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& INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

POTENCIAIS EM AMBIENTE HOSPITALAR:


Uma Revisão Bibliográfica

Ariane Chaves Ditadi1


Christiane Colet2

Resumo P o t ent i al D r u g I nt er act i on s i n H o spi t al


Um melhor conhecimento sobre a prevalência das interações Ab stra ct
farmacológicas conduz a um controle mais efetivo na administra-
Greater knowledge regarding the incidence of drug interacti-
ção de medicamentos, favorecendo, assim, a adoção de terapias
ons leading to more effective control in the administration of me-
mais eficazes. O presente estudo propõe uma revisão bibliográfi-
dications, thus favoring the adoption of more effective therapies.
ca quanto às potenciais interações farmacológicas em prescri-
This study presents a literature review regarding potential drug
ções médicas hospitalares. As interações farmacológicas consti-
interactions in medical prescriptions in hospitals. Pharmacologi-
tuem na atualidade um dos temas mais importantes da farmacolo-
cal interactions are nowadays one of the most important topics in
gia, podendo afetar o resultado do tratamento, pois seu aumento é
pharmacology, this being one of the variables that affect treatment
proporcional ao número de medicamentos administrados. Os su-
outcome, because the increase in its prevalence is proportional to
jeitos que apresentam maior suscetibilidade a interações farma-
the number of drugs administered. Patients with increased sus-
cológicas são os pacientes hospitalizados, que fazem uso de po-
ceptibility to drug interactions patients are hospitalized, who use
limedicamentos. Neste contexto, as interações farmacológicas
multiple medications. In this context, pharmacological interacti-
podem aumentar o tempo de internação hospitalar e os gastos em
ons may increase the length of hospital and health spending, and
saúde, bem como piorar o quadro clínico e a qualidade de vida.
worsen the clinical condition and quality of life. Thus, it is shown
Dessa forma, mostra-se cada vez mais necessária a orientação e
increasingly needed guidance and monitoring pharmacist in order
o acompanhamento farmacêutico, com o intuito de orientar na
to guide in choosing the right drugs and optimize the pharmacolo-
escolha dos medicamentos corretos e otimizar o tratamento far-
gical treatment.
macológico.
Keywords: Drug interactions. Hospital. Patient.
P al avras- chave: Interação medicamentosa. Hospital.
Paciente.

1
Farmacêutica. Acadêmica do curso de Pós-Graduação em Farmácia Hospitalar do HMV. arianeditadi@hotmail.com
2
Farmacêutica. Mestre em Ciências Farmacêuticas. Professora do curso de Pós-Graduação em Farmácia Hospitalar do HMV e do curso
de Farmácia da Unijuí. christiane.colet@unijui.edu.br

REVISTA CONTEXTO & SAÚDE IJUÍ EDITORA UNIJUÍ v. 9 n. 18 JAN./JUN. 2010 p. 29-36
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A polimedicação tornou-se necessária no trata- algumas podem causar efeitos colaterais graves,
mento de doenças coexistentes, no controle de rea- podendo inclusive levar o paciente a óbito. Neste
ções medicamentosas indesejadas ou para poten- âmbito, alerta-se para a importância do conhecimen-
cializar o efeito farmacológico em condições refra- to do tema e da identificação precoce dos pacientes
tárias e pouco responsivas. Apesar disso, a combi- em risco (Campigotto et al., 2008).
nação de fármacos pode reduzir a sua eficácia e/ou
Um fator importante a ser considerado é a inte-
favorecer reações adversas de diferentes gravidades
gração entre prescritores e dispensadores, a qual
(Astrand et al., 2006; Cantarelli; Junior; Marcolin, 2004;
permite, por meio da combinação de conhecimen-
Lafitta et al., 2000). A cada dia surgem, contudo,
tos especializados e complementares, o alcance de
novos fármacos, novas indicações, logo, novas com-
melhores resultados em benefício do paciente. A
binações (Cantarelli et al, 2004).
priorização do papel da equipe multidisciplinar tor-
A expressão interações farmacológicas refere- nou fato o reconhecimento do trabalho do farma-
se à interferência de um fármaco na ação de outro cêutico e de outros profissionais de saúde, possibili-
(Chung; Cordeiro; Sacramento, 2005; Lado et al., tando o desenvolvimento de atividades comuns e
2005). Elas podem ser benéficas ou desejáveis quan- absolutamente essenciais, buscando a segurança do
do objetivam tratar doenças concomitantes, reduzir paciente (Castro; Pepe, 2000).
efeitos adversos, prolongar a duração do efeito, im-
Considerando o exposto, este artigo tem como
pedir ou retardar o surgimento de resistência bacte-
objetivo realizar uma revisão sobre as interações far-
riana, aumentar a adesão ao tratamento, incremen-
macológicas potenciais em ambiente hospitalar.
tar a eficácia ou permitir a redução de dose. Em
contrapartida, as interações indesejáveis são as que
determinam redução do efeito ou resultado contrá-
rio ao esperado, aumento na incidência e na gama
de efeitos adversos e no custo da terapia, sem in-
Metodologia
crementar o benefício terapêutico. Especificamen-
Esse estudo foi elaborado a partir de uma revi-
te aquelas que resultam na redução da atividade do
são da literatura nas bases de dados Bireme, Co-
fármaco e, consequentemente, na perda de sua efi-
chrane, Lilacs, Medline, Micromedex, Pubmed e
cácia, são difíceis de serem detectadas e podem ser
Uptodate, no período de 2000 a 2009. As palavras-
responsáveis pelo fracasso da terapia ou pela pro-
chave utilizadas foram “drug interaction”, “hos-
gressão da doença (Sehn et al., apud Chung; Cor-
pital”, e “patients” e suas correspondentes em
deiro; Sacramento, 2005).
português “interação medicamentosa”, “hospital” e
A incidência das interações farmacológicas au- “paciente”. Foram considerados como critérios de
menta exponencialmente com o número de fárma- exclusão artigos publicados antes de 1998 e os que
cos utilizados e com a prescrição de medicamentos se referiam às interações farmacológicas associa-
de estreito índice terapêutico. Deste modo, os pacien- das aos alimentos e interações farmacológicas em
tes hospitalizados estão mais suscetíveis à ocorrên- pacientes comunitários e após alta hospitalar.
cia de interações farmacológicas, especialmente
Somando-se todas as bases de dados e excluin-
aqueles internados nas unidades de terapia intensi-
do-se todos os artigos que se enquadram nos crité-
va que, devido à gravidade de seu quadro clínico,
rios de exclusão, foram selecionados 84 textos. Após
são submetidos ao uso de vários fármacos, os quais,
a leitura dos títulos destes artigos ignorou-se aque-
muitas vezes, são administrados simultaneamente
les que se apresentavam repetidos nas bases cita-
(Camargo et al., 2003; Lima, 2003; Cruziol-Souza;
das, restando 40 artigos para a leitura do resumo.
Thomson, 2006).
Destes, 27 trabalhos foram selecionados, pois se
Na prática clínica muitas das interações farma- adequavam aos critérios inicialmente propostos. Os
cológicas têm importância relativa, com pequeno textos foram lidos integralmente e serviram de aporte
potencial lesivo para os pacientes. Por outro lado, para a elaboração do presente trabalho.

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A partir da procura de artigos foi realizada a bus- estar sob constante observação, pois suas intera-
ca de algumas citações originais para a verificação ções são potencialmente perigosas (Gomes; Reis,
das informações. 2003). Estima-se que ocorram interações farmaco-
lógicas em 3% a 5% dos pacientes que recebem
Além disso, utilizou-se algumas fontes de infor-
poucos fármacos; esse índice aumenta para 20%
mação secundária relacionadas ao assunto.
quando são usados de 10 a 20 fármacos (Chadwick;
Edwards; Waller, 2005).
Na literatura os principais fatores relacionados
Resultados e Discussão com o aumento da suscetibilidade da interação são
os fatores genéticos, idade, condições gerais de saú-
Caracterização e classificação de, funções renal e hepática, consumo de álcool,
das interações farmacológicas tabagismo, dieta, além de fatores ambientais (Chung;
Cordeiro; Sacramento, 2005).
A administração concomitante de fármacos re-
presenta uma alternativa utilizada para adequação Tipos de interações farmacológicas
à resposta terapêutica desejada. Quando as pres-
crições são baseadas em conhecimentos farmaco- Classificam-se habitualmente as interações farma-
cinéticos e farmacodinâmicos, detêm, em certa cológicas de acordo com seu mecanismo de ação, po-
medida, o controle sobre a interferência de um fár- rém deve-se considerar também as vias de adminis-
tração e intervalos de dose, fatores que podem au-
maco na atividade farmacológica de outro (Lima,
mentar a possibilidade de interação (Gomes; Reis,
2003).
2003). As interações farmacológicas podem ser clas-
As interações farmacológicas são consideradas sificadas em farmacêuticas, que se subdividem em
eventos adversos relacionados aos fármacos. Não farmacocinéticas ou farmacodinâmicas, ou físico-quí-
existe na literatura, contudo, um consenso quanto micas (Lima, 2007; Chadwick; Edwards; Waller, 2005).
ao termo correto para defini-la, podendo ser consi- Outra forma de classificação das interações é
deradas erros relacionados ao medicamento que em reais ou potenciais. Consideram-se interações
ocorrem, ou na fase de prescrição, ou devido à fa- reais aquelas que podem ser comprovadas a partir
lha na monitorização da terapêutica medicamento- de sinais e sintomas do paciente e também por tes-
sa. Considerando este conceito, as interações far- tes laboratoriais que atestem a redução ou aumento
macológicas possuem uma peculiaridade: de serem, dos fármacos associados em fluidos biológicos. As
em muitos casos, passíveis de prevenção (Lima, interações farmacológicas potenciais referem-se
2007). àquelas que indicam a possibilidade de um fármaco
Assim, após a administração de medicamentos, alterar os efeitos de outro, quando administrados
concomitantemente. Neste caso, embora a intera-
os fármacos envolvidos podem ter sua ação aumen-
ção esteja descrita na literatura, ela pode ocorrer ou
tada, diminuída ou alterada, ou podem não sofrer
não, e dependerá de um conjunto de fatores para
nenhuma alteração. Além disso, as interações me-
que aconteça (Lima, 2007).
dicamentosas podem classificar-se em desejáveis e
indesejáveis (Teixeira; Wannmacher, 1998). Podemos classificar as interações farmacológi-
cas também quanto à severidade, como de gravida-
Considera-se que a incidência geral de intera- de menor, isto é, quando os efeitos são considera-
ções medicamentosas indesejadas é relativamente dos toleráveis, na maioria dos casos, e a interven-
pequena comparada à alta prevalência da polifar- ção médica é desnecessária; moderada, quando a
mácia por prescrição (Teixeira; Wannmacher, 1998). intervenção médica é necessária para tratar os efei-
A incidência geral dessas interações aumenta pro- tos, ou grave, quando os efeitos podem acarretar
porcionalmente ao número de fármacos prescritos, morte, hospitalização, lesão permanente ou fracas-
e fármacos com baixo índice terapêutico devem so terapêutico (Bachmann et al., 2006).

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Segundo Tatro (2008), a interação em potencial Pesquisa realizada por Adeponle et al. (2008) com
é considerada grave quando é potencialmente ame- 278 pacientes de dois hospitais psiquiátricos regio-
açadora à vida do paciente e capaz de causar dano nais no norte da Nigéria constatou que 28% dos
permanente; moderada quando os efeitos podem pacientes apresentavam potenciais interações far-
causar uma deterioração do estado clínico do pa- macológicas em suas prescrições, sendo os antipsi-
ciente, podendo se fazerem necessários tratamento cóticos os medicamentos mais prescritos (68%),
adicional, hospitalização ou maior tempo de perma- seguidos dos anticolinérgicos (62%), antidepressi-
nência do hospital, e leve quando as consequências vos tricíclicos (35%), anticonvulsivantes (25%) e
podem causar algum incômodo ou for imperceptí- benzodiazepínicos (8%).
vel, mas não deve afetar de modo significativo o
As prevalências de interações medicamentosas
tratamento.
em hospitais brasileiros são escassas. Para avaliar
a prevalência de interações medicamentosas em
prescrições hospitalares e seu significado clínico em
Interações farmacológicas em hospitais pacientes de um hospital universitário do Brasil, foi
A avaliação das interações medicamentosas vem realizado um estudo com uma amostra de 1.785 pres-
crições de enfermaria adulta, entre janeiro e abril
se tornando uma atividade clínica cada vez mais
de 2004. Posteriormente ao cruzamento dos dados
importante dentro dos hospitais, uma vez que, quan-
das prescrições com dados da literatura, pacientes
do não desejáveis, podem prolongar o tempo de in-
com interações graves em potencial tiveram seus
ternação de um paciente. O risco de interação far-
prontuários analisados por um médico e uma far-
macológica é proporcional ao número de fármacos
macêutica em busca de resultados laboratoriais que
prescritos para o paciente, e se esse paciente está
confirmassem a ocorrência da interação medicamen-
hospitalizado, os riscos aumentam com a politerapia
tosa. Ao menos 887 (49,7%) das prescrições conti-
(Teixeira; Wannmacher, 1998).
nham interação medicamentosa. As prescrições
Radosevic, Gantumur e Vlahovic-Palcevski continham interação medicamentosa classificada
(2008), em uma amostra de 225 pacientes hospitali- como leve (3,1%), moderada (23,6%) e grave
zados no Departamento de Medicina do Hospital (5,0%). Em 321 (17,9%) prescrições foi encontra-
Universitário de Rijeka, Croácia, observaram que da mais de uma interação medicamentosa, cujo re-
22% deles estavam recebendo terapia medicamen- sultado clínico é desconhecido. Uma amostra de 33
tosa com combinações consideradas potencialmen- prontuários com interações medicamentosas graves
te perigosas, e os fatores correlacionados com o foi avaliada, destes, 17 (51,5%) apresentaram inte-
aumento da interação medicamentosa foram idade rações reais (Cruziol-Souza; Thomson, 2006).
e aumento do número de fármacos utilizados.
Num estudo realizado no Hospital de Clínicas de
Bovier, Dallenbach e Desmeules (2007), em seu Porto Alegre foram analisadas prescrições médicas
estudo na Suíça, analisaram 591 prescrições de pa- de 40 pacientes que ingressaram em unidades de
cientes hospitalizados, utilizando um sistema infor- internação de clínica médica entre os meses de agos-
matizado para detecção de potenciais interações to e setembro de 2001. Nestas prescrições foram
farmacológicas, e identificaram que 23% dos medi- encontrados 81 medicamentos, e destes 54 (66,7%)
camentos na amostra apresentavam possibilidades apresentavam possibilidade de interações, perfazen-
de interações. O banco de dados foi considerado, do um total de 124 interações potenciais. A média
neste estudo, uma ferramenta eficiente para rápida de fármacos por prescrição foi de 7,8. Constatou-se
verificação de possível interação medicamentosa, o também que 65% das prescrições continham pelo
qual, quando utilizado adequadamente, poderia aju- menos uma interação medicamentosa potencial, com
dar os médicos na diminuição de prescrições com a média igual a 3,1. Observou-se que das prescri-
potenciais riscos de interações farmacológicas e, ções com até cinco medicamentos 25% apresenta-
assim, aumentar a segurança do paciente. vam potenciais interações medicamentosas; esse

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número foi de 63,6% nas prescrições com seis a assume caráter ainda mais especial nas Unidades
dez medicamentos e para 100% nas prescrições com de Terapia Intensiva, onde se encontram pacientes
mais de dez medicamentos. Quanto à gravidade, os em situação crítica, recebendo diariamente vasto e
seguintes resultados foram encontrados: 37,9% das diversificado número de medicamentos (Lima, 2007).
interações potenciais foram consideradas leves,
São três os fatores relacionados ao aumento do
48,4% moderadas e 3,2% graves. As quatro intera-
risco de interações farmacológicas em Unidades de
ções classificadas como graves foram: digoxina/
Terapia Intensiva (UTIs). O primeiro fator é a gra-
amiodarona, digoxina/verapamil, espirinolactona/clo-
vidade do quadro clínico e a instabilidade apresen-
reto de potássio e a associação sulfametoxazol +
tada pelos pacientes, resultando em uma grande e
trimetroprima/ciclosporina/cloreto de potássio e a
diversificada quantidade de medicamentos prescri-
associação sulfametoxazol + trimetroprima/ciclos-
tos e administrados. O segundo refere-se ao fato de
porina. Observou-se, também, que 46,1% das inte-
a grande maioria destes fármacos ser administrada
rações foram classificadas como farmacocinéticas,
por via parenteral, aumentando o risco de eventos
45,3% como farmacodinâmicas e 8,6% como de
adversos (evento adverso relacionado a medicamen-
mecanismo indefinido (Secoli, 2001).
to é qualquer dano apresentado pelo paciente que
Em um estudo desenvolvido pelo Centro de Es- possa estar relacionado ao medicamento). O ter-
tudo do Medicamento, da Faculdade de Farmácia ceiro fator diz respeito a que, em pacientes seda-
da Universidade Federal de Minas Gerais, em par- dos, é mais difícil detectar eventos adversos após a
ceria com a Farmácia Hospitalar do Hospital das administração dos medicamentos (Lima, 2007).
Clínicas da UFMG (HC/UFMG), foram analisadas
Um estudo prospectivo foi realizado em serviço
prescrições de pacientes em politerapia, a fim de
de medicina interna do Hospital Universitário San
avaliar a frequência de interações medicamentosas
Cecilio de Granada, Espanha, com 120 pacientes
potenciais envolvendo psicofármacos em prescrições
aleatoriamente selecionados de um total de 376 in-
de um hospital universitário. Foram avaliadas 452
ternados em UTIs durante um período de três me-
prescrições, selecionadas sistematicamente dos re-
ses de 2007. O fármaco com maior incidência de
gistros do hospital. Em 22% das prescrições havia
interação farmacocinética foi o omeprazol quando
pelo menos uma interação. Destas, 47% eram de
associado à fenitoína ou digoxina. A interação far-
relevância clínica. Foi encontrada associação posi-
macodinâmica de maior incidência ocorreu com a
tiva entre politerapia e ocorrência de interações. A
associação entre anti-inflamatórios não esteroidais
adoção de algumas medidas, como a utilização de
e diuréticos, insulina e betabloqueadores e aspirina
sistemas eletrônicos de detecção de interações, pode
contribuir para a minimização destes eventos (Ma- e prednisona. Nessa pesquisa o aumento de intera-
galhães; Moura; Ribeiro, 2007). ções foi correlacionado com o aumento de número
de itens prescritos, porém não se estabeleceu asso-
Diante deste quadro, o farmacêutico inserido na ciação com sexo, idade e comorbidade (Alcalá et
equipe multidisciplinar de cuidado ao paciente pode al., 2008).
contribuir para o uso racional dos medicamentos,
uma vez que representa uma das últimas oportuni- Num outro estudo, realizado no Serviço de Me-
dades de identificar, corrigir ou reduzir possíveis ris- dicina Interna do Hospital Clínico Universitário de
cos associados à terapêutica (Campigotto et al., Santiago de Compostela, durante o ano de 2003 com
2008). 1.117 pacientes, foi selecionada uma amostra alea-
tória de 412 indivíduos. Foram encontradas 329 in-
terações em potencial. Foi observado que 39,9% dos
Interações farmacológicas em UTI
pacientes apresentaram ao menos uma interação, e
Como os pacientes hospitalizados recebem, em 52,6% delas eram daquelas em que há a necessida-
média, sete fármacos por dia, a relevância desse de de se tomar alguma medida para diminuir o risco
problema é, sem dúvida, significativa, aspecto que de efeitos indesejáveis. Não foram encontradas in-

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terações de maior gravidade. As mais frequentes néfico dos medicamentos, além de reduzir seus efei-
foram com anticoagulantes orais e digoxina (Lado tos adversos. A integração do farmacêutico à equi-
et al., 2005). pe multidisciplinar mostrou uma redução aproxima-
da de 66% na ocorrência de eventos adversos rela-
No estudo realizado em uma Unidade de Cuida-
cionados aos medicamentos decorrentes da pres-
dos Intensivos e Intermediários do Hospital Provin-
crição médica (Freitas et al., 2006).
cial Docente Clínico-Cirúrgico Saturnino Lora, em
Santiago de Cuba, no período de junho de 1995 a Alguns autores relatam que a utilização de siste-
fevereiro de 1996, numa amostra de 65 pacientes ma informatizado como ferramenta na revisão de
foram detectadas 47 interações medicamentosas. prescrição médica apresenta como vantagens a agi-
Entre as interações, 20 (42,6%) desejáveis e 27 lidade na análise das prescrições, redução de erro
(57,4%) perigosas. Destas últimas as mais relevan- de medicamentos, tempo de internação e gastos
tes foram as associações entre aminofilina/hidrocor- (Wiltink, 1998), e tem revelado resultados satisfató-
tisona e aminofilina/cimetidina, ambas com 6,9% rios, visto que tende a reduzir as interações medica-
(Lafitta et al., 2000). mentosas (Camargo et al., 2003).
Os procedimentos para evitar e lidar com as in- Deve-se considerar que nem todas as possíveis
terações sugeridos na literatura consultada, foram interações medicamentosas detectadas na literatu-
os seguintes: monitorização do paciente, ajuste de ra serão realmente desencadeadas na prática clíni-
dose, troca ou suspensão de um dos medicamentos, ca. O significado clínico de uma potencial interação
mudança dos horários de administração, entre ou- medicamentosa não é facilmente estabelecido e pode
tros. Em muitos casos a monitorização atua preven- requerer uma avaliação individual do paciente. Na
tivamente. Desta forma, a detecção de alterações prática, a questão das interações medicamentosas
na concentração plasmática dos medicamentos, por é complexa, pois além das inúmeras possibilidades
exemplo, direciona para um ajuste de dose, substi- teóricas de interferência entre os medicamentos,
tuição ou suspensão de fármacos ou outro procedi- fatores relacionados ao indivíduo (idade, constitui-
mento para evitar prejuízos à saúde do paciente. ção genética, estado físico-patológico, tipo de ali-
Adequar os horários de administração é também mentação) e à administração do medicamento (dose,
uma forma de lidar com as interações medicamen- via, intervalo e sequência da administração) influ-
tosas potenciais (Camargo et al., 2003). enciam na resposta ao tratamento (Secoli, 2001).
Nem todas as interações medicamentosas exi- A avaliação adequada das prescrições médicas
gem a interrupção do medicamento. Estes medica- é fundamental, pois a polifarmácia tende a aumen-
mentos podem necessitar de um ajuste de dose ou tar a incidência das interações medicamentosas. As
ajuste do sincronismo, particularmente se o meca- respostas decorrentes podem acarretar potenciali-
nismo envolve a interferência com a absorção do zação do efeito terapêutico, redução da eficácia,
fármaco (Routledge; Seymour, 1998). aparecimento de reações adversas com distintos
graus de gravidade ou, ainda, não causar nenhuma
modificação no efeito desejado do medicamento
Interações farmacológicas e a importância (Secoli, 2001).
do farmacêutico na prática clínica
Os clínicos devem estar atentos às combinações
Algumas instituições adotaram sistemas de pres- de fármacos que podem representar perigo, como
crições eletrônicas, associados à revisão por far- os inibidores e indutores da monoxigenase hepática.
macêuticos clínicos. Esta associação proporcionou Os principais exemplos de inibidores a amiodarona,
o envolvimento do farmacêutico no processo de fluconazol, eritromicina, miconazol, cetoconazol, cla-
avaliação do tratamento medicamentoso, de resolu- ritromicina, sulfonamidas, cimetidina e ciprofloxaci-
ção de problemas, de monitoramento e, quando ne- na. Exemplos de indutores são a rifampicina, feno-
cessário, de intervenção para aumentar o efeito be- barbital, fenitoína, primidona e carbamazepina. Deve-se

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estar atento também para qualquer combinação de O emprego de programas informatizados e re-
fármacos que podem causar hipotensão, se prescri- cursos bibliográficos parece ser uma forma efetiva
tos principalmente para doença cardiovascular ou de identificar e prevenir interações medicamento-
por outras razões, por exemplo, dois ou mais dos sas. Além disso, a inclusão do farmacêutico nas
seguintes grupos: antidepressivos tricíclicos, nitra- equipes multiprofissionais pode diminuir a ocorrên-
tos, antagonistas do cálcio, inibidores da ECA, an- cia de interações não desejáveis na prática clínica,
tipsicóticos e agentes antiparkinsonianos. Outras si- em virtude de seu conhecimento farmacológico,
tuações que necessitam maior atenção são: combi- colaborando na orientação quanto à melhor forma
nações de fármacos que causam efeito sedativo de administração dos medicamentos.
aditivo, que podem causar queda, confusão, pneu-
monias de aspiração, tonturas, apatia e incontinên-
cia; combinações de fármacos que produzem efei-
tos anticolinérgicos, como antipsicóticos, algumas
Referências
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tricíclicos, alguns anti-histamínicos e alguns agentes ADEPONLE, A. B. et al. Psychotropic drugs pres-
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mostram que muitas das potenciais interações far- LIN, M. A. Interações farmacológicas entre medi-
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tudo, que as interações farmacológicas podem ser CASTRO, C. G. S. O.; PEPE, V. L. E. A interação
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Revista Contexto & Saúde, Ijuí • v. 9 • n. 18 • Jan./Jun. 2010


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Revista Contexto & Saúde, Ijuí • v. 9 • n. 18 • Jan./Jun. 2010

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