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Também achei que não há muita perspectiva histórica no projeto transhumanista, onde se
mostra uma naturalização do presente.
Há uma aceitação de que somos incapazes de mudar nossa forma ética e política de ser/estar
no mundo. Parece que isso é uma renúncia da história, uma vez que tudo que o projeto
transhumanista propõe é a afirmação da inexorabilidade da condição moderna, capitalista e
consumista de vida, pautada apenas no bem estar hedonista nos moldes ocidentais. É um
projeto que me parece pouco imaginativo. Porque não imagina nenhuma transformação
radical de nossos valores.
O problema mais importante pra mim do projeto transhumanista é que ele não fala do
capitalismo. Não se fala de que nesse mundo não há um desenvolvimento tecnológico em
direção ao bem estar humano, mas apenas um desenvolvimento humano em direção à boa
manutenção da produção de mercadoria. Se se colocar Marx na conta, fica muito mais claro
que o projeto em questão não propõe o desenvolvimento humano, mas a transformação da
vida humana em direção a um capitalismo mais abrangente e violento, porque agora teve que
avançar seus limites de exploração muito além da fábrica, da esfera do consumo ou da
ideologia puramente imaginária. Agora o capital encontrou um meio de interferir até na
configuração genética de nossos corpos!
Aí que mostra o tamanho do perigo que o projeto representa. Uma extensão da barbárie
capitalista a um nível mais difícil de se contrapor.
Essa questão me lembra aquilo que você me disse na monitoria, quando falava sobre Hannah
Arendt e as pessoas comuns que aderiram ao nazismo: ela dizia que estas eram corpos vazios,
onde não havia ninguém dentro habitando, e você corrigiu. Há sim uma consciência habitando
esses corpos, mas não se trata da consciência dos próprios corpos, e sim de uma consciência
estranha que o controla. Trazendo isso para o tema em questão: qual seria a consciência que
habitaria o corpo transhumano?
Mas voltando ao artigo, eu achei muito interessante o problema da identidade e a teoria dos
sistemas complexos. Gostei que mostra que a conformação que temos sobre nosso corpo
depende da relação que temos com outros corpos (ou sistemas, se não estou equivocado) e
que em última análise não há uma demarcação definitiva entre um dentro e um fora, entre
nosso corpo e os diversos corpos ao nosso redor.
Daí que tem uma ilusão moderna do indivíduo fechado e definido por um centro consciente,
que é totalmente independente e separado do ambiente: decorrente dessa concepção, teria
outra ilusão, a de que seria possível resolver todos os nossos problemas recorrendo a essa
dimensão interna: bastaria agir localmente onde nos dói no corpo para acabar com o
sofrimento, estimular os órgãos ou neurotransmissores que nos excitam para gerar bem estar e
todo os problemas humanos estariam resolvidos. O que é uma mentira porque esquece que só
somos o que somos pela relação de troca que estabelecemos com outros seres humanos, com
seres não-humanos, vivos e inamimados do mundo.
Mas enfim, achei muito interessante o trabalho de vocês, e queria saber o que eu poderia fazer
para acrescentar nele.