São Paulo:
Martins Fontes, 1985. 160 p.
Psicologia e Pedagogia
ADOLESCÊNCIA
PETER BLOS
Martins Fontes
Título Original:
On Adolescence
Página de sumário
Índice
Prefácio – 1
3 — Fases da adolescência – 55
Período de latência – 55
Pré-adolescência – 60
Adolescência inicial – 78
4 — Masturbação – 161
5 — O ego na adolescência – 171
O ego e eu – 191
Referências – 253
Página de apresentação
Eu? O que sou eu? Eu estou só com o bater do meu coração. Eu, olá eu! O
que é eu? Eu é o solitário e o perdido, sempre buscando. . . o quê? Outro eu?
Uma resposta, será? Não? Mas então o quê? E há mais: o eu é o caminho do
íntimo para o tudo, da menor parte do eu para a maior parte de toda a gente.
Ora, olho para mim mesmo e vejo o eu meu, a coisa fraca e sem rumo que me
faz. O eu não é forte e precisa ser, o eu precisa saber a direção, mas não tem
nenhuma. Meu eu não é seguro, há no íntimo erros e meias verdades demais
para que possa saber. O eu se modifica e não sabe. O eu conhece pouco a
realidade e muito os sonhos. O que sou agora é o que será usado para criar o
meu eu, mais tarde. O que sou não é o que quero ser, embora eu não tenha
certeza do que é isso que eu não quero.
Mas então, o que é eu? Meu eu é minha resposta a todo o tudo de todos. Ë
isso que tenho de dar ao mundo que espera e de onde sai tudo o que é
diferente.
Eu é criar.
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PREFÁCIO
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essencial, sem a qual não se pode considerar a adolescência como uma fase
de desenvolvimento. Esse período antecedente, portanto, recebe uma atenção
explícita.
Devemos dizer, logo de início, que este livro se ocupa da teoria psicanalítica da
adolescência em sua forma típica — ou talvez devêssemos dizer, em sua
forma normal. Nem a psicopatologia, nem o tratamento de adolescentes são
examinados aqui, pois uma apresentação desses assuntos depende do
estabelecimento prévio de uma teoria unificada da adolescência, que é
precisamente o objeto deste estudo. As edificações que se possam levantar
sobre a teoria aqui proposta devem ficar ao trabalho futuro.
Também devemos deixar claro que nos limitamos, neste livro, ao tipo de
adolescente e ao tipo de pesquisa de que temos conhecimento direto, ou seja,
que nossas observações, nossas descrições e nossas conclusões se baseiam
nos adolescentes do mundo ocidental, conhecidos dos psicanalistas.
Recorremos com liberalidade e apreciação, é claro, às reservas de
conhecimento sobre a adolescência que resultaram de contribuições
psicanalíticas. E ao integrar tais contribuições ao nosso próprio trabalho,
demos o devido crédito aos respectivos autores. Por outro lado, abstivemo-nos
de mergulhar nos dados antropológicos e sociológicos porque não
pretendemos estabelecer conexões relevantes entre a psicanálise e as outras
disciplinas. Não obstante, o ambiente e a cultura, como fatores intrínsecos na
formação da personalidade, receberam especial atenção, num capítulo
dedicado exclusivamente ao assunto.
Antônio: Ele tem, meu senhor, a forma dele mesmo; sendo tão largo quanto
amplo; tem a devida altura e move-se com os seus próprios membros; vive
daquilo que o alimenta, e uma vez extraídos os seus elementos, ele transmigra.
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Queremos manifestar nossos agradecimentos as dras. Mary ONeil Hawkins e
Marjorie Harley, pela leitura dos originais. Nossa dívida especial, porém, é para
com a dra. Andrée Royon, que nos estimulou com seu entusiasmo quando
nossas ideias tomaram forma e exerceu sobre elas a acuidade de seu espírito,
bem como a riqueza de seu conhecimento psicanalítico. E, finalmente, mas não
menos importante, ela nos ofereceu a crítica rigorosa de um verdadeiro amigo
e colega, desde o início até a conclusão deste livro. Nossa dívida irremissível é
para com os muitos adolescentes que, no decorrer dos anos, nos ajudaram em
nossos esforços para compreendê-los.
Peter Blos
Verão de 1961
Holderness, N.H.
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Capítulo 1
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lise durante a adolescência podem ser investigados de forma mais fácil e mais
sucinta, em retrospecto, pelos derivados do período adolescente, analisados
numa idade posterior. A reconstrução da adolescência na análise de adultos
recebe, recentemente, uma atenção explícita, sendo na verdade, e cada vez
mais, considerada como componente necessário de uma reconstrução
genética total.
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Pouca atenção tem sido dada ao fato de que a adolescência, não só apesar de,
mas também devido a, seu turbilhão emocional, com frequência propicia a cura
espontânea das influências debilitantes da infância e oferece ao indivíduo a
oportunidade de modificar ou retificar as exigências infantis que ameaçavam
impedir seu desenvolvimento progressivo. Os processos regressivos da
adolescência permitem remodelar desenvolvimentos defeituosos ou
incompletos, ocorridos anteriormente; novas identificações e contra
identificações desempenham nisso um papel importante. A profunda agitação,
associada à reorganização emocional da adolescência, encerra, dessa forma,
um potencial benéfico: “As potencialidades para a formação da personalidade
durante a latência e adolescência foram subestimadas dos trabalhos
psicanalíticos” (Hartman et al., 1946). Fenichel (1945) apresentou um conceito
semelhante: “A experiência na puberdade pode resolver conflitos ou desviá-los
para uma direção final; além do mais, pode dar a constelações mais velhas e
oscilantes uma forma final e definitiva”. Erikson (1956) sugeriu que
consideremos a adolescência não como um período de aflição, mas como uma
“crise normativa, isto é, uma fase normal de maior conflito, caracterizada por
uma aparente flutuação no vigor do ego, e também por um alto potencial de
crescimento... Aquilo que, num exame preconceituoso, pode parecer o início de
uma neurose, é, com frequência,
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apenas uma crise agravada que poderia ser autoliquidada e, de fato, contribuir
para o processo de formação de identidade”. Poderíamos acrescentar que a
solução definitiva dos conflitos no final da adolescência significa que eles
perdem sua qualidade perturbadora porque foram estabilizados
caracterologicamente, ou porque se solidificam em sintomas de debilitação
permanente, ou distúrbios de caráter. Voltaremos a esse processo complexo
na análise da fase terminal da adolescência.
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O lento rompimento dos laços emocionais que o adolescente tem com sua
família, a entrada, em meio a receios ou excitações, numa nova vida que lhe
acena, tais experiências estão entre as mais profundas da existência humana.
Só os poetas foram capazes de expressar adequadamente a qualidade desses
sentimentos, sua profundidade e alcance. Sherwood Anderson dá uma
comovente descrição do estado de espírito de um adolescente que está em
vias de deixar sua cidade natal, Winesburg, Ohio. Sua mãe morreu há pouco;
ele está a caminho da cidade grande, onde terá de construir sua vida sozinho.
Na véspera da partida ele percorre as ruas familiares de sua cidade.
Pensamentos e sentimentos se acumulam nele, provocando um desejo de
esclarecimento, de consciência, de uma ligação com o passado e o futuro —
em suma, ele sente a autoconsciência da existência que marca a entrada na
condição de adulto.
Início de citação
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Há um momento na vida de todo menino em que ele, pela primeira vez, olha
para trás. Talvez seja esse o momento em que atravessa a fronteira para a
condição de adulto, O me- nino caminha pela rua de sua cidade. Pensa no
futuro e no que fará no mundo. Ambições e arrependimentos nascem nele. De
súbito acontece alguma coisa, ele para sob uma árvore e espera, como se
esperasse uma voz que chamasse seu nome. Fantasmas de velhas coisas
infiltram-se na sua consciência; as vozes fora dele murmuram uma mensagem
sobre as limitações da vida. Ele deixa de sentir-se seguro de si e de seu futuro,
e passa a não ter certeza. Se for um menino imaginativo, abre-se uma porta e
pela primeira vez ele olha o mundo, vendo — como se marchasse em
procissão à sua frente — as incontáveis figuras de homens que antes de sua
época entraram no mundo provenientes do nada, viveram suas vidas e
novamente desapareceram no nada. A tristeza da complexidade chegou para o
menino. Com pequeno sobressalto, ele se vê como apenas uma folha soprada
pelo vento pelas ruas de sua cidadezinha. Sabe que a despeito de toda a
conversa sensata de seus colegas, ele tem de viver e morrer na incerteza,
coisa soprada pelo vento, coisa destinada a murchar ao sol como o trigo.
Estremece e olha ansiosamente à sua volta. Os dezoito anos que viveu
parecem apenas um momento, um respirar na longa marcha da humanidade.
Já ouve a morte chamar. Com todo o coração, ele quer aproximar-se de algum
outro ser humano, tocar alguém com suas mãos, ser tocado pela mão de outra
pessoa. Se prefere que essa outra pessoa seja uma mulher, é porque acredita
que a mulher será gentil, que compreenderá. Acima de tudo, ele quer
compreensão. *
Fim de citação
Anderson descreve o fim do processo de adolescência: a infância passou a ser
história, memória; uma nova perspectiva temporal, com um passado
circunscrito e um futuro limitado, coloca a vida entre o nascimento e a morte.
Pela primeira vez, torna-se concebível o envelhecimento, tal como
envelheceram nossos pais e, antes deles, nossos avós. A consciência de idade
torna-se de súbito diferente da que existia na infância. O luto de George é
como um símbolo das profundas perdas representadas pela adolescência.
Sozinho e cercado pelo eterno medo do abandono e pânico que persegue o
homem, desperta a necessidade, familiar e perene, da proximidade humana;
há a esperança de que o
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Capítulo 2
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ter excretório. Uma oposição inata entre a descarga da pulsão e o controle
da pulsão — e na verdade o vigor singular da autonomia anal — reflete-se nas
numerosas dificuldades, atrasos, reincidências e fracassos no curso de
treinamento higiênico. A Iuta interior da criança pode ser facilmente percebida
na sua relação com os pais, que nessa fase tem um caráter altamente
ambivalente. As manifestações agressivas surgem com vigor e em geral
encontram um ambiente igualmente disposto a controlá-las. O comportamento
impulsivo e agressivo da criança (morder, bater, empurrar) passa a ser sujeito
à repressão ou modificação pelo desloeamento e formação reativa. A deflexão
da energia da pulsão é facilitada pelos interesses cada vez mais diversificados
da criança e pela sua independência locomotora. Perdura porém o fato de que
a criança passa a ter consciência de que o amor e a aprovação dos pais só
podem ser conquistados pela renúncia às suas pulsões agressivas e
destrutivas, e pela sujeição do esfíncter à vontade dos pais. O processo de
treinamento não se faz sem uma orientação bipolar específica, sendo na fase
anal que os instintos componentes do sadismo e do masoquismo fazem a sua
primeira e inequívoca aparição. Na raiva impotente, característica dos acessos
de irritação, esses dois componentes são desviados; encontram logo, porém,
numerosos deslocamentos de objeto e alvo. Não só o equilíbrio
sadomasoquista torna-se fatídico para a vida total do indivíduo, como, mais
especificamente, afeta também o desenvolvimento da masculinidade e
feminilidade.
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dominada por uma antítese que já não é ativo-passivo, mas sim fálico-
castrado. (Mack Bruns,vick, 1940; Freu, 1923 b).
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ele dirige seus impulsos libidinais ativos para a mãe com crescente
intensidade, é de esperar que desejos hostis e destrutivos, bem como
fantasias, sejam voltados para o pai. O ciúme e a competição, amor e ódio, são
sentidos pelo menino na busca apaixonada de seus desejos.
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ser aplicada à vida de maneira literal e rígida. Por exemplo, a situação edípica
passiva (positiva) da menina não anula o fato de que ela continua a considerar
a mãe como provedora de conforto e proteção, em sua vida: a mãe continua —
nas palavras de Greenacre (1948) — a ser ”a alimentadora e a aquecedora do
corpo”. O complexo de Édipo, passivo e ativo, da menina, mistura-se e
persiste, com ênfase variável.
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meio de experiências iniciais de prazer-e-dor, as próprias condições
internalizando-se na estrutura do ego” (A. Freud, 1954). Já dissemos que o
mais antigo mecanismo que lida com o mundo exterior o faz em termos do
princípio de prazer-e-dor e segue o modo oral; ele consiste seja de “aceitação”
(introjeção), ou “rejeição” (projeção). O primeiro é precursor da identificação
(secundária), ao passo que o segundo prenuncia a repressão. Tanto
identificação como repressão só passam a operar depois de estabelecido o
princípio da realidade e de superada, pelo menos parcialmente, a
ambivalência. A ocasião dessa operação depende da maturação do
desenvolvimento da percepção, locomoção e linguagem, em particular. Uma
falha nos processos identificatório iniciais, e uma dependência indevidamente
longa e intensa em relação à mãe — ou, de modo geral, ao ambiente — para a
manutenção da identidade e de um senso da identidade torna a criança
extremamente vulnerável no estabelecimento da autonomia do ego. Essa
criança tem de ser eternamente “alimentada” e tranquilizada para que sua
ansiedade se mantenha dentro de limites toleráveis.
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geiro no apego edípico; reconhecendo as alternativas que tem pela frente, ela
salva sua integridade pela identificação e pela consolidação firme de uma
instituição •psíquica, o superego, que contribui com uma terceira fonte de
ansiedade — sendo as outras o id e o mundo exterior — que a partir de então
terá de enfrentar.
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Devemos deixar claro, de início, que o curso do tratamento não nos interessa,
como tal, na apresentação desse caso. Mas os subprodutos da terapia — o
esclarecimento dos aspectos dinâmico e genético da formação da
personalidade de Judy — representam dados valiosos que podem ser usados
para a reconstrução de seu desenvolvimento total.
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Não há dúvida de que o histórico dessa menina encerra aspectos pouco
comuns, mas isso ocorre com qualquer histórico no setor das experiências
pessoais. No caso de Judy, as circunstâncias da sua constelação de irmãos
ofereceram dados situacionais concretos, embora raros, que permitiram uma
visão clara dos padrões emocionais emergentes, cujo estudo é o nosso
principal objetivo. Nesse sentido, portanto, seu caso ofereceu vantagens devido
à possibilidade de clareza da reconstrução. Portanto, foi escolhido, apesar de
ser aparentemente excepcional. As facetas essenciais do desenvolvimento
adolescente de Judy serão descritas tal como se apresentaram durante os três
anos de seu contato com a clínica. Depois dessa descrição, examinaremos as
condições específicas de vida na infância de Judy, localizando e isolando os
traumas específicos que prenunciaram a crise específica na sua adolescência.
A. ADOLESCËNCIA DE JUDY
Judy era trigêmea, tendo dois irmãos aos quais, no seu entender, a mãe
proporcionava, generosamente, interesse e afeição; Judy sempre se sentira
mais próxima de um irmão seis anos mais velho, que nunca reconheceu as
simpatias da irmã, mas continuou sendo o membro da família mais importante
em termos do desenvolvimento emocional da menina. Judy não gostava de ser
trigêmea — desde o início de sua existência, teve de compartilhar sua vida. No
início da puberdade foi dominada por sentimentos de raiva e desespero que se
alternavam com remorso e depressões. Dores de cabeça provocavam-lhe o
receio de ter alguma doença no cérebro. Pensamentos suicidas e de morte
enchiam-lhe as fantasias; imaginava cenas eloquentes de remorso e
sofrimentos para os que ficavam, principalmente os seus pais.
Judy sofreu ao compreender que não amava os pais; por vezes tinha-lhes até
mesmo aversão, e sabia que isso não estava certo. Tais sentimentos eram
contrários aos Dez Mandamentos, raciocinava ela, e era pecado tê-los. Suas
primeiras palavras no primeiro encontro com o terapeuta foram: “Sabe qual é o
meu problema? Não gosto de minha mãe”. A partir do início da puberdade, aos
dez anos, esses sentimentos perseguiram e torturaram Judy, ganharam força
até que ela começou
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Judy achava que o curso superior era um direito seu; era a mais inteligente da
família e era frequentemente chamada de “talentosa” e “gênio” pelos
professores — o que a mãe não levava a sério, ridicularizando abertamente
esses elogios. Judy tinha orgulho de sua inteligência e a atirava à cara dos
irmãos, quando a mãe estava presente. Na família,
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O sofrimento de Judy por não ter amigas íntimas era intenso. O que ela mais
desejava era uma amiga, boa e íntima. Qualquer demonstração de amizade
por uma colega enchia-a de sentimentos tão intensos, que ela se tornava
terrivelmente exigente e possessiva. Provocava logo um turbilhão tão grande
de emoções, que a amiga potencial tinha de afastar-se. Judy sentia-se então
abandonada, sozinha, cheia de inveja e ciúme. Começou a ter consciência de
ser uma “estranha”. As meninas andavam aos pares e ela andava sozinha,
atrás delas. “Gosto de caminhar no meio”, era a maneira pela qual Judy
expressava seu sentimento de exclusão. A mesma coisa aconteceu num
acampamento onde onze meninas ocupavam uma barraca: ela passou a
considerar-se a décima primeira, a que ficava sobrando, o membro extra.
Sempre que via pessoas juntas, a ideia de que era “estranha” repetia-se
exatamente da mesma maneira. Por vezes, parecia-lhe melhor evitar as
pessoas, pois então não as invejaria, nem seria má para com elas. Os livros a
protegiam da raiva esmagadora que sentia crescer em si em situações sociais;
seu mau humor lhe fazia medo e ela se refugiava no isolamento social.
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de dormir com a mãe só remotamente era por necessidade, porque nos fins de
semana, quando o pai — que trabalhava à noite — estava em casa, ela tinha
de dormir na sala. Era com relutância que abria mão de seu lugar na cama com
a mãe. Quando a família finalmente mudou-se para um apartamento maior,
onde Judy tinha um quarto seu, esse seu hábito de dormir permaneceu
inalterado, e durante muito tempo não foi mencionado ao terapeuta, nem pela
filha e nem pela mãe. Quando Judy finalmente admitiu o “segredo”, ficou
embaraçada e corou muito. Finalmente, começou a se queixar de que o hábito
de dormir com a mãe não era satisfatório, mas nenhuma intenção expressa de
modificar esse hábito provocou qualquer transformação. Tendo sono agitado,
Judy com frequência perturbava o sono da mãe, estendendo os braços e
batendo nela, ou murmurando palavras raivosas que esta não compreendia.
Judy não se recordava nunca dessas cenas noturnas, que lhe eram contadas
pela mãe.
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Judy nunca se sentiu à vontade com os rapazes, fora da família. Sentia que
não era amada, e não podia ser amada. Estava convencida de que os rapazes
não gostavam dela porque não era bonita. Suas amigas eram bonitas e as
conquistas que faziam a enchiam de inveja. Judy era sempre a observadora, a
estranha. O jogo do amor, no qual as adolescentes em torno dela pareciam ser
tão hábeis, continuavam a ser um enigma intrigante para Judy. Durante algum
tempo, tratou rapazes e moças da mesma maneira e esqueceu as
desigualdades que davam origem à sua ansiedade. Muitos fatos indicavam
claramente que ela estava com medo dos próprios desejos e da força de suas
emoções. No acampamento, desmaiou depois de um baile no qual se sentiu
feliz e alegre. Um ano depois, novamente no acampamento, foi tomada de um
estranho sentimento quando caminhava com um rapaz à margem de um lago;
teve súbito medo de que ele a empurrasse para a água. As fantasias sobre
estupro e violência física contrastavam com o seu desejo de amor terno.
Falando da cena do lago com o terapeuta, Judy admitiu que desejava ser
beijada pelo rapaz, pois nunca havia sido beijada em sua vida. Mas,
acrescentou, a “outra parte do sexo” ainda lhe dava medo. “Como se pode
saber que estamos apaixonadas?”, perguntou, exasperada. Para ela, havia
sempre o perigo de ser levada pelos seus desejos sexuais sem estar
enamorada. Se pelo menos sua mãe lhe houvesse apresentado o sexo de uma
maneira mais suave e menos cruel, pensava ela, tudo teria sido diferente.
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A vida social de Judy era um lembrete constante, para ela, de que não era tão
boa quanto as outras; por isso, na sua opinião, não conseguia atrair os
rapazes. Frequentava escolas de dança, festas, reuniões do clube, reuniões
políticas, e continuava a sofrer a ansiedade de amizade e amor. Sua própria
inadequação, uma certa mesquinhez e sentimentos maldosos — eis como
raciocinava Judy — eram responsáveis pelas suas derrotas sociais. Nessas
ocasiões, Judy voltava sempre à ideia de que talvez houvesse algo de errado
com ela fisicamente; talvez um tumor no cérebro que poderia ser removido com
uma operação. Nunca estava convencida da validade desse temor, mas uma
vaga incerteza sobre a incolumidade de seu corpo continuou a persegui-la
durante vários anos da sua adolescência.
ter namorado, e ao mesmo tempo sem mentir, já que as outras sabiam que era
“faz-de-conta”. Por vezes, realidade e ficção se misturavam — como, por
exemplo, quando todo o grupo, inclusive Judy, ficou extremamente excitado
com noivado de uma das meninas, até compreenderem finalmente que tudo
não passava de um “noivado de papel”. Judy tinha, na época, 16 anos, e
considerava-se muito infantil, mas apesar disso gostava dessa brincadeira tola
de faz-de-conta, durante as poucas semanas em que esteve em voga. Pouco
depois desse episódio de devaneios comuns, Judy apegou-se a um professor
cujas críticas e elogios lhe tornavam o dia sombrio ou luminoso. Falava dele
com verdadeira afeição e confiança e resumiu essa nova experiência dizendo:
“Tudo o que sei é que gosto dele”. Acrescentava: “Meu pai nunca sorriu como
ele; eu não poderia chegar até meu pai, mas posso chegar até o professor X;
ele está interessado; ele presta atenção”.
Quando Judy tinha 15 anos, seu irmão mais velho, de 21 anos, casou-se, e ela
foi uma das damas de honra do casamento. Empolgou-se tanto com o fato,
como se fosse a noiva. Ficou extasiada e feliz com seu vestido e entregou-se a
fantasias sobre o amor e a felicidade. Seu estado emocional foi do êxtase para
a excitação erótica; ela não podia conter os risos e o rubor, e não podia deixar
de pensar nas roupas do casamento e tudo o mais. Ao mesmo tempo, tornou-
se particularmente avessa à solidão. Ao falar disso, revelou que na verdade
havia sofrido de uma ansiedade claustrofóbica passageira; precisava
desesperadamente da presença de outros — para protegê-la da tentação de
masturbar-se. Quando em estado de excitação sexual, tinha um medo pânico
de que seus impulsos rompessem a barreira do controle rígido. Judy sempre
amara seu irmão mais velho, como se fosse uma mistura de irmão e pai. Não é
de espantar, portanto, que seu casamento provocasse desejos incestuosos que
eram satisfeitos pela sua entrega altruística — isto é, pelo seu amor dedicado à
futura cunhada. Seu desejo de um filho era mal disfarçado, e tornou-se
consciente tão logo foi anunciada a gravidez da cunhada, no primeiro ano de
casamento. Quando a criança nasceu, Judy declarou que a única pessoa com
quem se entendia era o filho do irmão. Amava a criança e disse que algum dia
gostaria de ter um filho assim. Na época, Judy estava com 16 anos.
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Vamos passar agora ao exame da vida anterior de Judy, para ver como uma
avaliação genética nos pode ajudar na apreciação de alguns dos fatores de sua
vida inicial que determinaram, em grande parte, seu desenvolvimento
adolescente. Ao estabelecer um contínuo em seu desenvolvimento,
acompanharemos as modificações dos padrões emocionais significativos da
primeira infância — modificações influenciadas por fatores externos, como
configuração da família e protótipos transacionais estabelecidos entre os
membros da família. Ao mesmo tempo, teremos de examinar os efeitos
formativos de fatores intrínsecos, como os dons constitucionais e a maturação.
A influência mútua desses vários componentes produz, bem cedo na vida, uma
abordagem regulatória básica da manutenção do bem-estar ótimo. Essa
abordagem regulatória sofre mais tarde muitas modificações que são
provocadas pelos avanços do ego
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Já dissemos que Judy era trigêmea, e que tinha um irmão seis anos mais
velho. Os pais não haviam planejado a segunda gravidez; na verdade, não
queriam ter mais filhos: mal podiam dar contas das despesas com o primeiro,
pois o pai nunca conseguiu um emprego estável e adequado. A nova gravidez
foi tolerada pela mãe, que a ela se resignou. O pai, pelo contrário e apesar de
todos os argumentos práticos, sentiu-se feliz em ver crescer a família. No
sétimo mês de gravidez a mãe foi informada de que teria trigêmeos. Ficou
chocada e irritada, mas o pai sentiu-se orgulhoso e feliz com a notícia. Essa
diferença nas atitudes dos pais continuou: a mãe sentia-se acorrentada pelos
filhos, derrotada e exaurida. O pai mantinha uma atitude positiva e entusiasta
em relação a eles e sentia-se interessado e otimista quanto ao seu
desenvolvimento — sem, porém, contribuir com seu esforço e
responsabilidade, de acordo com as necessidades de uma família grande.
Gostava de ter a família, mas mantinha esse bem valioso à distância, a fim de
viver sua vida ao seu jeito, resistindo teimosamente às exigências emocionais e
materiais que lhe eram feitas pela mulher e pelos filhos.
O parto foi normal e correu na época certa. Judy foi a primeira a nascer. Desde
o início ela demonstrou a maior vitalidade dos três e era quem menos solicitava
a mãe. Esse fato é de particular importância, já que os dois meninos foram uma
causa constante de preocupações para a mãe. Judy e seu irmão Ben
nasceram cada um com dois quilos, mas os dois meninos não ganharam peso
com a mesma rapidez que a menina. Também nunca tiveram a mesma
regularidade da irmã quanto aos hábitos de sono e alimentação; Judy logo se
tornava mais competente, mais independente e, de modo geral, mais madura
do que os irmãos. A mãe descreveu Judy como uma criança “viva, esperta e
dócil”, mas para os meninos só tinha palavras de lamentação e pena. Judy
andou aos nove meses, Ben aos 15 e Charlie aos dois anos. Judy começou a
falar com cerca de um ano; seus irmãos o fizeram depois, sendo Charlie
sempre o último. O treinamento higiênico de Judy completou-se logo, e com tal
facilidade, que sua mãe não se lembrava das datas e dos detalhes de seu
comportamento. Por outro lado, tinha muitas recordações precisas ao falar dos
meninos. O mesmo ocorreu com a saúde dos trigêmeos: enquanto os meninos
exigiam atenção constante, Judy nunca apresentou problemas de saúde em
sua primeira infância. Só na pré-puberdade a sua saúde deu motivo de
preocupações, primeiro em relação à pele (acne) e pouco depois em relação às
suas dores de cabeça.
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Durante toda a primeira infância Judy sempre foi — pelo menos aos olhos da
mãe — a norma ou o “padrão” pelo qual o progresso das crianças era medido.
Sem dúvida, o seu desenvolvimento foi o mais satisfatório dos três. Mas para a
mãe era uma injustiça os meninos serem doentes e fracos, enquanto a menina
era saudável e forte.
Ao tentar garantir o amor da mãe, Judy logo passou a se pautar pelo meio
ambiente, isto é, pelas respostas suscitadas pelo seu maior desenvolvimento.
Assim, passou a valer-se de suas realizações para a manutenção de suas
necessidades de dependência, tendo começado desde cedo a agradar a mãe
com essas realizações e a mostrar uma aparente independência. Assim, a fim
de obter o amor da mãe, Judy teve de abrir mão, prematuramente, de
satisfações das quais via os irmãos desfrutarem por um tempo
excepcionalmente longo. As circunstâncias, o ritmo de maturação e os dotes
especiais contribuíram com suas respectivas parcelas para o início da
organização da personalidade dessa criança na qual a notável tolerância à
frustração e a tendência à aceitação, como esforço para dominar a ansiedade,
são perceptíveis. O desenvolvimento satisfatório de Judy como bebê
estabeleceu o nível de expectativas desde o início, e aparentemente ela achou
fácil enquadrar-se na imagem que o ambiente havia formado. Tornou-se aquilo
que os outros queriam que fosse; em troca, recebeu aceitação e louvor, mas
perdeu um senso de valor e totalidade, cuja falta se tornaria tão evidente em
sua adolescência.
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ama-seca de seus irmãos. “Eu ajudava a todos [isto é, aos irmãos] e ninguém
me ajudava”, foram as palavras de irritação e ressentimento de Judy, ao
recordar-se mais tarde de seus anos de infância. Seu anseio de amor, seu
sentimento de solidão, seu ciúme sem limites e sua ambição emocional tinham
raízes nesses anos iniciais.
Judy foi descrita pela mãe como um “bebê maravilhoso, muito bom”, até os
cinco anos de idade. Nessa época ficou decepcionada com o pai, que se
relacionava cordialmente com os filhos sempre que ele próprio precisava de
companhia, sem perceber o desejo que estes tinham de serem amados por ele.
Judy transferiu sua afeição do pai para o irmão mais velho, que se tornou,
naqueles anos, um pai-substituto. Essa transferência dos anseios edípicos do
pai para o irmão mais velho foi prenunciada pela íntima relação entre a mãe e o
filho mais velho, relação que fazia dele o homem inquestionavelmente preferido
na família. O irmão mais velho, na verdade, assumiu de várias formas um papel
paternal em relação a Judy. O rapaz, então pré-adolescente, revelava uma
clara afeição pela irmãzinha, mas expressava seu interesse por ela dizendo-lhe
como se devia comportar e ralhando com ela sempre que cometia erros. A
extensão em que o irmão se transformara no representante do pai edípico ficou
evidente na participação emocional de Judy no casamento dele, quando ela
tinha 15 anos. A magnitude da decepção de Judy com o pai edípico pode ser
calculada pela sua explosão emocional adolescente ao se recordar como o pai
a havia abandonado na infância, numa época em que mais precisava dele.
Com o fim da fase edípica, em torno dos cinco anos, houve em Judy uma
modificação: mais uma vez ela repetiu o padrão anterior de compensar uma
decepção tornando-se autossuficiente e competente.
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Capítulo 3
Fases da adolescência
A passagem pelo período da adolescência não se faz num ritmo constante nem
em linha reta. Na verdade, as metas e realizações da vida mental que
caracterizam as várias fases do período adolescente têm, com frequência, uma
direção contraditória e são qualitativamente heterogêneas. Ou seja, a
progressão, digressão e regressão evidenciam-se alternadamente, como
sempre ocorre nas fases que envolvem transitoriamente alvos antagônicos. Os
mecanismos defensivo e adaptativo se interligam, e a duração de qualquer das
fases não pode ser fixada por nenhum esquema temporal ou referência etária.
Essa extraordinária elasticidade do movimento psicológico, que sublinha a
diversidade imensa do período adolescente, deve ser bem ressaltada. Mas
perdura o fato de que uma sequência ordenada de desenvolvimento
psicológico real- mente existe, e pode ser descrita em termos de fases mais ou
menos distintas.
O adolescente pode passar rapidamente por todas essas várias fases, ou pode
desenvolver intermináveis variações em qualquer uma delas; mas não pode
deixar totalmente de lado as transformações psíquicas essenciais das várias
fases. Sua elaboração por processos de diferenciação num período longo de
tempo resulta numa estrutura de personalidade complexa. Uma passagem
apressada pela adolescência geralmente produz uma marca no adulto, que
pode ser melhor descrita como primitivização. Nenhuma dessas duas
evoluções deve ser confundida com níveis de maturidade, pois são antes graus
de complexidade
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As características gerais da latência, que resumimos, foram descritas
detalhadamente por vários estudos psicanalíticos a respeito desse período
(Fries, 1958), alguns dos quais com referência especial à escolha de livros
(Peller, 1 958; Friedlander, 1 942), à inteligência (Wolfenstein, 1955) e ao
brinquedo (Peller, 1954).
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Gesell (1956) relata que as meninas na idade de dez anos são dadas a piadas
indecentes, geralmente relativas às nádegas que ao sexo, enquanto os
meninos preferem piadas sujas, especialmente sobre a eliminação. Segundo
ele, as meninas percebem com maior clareza a separação entre os sistemas
eliminativa e reprodutor, mas ainda mostram a tendência de confundir os dois.
A curiosidade sexual nos meninos e meninas passa da anatomia e conteúdo
para a função e processo. Eles sabem de onde vêm os bebês, mas estão
confusos e não sabem relacionar isso com seus próprios corpos. Entre as
meninas, a curiosidade franca é substituída pelos cochichos e segredos; e
partilhar um segredo cujo conteúdo geralmente é de natureza sexual
indisfarçada continua a ser uma forma de intimidade e de conspiração durante
essa fase. Tal situação difere do período de latência, quando simplesmente ter
um segredo, em si — em relação a qualquer coisa —, é a fonte de prazer e
excitação.
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Um menino de 11 anos, que era obeso, submisso, inibido e com ente, pulsivo,
tinha vários sonhos em que uma mulher nua, de cuja parte inferior do corpo ele
não se lembrava bem, vendo-a apenas vagamente, e cujos seios, observados
no devido lugar, tinham qualidades semelhantes ao pênis, como órgão eretivo
ou urinário. Os sonhos desse menino foram sempre estimulados pelas suas
experiências numa escola mista, onde a competição entre meninos e meninas
lhe oferecia provas constantes da malícia, desonestidade e maldade predatória
das meninas. Quando a reafirmação proporcionada pela masturbação
compulsiva foi interpretada em termos do impasse de pré-adolescência acima
descrito, surgiram perturbações do sono, com medo de que sua mãe pudesse
matá-lo durante a noite.
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sofrer danos. A análise de sua angústia edípica de castração abriu caminho
para as angústias muito mais perturbadoras, experimentadas em relação à
mãe pré-edípica; a revelação das fixações anteriores resultou numa
reavaliação realista, embora decepcionante, do pai. Esse caso mostra que a
manutenção de uma situação “edípica ilusória” disfarça uma forte fixação pré-
edípica.
Essa fase surge com grande clareza na análise das meninas que são “loucas
por cavalos” nos anos da pré-adolescência. A análise de seus sonhos mostra
que o cavalo é usado pela menina como um equivalente fálico e tratado com
um cuidado amoroso; como pars pro toto, substitui o pai edípico. O amor pelo
cavalo é narcisista, distinguindo-se, por exemplo, do amor que a menina tem
pelo seu cão, que é maternal e de companheirismo. Essa dedicação transitória
aos cavalos na pré-adolescência pode continuar numa fase informal no
desenvolvimento da mulher, mas, quando prejudica a progressão libidinal,
representa uma fixação nesse nível.
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terísticas, muitas vezes tão extrema quanto transitória, salvaguarda a
integridade do ego. Certas manobras defensivas da adolescência acabam
sendo de valor adaptativo e, assim, facilitam a integração das inclinações
realistas, talentos, faculdades e ambições. Não há dúvida de que a
estruturação estável de tantas tendências múltiplas constitui um pré-requisito
para a participação adulta na sociedade.
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— por exemplo, numa criança cheia de vontade ou que sofra privação severa
— mais forte será também a defesa contra elas pelas ações e fantasias
rebeldes e hostis. As ideias paranoides não são raras. Esse conflito,
evidentemente, pode levar a uma rendição aos anseios passivos, a uma atitude
de solicitação, de agarramento, ou à rendição às pulsões instintuais. Essa
última condição assemelha-se muito à posição do período de latência. Com
mais frequência, uma fusão de todas essas tentativas de estabilização da
polaridade ativo-passivo é a regra.
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4. Adolescência Inicial
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cência inicial o autocontrole ameaça entrar em colapso e, em casos extremos,
ocorre a delinqüência. Ações desse tipo cujo grau de intensidade varia,
geralmente estão relacionadas com a busca do objeto de amor, também
oferecem uma fuga da solidão, do isolamento e das depressões que
acompanham as mudanças catéticas. O caso de Nancy (ver Capítulo 7) ilustra
bem esse curso do desenvolvimento da adolescência inicial, que é subjacente
ao comportamento delinquente. Normalmente, a atuação é estimulada pelo
recurso à fantasia, ao autoerotismo, às alterações do ego — por exemplo, um
desvio da libido objetal para o eu, o que vale dizer, por um recurso ao
narcisismo.
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De repente Hans deu o braço a Tonio, com um olhar oblíquo — sabia muito
bem qual era o problema. E Tonio, embora continuasse calado durante os
passos seguintes, sentiu o coração abrandar-se.
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chovendo e ventando. Mas isso não tem importância, foi bom você ter
esperado. Achei que tinha ido para casa e fiquei aborrecido...
...A verdade era que Tonio amava Hans e já sofrera muito por isso. Aquele que
ama mais é o inferior, e deve sofrer; sua alma de 14 anos já havia aprendido
esse fato puro e simples da vida, e ele estava de tal modo preparado, que
recebeu tais experiências conscientemente, anotou-se no íntimo, por assim
dizer, e até mesmo de certa maneira sentiu prazer com elas, embora sem
deixar nunca que lhe moldassem a conduta, ou obtivessem dele qualquer
vantagem prática. Sendo como era, achava esse conhecimento muito mais
importante e muito mais interessante do que o conhecimento que o faziam
aprender na escola, Sim, durante suas aulas nas salas de arcos góticos, ele se
ocupava principalmente em situar-se em meio a essas intuições, e penetrá-las.
O processo dava-lhe a mesma satisfação que experimentava quando se
movimentava pelo seu quarto com o violino — pois tocava violino — e fazia
com que as músicas, tocadas de leve como sabia fazer, se misturassem com o
som do chafariz que saltava e dançava no jardim, sob os ramos do velho
castanheiro...
Tonio amava sua mãe, morena, viva, que tocava piano e bandolim tão
maravilhosamente, e sentia-se feliz por ela não se perturbar com o prestígio
duvidoso dele. No entanto, ao mesmo tempo o aborrecimento de seu pai lhe
parecia uma atitude mais digna e respeitável, e, apesar de suas reprimendas,
compreendia-o muito bem, ao passo que a indiferença jovial de sua mãe
parecia-lhe sempre um pouco irresponsável. Por vezes seus pensamentos
seguiam um curso mais ou menos assim: “É certo que sou o que sou e não
quero nem posso modificar-me: descuidado, teimoso, interessado em coisas
nas quais ninguém pensa. Portanto é certo que me censurem e castiguem em
lugar de amenizar as coisas com beijos e música. Afinal de contas, não somos
ciganos que moram numa carroça verde; somos pessoas respeitáveis, a família
do Cônsul Kriger”. E não era raro que pensasse: “Por que sou diferente, por
que resisto
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Esses pensamentos a seu próprio respeito e sobre sua relação com a vida
desempenhavam papel importante no amor de Tonio por Hans Hansen.
Amava-o em primeiro lugar porque era bonito; e depois porque era, sob todos
os aspectos, o contrário dele. Hans Hansen era um excelente aluno, um ótimo
companheiro, que se destacava na ginástica, montava e nadava com perfeição,
e tinha grande popularidade. Os professores eram quase carinhosos com ele,
chamavam-no de Hans e o protegiam de todas as maneiras; os outros alunos
procuravam conquistar-lhe as boas graças, e até mesmo os adultos o paravam
na rua: “Ora, é o Hans Hansen, com seu belo cabelo louro! Ainda o primeiro da
escola? Lembranças a seu pai e a sua mãe! Ë um ótimo menino!”
Assim era Hans Hansen, e desde que Tonio Krdger o conhecera, desde o
minuto em que o vira pela primeira vez, sentira arder em si um desejo pesado e
cheio de inveja: “Quem tem olhos azuis como os seus, ou vive em tal
cordialidade e harmonia com todo o mundo? Você está sempre passando o
tempo numa ocupação certa, como deve ser. Depois das aulas, você toma sua
aula de equitação, ou faz coisas com a serra. Até mesmo nas férias, na praia,
rema e veleja e nada todo o tempo, enquanto eu ando ao acaso e me deito na
areia e contemplo as estranhas e misteriosas mudanças que ocorrem na
superfície do mar. E é por tudo isso que seus olhos são tão claros. Ser como
você...”
Não procurava ser como Hans Hansen e talvez até mesmo nem desejasse ser,
seriamente. O que desejava, de maneira ardente e dolorosa, era que, sendo
como era, Hans Hansen o amasse; e cortejava Hans Hansen ao seu modo, de
maneira profunda, constante, dedicada, e com uma melancolia que queimava
mais terrivelmente do que qualquer paixão súbita que, pela sua aparência, se
poderia ter esperado dele.
E não cortejava em vão. Hans respeitava o poder que tinha Tonio de colocar
em palavras certos assuntos difíceis; além disso, sentia a presença viva de um
sentimento tão excepcionalmente forte e terno para com ele, era grato por esse
sentimento e sua reação proporcionava grande felicidade a Tonio — embora
também muitas dores de ciúme e desilusão pelos seus esforços inúteis de
estabelecer uma comunhão de espírito entre eles. Pois
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o estranho era que Tonio, que afinal de contas invejava Hans Hansen por ser
como era, ainda assim continuava tentando arrastá-lo para o seu lado, embora
só o conseguisse no máximo por momentos, e superficialmente...
...Tonio passou sob as velhas portas da cidade, seguindo pelo porto e pela tua
íngreme, úmida, cheia de vento, até a casa de seus pais. Seu coração pulsava
forte: um anseio despertara nele e uma leve inveja, um certo desprezo e uma
grande felicidade inocente...
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mas quando ouço alguém dizer esse número, parece-me um esquilo saltando
no bosque”.
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Betty: A noite passada fui dormir às 9:15 e estava usando bobs no cabelo.
Devo ter ficado acordada uma meia hora, mas sempre sonho... em conjunto,
sonho de peixes e fantasmas... e carros, e tudo mais. Fico acordada até cerca
de 10 horas e não consigo dormir.
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B. Sim. A princípio, quando eu era mais nova, eu aparecia como uma menina
vestida de menino e ninguém sabia que eu era menina. Depois, eu era uma
menina vestida de menino, mas só algumas pessoas sabiam disso. Por fim, eu
era uma menina vestida de menino e metade do tempo era menino. Lembro-
me quando já estava quase transformada num menino e devia ser uma
menina, e passei a noite inteira decidindo.
E. E o que decidiu?
B. Decidi ser uma menina vestida de menino e que devia deixar que todos
soubessem que eu era menina e só em certas ocasiões. .
B. Deve ter sido no ano passado ou no ano anterior este ano, uma vez fui uma
menina vestida de menino e, veja, achava que devia ser fiel ao meu sexo e
vestir como menino, e acabei fazendo tudo de tal maneira que eu devia ser
uma menina que se vestia de menino. Não sei por quê.
B. Era menina.
E. Era menina?
B. Sim...
E. Para não se transformar em menino durante algum tempo, você decidiu ser
menina?
E. Você resolveu nesse quadro que ia ser uma menina, não usava roupas de
menino, mas você, você mesma, era uma menina, isso foi há um ano e meio?
B. Sim.
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E. Bem, e o que decidiu na outra noite? Depois que você e Jane tomaram a
resolução? [Referência à resolução de não sair com meninos durante dois
anos.]
B. Oh...
B. Bem, às vezes eu saio e eles ainda pensam que sou menino; e às vezes
acabo assim
B. Como menina.
E. Você mudou alguma coisa no enredo desde que tomou essa resolução com
Jane?
E. Percebo. Você vai deixar as coisas continuarem para ver qual o resultado?
E. Compreendo, é nesse ponto que você está. Você vai continuar a história e
ver como termina?
E. Por quê?
B. Não sei, o filme me dá ideias estranhas.
E. De que tipo?
B. Quer dizer, se eu vejo. . . se alguém diz alguma coisa carinhosa, penso nas
palavras e tenho de usá-las.
B. Não, não a menina do filme. Então tenho de dizer alguma coisa que seja
adorável, ou alguém tem de dizer para
B. Sim, algumas outras pessoas, mas, quer dizer, o rosto das pessoas e as
situações são um pouco diferentes.
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B. Não sei explicar, mas. . . vejamos. . Você viu Vidas de urn Lanceiro Bengali?
E. Sim.
B. Bem, lembra-se quando ele diz. . . Esqueci, mas eu fiquei doida por isso e
coloquei na minha história, misturei
todo o filme, em certos Iugares.
E. E você era o menino, do filme?
B. Sim, eu era o bonito (não o que é morto, porque eu não gosto dele), assim,
eu era ele, e Jane era alguma outra pessoa — não era nenhum deles, mas
alguma outra pessoa. Uma outra pessoa que não estava no filme. Não me
lembro quem era...quem era ele? A pessoa que é morta era alguém, talvez
fosse Mabel de quem eu não gosto nada.
B. Eu queria ser menino... Eu não sei... Agora gosto de ser menina porque eu
gosto... Porque eu odeio a maneira de vestir dos meninos. Acho horrível, mas
não sei por que eu queria ser menino, acho que é porque estou muito mais
acostumada com meninos, porque quero dizer, se gosto de um menino, fico
doidinha. Acontece que isso não aconteceu ainda mas tenho algumas amigas
que são doidas por meninos mas isso não lhes traz nenhum proveito, porque
não podem chamar o menino para sair, ou nada disso. Se fossem meninos,
seria sinais simples.
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intermediário no qual a pressão da repressão narcísica é contra atuada peia
ideação relacionada com o objeto e pela percepção arguta das moções
pulsionais. Essas fantasias implementam as transferências catéticas pela ação
de tentativa por assim dizer, e ajudam o adolescente a assimilar, em pequenas
doses, as experiências afetivas em cuja direção se move o seu
desenvolvimento progressivo. A vida de fantasia e a criatividade, nessa fase,
estão em seu auge; a expressão artística e ideacional possibilita a
comunicação de experiências altamente pessoais que, como tal, transformam-
se em veículo de participação social. O componente narcísico continua sendo
óbvio; e, na verdade, a gratificação narcísica proporcionada por essas criações
é legítima. As fantasias particulares podem ser comparadas à ação de tentativa
porque na maioria dos casos elas são funções predatórias para a iniciação de
transações interpessoais.
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Manter um diário é típico dessa fase intermediária. Nos Estados Unidos, hoje, o
diário é mais comum entre as meninas do que entre os meninos, e talvez tenha
sido sempre assim. A auto absorção emocional implícita na manutenção de um
diário adquire facilmente para o menino uma conotação de passividade; sua
necessidade de afirmação física extroversiva, com frequência defensiva, muitas
vezes afasta a sua atenção da introspecção. Isso nem sempre foi assim: ao
que parece, com o aparecimento de um padrão único, estabeleceram-se novos
tabus, muitas vezes mais rigorosos, contra o chamado comportamento sexual
inadequado. Seja como for, a menina que mantém um diário partilha com ele
os seus segredos, como se fosse um confidente íntimo. A necessidade de
manter um diário é inversamente proporcional à oportunidade que o
adolescente tem de partilhar livremente suas premências emocionais com o
ambiente. Devaneios, acontecimentos e emoções que não podem ser
partilhados com pessoas reais são confessados com alívio ao diário. Este
assume, assim, uma qualidade semelhante à do objeto. Isso fica evidente em
registros dirigidos ao Querido diário ou, como no diário de Anne Frank (1947), à
Querida Kitty. O diário de uma moça é sempre um confidente feminino. O diário
ocupa uma posição intermediária entre o devaneio e o mundo objetal, entre o
faz-de-conta e a realidade, e seu conteúdo e forma modificam-se com o tempo,
pois coisas que antes eram ansiosamente guardadas como segredo são hoje
ditas abertamente.
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sexo diferente, lembra uma folie à deux transitóra. O fato de, frequentemente,
essas relações se dissolverem sem sofrimento e sem problemas subsequentes
ou sequelas identificatória atesta o seu caráter. A necessidade de garantias
contra as angústias relacionadas com as novas pulsões pode dar a todas as
relações objetais um caráter inautêntico; elas estão misturadas com
identificações e as pessoas são consideradas mais como representações de
imagens do que como pessoas. Os caracteres neuróticos que continuam a ter
medo de suas pulsões durante toda a vida dão com frequência, portanto, uma
impressão adolescente (Fenichel, 1945, b)
Antes que novos objetos de amor possam tomar o lugar dos que são
abandonados, há um período durante o qual o ego é empobrecido devido à
retirada dos pais reais e alheamento do superego ou, nas palavras de Anna
Freud (1936): O ego aliena-se do superego. O aliado do ego no controle do
instinto deixou de funcionar da maneira segura que lhe era habitual; além
disso, a decatexia das representações objetais dos pais contribuiu para o
empobrecimento do ego. Esse estado de coisas não só é contra-atuado pelos
processos de identificação transitórios, mas também pela criação consciente de
estados do ego de uma percepção interna pungente do eu. Landauer (1935)
refere-se a esse fenômeno adolescente como a experiência intensificada do
ego (erhöh-
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John entrou numa nova fase de sua análise depois de ter finalmente superado
a fixação na mãe fálica. Teve de encarar a fraqueza submissa do pai enquanto
ainda não estava capaz de transferir suas necessidades de libido para novos
objetos. Nesse estado de isolamento e real empobrecimento, ele teve
subitamente a idéia de fazer coisas que não eram comuns e que lhe dariam
uma sensação desconhecida e excepcional de ousadia, liberdade e
descoberta. Assim, levantava-se às duas da manhã quando todos estavam
dormindo, ia para a sala de estar, sentava-se na cadeira do papai, e ficava
lendo; na escola, especializou-se em pilhérias práticas, para surpresa de seus
colegas e professores; começou a usar um gorro engraçado e a observar seus
próprios sentimentos quando os outros o observavam. Alan, outro menino da
mesma idade, usou mecanismos semelhantes. Estava sempre exausto e
agitado, com pressa, atrasado e sem tempo. Chegou a compreender que as
sensações concomitantes de sua correria de um lado para outro eram estados
de tensão auto-induzidos — estimulantes tomados por conta propria, por assim
dizer, para manter o sentimento de estar vivo. Disse: Descobri que o
nervosismo que sentia ao tentar fazer os deveres escolares é criado por mim
mesmo. Eu realmente me torno angustiado e tenso. Ë a mesma coisa quando
subitamente afirmo estar muito interessado em baseball, quando na verdade
não tenho o menor interesse.
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dos recursos do ego para a canalização da descarga das pulsões dentro de um
padrão altamente diferenciado e organizado. Esse passo, porém, não pode ser
dado enquanto os objetos de amor da infância continuarem a lutar pela sua
sobrevivência, ou enquanto o complexo de Édipo continuar a se afirmar.
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heterossexual, que se deve distinguir dos jogos sexuais das fases anteriores —
embora estes muitas vezes se estendam pela adolescência propriamente dita,
no espírito competitivo dos meninos na conquista de meninas e da desejada
forma de intimidade física (que é em grande parte determinada pela formação e
pelo grupo a que pertence o adolescente). As atitudes barulhentas e
predatórias do menino chegam ao auge nessa fase, mas cedo ou tarde essas
atitudes grosseiras são subitamente modificadas por um sentimento erótico que
ao mesmo tempo entusiasma e inibe o jovem homem. Ele compreende que
entrou na sua vida um senti- mento novo sob um aspecto, ou seja, que sua
atitude para com a menina envolve um sentimento de ternura e dedicação.
Predominam a preocupação de preservar o objeto de amor e o desejo da
posse exclusiva — embora apenas espiritual — e mútua. A parceira não
representa apenas uma fonte de prazer sexual (jogo sexual); ela significa, pelo
contrário, uma mistura de atributos sagrados e preciosos que enchem o rapaz
de temor. Não devemos esquecer que esse novo sentimento é experimentado
inicialmente pelo rapaz como uma ameaça de nova dependência, de modo que
o apego em si provoca medo de rendição emocional e de submissão. Essa
reação só surgiu claramente na análise de um menino de 15 anos quando o
amor-ternura fez sua primeira aparição. O medo da dependência da mãe fálica
ocupara, até então, grande parte do trabalho analítico. O menino descreveu
sua agitação emocional da seguinte maneira: Há alguma coisa estranha na
minha vida sexual com as meninas. Várias meninas estão atrás de mim. Há
uma de quem gosto mais, mas na festa da semana passada quase não lhe dei
atenção. Não faz sentido a maneira pela qual me comporto. Só no final é que
resolvi dar-lhe atenção. Àquela altura eu achava que tinha o controle da
situação, que estava dominando, que não corria nenhum risco. Tudo isso é
idiota ou anormal. Tenho medo de que ela tome conhecimento de meus senti-
mentos, ou de que ela me ame realmente, ou de que eu seja um pião nas suas
mãos. Aí então eu não poderia dominar mais a situação.
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Ingeborg Holm, loura e pequena Inge, filha do dr. Holm, que morava na Praça
do Mercado, em frente ao velho chafariz gótico com suas múltiplas espirais —
era ela que Tonio Kröger amava aos 16 anos.
Estranho como as coisas aconteceram! Ele a vira mil vezes; e, então, certa
noite voltou a ela, sob uma certa 1uz, falando com uma amiga de um certo jeito
faceiro, rindo e balançando a cabeça. Viu como erguia o braço e alisava os
cabelos com suas mãos de estudante, que não eram excepcionalmente belas
ou finas, e de tal modo que a leve manga branca lhe escorregava ao cotovelo;
ouviu-a dizer uma ou duas palavras, uma frase indiferente, mas com uma certa
entonação, com um tom cálido na voz, e seu coração bateu em êxtase, muito
mais fortemente do que quando olhava para Hans Hansen, muito tempo atrás,
quando ainda era um menininho estúpido.
Naquela noite, levou consigo a imagem dela, nos seus olhos; a pesada trança
loura, os olhos grandes e azuis, sorridentes, as leves sardas no nariz. Não
podia dormir, ouvido o som daquela voz; tentou, num sussurro, imitar o tom no
qual ela havia murmurado a frase banal, e sentiu um arrepio pelo corpo. Sabia
por experiência que isso era amor. E tinha perfeita consciência de que o amor
sem dúvida lhe traria muita dor, aflição e tristeza, e que certamente lhe
destruiria a paz, enchendo o coração com melodias que não lhe seriam boas
porque ele não
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teria nunca o tempo nem a tranquilidade para lhes dar forma permanente.
Ainda assim, recebeu esse amor com alegria, entregou-se a ele, e o acolheu
com toda força de seu ser, pois sabia que o amor torna o homem vivo e rico, e
ele queria estar vivo e ser rico, muito mais do que trabalhar tranquilamente em
alguma coisa ou dar-lhe forma permanente.*
ou beijá-la. Isso durou a maior parte do verão. Eu pensava sempre: Talvez seja
demais para ela. Se eu a tocar, destruirei nossa relação. Acontecer-me isso,
logo a mim! Eu, que sempre fui ousado com qualquer menina, em qualquer
circunstância; bastavam-me vinte minutos para o primeiro beijo. Dessa vez, era
diferente. E sobre as conquistas rápidas, eu pensava: Ora! O que vale um beijo
desses? Esse menino altamente egocêntrico e oralmente fixado pôde, por meio
cia terapia, superar sua dependência passiva por uma identificação com a mãe
ativa; em lugar de ser objeto da amamentação da mãe e de seu amor protetor,
ele estendeu essas ministrações à menina que amava. Com isso, pôde tolerar
as crescentes tensões do trabalho e abstinência. Alcançou um grau de
masculinidade admitindo a modalidade de pulsão receptiva feminina na
parceira heterossexual. Dessa maneira ele pôde, por reflexo, participar do
componente de pulsão negado.
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A luta dos instintos, que ocorre ao término da infância, encontra uma trégua na
realização de relações objetais relativamente estáveis dentro da família, pelo
estabelecimento do superego e pela elaboração (embora preliminar) da
identidade sexual. Essa trégua abre a porta à experiência exclusivamente
humana do período de latência. Cabe à adolescência propriamente dita realizar
tarefas semelhantes dentro de um corpo que atingiu a maturidade sexual física.
Em conseqüência, o desenvolvimento emocional deve mover-se no sentido das
relações objetais estáveis, para ambos os sexos, fora da família, e na direção
de uma formação de identidade sexual irreversível. Na esteira dessas
realizações, o homem não pode deixar de enquadrar-se ativamente nas
organizações sociais e instituições que são parte de seu mundo imediato. Só
por meio da adaptação aloplástica buscará ele a realização de suas
necessidades instintuais e, além disso, dar expressão àquelas energias,
libidinais e agressivas, que transcendem a realização instintual e tomam uma
forma altamente complexa, alvo-inibida — isto é, sublimada. A elaboração do
papel social e privado é um processo que começa a tomar forma na
adolescência propriamente dita, mas não é, de maneira nenhuma, levada ao
fim durante essa fase.
Voltemos ao pai (ou mãe) edípico. Os registros clínicos relativos a essa fase
deixam bastante claro que um desligamento decisivo do pai (ou mãe) é
essencial antes que uma escolha objetal não incestuosa possa ser feita.
Durante as pré-fases desse desapego, ocorrem apegos de despeito e vingança
que se destinam a ferir o pai (ou mãe) que já não pode satisfazer as
necessidades de amor da criança; esses atos significam que a condição infantil
ainda predomina. Podemos ver em meninos e meninas um reaparecimento da
consciência da vida íntima dos pais, e vergonha e culpa associam-se a essa
curiosidade e a essas imagens. O envolvimento edípico surge na atitude crítica
do adolescente para com um dos pais; na menina, é mais frequente que seja a
mãe o
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alvo das censuras e acusaçães. Muitas meninas • estão convencidas de que
compreendem o pai melhor do que a mãe pode compreendê..lo; de acordo com
seu raciocínio típico, ela, a menina, não o perturbaria com as trivialidades com
que é recebido pela mãe, depois de um dia de muito trabalho. A menina
geralmente só tem consciência dos aspectos negativos de seus sentimentos
para com a mãe; o lado positivo é disfarçado em fantasias, devaneios, ou
sentido de forma deslocada, com uma grande dose de dramatização e faz-de-
conta. Lembramos a menina que se apaixona pelo menino cuja principal
qualidade é ser incompreendido pelos outros. Dependendo da classe e casta
da menina, o objeto de seu amor pode ser um menino de raça, cor ou religião
pouco comuns, ou simplesmente um joão-ninguém, um pária da sociedade.
Essa escolha objetal segue o modelo edípico de competição e vingança. Os
sentimentos de culpa que se seguem são minorados pela autopunição,
ascetismo e estados de depressão.
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A descrição que Joyce faz dessas defesas indica a enormidade da luta travada
por esse jovem. Stephen tentou, primeiro, dominar seus impulsos sexuais pela
simples repressão, pela negação fervorosa de sua rebeldia e de suas
necessidades, na esperança de encontrar a paz interior. Sentimentos edípicos
inconscientes são perceptíveis no estranhamento culpado em relação à família:
Que louco que fora o seu intento! Tentara construir uma comporta de ordem e
de conforto contra a sórdida maré da vida que o rodeava e tentara represar, por
meio de regras de conduta, ativos interesses e novas relações filiais, a
poderosa recorrência da maré dentro dele. Tudo em vão. Por fora e por dentro
a água irrompera sobre as suas barreiras aquela enchente começou, outra vez
mais, a empurrar indomavelmente para cima a mole fendida.
Viu claramente, além do mais, o seu próprio fútil isola particularmente. Não se
aproximara um passo sequer mais para perto das vidas que tinha determinado
aproximar e nem transpôs a vergonha inquieta e o rancor que o separava da
mãe, do irmão e da irmã. Dificilmente acreditaria ter o mesmo sangue que eles,
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Voltou a querer aplacar o altivo tédio do seu coração, diante do qual todas as
coisas eram vãs e alheias. Pouco se lhe dava estar em pecado mortal e que a
sua vida crescesse como um tecido de subterfúgio e falsidade. Além do
indômito desejo dentro dele de realizar as enormidades que o tentavam, nada
mais era sagrado. Continuou, cinicamente, cada vez mais enleado em
vergonhosa exaltação, a profanar metodicamente qualquer
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súplica; um grito por um iníquo abandono, um grito que não era mais do que
uma obscena garatuja que houvesse lido no visguento muro dum mictório.
Tinha vagado por um labirinto de ruas estreitas e imundas. Das sórdidas vielas
ouvira explosões de grosseiros tumultos e disputas de vacilantes cantores
bêbedos.
O encontro com a Prostituta não é, para o jovem Stephen, como para a maioria
dos rapazes, uma solução para o conflito emocional; é um ato de afirmação da
sexualidade masculina, mas não rompe, por si mesmo, os laços objetais
infantis. A progressão para novos objetos de amor não se segue naturalmente
à experiência sexual. Muito pelo contrário: a luta interior intensifica-se e a
rebeldia agressiva contra a autoridade masculina (paterna) passa ao primeiro
plano. Stephen recorreu a medidas defensivas para impedir o aparecimento do
impulso agressivo no pensamento consciente; ou seja, empregou a defesa da
intelectualização. Com esse objetivo usou — como sempre acontece o sistema
de ideias que tem raízes no ambiente do adolescente e com isso adquiriu o
destaque de uma valência positiva ou negativa. Podemos reconhecer
claramente a transferência do afeto dos objetos de amor e ódio para a
controvérsia ideal e o domínio do conflito psíquico por meios dialéticos. Joyce,
aluno vitalício da escola jesuíta, articula necessariamente o mecanismo de
defesa da intelectualização em termos das ambiguidades no dogma religioso.
Uma possível irrupção do impulso sexual não é contida com segurança peia
defesa da intelectualização. Os sentidos e a sensualidade em geral devem ser
mantidos sob o mais rigoroso escrutínio. A defesa do ascetismo, que Joyce
descreve no trecho seguinte, opera sem dúvida numa maior proximidade com o
corpo e suas necessidades; permite a satisfação de instintos componentes, ou
seja, do sadomasoquismo. O ascetismo como defesa adolescente proporciona
uma descarga de impulsos libidinais e agressivos em relação ao eu e ao corpo.
Essa condição favorece uma fixação nessa modalidade de impulso sempre que
predomina uma forte tendência masoquista; além disso, dá à ambivalência nas
relações objetais um novo vigor por intermédio do reforço sado- masoquista. O
ascetismo de Stephen Dedalus não apaga totalmente as manifestações
impulsivas com a raiva e a irritação, mas apenas afasta o impulso sexual, a
tentação de pecar mortalmente. A defesa o protege contra sentimentos
edípicos positivos, mas não contra sua raiva ao ouvir a mãe espirrar contra a
mãe, como objeto de amor, que a defesa opera no caso de Stephen. O contato
com ela só pode ser continuado com segurança enquanto tiver um sinal
negativo. Joyce descreve o elaborado regime ascético de Stephen da seguinte
maneira:
Mas tinha sido advertido dos perigos da exaltação espiritual; e não consentia a
si mesmo desistir da menor devoção que fosse, esforçando-se, outrossim,
mediante uma constante mortificação, por desfazer o passado pecaminoso
mais do que a alcançar uma santidade obtida em perigo. Cada um dos seus
sentidos foi sujeito a uma rigorosa disciplina. De maneira a mortificar o sentido
da visão, tomou como regra andar pelas ruas com os olhos abaixados, não
espiando sequer para a direita ou para a esquerda e jamais para trás. Os seus
olhos evitavam qualquer encontro com os olhos das mulheres. De tempos a
tempos ele os sofreava com um súbito esforço da vontade, erguendo-os de
repente no meio duma sentença ainda por terminar e fechando o livro. Para
mortificar sua audição, não exercia fiscalização alguma sobre a sua voz
quando esta estava para romper, não cantava nem assobiava e não fazia
esforço algum para se livrar dos ruídos que lhe causassem uma dolorosa
irritação nervosa, como, por exemplo, o amolar facas sobre um gume, o chiar
das cinzas na lareira e o arranhar do tapete.
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Mortificar seu olfato lhe foi mais difícil, visto não sentir nenhuma repugnância
instintiva para os maus cheiros, mesmo que fossem os odores do mundo
exterior, tais como os de estrume ou de alcatrão, ou os odores da sua própria
pessoa, entre os quais fazia curiosas comparações e experiências Acabou, por
fim, descobrindo que o único cheiro contra o qual o seu sentido do olfato se
revoltava era um certo fedor de peixe podre que semelhava o da urina
depositada durante muito tempo; e onde quer que isso lhe fosse possível,
sujeitava-se a suportar tão desagradável cheiro. A fim de mortificar o paladar,
praticava hábitos estritos à mesa observando fielmente todas as abstinências
da Igreja e habituando-se, como uma distração, a afastar o seu espírito de
todos os sabores de diferentes alimentos. Mas foi para com o sentido do tato
que ele empregou com mais assiduidade ingênuos processos preventivos.
Jamais, conscientemente, mudou de posição na cama; ficava sentado nas
posições mais incômodas possíveis; sofria com paciência qualquer comi- chão
ou dor; conservava-se longe do fogo; permanecia de joelhos durante toda a
missa, exceto aos evangelhos; deixava parte do pescoço e do rosto sem
enxugar, de modo a que o ar lhe doesse e, onde quer que estivesse, se não
fosse o terço, deixava os braços caídos ao longo do corpo como um corredor e
jamais com as mãos nos bolsos; ou então cruzava-os atrás de si.
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Tom teve um novo interesse pelo problema histórico. Passou a querer traçar
todo o panorama das migrações, conquistas e aniquilações de nações, e a
destruição de impérios. O que todos eles tinham em
Início da nota de rodapé
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comum era o fato de que esses deslocamentos violentos haviam levado a uma
mistura entre o conquistador e o conquistado, que culminava no nascimento de
uma nova tribo. Deu início a esse ambicioso projeto com um desenho em
grande escala do berço da civilização mediterrâneo. Colocou no mapa os
vários povos, cada tribo representada por um pedaço de cartolina. Pesquisou
em seguida os períodos históricos, moven.do populações de um lado para
outro. Quando se entusiasmava e se interessava demais pelo seu projeto,
sentia-se culpado e se acusava: Eu não devia fazer isso — ou seja,
testemunhar batalhas e o nascimento denovas tribos. Mas continuou com o
projeto. Quando chegou finalmente à história contemporânea, 05 soldados
americanos na Segunda Guerra Mundial misturaram-se com mulheres
provocantes na Itália e deram início a novas tribos. As associações sexuais
tornaram-se mais freqüentes até que o hiato na história, a sua história pessoal,
foi preenchido. Isso foi possíve•1 pela reconstrução, a partir de material das
fantasias originais, dos conceitos sadomasoquistas de relação sexual, culpa
edípica, identificações ambivalentes com os pais, medo da mãe fálica,
depressão conseqüente da separação da babá. Finalmente, a história havia
contado toda a sua vida.
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6. Final da Adolescência
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antes um componente seu, volta-se novamente para fora, ao ser ativada sobre
o ambiente. Sua resolução ou imobilidade é então buscada dentro de um
sistema de interação altamente específico. Então, o indivíduo sente o seu
comportamento como sendo significativo, evidente, premente e satisfatório.
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Poderíamos indagar por que o recurso a uma fixação dos instintos e do ego
não é suficiente para tornar compreensível a especificidade das escolhas e
disposições definitivas do ego, superego e premência das pulsões no final da
adolescência. A fixação visa à manutenção de uma posição estática; ela resiste
à mudança. Mas o aspecto positivo do trauma está no fato de exercer uma
pressão incessante no sentido de chegar a um acordo com seus resíduos
nocivos, reativando-os incessantemente no ambiente. Não há dúvida de que as
fixações das pulsões e do ego entram na consolidação do caráter e contribuem
para a organização da personalidade. Mas entre os vários componentes
unificados pela integração, uma certa fixação é apenas um de seus muitos
aspectos.
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John era o filho mais novo; seu irmão era cinco anos mais velho do que ele.
Desde o nascimento John foi o favorito da mãe, que via no menino a realização
de seus próprios sonhos artísticos. Tudo contribuiu para uma fixação ao nível
receptivo-passivo. Tanto a mãe como a babá o mimavam. O menino andou e
falou bastante tarde, era dado aos sonhos e brincadeiras solitárias. Logo que
foi capaz de andar, começou a correr e tornou-se bastante independente.
Sentia agudamente a competição com o irmão mais velho, cuja competência
invejava. Nessa luta, John aprendeu a se aproveitar de sua natureza simpática,
que o tornava o preferido das mulheres. Agradar às mulheres e evitar os
homens (pai, irmão), juntamente com uma compreensão precoce das
vantagens de sua boa aparência, eram suas técnicas típicas para evitar o
desprazer, e ele as desenvolveu durante três décadas. Com essas armas
derrotou seu irmão, de grande força de vontade, e afastou dele a afeição da
mãe. Esse estratagema de tratar com um rival masculino evitando um encontro
nunca deixou de ser adotado em circunstâncias análogas.
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A mãe edípica reapareceu na vida de John numa constante busca de, e
entrega a, mulheres que eram poderosas, seja pela posição social, intelecto,
fama ou dinheiro. Na verdade, a dependência de mulheres como estas sufocou
tanto o seu desenvolvimento profissional como o seu casamento. Quando
esses aspectos de sua vida foram ameaçados de deterioração, ele buscou
ajuda psicanalítica.
Este histórico indica que a síntese do final da adolescência foi dominada por
tendências narcisistas, e que a fixação na modalidade passivo-receptiva havia
influenciado o desenvolvimento do seu ego e das pulsões. Pela sua escolha
profissional ele tentou resolver sua situação egodistônica por meio de uma
identificação com a mãe ativa; sua oposição à rendição foi mantida pela sua
cruzada em favor de métodos modernos de educação de crianças pequenas. A
identificação com estas proporcionou um caminho institucionalizado para a
reparação dos segmentos infantis do ego em John, o educador. O conflito
edípico adolescente foi resolvido sem êxito pela divisão da mãe edípica num
objeto degradado e numa força fálica supervalorizada. A inclinação de John à
receptividade passiva assumiu proporções traumáticas durante a fase edípica,
quando a entrega fálica destruiu a capacidade de competição masculina com o
pai, pela estabilização identificadora. O caminho para esse resultado já havia
sido pavimentado pelo seu ciúme feroz e admiração para com o irmão mais
velho. A posição homossexual passiva em relação ao pai foi reprimida mais
profundamente do que qualquer outro conflito, e uma fixação no seu apego
libidinal resultou numa identidade masculina imperfeita. A força dinâmica atrás
da padronização das pulsões e do ego, do final da adolescência, derivava de
seu trauma, e resultou em esforços inexoráveis e intermináveis de dominar a
propensão à entrega passiva ou, simplesmente, a chegar a um acordo com o
pai edípico.
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Essas formulações são vagas; passaremos agora a outros dados para ajudar a
esclarecê-las. No final da adolescência surgem preferências recreativas,
profissionais, religiosas e temáticas, cuja busca é igual, na economia psíquica,
à busca de trabalho e amor. Em lugar do conceito de Kris de regressão a
serviço do ego, esses devaneios dos homens sem musas podem ser
atribuídos, mais corretamente, a uma modalidade de experiência derivada do
jogo da criança. Winnicott (1953), em seu estudo do objeto transicional na
infância, descreve o antecedente genético de uma atividade mental na vida
adulta, o qual anteriormente não havia sido compreendido satisfatoriamente.
Ele fala de uma área mental intermediária de experiência na qual se combinam
a realidade interior e exterior, numa área que não é questionada — um lugar de
repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter
separadas, e não obstante inter-relacionadas, as realidades interior e exterior
Supomos aqui que a tarefa da aceitação da realidade jamais é completada
[grifos nossos], que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a
realidade interior e a realidade exterior e que o alívio dessa tensão é
proporcionado por uma área intermediária de experiência que não é
questionada (artes, religião, etc.). Essa área intermediária está em
continuidade direta com a área de jogos da criança pequena que se perde no
jogo.
A resolução do processo adolescente na fase final da adolescência está
impregnada de complicações que podem sobrecarregar facilmente a
capacidade integrativa do indivíduo e que podem levar a manobras de
adiamento (adolescência prolongada) ou a fracassos totais (falência da
adolescência), ou a adaptações neuróticas (adolescência incompleta). O
resultado não pode ser previsto enquanto o final da adolescência não encontra
alguma solução. A fase final da adolescência é a época em que os fracassos
na adaptação tomam forma final, quando ocorre o colapso. Erikson (1956)
refere-se ao período de consolidação do final da
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Orlando? mas ainda assim o Orlando de que ela precisava podia não vir; esses
eus de que somos formados, uns sobre os outros, são pratos empilhados na
mão de um garçom, têm apegos outros, simpatias, pequenas constituições e
direitos próprios, quaisquer que sejam os nomes que lhes dermos (e para
muitas dessas coisas não há nomes), de modo que um deles só vem se estiver
chovendo, outro numa sala com cortinas verdes, outro quando a sra. Jones não
está, outro ainda se lhe pudermos prometer um copo de vinho — e assim por
diante. Todos podem multiplicar, a partir de sua própria experiência, os termos
difíceis que foram estabelecidos pelos seus diferentes eus — e alguns são
demasiadamente ridículos para serem mencionados por escrito.
7. Pós-Adolescência
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com justiça tanto por uma como por outra dessas fases e, na verdade, pode ser
vista do ângulo de cada uma delas. No entanto, há razões para que pós-
adolescência seja examinada aqui como uma continuação do pro- cesso
adolescente, ou melhor, como seu reflexo decrescente. Essas razões ficarão
claras quando mostrarmos as etapas essenciais na formação da personalidade
pós-adolescente que representa a precondição para a realização da
maturidade psicológica. O indivíduo descrito aqui como pós- adolescente é
mencionado, em geral e corretamente, como o jovem adulto.
Pela experiência clínica com jovens adultos inclino-me a dizer que uma de suas
maiores preocupações é a elaboração de salvaguardas que protejam
automaticamente o equilíbrio narcísico. Essa realização só se torna segura, é
claro, se as necessidades instintuais e os interesses do ego, com sua natureza
frequentemente contraditória e suas estratificações instáveis, tiverem chegado
a um equilíbrio harmonioso dentro de si mesmos. Isso acontece se o ego
consegue êxito em sua função sintética. Os processos integrativos dominam as
fases finais da adolescência, e. a adolescência final é caracterizada pela
consolidação desses componentes constituintes essenciais da vida mental, que
precisa ser integrada num todo funcional. O processo poderia, na realidade, ser
chamado de realização do desenvolvimento na organização da personalidade,
que é específico da pós-adolescência.
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deles se integram na esfera do ego como tarefas por toda a vida. Isso foi
descrito como a realização da adolescência final. E continua sendo tarefa da
pós-adolescência a criação de caminhos específicos pelos quais essas tarefas
são implementadas no mundo exterior. A satisfação de necessi- dades
instintuais díspares e de interesses do ego é característica desse período,
durante o qual o adolescente articula seus anseios heterogêneos na forma de
buscas de componentes. Muitas Iinhas de interesse são segui- das
simultaneamente e com igual premência. Esse estado de coisas repre- senta
uma condição típica — a experimentação da pós-adolescência.
Podemos fazer aqui um resumo e dizer que o período que se segue ao clímax
adolescente da adolescência propriamente dita é caracterizado por processos
integrativos. No final da adolescência, esses processos levam à delimitação de
metas definíveis como tarefas por toda a vida; na pós-adolescência a
implementação dessas metas em termos de relações permanentes, papéis e
escolhas de ambiente torna-se a principal preocupação. O ego, fortalecido pelo
declínio dos conflitos instintuais, é cada vez mais absorvido, de forma
conspícua, por esses interesses,
A natureza bifásica da estabilização da personalidade, que se torna dominante
depois dos estados caóticos do início da adolescência e da adolescência
propriamente dita terminaram, não precisa ser documentada aqui. A
observação cuidadosa a comprovará facilmente. Ë interessante, quanto a isso,
lembrar o romance de Goethe sobre o desenvolvimento, Wilhelm Meister,
apresentado em duas partes: a primeira intitulada Anos de aprendizagem
(Lehrjahre), e a segunda, Anos de viagens (Wanderjahre). Essa divisão é
tomada do esquema tradicional, pré-industrial, para alguém se tornar artesão e
membro de uma corporação. Ela reflete uma progressão bifásica semelhante à
que foi feita acima. Na primeira parte do romance de Goethe, Wilhelm leva uma
vida aparentemente
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útil ao próximo.
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o quadro clínico desses casos mostra um alto grau de similaridade não significa
que a fantasia de salvamento apresente um conteúdo homogêneo. Em termos
das formulações anteriores, essa fantasia pode ser considerada como o
fracasso em fazer dos traumas residuais específicos uma parte integrante da
organização do ego. O fracasso não está na falta de uma tarefa instigante de
vida, mas na expectativa de que sua realização seja proporcionada pela
influência benéfica das circunstâncias. A internalização do trauma foi anulada,
e espera-se que esteja dominado, como se fosse uma reparação vinda do
mundo exterior. A sorte específica dessa constelação depende de sua fusão
com os componentes da pulsão; por exemplo, as necessidades masoquistas
produzirão o conhecido colecionador de danos (Bergler), que busca uma
satisfação a que tem direito, mas lhe é negada por um mundo hostil. O impasse
insuperável da pós-adolescência, descrito aqui como a fantasia de salvamento,
é extraído de material clínico semelhante àquele que Erikson (1956) descreveu
em termos de difusão de identidade e identidade negativa do ego. A fantasia de
salvamento é uma formulação útil porque promete lançar luz sobre o processo
integrativo da pós-adolescência. A partir da análise de adultos jovens, tenho a
impressão de que o desligamento dos pais, da primeira infância, ou melhor,
das representações objetais dos pais, só se completa depois de passada a
pós-adolescência. Oi seja, o afrouxamento dos laços objetais infantis é a tarefa
da adolescência propriamente dita, mas o acordo com os interesses e atitudes
do ego parental realiza-se de maneira mais efetiva e mais deliberada durante a
pós-adolescência. Só então toma forma uma solução duradoura dessas
preocupações. A competição com o pai, que o menino experimentou na
ressurreição do complexo de tipo durante a adolescência propriamente dita,
passa geralmente a um esquecimento relativo. Nos anos que se seguem, o
pós-adolescente passa por uma revisão de suas identificações rejeitada,
provisória e aceita. O caráter do ego, diz Freud (1923, a), é um precipitado de
catexias objetais abandonadas. Mas não devemos esquecer que há graus
variados de capacidade de resistência, como se evidencia pelas proporções
em que o caráter de qualquer pessoa aceita ou resiste à influência das
escolhas objetais eróticas pelas quais viveu. O passo final desse processo, ou
seja, a aceitação e a resistência às identificações, só é dado na pós-
adolescência.
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James Joyce (1916), cujo romance Retrato do Artista quando Jovem foi citado
acima, em relação à adolescência propriamente dita, pode servir novamente de
ilustração. Esse romance começa e termina com o mesmo tema: o pai. A frase
inicial é dita pelo pai, que está contando uma história ao menino. A última frase
do livro é uma invocação da figura do pai: Velho pai, velho artífice, ampara-me
agora e sempre. Nada se pode fazer sem ter chegado a um acordo com o pai,
ou antes, com sua imagem ou representação objetal. A realização dessa tarefa
ocupou toda a vida de Joyce. Ao invocar as bênçãos do velho artífice, ele tinha
22 anos e já conhecia sua futura esposa, e sabia-se destinado a ser escritor.
Só pôde realizar esse objetivo exilando-se voluntariamente, revivendo e
recriando, de longe, sua família. Joyce não deixou nunca de escrever sobre um
assunto: a sua cidade e sua gente. E por fim conseguiu fazer de Dublin uma
cidade eterna da literatura. Ou, em outras palavras, um trauma residual
egossintônico nunca deixou de exercer sua influência positiva sobre o ego, o
que tomou, no caso do gênio, a forma de criação.
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Do trabalho terapêutico com adolescentes maiores, aprende-se que a luta para
integrar os interesses e atitudes do ego do pai ou da mãe é imensa. Para
chegar à maturidade, o rapaz tem de fazer as pazes com a imagem do pai e a
moça tem de fazer as pazes com a imagem da mãe. Se isso não foi
conseguido, nessa conjuntura do desenvolvimento, o resultado será soluções
regressivas, deformações do ego, ou um afastamento da realidade. O estudo
que Erikson fez de Martinho Lutero (1958) demonstra com clareza, em especial
em seu material patográfico, como a incapacidade pós-adolescente de Lutero
de separar a libido homossexual da imagem do pai intensificou a angústia
conflitual até o ponto de um rompimento psicótico.
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Capítulo 4
Masturbaçao
do objeto, torna-se assim o veículo que liga os desejos instintuais aos traços de
memória, e suas elaborações e deformações, até que a fantasia, por si mesma,
passe a ser suficiente para a consecução da satisfação instintual. A natureza
dessas fantasias inconscientes é bem conhecida. Sempre que essa forma de
satisfação masturbatória sem sensação física — ou mais precisamente, sem
sensação erótica consciente — ocorre, falamos de masturbação mental.
Por outro lado, ela afirma facilmente uma tendência conservadora, perpetuando
as posições sexuais infantis, muitas vezes de modo parcial ou de forma
disfarçada. Essa tendência conservadora constitui um detrimento ao
desenvolvimento progressivo.
A masturbação, pela sua própria natureza, tende a operar contra essa meta;
não obstante, é uma atividade sexual transitória indispensável, que
normalmente coloca as experiências infantis auto-eróticas em contato com
objetos por meio das imagens mentais que constituem a fantasia. Essa maior
ligação facilita as relações objetais, a conditio sine qua non da genitalidade.
Schilder (1935) referiu-se à conotação social da masturbação genital,
considerada por ele como um ato pelo qual tentamos trazer mais para perto de
nós as imagens corporais dos outros, especialmente de sua região genital.
Quanto a isso, o comentário de Freud (1909, a) é relevante. Ele também
ressaltou o esforço típico da masturbação adolescente que visa, cada vez
mais, a ser diretamente objetal: Devemos acima de tudo ter presente que as
lembranças infantis das pessoas só são consolidadas num período posterior,
geralmente na idade da puberdade Torna-se logo evidente que em suas
fantasias sobre sua infância, o indivíduo, ao crescer, tenta apagar as
lembranças de
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desses aspectos sofreu separadamente a sua elaboração específica (Arlow,
1953). Isso leva com frequência à formação de sintomas, que revela a natureza
conflitante da masturbação que, especialmente na forma de manipulação
genital, não é sentida como egodistônica. Ao tratar desses casos, a tarefa da
terapia é de ligar os sentimentos de culpa e parapraxia ao ato masturbatório.
As fantasias inconscientes que a análise revela tendem a ser de natureza oral
e sadomasoquista. Isso ficou evidente num menino de 15 anos, que comia
compulsivamente, e que se masturbava sem sentimento consciente de culpa.
Ele revelou o componente sádico e oral de sua masturbação ao dizer: Ë bom ir
dormir e não mastigar — quero dizer, masturbar. Outro menino da mesma
idade dotava a masturbação de fantasias bissexuais, nas quais o órgão genital
assumia o papel de objeto: um pênis e um mamilo. A fantasia masturbatória
revelou-se no seguinte sonho: há duas garrafas de leite que parecem iguais;
mas uma contém leite e a outra, sêmen. Discuto com alguém como poderia
fazer a diferença, caso quisesse beber de uma delas. Uma adolescente mais
velha relatou as suas fantasias masturbatórias, de que se lembrava
perfeitamente e que datavam dos 13 anos. Nelas, um escravo ou prisioneiro
era minuciosamente torturado nos órgãos genitais. Durante toda a sua
adolescência essa menina jamais compreendeu que suas fantasias e sua
masturbação estavam relacionadas com o sexo; ela nunca teve sentimentos de
culpa. Não obstante, desenvolveu a compulsão de urinar depois de cada ato
masturbatório a fim de tranquilizar-se de que não houvera dano ao seu órgão
genital.
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mente para o pênis como um órgão de prazer que pode ser manipulado à
vontade. Os sentimentos de culpa, redução da auto-estima e angústia de
castração interferem, de uma maneira ou outra, com a masturbação desinibida
no menino.
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Capítulo 5
O Ego na adolescência
O tema do ego na adolescência foi destacado para um exame especial porque
seu estudo permitirá uma visão mais detalhada do processo adolescente em
termos da reestruturação psíquica, tal como manifestada nas atividades
transitórias do ego e nas suas permanentes alterações. Tomando o ego como
foco de nosso estudo poderemos reunir num todo coerente as muitas
ramificações da observação e da teoria. Os exemplos clínicos dados acima, na
descrição das fases de desenvolvimento, são fontes de referência; assim,
neste exame vamos concentramos na teoria. Em suma, portanto, faremos aqui
uma tentativa de apresentar um tratamento sistemático dos aspectos do ego
que, nos capítulos anteriores, foram tratados como segmentos do problema
total da adolescência.
1. Observações Introdutórias
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(Hartmann, 1939, a). Nesse sentido, qualquer mecanismo psíquico que proteja
o organismo mental contra o superestímulo desempenha uma função positiva.
Isso ocorre também na infância e na adolescência. O mecanismo psíquico em
desenvolvimento deve alcançar constantemente, por assim dizer, as condições
de amadurecimento, que por sua vez dão ímpeto e direção à diferenciação e à
integração do ego. Esse processo reflete as influências mútuas do ego e do id
sobre seus respectivos desenvolvimentos. Quando esse processo não é fluido,
mas sim produz uma cristalização prematura do caráter ou um sintoma
neurótico, a função do ego fracassou. Aquilo que normalmente deveria
funcionar como um mecanismo adaptativo ou defensivo adquiriu uma qualidade
diferente: em lugar de iniciar a progressão e a diferenciação, o
desenvolvimento de certas funções do ego fracassou, ou foi paralisado.
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Poderia ser útil definir as precondições que o ego precisa ter no início da
adolescência, num grau apreciável, para desenvolver as qualidades e funções
especificamente adolescentes e que provocarão aquelas transformações do
ego que resultam no ego do adulto. As realizações essenciais do ego no
período de latência são as seguintes: 1) aumento na catexia dos objetos
interiores (representações objetais e do eu) com a resultante automatização de
certas funções do ego; 2) maior capacidade de resistência das funções do ego
à regressão (autonomia secundária) -com a consequente expansão da esfera
não conflitual do ego;
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A história do ego revela que ele se modela progressivamente sobre cada fase
predominante da organização das pulsões. Uma influência mútua do ego e do
id não deixa nunca de ser evidente. Por exemplo, a projeção e introjeção são
mecanismos do ego que vêm da modalidade oral. A existência e importância
de variações do ego originais e congênitas (Freud, 1937) na sua interrelação
com fatores constitucionais de pulsões explicam em parte a pulsão preferencial
e as modalidades do ego. Mas em nosso estudo a questão a ser formulada, a
esta altura, é a seguinte: Qual a modalidade instintual específica da
adolescência, juntamente com a qual o ego desenvolve suas próprias
características corolárias? A novidade está na subordinação — realizada de
maneira apenas gradual e na maioria dos casos, apenas parcial — das zonas
erógenas ao primado genital. Em outras palavras: a nova modalidade de
sexualidade adolescente está na elaboração do prazer preliminar (Freud, 1905,
b). A pré-genitalidade, em consequência, é relegada a um papel mais de
iniciação do que de satisfação; essa ênfase diferente na economia sexual torna
a pré-genitalidade diferente de seu estado infantil anterior.
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Outra fonte de tensão encontra-se nas restrições retaliatórias dos pais, com o
objetivo de lidar com a maturação sexual de seus filhos. Testemunhamos
muitas vezes atitudes punitivas e proibitivas exageradas dos pais para com o
filho quando esse atinge a maturidade sexual, cresce fisicamente e adquire um
espírito mais independente. Jones (1913) e Pearson (1958) mostraram que a
chegada da puberdade na criança provoca nos pais reminiscências
assustadoras e retaliatórias que remontam à época em que a sua própria
condição de crianças frustrou suas tentativas de interferência nos privilégios
invejados e exagerados de seus próprios pais. A maior permissividade sexual
dos pais modernos cria uma situação em que eles aceitam os anseios sexuais
do adolescente e se oferecem como um igual, como um camarada ou
companheiro de seu filho púbere. Essa atitude dos pais agrava o envolvimento
edípico por meio da realidade imaginada de uma relação anterior entre pai e
filho.
Deve ser mencionada uma outra distinção, que foi adotada por Hartmann
(1956), ao falar das manobras defensivas e mecanismo
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defensivos. Estes últimos estão localizados no inconsciente; as manobras
defensivas operam no pré-consciente e são mantidas fora da consciência pela
censura. O que na adolescência parece ser um acesso fácil aos determinantes
inconscientes em termos de insight é, na verdade, com maior frequência, um
conteúdo pré-consciente. Assim, o medo de que no tratamento de
adolescentes o enfraquecimento das defesas mobilize sempre os processos
primários não tem, em muitos casos, fundamento. Os mecanismos de
estabilização característicos da adolescência incluem mecanismos defensivos,
adaptativos, restitutivos e compensatórios. A deformação do ego que ocorre,
por exemplo, no processo de separação acontece juntamente com esses
mecanismos estabilizadores; ela foi descrita pelo autor (1954) num estudo
clínico sobre a adolescência prolongada. Os processos dissociativos
evidenciados nesse síndrome são empregados mais frequentemente para
evitar a formação de conflito do que para controlar a angústia conflitual.
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novo. Ë o que ocorre, por exemplo, nas várias formas de identificação. Alérn da
identificação defensiva, falamos também de identificação primitiva, transitória e
adaptativa. A identificação primitiva, por exemplo, anulou, pela regressão, a
distinção entre objeto e eu; ela mais ou menos se funde com o objeto. Quanto
a isso, Gellerd (Solnit, 1959) fala de uma regressão parcial a uma fase não
diferenciada de relação objetal, considerando-a como normal durante a
adolescência. Somos da opinião de que ela tem sempre uma significação
patognomônica. A identificação defensiva e a contra-identificação deixam
marcas permanentes no caráter do ego, enquanto a identificação transitória
continua próxima das manobras psíquicas experimentais, que vão desde a
fantasia até a formação do ideal do ego e da sublimação. Finalmente, uma
identificação adaptativa deve ser vista corno uma função do ego autônomo. As
transições e combinações dessas várias formas de identificação são típicas do
desenvolvimento adolescente. O caso de Tom ofereceu uma ilustração clínica
que mostra a transição de uma função defensiva (intelectualização) do ego,
para uma função adaptativa (erudição).
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5. O Ideal do Ego
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Tanto o superego como o ideal do ego podem ser diferenciados pelo exame de
suas respectivas origens. O superego pode ser acompanhado desde a primeira
infância por meio de muitas de suas etapas precursoras, até assumir a
estrutura definitiva de uma instituição psíquica no declínio da fase edípica. Sua
origem, ou melhor, sua formação, deve-se à solução, ou a vitória de Pirro, que
representa o fim da luta edípica. Da mesma forma, o ideal do ego só atinge a
sua organização definitivamente mais tarde, no declínio da fase homossexual
da primeira adolescência. Os precursores do ideal do ego evidenciam-se em
toda a infância. A instituição psíquica do ideal do ego continua a integrar,
durante a adolescência, um conteúdo sempre variável Sua estrutura porém
continua constante e permanente. A origem do ideal do ego encontra-se na
entrega irreversível da posição edípica negativa (homossexual) durante a
primeira adolescência. Assim, o ideal do ego promove a formação da
identidade sexual e serve para a sua estabilização. Ambas as instituições são
indicadoras de metas e determinadoras de escolhas. As infrações contra as
exigências do superego resultam em sentimentos de culpa, medos de
retaliação e uma necessidade de expiação; a indiferença pelas expectativas do
ideal do ego, por outro lado, resulta num choque para o equilíbrio narcísico e
uma contaminação do ego pela angústia social. O ideal do ego encerra, como
disse Freud (1914), não só um componente individual, mas também um
componente social.
O ideal do ego, pelo menos em sua forma típica e predominante, tem suas
raízes na identificação com o progenitor do mesmo sexo. Recebe um impulso
formativo decisivo durante a passagem do complexo de Edipo, quando a
criança deixa de clamar que é igual ao pai (ou mãe) e dedica seus esforços a
ser e a tornar-se como ele (ou ela). A identificação primitiva, que ignora a
distinção entre sujeito e objeto, é substituída pela identificação com objetos
parciais abstratos, como traços, valores, atitudes. Essas identificações ganham
ascendência, gradualmente, sobre seus precursores de emulação do corpo, ou
de parte do corpo, e idealização global dos pais. Greenacre (1958) refere-se a
esse período com as seguintes palavras: E, portanto, o período do início da
formação do ideal, tanto pelas identificações parciais, adiamento, previsão e a
maior oportunidade de experiência e teste da realidade exterior. A observação
analítica de casos jovens na fase final da adolescência, ou na pós-
adolescência, mostra o apego edípico negativo, ou seja, o componente
homossexual, que não foi transformado em formação do ideal do ego, disso
resultando o colapso do processo adolescente, sob o impacto de uma fixação
sexual infantil. Voltaremos mais adiante ao papel do ideal do ego na
adolescência e sua significação para a resolução do laço homossexual infantil.
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6. Transferências Cateticas
A retirada da catexia objetal e seu desvio para o eu foi descrita por vários
autores como típica da adolescência: (Bernfeld, 1923); (Landauer, 1935); (A.
Freud, 1936); (Hartmann, 1950, b). Nesse caso, o egotoma o eu como objeto.
Há, como disse Freud (1914), uma certa reciprocidade entre a libido do ego e a
libido objetal. Quanto mais for absorvida por uma, mais empobrecida se tornará
a Outra. A transferência libidinal na direção do eu leva ao aumento do
narcisismo secundário, com prejuízo para a função da prova da realidade.
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centes diminuem quando a libido objetal volta a ser dirigida para o exterior,
depois de um período de aumento do narcisismo.
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7. A Fase de Consolidação
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Sempre que o ego sai vitorioso da luta dessa fase, uma satisfação narcísica
legítima — orgulho, autoconfiança e autoconsideração — em- presta
durabilidade e estabilidade a essa realização. O estudo do ego ao final da
adolescência tem apoiado, cada vez mais, a opinião de que as retificações e as
mudanças reparadoras podem ser instituídas espontaneamente numa fase de
desenvolvimento adiantada, como é o final da adolescência. Estudos (Bores e
Obers, 1950) sobre crianças que sofreram privação extrema na primeira
infância indicaram que a deformação da estrutura psíquica por elas
experimentada não era imuta-
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8. O Ego e o Eu
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(em branco)
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Capítulo 6
Determinantes ambientais
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Toda criança sabe qual o comportamento que é esperado dela pelo ambiente,
e usa esse conhecimento para conseguir o máximo de satisfação. O
adiamento, isto é, a tolerância à tensão, e a capacidade de prever o futuro,
também desempenham um papel essencial nesse pro- cesso. Estímulos
inaceitáveis de fontes interiores e exteriores são bloqueados da descarga
direta, e realizam mudanças interiores — por exemplo, as formações reativas.
Por outro lado, contribuem também para
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temente, exercem influência decisiva sobre a organização psíquica, como fica
exemplificado no quadro variável das neuroses predominantes numa
determinada época. Os processos psíquicos, porém, parecem continuar os
mesmos.
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de homeostase possam seguir-se uns aos outros. Essas observações são bem
ilustradas pelo fenômeno social da adolescência na cultura ocidental.
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de 1955.
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precisam de uma mudança nos seus padrões pessoais de pulsões, ante que se
possam adaptar efetivamente, embora seja igualmente certo que muitas
crianças só são assistidas nas evoluções da personalidade em certas
condições psicológicas de grupo. Normalmente, o adolescente cria para si um
ambiente que leva à sua fase de desenvolvimento. Os mecanismos
estabilizadores que emprega foram descritos acima; vamos, aqui, acrescentar
a identificação com um meio estranho à família. Tomando essa atitude o
adolescente desloca as necessidades e os laços de dependência libidinosa que
já não podem encontrar satisfação na família original. Essa tentativa de
resolver um conflito interior pela ação social, que pode ser de conformação ou
de rebeldia, representa com frequência uma atuação e não um comportamento
adaptativo. Isso ocorre especialmente nos adolescentes cuja oposição social
permanente é determinada por um conflito de ambivalência com a família. Mas
a fuga para um meio subcultural, estranho à família, também pode servir para o
desenvolvimento progressivo. A identificação transitória com um grupo
adolescente de uma cultura específica da idade, ou com grupos adultos de
uma tendência ideológica ou social específica, permite ao jovem experimentar-
se em vários papéis e com isso testar a sua conveniência. Essas fugas são
usadas com frequência como ações de resistência. A eliminação de estímulos
parentais nocivos e o contato com um ambiente, com um potencial de
identificação positiva mobiliza, com frequência, o desenvolvimento progressivo,
depois de ter quase chegado a um estacionamento. A utilidade do ambiente
como fator de estímulo deperde da receptividade seletiva do adolescente; essa
receptividade depende muito de sua autoimagem, e sem dúvida é ampliada e
modificada pelas sanções sociais que predominam em seu grupo, bem como
pelos modelos disponíveis para identificação e contra identificação.
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cias está presente em cada fato psíquico; a função sintética do ego permite o
aparecimento da ação proposital. O comportamento adolescente é sempre
complexo e superdeterminado; ele não fala por si mesmo, mas requer
interpretação. Os determinantes confluentes do comportamento, originados
tanto dentro como fora do organismo, adquirem uma unidade psicológica na
medida em que o ego é capaz de integrá-los a do desenvolvimento
progressivo. Sempre que a coesão do ego é enfraquecida, e sempre que as
motivações isoladas passam a predominar, como ocorre nos distúrbios
emocionais, o observador clínico adquire percepção do curso dos processos de
adaptação, em virtude dessa própria falha. Ë fato aceito que nós adquirimos
conhecimentos sobre a progressão normal do desenvolvimento através dos
distúrbios de desenvolvimento e sua influência perturbadora sobre o controle
homeostático da personalidade.
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Capítulo 7
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Parece oportuno, a esta altura, repetir o fato de que nenhum curso natural da
adolescência pode ser mapeado com precisão, e com a previsibilidade que o
crescimento pubertário pode pretender. Tudo o que podemos dizer é que a
adolescência permite elaborações infinitas, de suas transformações psíquicas
progressivas dentro dos limites de um padrão sequencial e dentro de certos
limites de tolerância individual.
Há vários cursos específicos do processo adolescente. O delineamento
esquemático que se segue é proposto como uma tentativa de classificar as
observações dentro das linhas típicas das variações clínicas. 1) Adolescência
típica: modificação progressiva da personalidade de acordo com o crescimento
pubertário e com a modificação do papel social; 2) adolescência protelada: um
prolongamento culturalmente determinado da condição de adolescente; 3)
adolescência abreviada: busca do caminho mais curto possível para a condição
adulta, às expensas da diferenciação de personalidade: 4) adolescência
simulada: um período de latência abortivo faz a puberdade manifestar-se numa
simples intensificação de uma das organizações de pulsões da pré-latência; 5)
adolescência traumática: atuação regressiva, como por exemplo a delinqüência
feminina; 6) adolescência prolongada: perseveração no processo adolescente
causada pela libidinização dos estados adolescentes do ego; 7) adolescência
abortiva: rendição psicótica com perda do contato com a realidade e colapso do
aprendizado diferencial. As três primeiras dessas categorias enquadram-se no
âmbito da adolescência; as quatro últimas representam evoluções anormais.
Espera-se que a formulação das fases seja útil na medida em que oferece um
insight da dinâmica e etiologia das falhas de desenvolvimento.
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dentes de suas famílias durante esses anos. O quadro clínico que delinearei a
seguir foi observado com freqüência suficiente para assegurar a apresentação
de um sumário sinático.
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A sinopse clínica feita acima deve ser complementada, a esta altura, por
considerações dinâmicas. Em As Transformações da Puberdade, de Freud
(1905, b) aprendemos que com o advento da maturidade sexual na puberdade
ocorre uma nova distribuição da ênfase na experiência sexual que permite a
diferenciação entre o prazer sexual preliminar e o prazer sexual completo, e
que estimula uma estruturação dos alvos instintuais. A inovação biológica na
puberdade necessita de uma rees-
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Sobre esses jovens, poderíamos dizer que seu grande futuro fica para trás,
quando chegam ao umbral da condição adulta; nada que a realidade tem a
oferecer pode competir com aquela fácil sensação de entusiasmo e
excepcionalidade que a criança sentiu ao ser objeto •da admiração e da
confiança maternas. Tanto mãe como filho, por motivos pessoais, fecham
constantemente os olhos para as primeiras falhas, inibições, hábitos nervosos
ou traços exibicionistas femininos. A sanção dos pais neutraliza a significação
da falha; a criança passa a substituir o domínio da realidade pelo
engrandecimento narcisista. A fantasia não se separa nunca .nitidamente do
pensamento voltado para a realidade. O senso de tempo do adolescente é
afetado pela sua substituição constante do futuro pelo passado e, além disso,
por sua vaga crença de que
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um momento de sorte pode realizar aquilo que geralmente leva muitos anos
para ser feito.
Não causa surpresa encontrarmos, nos primeiros anos de vida desses jovens,
desvios espantosos do processo típico de identificação. Quando eram crianças,
sempre lhes faltou afirmação e autocrítica; eles aceitavam placidamente a
posição exaltada em que eram colocados pelas mães. Em consequência,
desenvolveram uma autossuficiência submissa, feminina e narcisista que
frequentemente faz deles jovens encantadores, atraentes. Quando rapazes,
esses adolescentes sentem-se à vontade na companhia de mulheres, mas
constrangidos, receosos e inibidos em seus contatos com homens. Ao se
identificarem com a mãe, cedo abrem mão da competição com o pai e, assim,
os anseios passivos estão sempre na iminência de se revelar. Quando
adolescentes, tratam o pai com admiração afetuosa, ou com piedade e
desprezo; e nisso imitam também a atitude materna. Não é de surpreender que
a revolta adolescente, quando surge, seja dirigida exclusivamente contra a
mãe. Bernfeld (1923) ressaltou o papel da identificação feminina num tipo de
adolescência prolongada que ele chamou de adolescência genial (genialische
Pubertät). Um exemplo do síndrome descrito aqui, mas com raízes, e
articulado, num ambiente cultural diferente — o da sociedade soviética —
encontra-se em Oleg: Membro da Juventude Dourada Soviética (Beier e Bauer,
1955). A busca de uma segurança dupla por esse adolescente Soviético levou
ao impasse o seu desenvolvimento adolescente. Os fatores etiológicos
parecem semelhantes aos da adolescência prolongada.
A identificação básica com a mãe cria uma crise para o menino em
crescimento, quando a puberdade lhe cria o problema premente da identidade
sexual. Esse dilema foi expresso por um adolescente mais velho, que disse: Há
uma coisa que se deveria saber e ter certeza, se somos homem ou mulher.
Quando o conflito da bissexualidade, que faz parte da adolescência normal,
pressiona por uma solução final na adolescência propriamente dita, a
adolescência prolongada o contorna pela preservação na posição bissexual.
De fato, essa posição é libidinizada, e antes se recusa do que se busca o seu
abandono. As satisfações assim possíveis referem-se à necessidade de
possibilidades ilimitadas de vida, e ao mesmo tempo mitigam a angústia da
castração perpetuando a ambiguidade da identidade sexual. Essa ambiguidade
reflete-se significativamente no fracasso, falha ou ineficácia profissional ou
educacional do adolescente, bloqueando a progressão para o final da
adolescência final.
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decimento. De fato, a criança não sente a natureza do conflito, mas antes raiva
e irritação devidas a uma ofensa narcísica. Quando a criança que usou
exclusivamente as defesas narcísicas se aproxima da adolescência, não é de
surpreender que os conflitos típicos dessa idade estejam, realmente, fora da
esfera de sua experiência consciente. O adolescente desse tipo torna-se
apreensivo ao compreender que está aquém das suas auto-expectativas
exageradas; avidamente, busca estímulo, ao qual então reage com entusiasmo
em termos de hábito de evitar tensão conflitual.
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urna luta intrapsíquica. Essa constelação envolve uma busca de uma solução
essencialmente exterior; portanto, são feitas na terapia exigências constantes
de interpretações generalizantes, de uma revelação da experiência infantil
patogênica, uma sugestão ou conselho, uma fórmula ou truque. Sempre que tal
solicitação é atendida, o adolescente se sente momentaneamente melhor, mais
esperançoso- e feliz. Essa reação está de acordo com a habitual manutenção
da auto-estima, tal como estabelecida na infância.
Durante essa fase do trabalho torna-se evidente que o adolescente recebe bem
o fato -de o analista ser capaz de enxergar através de sua fachada de
pretensão e arrogância. Uma ilustração: um homem de 20 anos foi a uma
conferência e descreveu todas as perguntas idiotas feitas ao conferencista.
Quando o terapeuta lhe indagou que pergunta havia feito, ele respondeu com
perfeita calma: Nenhuma. O que tem isso a ver com o fato de serem idiotas as
outras perguntas? Quando o tera-
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Sempre que são abandonadas atitudes estereotipadas do ego, são feitas novas
tentativas de domínio, resumidas sob a denominação geral de experimentação.
Esta envolve a prova da realidade, do eu e da interação deles. Nesse sentido,
a experimentação e a diferenciação progressiva da autoimagem seguem
paralelas e provocam um funciona- mento mais eficaz. O domínio cada vez
mais adequado torna-se uma nova fonte — legítima, poderíamos dizer — de
satisfação narcísica. Assim, a manutenção do equilíbrio narcísico é
progressivamente determinada pelos processos auto-reguladores e não pela
dependência total das influências externas.
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.
comportamento provocante e impudico em publico e ao desregramento sexual
franco. Ë claro que os rapazes fazem a mesma coisa, mas tais atitudes
constituem apenas uma parte de sua delinqüência. Na menina, ao que parece,
a delinqüência é um ato sexual claro; ou, para sermos mais exatos, é uma
atuação sexual.
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tirânico e menos absoluto. Na menina, a situação edípica continua a ser parte
de sua vida emocional durante todo o período de latência. Será talvez esse fato
responsável pela sua pronta inclinação para a heterossexualidade no princípio
da puberdade? De qualquer modo, observamos na adolescêncja feminina uma
pressão regressiva que exerce sua influência na direção de um retorno à mãe
pré-edípica. Essa pressão regressiva, determinada em seu vigor pela fixação
existente, encontra a reação no exercício da independência excessiva, da
hiperatividade e uma inclinação vigorosa para o outro sexo. Esse impasse é
notavelmente demonstrado na adolescência, no apego frenético da menina aos
rapazes, na tentativa de resistir à regressão? Uma regressão resultará, tanto
para o menino como para a menina, numa dependência passiva com uma
supervalorização irracional da mãe, ou do representante da mãe.
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superá-la. Ou ela regride em sua relação objetal para a mãe, ou mantém uma
situação edípica ilusória com o único objetivo de resistir à regressão. Essa luta
defensiva é manifestada pela necessidade compulsiva de criar na realidade
uma relação na qual ela é desejada por e necessária para seu parceiro sexual.
Essas constelações representam as precondições paradigmáticas da
delinqüência feminina.
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7. Mais uma possibilidade está aberta à menina que se fixou na mãe, ou seja, a
identificação com o pai. Essa resolução do conflito edípico é muitas vezes
causada por uma rejeição dolorosa pelo pai. A menina que dessa forma
assume o papel masculino vigia ciosamente
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Nancy culpava a mãe, com raiva, por não ter sido enérgica com ela quando era
pequena: Mamãe devia ter sabido que eu fazia as coisas para chamar sua
atenção e para que os adultos questionassem a meu respeito. Jamais se
casaria com um marido que soubesse dizer apenas, Sim, querida, mas com um
homem que a esbofeteasse quando estivesse errada. A crítica implícita nessa
observação dirigia-se evidentemente ao seu pai, um homem fraco. Ela não o
culpava por ser um homem sem
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instrução, tendo uma renda modesta como açougueiro, mas sim pela sua
indiferença e seu papel apagado na família. Nancy cresceu num pequeno
apartamento num bairro muito populoso. Sua família queria para ela as coisas
boas da vida e encontrou meios e maneiras de pagá-las; assim, Nancy tinha
aulas de dança, ginástica e oratória; com a puberdade, todas essas atividades
foram suspensas.
Nancy admitiu para o assistente social que sentia desejo sexual, mas negou ter
cedido a esse desejo: disse que usava o corpo apenas para atrair os rapazes e
conseguir a sua atenção. Foi, porém, encontrada em situação de intimidade,
num sótão, com vários rapazes, confusa, com as roupas em desalinho e
molhada. Foi nessa ocasião que seu caso foi levado ao tribunal. Nancy foi
colocada em prisão domiciliar, sob a condição de submeter-se a tratamento. À
luz das provas, ela não negou mais à assistente social que tinha relações
sexuais, mas passou a expressar a esperança de ter um filho. Explicou que
praticava relações sexuais para vingar-se de sua mãe. Ela, Nancy, manteria a
criança e se casaria com o rapaz. Estava convencida de que sua mãe não a
queria, e na verdade jamais a quisera. Nessa época Nancy teve um sonho no
qual tinha relações sexuais com adolescentes; no sonho, tinha 365 filhos, um
por dia durante um ano, de um rapaz que matou depois disso.
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seus amigos — de ambos os sexos —, de negar-lhe a satisfação que
experimentava em ter amigos, de colocar um cadeado no telefone para isolá-la
do mundo. Nancy disse que precisava de amigas, amigas íntimas que se
tornassem irmãs de sangue; ela e SaIly gravaram suas iniciais nos respectivos
braços usando uma lâmina, como prova de sua amizade eterna. A mãe brigou
quando ela lhe mostrou a cicatriz; para Nancy foi mais uma demonstração de
que sua mãe não queria que tivesse amigas íntimas. Decepcionada, tentou
fugir de casa, mas o laço com a mãe era sempre demasiado forte, e ela voltava
logo depois.
Nancy continuou suas acusações: se a mãe tivesse outros filhos, não apenas
um, e menina, sua vida seguramente teria sido diferente. Na primeira entrevista
com a assistente social, que indagou com simpatia o objetivo da visita de
Nancy, a menina manteve-se em longo e obstinado silêncio e, de repente,
começou a chorar. Em suas primeiras palavras, expressou a sua necessidade
esmagadora de ser amada, e disse: Como filha única fui sempre muito solitária.
Ela havia sempre desejado um irmão ou irmã, e implorava à mãe que tivesse
outro filho. Sonhou que estava cuidando de crianças, e que eram realmente os
filhos de sua amiga. A mãe de Nancy dizia, no sonho: É uma vergonha que
crianças tão bonitinhas não tenham uma mãe boa para tomar conta delas;
vamos adotá-las. No sonho, Nancy ficava muito alegre e corria para a sua
assistente social para dizer-lhe que iam adotar as crianças. A assistente
respondia que isso custaria muito dinheiro, e Nancy respondia: Mas você não
sabe que somos ricos? Ao acordar, Nancy pediu à mãe que adotasse uma
criança. A criança, disse Nancy, terá de ser um menino, pois só sei mudar
fraldas de meninos. Ela se imaginava num emprego de verão cuidando de
crianças, numa família, no campo. Quando ficou um pouco mais velha, aos 14
anos, ela na verdade teve um emprego de férias com crianças numa creche de
um centro comunitário. Ali, ela era uma criança entre outras crianças, uma irmã
mais velha que ajudava as menores em suas brincadeiras. Nancy sempre
gostara de tomar conta de crianças, de ter uma criança nos braços,
especialmente crianças bem pequenas. Quando sua prima ficou grávida,
Nancy
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planejava tomar conta da criança, mas disse: Eu tomarei conta dela por três
meses, é divertido; mas depois, quero receber.
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Nancy esperava tornar-se uma senhora, entendendo por isso ser educada,
falar educadamente, comportar-se bem; com isso, tinha a certeza de que os
Outros gostariam dela. Nancy apegou-se à representação teatral durante toda
a sua adolescência; na verdade, aos 16 anos conseguiu uma certa projeção
em produções teatrais do verão. O palco tornara-se o território legítimo onde
podia expressar sua impulsividade em muitas direções e onde suas
necessidades exibicionistas foram lentamente disciplinadas pelo código
estético da representação. Nessa época, Nancy havia se tornado um tanto
pudica; era sociável com seus colegas, mas apenas para promover seus
interesses pessoais nas produções dramáticas. Tão boa manipuladora quanto
a mãe, Nancy passou a relacionar-se narcisicamente com o meio e aprendeu a
explorar os outros. O interesse pelo teatro tornou-se a sua identidade, em torno
da qual tomou forma a integração da sua personalidade. O núcleo dessa
identidade remonta às boas coisas da vida que a mãe de Nancy sempre quis
para a filha. Na adolescência, Nancy voltou a essas aspirações impostas, que
haviam sido transmitidas às crianças pelas aulas de representação, durante os
anos de latência. Foi precisamente esse interesse artístico que serviu, na
adolescência, como uma sublimação para a fixação não resolvida na mãe. A
identidade profissional salvou Nancy da regressão e da delinqüência, mas
também impediu uma progressão para o encontro objetal maduro; afinal de
contas, era ainda aos desejos da mãe que continuava a satisfazer pela sua
atividade artística. Quando lhe lembraram, aos 16 anos, o seu desejo de ter
filhos, ela respondeu com aversão: Filhos é coisa de criança.
Não nos parece necessário indicar os aspectos desse caso que ilustraram a
importância etiológica da fixação na mãe pré-edípica, no comportamento
delinquente de Nancy. Sua pseudo-heterossexualidade era, evidentemente,
uma defesa contra a volta à mãe pré-edípica e contra a homossexualidade. A
única relação segura que Nancy teve foi uma folie à deux com uma mãe-
namorada grávida. Esse apego e a identificação passageira tornaram a
atuação sexual temporariamente esquecida. Mas o avanço em seu
desenvolvimento emocional foi impossível até que
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Parece, portanto, que um tipo especial de interação de pai e filho deve existir a
fim de impedir que a criança estabeleça progressivamente sua vida mais ou
menos independente. Essa qualidade da relação entre pai e filho está num
padrão sadomasoquista que impregnou não só a vida instintual da criança, mas
também afetou adversamente o desenvolvimento de seu ego. A ambivalência
primitiva, com raízes na fase da mordida da organização oral, constitui um
núcleo para um padrão duradouro de interação entre mãe e filho; é levado,
como um tema dominante, por todos os estágios do desenvolvimento
psicossexual. As polaridades amor-ódio, dar-receber, submissão-dominação,
continuam existindo numa dependência recíproca ambivalente entre mãe e
filho. A modalidade sadomasoquista inunda gradualmente toda a interação da
criança com o meio e acaba influenciando o desenvolvimento do ego por meio
da introjeção de um objeto ambivalente. Assim, as funções inibitórias são mal
desenvolvidas e a tolerância à tensão é pequena. A fome de estímulo dessas
crianças representa a expressão duradoura da sua avidez oral. Será, talvez, o
comportamento impulsivo de Nancy
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Nancy era filha única, nascida dois anos depois do casamento. Era desejada
pela mãe, que queria muitos filhos. O marido pretendia esperar dez anos; sua
mulher, incapaz de tolerar essa demora, quis adotar uma criança, mas sua
solicitação foi rejeitada. Pouco depois, ficou grávida.
Nancy foi amamentada no seio durante seis meses; aos quatro meses, o bebê
começou a morder o bico do seio, provocando considerável dor na mãe.
Apesar dos seus protestos, o médico insistiu cm que continuasse a amamentar.
Dois meses depois, quando isso se havia transformado numa tortura, ela teve
permissão para tirar a criança do seio. Durante dois meses, mãe e filha
empenharam-se numa batalha em torno de chupar e morder, oferecer e
recusar o seio. Um efeito duradouro desse período pode ser identificado na
persistente recusa de Nancy de beber leite. A criança começou a chupar o
dedo aos três meses, hábito que foi cortado à força pelo uso de luvas.
Podemos supor que a criança tivesse estímulo e satisfação insuficientes com a
alimentação a uma idade ainda muito tenra. Começou a falar com cerca de um
ano e andou bem aos 16 meses.
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até os 8 anos. Teve, nessa época seu próprio quarto. Começou a sofrer então
de pesadelos e a procurar o quarto dos pais. Nenhuma medida disciplinar pôde
impedir que perturbasse o sono dos pais; certa vez em que ela se recusou a
voltar para seu quarto, a mãe obrigou-a a passar a noite sentada numa cadeira,
no quarto dos pais. Depois disso a criança deu-se por vencida, permaneceu no
seu quarto e não se queixou mais de pesadelos. Nancy conhecia poucas
crianças e só raramente brincava com elas; preferia a companhia da mãe,
Tinha companheiros imaginários durante toda a sua infância e muito
provavelmente durante os anos de latência. Na primeira fase da adolescência
costumava ficar sozinha na cama e proibiu a mãe de escutar. A mãe estava
apenas tão curiosa sobre a vida privada de Nancy quanto esta sobre a vida
privada da mãe. Em relação à falta de amigos de Nancy, a mãe observou:
Nancy quer amor demais.
Dois fatores complementares na relação inicial entre mãe e filha parecem ter
predisposto Nancy e a mãe a um apego ambivalente duradouro. A mãe
esperava ter filhos a fim de satisfazer suas próprias necessidades infantis,
enquanto Nancy — dotada talvez de uma pulsão oral excepcionalmente forte
— fazia exigências à mãe que esta não era capaz de atender. Essa batalha de
interesses pessoais que não eram reciprocamente tolerados continuou sem
cessar e sem solução até a puberdade de Nancy. Sua sujeição à disciplina
cruel da mãe, e sua entrega dos sintomas às custas da satisfação masoquista
revelam a integração progressiva de uma relação objetal sadomasoquista que
impediu o desenvolvimento de qualquer individuação bem-sucedida. Pelo
contrário. resultou no estreito e simbiótico envolvimento da criança com a mãe
arcaica.
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(em branco)
Página 245
Apêndice
1905
Freud, S., Fragment of an Analysis of a Case of Hysteria (Dora), Standard
Edition, Vol. VII, The Hogarth Press, Londres, 1953. The Transformations of
Puberty, terceiro ensaio in Three Essays on the Theory of Sexuality, Standard
Edition, Vol. VII, The Hogarth Press, Londres, 1953.
1912
1914
1919
Página 246
1 922
Bernfeld, S., Vom Gemeinschaffsleben der Jugend, Internationaler
Psychoanalatischer Verlag, Viena, 1922.
1923
Bernfeld, S., Über eine typische Form der mánnljchen Pubertt, Irnago, Vol. IX
(1923).
1924
1925
Aichorn, A., Wayward Youth, The Viking Press, Inc., Nova York, 1948 (publi-
cado originalmente em alemão 1925).
1927
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