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CONCEITOS DA PSICANALISE Fobia IVAN WARD Editor da série Ivan Ward Ideas in Psychoanalysis - Fobia foi publicade no Reino Unido em 2000 por Icon Books Ltd., The Old Dairy, Brook Rd, Thriplow, Cambridge SG8 7RG Copyright do texto © 2001 Ivan Ward Conceites da Psicanalise - O Inconsciente é uma co-edigao da Ediouro, Segmento- Duetto Editorial Ltda. com a Relume Dumara Editora. Edioure, Segmento-Duetto Editorial Ltda.: Rua Cunha Gago, 412, 3° andar, Sao Paulo, SP, GEP 05421-001, telefone (11) 3039-5633. Relume Dumara Editora: Rua Nova Jerusalém, 345, Bonsucesso, Rio de Janeiro, CEP 21042-235, telefone (21) 2564-6869. Copyright da edigao brasileira © 2005 Duetto Editorial Indicagao editorial ‘Nberto Schprejer (Relume Dumara Editora) Coordenagao editorial da série brasileira Ana Claudia Ferrari e Ana Luisa Astiz (Duette Editorial) Tradugao Tuca Magalhaes Edigao Carlos Mendes Rosa Preparagao de texto Cristina Yamazaki Revisao Glie! Silveira Cunha Capa Foto de fundo de Richard Jordan Diagramagao Ana Maria Onofri CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. we3at Ward, Ivan Fobia / Ivan Ward ; tradugao Tuca Magalnaes. — Rio de Ja- neiro : Relume : Ediouro : Segmento-Duetto, 2005 (Conceitos da psicanalise ; v.2) Tradugao de: Ideas in psychoanalysis : phobia ISBN 85-7316-426-3 1. Fobia, 2. Psicandlise. |. Titulo, tl. Série. CDD 616.8522 CDU 616.89-008-441.1 05-1922, Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de nenhuma forma e por nenhum meio sem autorizagao expressa e por escrito da Ediouro, Segmento- Duetto Editorial Lida “MA PONTE LONGE DEMAIS: A REACAO FOBICA Imagine que vocé vai cruzar a ponte Hungerford , zm Londres, com alguém que sofre de gefirofobia - do de atravessar pontes. Ao sair da estacdo subter- ae subir os degraus de pedra que levam a ponte, soa que esta com vocé comega a falar com nervo- porque vai ter de cruza-la. Chegando a ponte, -o72. co seu acompanhante comega a se enrijecer, oom 2 cabeca imovel e o olhar fixo a frente. Depois cas Passos, ele comec¢ca a suar e segura a sua 2pertando-a cada vez mais forte 4 medida que pela ponte. Vocé repara que ele nao con- ccruza o rio Tamisa e tem uma exlensio de 320 metros. Fora segue deixar de olhar pelo canto do olho para a agua la embaixo, sobretudo para o vao entre a passarela de pedestres e a ponte do metré a que ela se liga. Sinais evidentes de panico dominam o seu amigo quando vo- cés chegam ao meio da ponte: muito suor, respiracao ofegante, taquicardia, musculos retesados e olhos ar- regalados de medo. Vocé tenta dizer algo para acalma- lo. “Fique quieto!” — diz ele. Toda a energia dele se concentra no que tem de fazer. De repente, solta todo ar dos pulmées e relaxa 0 corpo. Afrouxa 0 aperto na sua mao e comega a andar com mais conhanga. “O que aconteceu?” — pergunta vocé. “Fico bem quando passo da metade”, diz ele — e vocé nao para de pensar como é que surge uma fobia dessas. BALBURDIA: A CIENCIA DO IRRACIONAL A maioria das pessoas nao questiona por que uma crianca tem medo do escuro ou por que uma pes- soa detesta tomate. Passamos por cima da resposta emocional e do suposto estimulo. “Detesto tomate.” Damos a essa frase simples uma relagao causal en- tre a resposta psicologica contida em “detestar” e o Bavsoroie: & Geneva 20 lRRACIONAL “2.2 aumentar contido em “tomate”. Se alguém sé por qué, ficarfamos constrangidos, sem Sserer gue ninguém se meta tanto nas preferéncias ersdes que temos. Freud percebeu que a ta relacéo de causalidade era pouco mais que ilusao. Para ele, os estimulos — inputs — e as res- — outputs ~ de fato nao “faziam sentido”. Ao -stionar a relacao entre “estimulo” e€ “resposta”, z.¢ descobriu a influéncia de fatores inconscientes “2 mente. Ernest Jones, seguidor e bidgrafo de Freud, relacio- u trés situagdes em que as coisas nao faziam sentido ~4 isiologia e na psicologia das reagdes de angustia: esproporcgao entre o estimulo externo e a resposta”. - iscrepancia entre as manifestacdes corporais € mentais”. ~Desarmonia interna” ao corpo ou a propria mente. -. primeira delas € a mais 6bvia. Nos a encontra- = em algumas das maiores criac6es literdrias. Os = —closos passaram horas a fio debatendo o porqué Faria, da preocupacao e da reacdo exageradas de Hamlet diante da morte do pai. Ele nao percebia que um dia os pais morrem? A reacao de Hamlet é bastante desproporcionada em relacéo aos fatos apresenta- dos, e esse €, segundo T. S. Eliot, um dos motivos por que Hamlet, de William Shakespeare, nao é uma obra-prima. Nao faz sentido. E desproporcionada. Nao existe nenhum “correlativo objetivo” que lhe dé sentido.! Mas o que para Eliot é uma fatha artistica é para Freud uma prova do inconsciente. A despro- porgao entre o estimulo da experiéncia ¢ a reacao exagerada é justamente o que indica a influéncia de outro nivel de significado e determinacao, tanto no texto como no leitor. E pode-se dizer o mesmo das fobias. Ao declarar o ébvio — atravessar uma ponte nao é€ desafiar a morte ~—a psicanilise justifica seu conceito de inconsciente e seu método de investigacao pela associacao livre. Con- tudo, se vocé morre de medo de atravessar uma ponte, deve estar acontecendo alguma outra coisa. E se 0 perigo fosse real? Suponha que houvesse ba- las cortando 0 ar, bombas caindo e granadas explodin- Baeunoa: & Geomia 00 IRRACIONAL => a0 seu redor. Escrevendo no periodo entre as guer- Ernest Jones nao foi muito indulgente. “Quanta ic, por exemplo”, pergunta ele, 2 poderia considerar normal em alguém que esteve sob nbardeio aéreo durante a guerra ou, sobretudo, em al- acm que esteve na situacdo aterradora da prépria frente : batalha, sem associar ambos a fatores patologicos? =ntusiasmando-se, continua ele: $ casos, a gencrosidade tende a fazer concessées im- intes diante da situacdo e a considerar as respostas de naturais ¢ inevitdveis, o que talvez um estado de 2) mais critico examinasse com mais rigor? 2 pode parecer insensivel; e insinua também uma a de foco. Pouco mais de uma década depois, ud abriu creches residenciais para criancas 1 sobrevivido a bombardeios na Segunda ndial. Ela descobriu que o fator traumatico smeas nao haviam sido as bombas e a des- Foes truicao da casa em que moravam, mas terem sido sepa- radas dos pais e se preocuparem com eles.> O segundo ponto é menos facil de notar. Existe algo errado entre a mente € 9 corpo. Eles nao parecem se- guir o mesmo roteiro. Um politico pode fazer um dis- curso muito comedido numa reunido do seu partido e mesmo assim ficar molhado de suor ou sentir 0 coragao acelerado. O medo nao esta na mente dele. O corpo € que transpira medo por todos os poros. Ou digamos que vocé leve a um parque de diversdes uma crianca que esta ansiosa pela volta “aterrorizante” num brin- quedo que ela viu antes ou de que lhe falaram. E ater- rorizante de verdade. Vocé percebe que a fala excitada dela nado alivia a tensao; ao contrario, a ansiedade da espera aumenta ainda mais, Ela fica nervosa. Os sinais de medo crescem enquanto vocés esperam na inevita- vel fila. Ela nao quer entrar no brinquedo, quer ir para casa. Esta assustada demais. Usando a abordagem de Ernest Jones, vocé diz: “Nao seja tragica. Controle-se, sua bobinha”, e puxa-lhe a orelha. Depois de arrastar a crianca para o brinquedo — vocé nao perderia quase uma hora na fila 4 toa -, percebe que, longe de estar 10 2A CiRCA De: pea a de medo, a crianca da gritinhos e tem reacdes = .embram excitacao, prazer. “Vamos de novo?” — nta ela ao sair do brinquedo. Em outro livro desta colecao, Graham Music con- * sma experiéncia em que algumas maes de repente cam.os filhos pequenos numa sala. Alguns choram ‘2am irritados, outros nem notam que a mae saiu ~ voltou. . ao medir o batimento do pulso, a adrenalina e 0 cortisona dos dois grupos, todas {as criangas} rea- se modo parecido quando a mae desaparece.* ‘erceira discrepancia identificada por Ernest Jo- = ina espécie de fragmentacdo das faculdades Ele a chama de “desco-ordenacao” da propria 2 observa que ocorre uma mistura curiosa de acao e paralisia quando se esta de fato ame- ~ ==". Ao caminhar pela ponte, meu amigo nao fica nem sai correndo. Seu corpo esta a um sé do e impassivel, mas agitado. Ele se sente 2zbeca parece girar. Ele nao esta pronto Fost, para agir; esta pronto para implodir. Esta aterrorizado com alguma coisa, mas sua atencao nao esta voltada para nenhum perigo identificavel. Ele se encontra num estado mental esquisito, que nao faz sentido porque sua vida nao esta ameacada. Nao faz sentido no que se sabe sobre a selecao natural. A reacao fobica contém elementos de todas as in- compatibilidades, discrepancias e incoeréncias a que Ernest Jones se refere. As fobias nao “fazem sentido”. Sao um medo irracional. E € essa caracteristica pecu- liar que a torna acessivel a ciéncia do irracional — a psicanalise. CHARLES E ALFRED: TEORIAS DA FOBIA Nao é facil dizer por que, em determinada situa- ¢4o, surge uma fobia e nao uma inibi¢do, ou um sin- toma somatico ou um estado difuso de angustia. Os acontecimentos psiquicos tém muitas causas — “su- perdeterminadas”, como Freud as classifica. Para qualquer resultado no desenvolvimento existe um jogo complexo de forcas que querem se manifestar, e € impossivel prever como um dado caira. Contudo, Charles & ALFRED: Teoaias Da Fors, sias e os fendmenos [obicos sao tipicos durante eriodos da infancia, e as fobias de adultos fre- emente podem ser identificadas em formas que ss precedem. Ha duas hipoteses nao-psicanaliticas somumns de fobias que alcancaram o status de “senso um”. A primeira é uma teoria bioldgica, segundo gual as fobias ~ como o medo de aranhas, cobras -. lugares altos ~ sao resquicies do nosso passado ucionario e remontam a perigos reais enfrentados > nossos antepassados. ~aloria tem uma sensacdo de repugnancia quando de- com uma cobra. Podemos dizer que a fobia a cobras é 0 humano universal; e Darwin contou da maneira <5 impressionante posstvel que ndo péde evitar 0 medo —="4 cobra que 0 atacou, mesmo estando protegido por 2470 grosso.? cordancia de Freud com esse raciocinio nao nder o fato de que fugir de uma cobra que Nao equivale a uma fobia a cobras. As ex- enéticas também sao limitadas; nao con- Foes seguem explicar a grande variedade de fobias que realmente existem. Além disso, uma vez que trans- mitimos os genes de resposta apropriada a um peri- go, € dificil entender como a explicacdo genética se aplica a curiosa incapacidade que domina uma pes- soa com fobia quando se encontra diante do objeto que lhe da medo. A segunda hipdotese nao-psicanalitica é uma teo- ria simples de “trauma”, que ganhou credibilidade ao servir de base para uma série de televisao da BBC.* Uma crianca tem medo de cachorro porque, quando pequena, um cachorro pulou no seu carrinho e a as- sustou. Outra crianca, depois de assistir ao filme Ar dida como Pimenta, ficou com medo de que os indios atacassem sua casa. A fobia é uma resposta condicio- nada a uma experiéncia traumatica. Nos filmes que Alfred Hitchcock fez depois de Freud ser conhecido, varios personagens tém fobia. A teoria do trauma é usada para explicar o motivo ou dar forga a narrati- va. Assim, a heroina que empresta o nome ao filme Marnie, Confissoes de uma Ladra guarda o segredo de um assassinato presenciado na infancia que se ma- s: REPaesetranna o Monte heTenon nifesta no seu medo de raios e da cor vermelha; em psiquiatra sem passado teme inexplicavelmente o sranco de uma toalha de mesa. Quando perguntavam 29 proprio Hitchcock se ele tivera muito medo de al- zuma coisa, ele apenas respondia: “Sempre”.? Outras 22@s, contava uma historia da sua infancia. Hitchcock s-~ipre tinha medo de ficar sozinho, mas aos 6 anos, gis de fazer uma travessura em casa, seu pai, se- ra, o mandou a delegacia com um bilhete. O zeloso “cial de plantao leu o bilhete e trancou o menino ~.72 cela por alguns minutos. A partir desse dia, cou com medo de policiais, porém a expe- ~~ nsinou-lhe uma ligdo importante: nao fazer ser preso. SSAROS: REPRESENTANDO O MUNDO IR ~c2prio “Hitch” tinha medo cle policiais e da Justica, a os representantes do cineasta predominaram em * vida. “Mesmo depois do casamento, muitas vezes a ~=s saia de férias com ele e a esposa, ¢ nessas ocasides - 2aVa mais atencao a mae do que a esposa,”'° “9 filme Os Passaros, a mulher mais jovem e ~ulher mais velha — a mae — lutam pela posse ha. Quando a socialite Melanie Daniels segue -- até a cidade natal dele, Bodega Bay, levando ~ --1tas de presente para Cathy, irma mais moca de -eva junto uma praga de proporcées biblicas. ssiras agressivos comprovam algo da dinami- 17 Fos ca emocional da historia. Em geral isso é interpreta- do como agressaéo da mae em resposta a uma ameaga representada pela sexualmente expressiva Melanie. Entretanto, com o devido respeito por Edipo, nao se trata de um mero drama edipiano. A disputa de uma relacao dual entre mae e filha assume o centro do palco, assim como a vulnerabilidade e o medo de abandono da mae. Na cena descrita a seguir, Melanie e Annie — profes- sora na cidadezinha e ex-namorada de Mitch — falam de Lydia, a mae dele: Annie: Sabe, a atitude dela quase me enlouqueceu. Nao consegui mesmo entender. Quando voltei a San Francisco, passei dias tentando descobrir o que eu tinha feito para desagradd-la. Melanie: E 0 que vocé tinha feito? Annie: Nada! Eu simplesmente estava viva. Entao o que explicava aquilo? Uma ciumenta, certo? Uma mde pega- josa, possessiva. (Ela balanga a cabega.) Errado. Com 0 devido respeito por Edipo, nao acho que foi isso. Melanie: E 0 que foi? 18 CMUNO Terie “mie: Veja, Lydia gostava de mim. Isso é que era mais es- vunho. Na verdade, agora que Ndo sou mais ume ameaca -mos boas amigas. telanie: Entao por que ela contestou vocé? apnie: Porque tinha medo. telanie: Medo de que voce tirasse Mitch. ..? le: Nao, ndo acho que fosse isso. Veja, ela ndo tem vedo de perder o filho. Sé tem medo de ser abandonada. hao ¢ dificil ver as consequéncias da oposicao da . Mais adiante, na mesma cena, Melanie perguntaa nile se deve ira festa de Cathy, ssanie: Vocé acha que eu devo ir? “ler Vocé € quem sabe. = .Anie: Na verdade quem decide € a Lydia, ndo 6? “<8: Ndo se incomede com a Lydia. Vocé quer ir? = =nie (com voz firme): Sim, “2: Entdo vd. “tem silencio. Melanie balanca a cabeca devagar sorri, (..f “tS. unt BAQUE do lado de fora rompe o siléncio ~ ds duas. Era o barulha de uma Saivota que se 19 As quatro figuras femininas principais formam uma rede intricada de relacées: Melanie, Lydia, An- nie e Cathy. Cada uma poderia ser responsavel pelo ataque dos passaros. Existe raiva contra maes (por parte de Melanie), contra filhas (de Lydia) ou contra irmaos (de Annie) e medo de abandono em todas elas. Nos passaros ha mais que passaros: eles repre: sentam uma dimensao da vida feminina inconscien- te. Mostram o conflito latente no elo mae—filha e os perigos potenciais de relacionamento no amadureci- mento. Véem-se temas parecidos em Branca de Neve, Cinderela e muitos outros confrontos miticos entre mies e filhas. As explicacoes psicanaliticas de fobia referem se, portanto, ao mundo interior. Em particular atribuem influéncia determinante a “fantasia”, “an- gustia” e “conflito psiquico”, sobretudo o conflite entre amor e agressao (ambivaléncia). Uma mulher com “fobia a vermes” nao contara nenhuma expe- riéncia traumatica, mas sim uma fantasia aflitive que tivera aos 6 anos, de ter sido enterrada vive junto a vermes. 20 LEAO, BRUXA E GUARDA-ROUPA: PERIGOS IMAGINARIOS = descricéo do meu amigo atravessando a pon- 2 Hungerford deixa clara a fobia no que ela tem de “medo irracional”. A pessoa fobica realmente nado sabe rt que tem medo, ao contrario daquela que sabe por 2ue ri quando ouve uma piada. Parece bobo dizer: “Te- “20 medo de atravessar pontes”. Entretanto, faz pouca = ferenca para a realidade psiquica de quem tem fobia ~zconhecer a “irracionalidade”. Dominado de uma rea- =o fobica, o individuo encontra-se na situagao pecu- =r de simultaneamente estar ciente € nao estar ciente =2 algo. O objeto fobico existe em dois registros men- =$ ao mesmo tempo, ambos igualmente reais para a ss0a. Ao discorrer sobre as fobias comuns na infan- =: Anna Freud conta a historia de uma garotinha que =~ta medo de ledo: cianga refutava todas as garantias do seu pai de que os - nde subiriam até o quarto dela dizendo em tom queixo- - claro, o pai estava falando de le6es reais que nao con- ~ subir, mas os ledes dela conseguiam muito bem...1" 21 Fura Nas fobias, como em todas as neuroses, andamos na “terra de ninguém existente entre a realidade e a fantasia”!*. A crianca acredita fervorosamente na rea- lidade do simbolo fobico, a despeito da forga da sua avaliacao intelectual. As criancas também podem ser tolas. Essa fraqueza prematura do intelecto da crian- ca levou Freud a concluir que fobia nao era simples medo de um objeto externo ou de uma situacdo da qual se poderia escapar por meio da negacdo, mas sim uma reacdo a uma ameaca localizada na mente. Uma crianga que nao quer ira escola por causa das ameacas dos colegas esta em situacao diferente daquela que nado quer ir a escola porque um panico incipiente a domina nos portdes. Esta apenas detesta a escola. No sentido descritivo, as duas tém “fobia de escola” ~ ambas nao querem ir a escola —, porém so a segunda tem uma fobia real conforme o que Freud chama de sentido “dinamico”, em que o medo é alimentado de dentro, No caso da crianga com fobia, podemos descobrir um medo intoleravel de que a mae desapareca ou morra quando a deixar na escola. E dificil fazer distincoes claras na pratica, embora de um ponto de vista teéricc 22 Lido, Bruns € Guaros-Roura: Penicas Maanatios s=/2 util considerar as fobias respostas a exigéncias do ~undo interior. Depois de dar esse passo do mundo exterior para -mterlor, nao nos surpreendemos mais ao encontrar “= 3 mente abriga reis e principes que nao existem, =hem abriga demonios e duendes. Nos sonhos eas vemos medos materializados, tomando 23 FOB formas particulares mais coerentes com as represen- tacdes publicas de mitos € contos de fadas, Veja estes sonhos de uma menina normal de 7 anos: Sonho 1 Fu estava numa sala escura; era escura demais, mas eu enxergava mesmo assim. A sala era guardada por mons- tros e eu fugi com outras pessoas (eu era a chefe), mas todas as outras foram apanhadas. Corri para um beco, e havia uma porcdo de portas e de monstros por todos os lados. No beco havia uma velha bruxa. Ouvi dentro da minha cabeca: “Ninguém que passa por este beco retorna... Ra-ra-ra...”, entao vi um clardo que iluminou o rosto da bruxa velha, que dava mesmo muito medo. Sonho 2 Passei por uma porta. Era uma casa velha que parecia um museu. Quando entrei, tudo era amarelo e havia homens de macacéo amarclo balancando em trapézios, e eles es- tavam rindo (de um jeito mau). No chao estavam todas as aranhas, ¢ havia buracos onde as aranhas entravam. Continuei corvendo, mas tropecei, cai e dei de cara com 24 LeAn, Balick © Guana Roura: Pa wma aranha bem grandona — como uma aranha-rainha —. € gritei. Sonho 3 Assim como as deusas da Antigtiidade eram gue a figura da mae, 4 qual atribuimos uma sensa- *> de seguranca. No entanto, elas nos contradizem e rmentam, do mesmo modo que nos ajudam, con- 2m e protegem. As criancas amam a mae, temema = 2 temem pela mae. 25 No famoso caso de Donald Winnicott, reproduzido no livro The Piggle [Relato do Tratamento Psicanalitico de uma Meninal, as figuras aterrorizantes do mundo do sonho passaram para o mundo real de uma menina de dois anos € meio. Apés 0 internamento da mae e © nas- cimento da irma Susan, a personalidade de Gabrielle comecou a mudar, mostrando uma angustia considera- vel e falta de liberdade ao brincar. Ela chamava os pais até tarde da noite, atormentada com fantasias cheias de detalhes, sem conseguir pegat no sono. “Ela tem uma mae e um pai pretos”, contaram seus pais: A mamée preta aparece para ela a noite e diz: “Onde estado as minhas batatas-doces®. [...] As vezes a mae preta a poe no banheiro. A mamée preta, que vive na barriguinha dela ¢ com quem se pode falar pelo telefone, esta sempre doente e é dificil que melhore.” Numa carta subseqiiente, 0 pai disse: “Na hora de ir para a cama era uma cena enorme — como agora acon- tece muito. Ela diz que tem medo de a mame preta vir atras dela”.’° No entanto, se a “maméae preta” so existe 26 “2 imagina¢ao, se so € real internamente, vem a per- santa: do que a crianca tem medo? “Ela parece estar ndo demais com o que antigamente se chamaya acio de pecado’”, escreveu 0 pai.'” MECANISMOS PSIQUICOS DA FORMACAO DE FOBIAS Nao deveria ter demorado tanto para se perceber Sbvio: que o que realmente assusta nao é 0 objeto »bico; e que a origem do meda esta na mente. Sd se 2oderia tirar essa conclusdo com base na logica quan- 9 se analisasse a diversidade de fobias. Veja esta lista ~-sumida: ~_sdoxafobia — medo de opinides. ~=emofobia — medo de correntes de ar ou vento. ~-sxofobia — medo de desordem ou desarrumacao. amatonofobia ~ medo de ventriloquos, bonecos, ~2taras animadas eletronicamente, estatuas de cera; ~ualquer coisa que represente um ser consciente. aofobia — medo de sapos. “bia — medo de gatos. 27

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