuro, Júlio incluía nele uma loira peituda.
A egocêntrica Lorrayne Layla ficou louca para dar um fim àquilo tudo, de
uma maneira ríspida inclusive. Mas a Lorrayne orgulhosa não seria tão
precipitada. Não, não seria. Ela pensaria um pouco. Pensaria e lembraria que
Júlio a ama. Sempre amou. Pensaria mais, e descobriria que ele estava era
querendo fazer ciúme nela – ideia boba, mas o amor é bobo. E depois de
pensar mais um pouco, concluiria que o melhor a fazer era continuar a
conversa, para ver no que dava.
Não é verdade. Júlio está sozinho. Não tem mais ninguém em casa.
Mentiroso como sempre.
Era um Machado de Assis. Ela disse que era uma boa leitura. E passado
dois meses, Júlio não tinha chegado à metade do livro. Agora diz que leu várias
vezes para lembrar-se dela. O cara odiava ter que olhar no dicionário a cada
parágrafo que terminava. Todo livro antigo – dizia ele – devia passar por uma
revisão no seu vocabulário para se adequar à linguagem atual. O livro logo
voltou ao seu canto obscuro para que Júlio pudesse se concentrar nos seus
pensamentos obscuros.
Ele já tinha dito antes, mas ela queria ouvir de novo. Júlio leu, pensou
bem e respondeu:
“Tou pensando se devo lutar por vc ou esquecê-la de vez para ficar com a
garota dormindo na minha cama. O q vc acha?”
“Naum tenho opinião sobre isso. Mas agora sei q vc a largaria por mim.”
“Largaria sim. Agora preciso saber: O que vc sente por mim? Tenho
alguma chance?”
“Quase naum me lembro do seu rosto, mas ainda gosto de vc... Sua vez
de responder”.
“Tenho chance?”
Júlio tentava lembrar quando foi isso. E o arrependimento veio, pois ele
sempre espreita decisões. Mas, já era tarde, como é para todo arrependido.
Lorrayne só podia fazer o que todo mundo faz: esperar a consequência, se é
que viria alguma.
Tivemos nossa chance, lera Júlio com os olhos. Júlio era um desses que
complicam. Esperam o momento certo, a ideia certa, quando bastaria apenas
chegar junto sem cerimônia. A vida é muito simples, e os ignorantes usufruem
bem dessa sabedoria, sem se dar conta disso, certamente.
“Estranho. O seu fora naum foi tão terrível quanto imaginei que seria. Ker
dizer, naum doeu tanto”.
“É que vc ta namorando. Ninguém chora, se todos estão contentes”. Ps:
Naum foi um fora. Foi uma resposta impensada para uma pergunta que naum
se faz”.
Foi um fora e Júlio não estava a fim de discutir isso. Acabaria ouvindo
aquela história de que chance não se pergunta, se consegue. Desfazer a
imagem de contente é que era a sua maior preocupação.
“Naum tou contente. Naum confunda. Acho que tou tão deprimido que
começo a perder a capacidade de sentir”.
Salvar a vida! Do que é que ele estava falando? – pensou ela. Lorrayne
ficou de bobeira.
“Conversa doida naum pede explicação. Pense apenas que sou juiz e réu, e
que tudo depende da sua habilidade em transformar palavras em sentimentos”.
“PS: Sentimentos bons espero (Sou um juiz meio imparcial)”.
Muito obtuso, mas legal. Juiz e réu era uma brincadeira que fez sucesso
na época em que estudaram juntos. Tinha conotação sexual, mas era bem
engraçado ver o cara se julgando e se punindo. Lorrayne escreveu
rapidamente uma mensagem, cheia de carinho, mostrando a Júlio que todo
mundo gostava dele. Elogiar na primeira pessoa é meio esquisito, por isso
geralmente usa-se esse “todo mundo aí”.
Agora ele fazia uma pressão besta para a garota revelar possíveis
sentimentos ocultos. Era mais uma dessas ideias geniais que aparecem de vez
em quando, e que causam uma vergonha enorme no dia seguinte. Mas, Júlio
estava cagando para o dia seguinte. Acho que descobriu que não era ela que
precisava dele, mas ele que precisava desesperadamente de Lorrayne.
“Eu te amo”– enviou Júlio – “vc é a única coisa boa que tenho e eu naum
tenho vc. Mostre para mim um valor que eu ainda naum achei em mim. Dane-
se o que os outros pensam. Só vc importa”.
A palestra acabou meio tarde. Ao sair, Lorrayne percebeu que seu pai
não estava esperando-a, como o combinado. Uma ligação resolveria aquele
desencontro, mas ela não tinha celular naquele momento. Tudo o que podia
fazer era ficar lá parada, esperando quem devia esperá-la.
Ele perguntou e Lorrayne disse que estava esperando pelo pai. Júlio
resolveu ficar por ali. Também tinha ido à palestra, e também esperava pela
sua carona. Conversaram pouco. O pai de Lorrayne chegou rápido.
Despediram-se e ela entrou no carro. A garota deu uma olhada para trás e viu
Júlio seguindo o seu rumo a pé. Para ele, aquele gesto certamente não tinha
significado muita coisa – chegou a pensar que tinha incomodado. Mas para ela
foi fantástico. E engraçado porque Júlio era engraçado.