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​A Falta Que Faz

A infância, talvez, seja um dos períodos em que o ser humano é mais subjugado na vida.
Submetido à vontade de todos e de qualquer um, ininterruptamente. Vez que outra, com a
mínima consideração.
Faça isso e não aquilo, venha aqui, não vá pra lá, para de manha, chega de choro.
Muitas ordens engolimos no decorrer de doze anos. Tantas feridas nos fazem, muitas
feridas causamos quando alcançamos outras fases mais "maduras".
Tudo em nome da boa educação, dos bons modos, da imposição de limites e respeito.
Mas a que preço? Pequenos traumas que irão se acumulando e que não vão se manifestar
de imediato, mas sim, anos depois. Na forma de inadequações, inseguranças,
questionamentos.
"Não, eu não me adapto a esse mundo. Parece que falta alguma coisa, meio que não me
encaixo. Será que sirvo pra formar uma família? Ser pai, mãe, criar uns filhos pro mundo.
Porque é ao mundo que os filhos servem, não a mim. É pro mundo que eles vão quando
eles crescem. Poderia ir até meus pais, mas eles me dão uma sensação de distanciamento.
Acho que é melhor eu adiantar a sessão de terapia dessa semana".
Não deve ter sido tão bom ser criança há cinquenta anos, tanto quanto propagam. Não é
tão bom ser criança agora, não. Não se iluda. Chico Buarque que me perdoe, mas é pouca
a saudade que eu tenho dos meus doze anos e dos que o antecederam. E não me
arrependo.

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