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Dalai Lama: Oceano de Sabedoria, por Luciane Miranda de Paula

Dalai Lama, que significa "Oceano de Sabedoria" em tibetano, sempre me pareceu um


mito e ao mesmo tempo uma personalidade extremamente interessante. Tenzin Gyatso
é um ser que transcende e um exemplo, cuja sabedoria se irradia pelo mundo, e para
ele a transcendência é um potencial humano. Nascido em uma vila do Tibet, de uma
família de camponeses com 16 filhos, aos dois anos de idade ele foi visitado por
monges que o identificaram como Sua Santidade, a reencarnação do décimo terceiro
Dalai lama. Ele foi entronizado com quatro anos e meio como o 14º Dalai Lama. Aos
cinco já sabia ler e com seis era submetido a uma rotina que incluía muitas horas de
imersão nos textos budistas e participações diárias em reuniões de governo. Aos 24
anos de idade completou seu doutorado em filosofia budista. Estudioso da ciência, seu
passatempo predileto era desmontar e montar relógios, e confessa que, como qualquer
criança, ficava sim irritado quando algo dava errado em suas montagens. Em seu livro
"O Universo em um átomo", ele conta que as áreas específicas da ciência que mais tem
explorado ao longo dos anos são a física subatômica, a cosmologia e a biologia,
inclusive a neurociência e a psicologia.

As tradições sânscritas
Encontramos os ensinamentos de Buda nas tradições pali e sânscrita. As escrituras
sânscritas aparecem na China no século III e no Tibet no século VII. As linhagens da
Tailândia e Birmânia são as veiculadas em pali, e as da China, Japão, Mongólia e Tibet
são em sânscrito.

No cerne dos ensinamentos budistas estão as 4 nobres verdades e os oito versos que
transformam a mente.

As quatro nobres verdades são:

1. A vida é sofrimento.
2. O sofrimento nasce do desejo, há uma causa.
3. E possível controlar o desejo, eliminando a causa.
4. E possível eliminar o sofrimento.
Todos os seres têm um sentido mental, e naturalmente expressam um sentimento de
‘eu'. Este é um sentimento natural humano e animal. Os homens possuem cérebros
sofisticados e, diferentemente do animal, eles têm capacidade de discernir o que
sentem. Esta é a maior potência dos seres humanos, já que há 3000 anos os homens
começaram a debruçar nessa noção de ‘eu', cuja manifestação no ser humano começa
a se projetar para as coisas, objetos. Esta é a diferenciação do ‘eu', de corpo e mente,
ou seja, este é meu corpo, este é meu caderno. Nos ensinamentos de Buda este apego
traz o sofrimento. O ‘eu' se diferencia do corpo projetando-se para o material.

Segundo o Dalai Lama, em nossa vida tendemos a nos relacionar com o mundo e
conosco mesmo como se essas entidades possuíssem uma realidade autocontida,
definível, isto é, individualmente distinta e duradoura. Tendemos a acreditar na
presença de um núcleo essencial da nossa existência, que caracteriza nossa
individualidade e identidade, independentemente de elementos físicos e mentais que
formam nossa existência. Aí residem os apegos, fixação e preconceitos.

A teoria da vacuidade revela que todas as coisas e eventos, sejam conceitos materiais,
mentais ou mesmo abstratos, como por exemplo o tempo, são destituídos de existência
objetiva, intrínseca. Isso quer dizer que tudo tem capacidade de interagir e exercer
influência sobre os outros fenômenos. A ignorância é uma das causas de estados
mentais aflitivos. A compreensão da vacuidade significa a eliminação da ignorância.
Temos em nossa vida experiências dolorosas e prazerosas que podem ser em nível
sensorial e mental. As experiências mentais são as mais dominantes e potentes. Com
base em nossos pensamentos sensoriais aparece uma variedade de prazeres e dores, e
na eliminação das dores procuramos meios de nos recompor em nível físico ou em
processos mentais. Porém, através de meios físicos não asseguramos eliminar as
experiências físicas, ao passo que o inverso é possível.

A compreensão da existência da causalidade é importante para sabermos que todas as


coisas resultam de suas condições. E temos potencialidade de mudar. Certas formas de
mudança são claras aos nossos olhos, como por exemplo: é evidente como algumas
pessoas estão mudando. Buda nos ensina formas de mudar esta impermanência em um
nível mais sutil, ou seja, todas as coisas estão em função de suas respectivas causas, e
se as causas forem sendo mudadas, pode haver mudanças de minuto a minuto. Na lei
da causalidade, as causas existem em nível material e em nível de alma. Assim como
uma rosa produz sementes, ela também veio de uma semente, mas especificamente de
uma semente de rosa. Este aspecto de natureza causal tem similaridade com o
resultado, o efeito. A causa da flor e a sua semente, e a causa da semente consiste em
rastrear a causalidade ate o infinito.

A impermanência é um dado constante


Sabedoria e método são os ensinamentos dos oito versos que transformam a mente. E
de que maneira? Para cada aflição há um tipo de meditação. Estados mentais
desordenados podem entrar em disciplina. A efetiva transformação se dá na mente que
entende a sua própria natureza. Quando a mente está maculada por estados mentais
negativos, somente estados mentais positivos são os que advêm de eliminarmos estas
aflições.

Para a aflição ligada à dúvida é necessário cultivar a sabedoria capaz de compreender a


realidade. A nossa percepção de realidade muitas vezes nos revela nosso estado de
ignorância. E a ignorância entende-se como ausência de sabedoria ou simples distorção
da realidade. Devemos saber que a realidade não está contida nela mesma, não é
intrínseca, mas uma relação de causalidade, vacuidade. Libertar-nos da ignorância
significa não nos apegarmos a realidade aparente. Embora a realidade apareça
verdadeira aos nossos olhos, ela é isenta de natureza intrínseca. Em termos de
significado de realidade última todas as coisas não são somente as mentes, mas um
mero reflexo de nossa mente e essa realidade é a ausência de uma realidade
verdadeira.

Para cada aflição há um antídoto para apreendermos a realidade. Um deles e o estado


de atenção plena, que é fundamental no budismo. Quando ficamos livres de estados
mentais negativos, isso nos conduz ao estado mental de paz e a uma sensação de
serenidade.
A meditação sobre o amor para realidades múltiplas
Todos os seres humanos têm o direito de alcançar a felicidade. O papel principal da
espiritualidade é eliminar o sofrimento da dor que vem do plano mental. Há duas
formas de se tratar a questão: através da espiritualidade e de uma ética leiga, secular,
que não tem nada a ver com espiritualidade. A diferença que podemos perceber entre
ética leiga e espiritualidade é que a ética, dependendo de sua interpretação cultural
pode ser negativa. O caminho espiritual é o de sentimentos e atitudes, quais sejam na
manifestação do amor e da compaixão em nossa vida, valores que os budistas chamam
de buticos. Uma criança que não recebe o amor de sua mãe biológica pode recebê-lo de
uma mãe adotiva, e isso será fundamental para seu desenvolvimento como ser humano
para o resto de sua vida.
Em um mundo de diversidades religiosas, o importante e encontrarmos um ser humano
compassivo e bondoso. O Dalai Lama ensina que todas as religiões devem ser
respeitadas, pois cada uma delas responde a diferentes anseios de seres humanos que
são, em sua natureza, diferentes entre si. Manifestar o amor e a compaixão é um
comportamento independente da espiritualidade, e a que o Dalai se refere quando fala
de ética leiga. Igualmente ele prega o respeito a todos os caminhos religiosos, não
devendo jamais algum ser considerado inferior. Dentro do budismo não é através dos
escritos que encontramos a verdade, mas dentro de cada um de nós. Devemos utilizar
o máximo de nossa razão e inteligência para não seguirmos interpretações.

Também é através da inteligência e da forca do hábito que cultivamos a compaixão. E a


compaixão tem pouco valor se permanece apenas uma idéia. Ela deve tornar-se uma
atitude em relação aos outros. E o mero conceito de humildade não diminui nossa
arrogância; a humildade deve tornar-se nosso verdadeiro estado de ser. Do mesmo
modo que músicos treinam suas mãos, atletas seus reflexos e técnicas; lingüistas, seus
ouvidos; eruditos, suas percepções; devemos treinar nossas mentes e corações.

A força do budismo que Dalai Lama ensina não é sectária. Ele diz que cada um deve ser
o protetor de si mesmo. Dalai fala de compaixão, amor, felicidade, paz, e da
transcendência como potencial humano, mas esta pratica não se limita a nós mesmos.

Ele faz uma referência ao nosso planeta: "Nossa outra responsabilidade é desfazer a
grave degradação ambiental que é resultado do comportamento humano incorreto. A
humanidade deve ter iniciativa de reparar e proteger o mundo. A humanidade são
indivíduos".

Ensinamentos extraídos por ocasião da visita de Sua Santidade "Dalai Lama" ao Brasil
em 2006.

A arte de escutar é como uma luz que dissipa a escuridão da ignorância."

"As transformações mentais demoram e não são fáceis. Demandam um esforço constante."

Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para
recuperar a saúde.
E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam
por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer...
e morrem como se nunca tivessem vivido.

Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se


chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o
dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver.
Descobri que o mais alto grau de paz interior decorre da prática do amor e da
compaixão. Quanto mais nos importamos com a felicidade de nossos semelhantes,
maior o nosso próprio bem-estar. Ao cultivarmos um sentimento profundo e carinhoso
pelos outros, passamos automaticamente para um estado de serenidade. Esta é a
principal fonte da felicidade.

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