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Apresentação no Seminário – 1º de Maio/2018 – UGT: A Quarta Revolução Industrial, seus impactos
no Mundo do Trabalho e a Construção de uma Nova Sociabilidade baseada na Agenda dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável, realizado pela UGT em São Paulo-SP, em 25-27 de abril de 2018.
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Nascido em Areia-PB, é Engenheiro Agrônomo com Ph.D. em Sociologia da Ciência e Tecnologia. Na
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Campina Grande-PB, é especialista em inova-
ção institucional e investiga as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade no processo de inova-
ção. Participou do Seminário da UGT em caráter pessoal. E-mail: josedesouzasilva@gmail.com
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Introdução
Progresso = desenvolvimento = capitalismo
Os esforços massivos para desenvolver o Terceiro Mundo não foram motivados por considera-
ções puramente filantrópicas, mas pela necessidade de trazer o Terceiro Mundo à órbita do sis-
tema comercial ocidental para criar um mercado em contínua expansão para nossos [EUA]
bens e serviços e como fonte de mão de obra barata e matéria prima para nossa indústria. Este
foi [também] o objetivo do colonialismo especialmente em sua última fase. Existe una conti-
nuidade impressionante entre a era colonial [era do progresso] e a era do desenvolvimento, tan-
to nos métodos usados para lograr seus objetivos quanto nas consequências ecológicas e sociais
de sua aplicação (GOLDSMITH, 1996, p. 253).
Uma crise planetária condiciona o fim do mito do desenvolvimento. Mas existe uma
crise de interpretação na interpretação da crise. Os ideólogos do capitalismo reprodu-
zem um discurso funcionalista que oculta as contradições do sistema para distorcer
interpretações das causas da crise que prenuncia seu colapso antes de 2050. Nesse dis-
curso o sistema é infalível; só suas partes, independentes, podem ser disfuncionais. A
palavra capitalismo é substituída pela palavra modelo nesse discurso que foi revitaliza-
do no final do século XX a partir do falso conceito de “desenvolvimento sustentável”.
Na abertura da Rio+20, em 2012, o Representante da ONU condenou o “modelo” pelo
fracasso do desenvolvimento, ocultando a natureza capitalista dos crimes —ecológicos,
sociais, culturais, econômicos, políticos, institucionais— contra a vida cometidos pelo
capitalismo, em nome do progresso/desenvolvimento, desde 1492, e propôs os Objeti-
vos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como a solução final para a crise global.
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capitalismo em crise durante o atual imperialismo sem colônias, através das 3ª e 4ª revo-
luções industriais; e (4) confirma a crise do desenvolvimento, incluindo o falso “desen-
volvimento sustentável”, e a emergência do Bem Viver, partilhando perguntas descolo-
nizadoras, giros paradigmáticos e premissas3 emancipatórias, para descolonizar o pen-
samento capitalista —patriarcal, racial, genocida, etnocida, epistemicida, ecocida—
hegemônico, imprescindível para construir caminhos para o Bem Viver. A conclusão é
um convite ético para a construção coletiva do ‘dia depois do desenvolvimento’, ou se-
ja, o dia depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida na Terra.
Só sabe para onde vai quem sabe de onde vem. Que marco interpretativo têm os traba-
lhadores para compreender a emergência da Revolução 4.0 e suas implicações para o
mundo do trabalho? Hoje, a maioria dos artigos, livros, conferências, teses, que exami-
nam a chamada Revolução 4.0, faz uma abordagem descritiva das revoluções técnico-
científicas, potencializadas pela Inteligência Artificial que viabilizam essa revolução
industrial, projetando implicações positivas para empresários e as consequências negati-
vas para trabalhadores. Essas descrições aceitam a falsa premissa de que essa revolução
é um fenômeno tecnológico independente e inevitável, levando os trabalhadores a pen-
sar que a única solução é a requalificação para sua adaptação. Mas uma descrição não é
uma interpretação nem corresponde a uma explicação. Necessitamos do apoio da histó-
ria para ampliar nossa compreensão sobre a natureza capitalista das revoluções industri-
ais e imaginar estratégias de resistência, insurgência, emancipação, frente a mais uma
armadilha capitalista engendrada pela ciência moderna que, historicamente, está sempre
a favor dos capitalistas e contra os trabalhadores (BERNAL, 1971).
O Papel dos CIPAs [Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola] incluía desde ajudar a estabi-
lizar as condições internas dos países do Terceiro Mundo e prover a classe industrial urbana as-
segurando um excedente mais barato e seguro, até evitar a ocorrência de uma revolução “ver-
melha” [comunista] através da criação de uma [revolução] “verde” (BUSCH et al, 1995, p. 49).
Assim como de grão em grão a galinha “enche o papo”, a cada uma de suas crises recor-
rentes o sistema capitalista cria uma revolução tecnológica para evitar a estagnação do
processo de acumulação infinita de riqueza material, através de crescimento econômico
ilimitado e o critério do lucro máximo no curto prazo a qualquer custo, num modus ope-
randi violento que viabiliza a acumulação com concentração, por despossessão e sem
distribuição. Por ser injusto, esse sistema só consegue operar com o apoio de técnicas de
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Uma premissa é uma verdade expressada sempre na forma de uma afirmação com o verbo no presente
do indicativo. Exemplo: ‘Nada é mais importante que a vida’.
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dominação e a estratégia da corrupção sistêmica4 para comprar a imprescindível cum-
plicidade interna das elites —empresariais, políticas, militares, judiciais, gerenciais,
intelectuais— globais/regionais/nacionais/locais. A fonte de sustentabilidade técnico-
científica desse sistema injusto é a ciência moderna (ROSE, ROSE, 1976).
A ciência moderna é a filha predileta do capitalismo (BERNAL, 1971). Desde sua ori-
gem na Europa até sua institucionalização em todo o mundo (BASALLA, 1967), a ciên-
cia se transformou num problema social (RESTIVO, 1988) ao contribuir às desigualda-
des sociais (MORAZÉ, 1979; HARDING, 2006) derivadas do modus operandi do capi-
talismo a quem ela serve com desavergonhada dedicação (SHAPIN, 2013). A Revolu-
ção Cientifica dos séculos XVI e XVII (SHAPIN, 1998) foi gestada no ventre tecnolo-
gicamente virgem do capitalismo, que emergiu no final do século XV no bojo da Revo-
lução Comercial que transformou o dinheiro no principal intermediário das relações
comerciais que cresciam em complexidade e diversidade. Com essa revolução, a Mate-
mática ganhou importância sem precedente; agora, todos tinham que aprender a calcu-
lar. Assim, a linguagem matemática constituiu-se na linguagem oficial da ciência mo-
derna, razão porque, para os líderes da Revolução Científica, o que não podia ser ex-
presso em linguagem matemática não existia, não era verdade ou não era relevante.
Não por acaso, o capital mercantil financiou a consolidação da ciência moderna, institu-
cionalizando a subserviência do saber científico ao poder econômico, ocorrendo isso
primeiro no caso da agricultura, dada a origem agrária do capitalismo (WOOD, 1998),
que é o exemplo histórico da penetração e expansão do capital, na África, América La-
tina e Ásia, através das ciências agrárias, da colonização à globalização (SILVA, 1989).
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dial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI),
Tratado Internacional da FAO para os Recursos Fitogenéticos. Essas revoluções, filhas
bastardas do capitalismo, são enunciadas como filhas legítimas do progresso, na coloni-
zação, e do desenvolvimento, na globalização, ocultando o nome do capitalismo que as
financia porque as necessita no processo de produção, acumulação e consumo.
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tecnológicas revolucionárias, gestadas no ventre do sistema para beneficiar capitalistas e
explorar/controlar/dispensar trabalhadores, foram enunciadas em nome do progresso.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a humanidade ficou desencantada com essa ideia,
porque aprendeu de forma chocante que a ciência e tecnologia modernas, supostas fon-
tes de progresso, não geravam apenas “coisas boas” para a prosperidade, felicidade e
paz de todos os Povos, pois participaram de processos condenáveis, como a Solução
Final para a Questão Judia, o Holocausto, e a construção da bomba atômica, lançada
sobre Hiroshima e Nagasaki. Então, os Estados Unidos, a nova potência hegemônica
capitalista, diminuiu a frequência no uso da palavra progresso e intensificou o uso da
palavra desenvolvimento, institucionalizando a substituição da primeira pela segunda,
em 20 de Janeiro de 1949, mas mantendo as promessas daquela, não para cumpri-las,
mas para legitimarem-se com elas. Na data, Henry Truman assumiu a Presidência dos
EUA anunciando em seu discurso que partilharia os avanços científicos e tecnológicos
da ciência e o progresso industrial de sua sociedade industrial capitalista com as áreas
do mundo que eram “subdesenvolvidas”, mentindo desavergonhadamente ao prometer
que seu país não agiria de forma imperialista em busca de lucro. O binômio civilizado-
primitivo foi substituído pelo binômio desenvolvido-subdesenvolvido, criando uma hie-
rarquia entre os Povos, sob a racionalidade excludente da dicotomia superior-inferior
que permitiu o domínio do novo império sobre o resto do mundo, em busca de lucro.
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ou seja, o modelo capitalista vigente de crescimento econômico, os ideólogos do siste-
ma fingem incorporar essa crítica e reagem brindando-nos com um adjetivo agregado ao
“desenvolvimento”, pelo que ficamos agradecidos e deixamos de questionar a raiz de
nossos males, o desenvolvimento, ou seja, o capitalismo. Alienados pela colonização
cultural oriunda do Norte e reproduzida através dos sistemas de educação, comunicação,
cooperação, inovação, os “subdesenvolvidos” do “Terceiro Mundo”5 não percebem que
desenvolvimento participativo é capitalismo que empodera, étno-desenvolvimento é
étno-capitalismo, desenvolvimento endógeno é capitalismo que mobiliza potencialida-
des internas, desenvolvimento local é capitalismo local, desenvolvimento territorial é
capitalismo territorial, desenvolvimento humano é capitalismo com um rosto humano,
desenvolvimento sustentável (economia verde, economia circular) é capitalismo verde.
...nós [EUA] deveríamos iniciar um programa ousado para disponibilizar os benefícios de nos-
sos avanços científicos e de nosso progresso industrial para a melhoria e o crescimento das
áreas subdesenvolvidas [...] Creio que deveríamos colocar à disposição dos amantes da paz os
benefícios de nosso acervo de conhecimento técnico para ajuda-los a lograr suas aspirações de
uma vida melhor...O que temos em mente é um programa de desenvolvimento baseado nos
conceitos de trato justo e democrático...Deve ser um esforço mundial para alcançar a paz, a
abundância e a liberdade...O velho imperialismo—exploração para o lucro estrangeiro—não
tem lugar em nosso plano...A maior produção é a chave para a prosperidade e a paz...a chave
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Reféns do pensamento subordinado ao conhecimento autorizado pelo “superior”, o “inferior” não perce-
be o domínio ideológico e a gestão institucional sobre o Sul (ESCOBAR, 1988), via controle remoto
cultural, através da etiqueta Terceiro Mundo. Líderes, intelectuais, pessoas comuns, do Sul, ainda acei-
tam a existência do Primeiro (superior) e Terceiro (inferior) Mundos, quando, sem a União Soviética nem
o bloco socialista da Europa Oriental, o Segundo Mundo já não existe desde os anos 1990.
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para produzir mais é a aplicação maior e mais vigorosa do conhecimento técnico e científico
modernos (Harry Truman, 33º Presidente dos Estados Unidos, em RIST, 1997, p. 72, 73).
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pressão), além de consequências culturais, econômicas, institucionais incontroláveis.
Por outro lado, ao privilegiar a acumulação sobre a distribuição da riqueza, essas revo-
luções sempre aumentam as desigualdades, injustiças e vulnerabilidades, aumentando,
como consequência direta, os problemas sociais —pobreza, fome, violência— no Sul e
no Norte, inerentes ao processo inescrupuloso e assimétrico de produção, acesso, distri-
buição e apropriação da riqueza, agravado a cada nova revolução industrial.
É necessário [...] aceitar como principio e ponto de partida o fato de que existe uma hierarquia
de raças e civilizações, e que nós pertencemos à raça e à civilização superiores. A legitimação
básica da conquista de povos nativos é a convicção de nossa superioridade, não apenas da su-
perioridade mecânica, econômica e militar, mas também da nossa superioridade moral. Nossa
dignidade...funda nosso direito de dirigir o resto da humanidade6.
Basta abolir as taxas alfandegárias e apoiar o livre comércio que também nossos trabalhadores,
em todos os setores da economia, serão degradados a servos e miseráveis (Abraham Lincoln,
16º Presidente dos Estados Unidos, em MARTIN, SHUMANN, 1999, p. 137).
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Jules Harmand, diplomata e administrador colonial francês, justificando a “missão civilizatória” dos
impérios Europeus em 1910 (MAGNOLI, 2009, p. 28).
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Sob essa ideologia, o que não serve ao mandato do Estado moderno —legitimar, proteger e reproduzir o
capitalismo— não existe, não é verdade ou não é relevante.
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ção da Revolução Científica, dos séculos XVI e XVII, e o sucesso das 1ª e 2ª revoluções
industriais nos séculos XVIII e XIX, respectivamente.
Condicionadas pela colonialidade do poder, saber, ser e natureza, essas revoluções in-
dustriais estabeleceram a época histórica do industrialismo, sob a ditadura do capital
industrial, superando em importância à época histórica do agrarianismo estabelecida sob
a ditadura do capital mercantil. A ciência moderna e o seu paradigma clássico —
positivista— de inovação, que viabilizaram o paradigma internacional do industrialismo
capitalista, foram usados pela civilização ocidental para ocidentalizar o mundo. Inclusi-
ve a União Soviética adotou esse paradigma, incorporando a maioria dos valores, crité-
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rios, princípios, indicadores e categorias da industrialização capitalista ocidental, o que
obrigou o império soviético a transmutar seu Socialismo em capitalismo de Estado, uma
das causas de seu estrepitoso colapso (CASTELLS, 1996), pois lhe foi impossível gerir
o capitalismo estatal sem o apoio direto da institucionalidade capitalista global.
À medida que se inicia este século, resulta evidente que o Consenso de Washington neoliberal
e as normas políticas e econômicas impostas pelo G-7 e as instituições financeiras por ele cria-
das (BM, FMI, OMC) estão...mal encaminhadas. A nova economia provoca consequências da-
nosas: aumento das desigualdades e a marginalidade social, quebra da democracia, deteriora-
ção ambiental e o incremento da pobreza e a alienação. O capitalismo criou uma economia
criminosa e ameaça destruir comunidades inteiras em todo o mundo e, com uma biotecnologia
mal concebida profanou o santuário da vida ao tratar de converter a biodiversidade em mono-
cultivos, a ecologia em engenharia e a própria vida em mercadoria (CAPRA, 2003, p. 264).
O poder corporativo tornou-se sistêmico, capturando [politicamente], uma por uma, as diversas
dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, uma nova arquite-
tura do poder [institucional] realmente existente [...] A expansão dos lobbies, a compra dos po-
líticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipu-
lação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos
mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações, o que permite a
apropriação dos mesmos resultados das atividades econômicas, por meio do controle financeiro
em poucas mãos (DOWBOR, 2016, p. 1, 5).
Será que o mundo...se transformará num imenso Brasil...países cheios de desigualdades e com
guetos para as elites ricas? (Mikhail Gorbachev, em MARTIN, SHUMANN, 1999, p. 229).
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cado8, reproduzir a colonialidade do poder, saber, ser, natureza; e (i) renovação da meta
universal para todos os Povos, ser desenvolvidos. Essa armadilha política-ideológica-
epistêmica, que assegurou a consolidação de revoluções científicas e tecnológicas con-
vergentes, constitutivas da atual tecnociência que funde irremediavelmente a ciência e a
tecnologia modernas (BUSCH, 1984), viabilizou a Terceira Revolução Industrial, na
segunda metade do século XX, e está criando condições para a consolidação da Revolu-
ção 4.0 na primeira metade do século XXI.
A partir da segunda metade do século XX, a ciência moderna não consegue avançar sem
a contribuição instrumental da tecnologia moderna, nem a tecnologia moderna avança
sem as contribuições teóricas da ciência moderna (BUSCH, 1984). Tecnociência é o que
resulta dessa fusão irreversível entre a ciência e a tecnologia. Potenciada pela chamada
Inteligência Artificial, que viabiliza a produção de “máquinas que aprendem”, a tecno-
ciência viabiliza a convergência entre revoluções técnico-científicas em curso, como,
por exemplo, entre a informática, que trabalha com bits, biotecnologia, que trabalha
com genes, nanotecnologia, que trabalha com átomos, e neurociências, que trabalha
com neurônios. Com seu potencial transformador, tão fascinante quanto assustador, a
tecnociência viabiliza a Revolução 4.0 numa velocidade vertiginosa sem precedentes na
história da ciência, da tecnologia, da indústria. Condicionado pela ordem corporati-
va/financeira capitalista, o Estado, em seu modus operandi neoliberal, realiza reformas
antidemocráticas para criar condições mínimas de sucesso da Quarta Revolução Indus-
trial, incluindo a alteração de Constituições e legislações progressistas, destruição da
soberania nacional e dos direitos e garantias trabalhistas, privatização de empresas esta-
tais e serviços públicos, deterioração da competência do setor público, preparando o
funcionamento exclusivo de “governos programados” para servir ao Capital.
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humanos e animais, emergência de estresse e depressão como doenças generalizadas no
mundo no final do século XX, que se intensificam no início do século XXI.
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Não há máquinas “inteligentes”. Ideólogos do sistema atribuem características humanas às máquinas,
como a inteligência, para que no futuro problemas sociais gerados pela economia operada por máquinas
sejam atribuídos a elas e não à natureza capitalista da Indústria 4.0. Inteligentes são os humanos financia-
dos para criar algoritmos ultrassofisticados para que “máquinas inteligentes”, que nada fazem fora do
“programado”, agora também com “autonomia programada”, realizem funções ultra complexas.
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instituições públicas comprometidas com o humano, o social, o cultural, o espiritual, o
ecológico, o ético, assim como com a destruição de modos de vida rurais e urbanos.
Nenhuma dessas visões existirá de forma pura. Todas coexistirão em permanente dispu-
ta de sentido. Porém, em diferentes contextos, uma delas prevalecerá sobre as outras
condicionando a construção do futuro. Assim, é crítico entender que a realidade é soci-
almente construída e transformada. A Revolução 4.0 não é neutra nem inevitável. Uma
tendência indica que determinados sujeitos políticos, sob determinados valores, interes-
ses e compromissos, tomaram e continuam tomando decisões, realizaram e continuam
realizando ações para influenciar aspectos do futuro que lhes interessa. Então, outros
sujeitos políticos, como os movimentos sociais, podem, sob outros valores, interesses e
compromissos, tomar decisões e realizar ações para apoiar uma tendência existente que
interessa à maioria, boicotar uma tendência existente que não interessa à maioria, ou
criar uma tendência inexistente, mas que interessa à maioria. A quem interessa a eco-
nomia emergente da Revolução 4.0? Fritjof Capra nos ajuda a refletir para responder:
No nível existencial humano, a característica mais alarmante da nova economia talvez seja o
fato de estar modelada...por máquinas...o denominado “mercado global” não é um mercado,
mas uma rede de máquinas programadas segundo um único valor—fazer dinheiro por fazer di-
nheiro—e com a absoluta exclusão de qualquer outro...Não se trata de uma questão técnica,
mas política...e de valores humanos (CAPRA, 2003, p. 185).
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Nosso PIB toma em conta […] Porém, o PIB não…mede a beleza de nossa poesia […] Em
uma palavra: o PIB mede tudo, exceto o que faz valer a pena viver a vida 10
A ciência neoliberal se converteu numa ameaça extraordinária à vida. Talvez haja chegado o
momento...de deixar de falar das ciências da vida, para reconhecê-las como aquilo no que ten-
dem a converter-se, em ciências do controle e da morte (LANDER, 2008, p. 276).
O problema do ‘modo clássico’ de inovação não é necessariamente sua origem europeia, mas
sim o fato de que, sendo uma concepção particular desenvolvida desde um determinado lugar,
por determinados atores e em determinados idiomas, haja sido imposto a todos [os países] co-
mo o único [paradigma] possível de inovação para o desenvolvimento [...] Se o modo clássico
—eurocêntrico— não resultou satisfatório para promover o bem-estar inclusivo, chegou a hora
de inovar nossa forma de inovar (ESCOBAR, 2005, Prefácio, p. 18, 19).
Falsas premissas inspiram falsas promessas e soluções inadequadas. No Sul global, fal-
sas verdades nos chegam diariamente através da educação, comunicação, religião, coo-
peração, inovação, neocoloniais, que instituem o relevante como algo que existe sempre
em determinados idiomas, é criado sempre por determinados sujeitos e nos chega sem-
pre de determinados lugares, que nunca coincidem com nossos idiomas, sujeitos e luga-
res. Como resultado da colonização cultural do Sul pelo Norte, essas falsas premissas,
constitutivas do pensamento dominante que reproduz o paradigma de desenvolvimento,
são hoje a principal fonte de inspiração/orientação da maioria das decisões/ações coleti-
vas no processo de “inovação para o desenvolvimento”. Nesse processo, agimos como
autômatos biológicos despidos de identidades próprias, pensamentos próprios, sonhos
próprios, ao ponto de agradecermos ao Norte por vir ao Sul dizer-nos quais devem ser
nossos objetivos mais relevantes: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A emancipação dessa colonização cultural é impossível sem a descolonização do pen-
samento, sem o que não participaremos da descolonização da história, educação, eco-
nomia, agricultura, em fim, não participaremos da construção do ‘dia depois do desen-
volvimento’, o dia depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida na Terra.
O desenvolvimento não tem solução para problemas sociais, como a pobreza e a fome,
porque “problemas do subdesenvolvimento” são produto de desigualdades criadas pelas
10
Fragmento do discurso de Robert K. Kennedy, candidato à Presidência dos Estados Unidos, publicado
em 18/03/1968 (BAUMAN, 2009, p. 10). Poucas semanas depois ele foi assassinado, talvez por questio-
nar o indicador de “desenvolvimento” que permite ao sistema capitalista ordenar todos os países, do mais
“desenvolvido”, superior, ao menos “desenvolvido”, inferior, ou seja, do mais ao menos capitalista.
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contradições do capitalismo que só acumula com concentração, por despossessão e sem
distribuição. Problemas oriundos de desigualdades inerentes ao próprio capitalismo não
serão superados com alternativas de desenvolvimento (alternativas capitalistas), pois
“problemas de subdesenvolvimento” não são solucionáveis com mais “desenvolvimen-
to” (mais capitalismo). A evidência contundente disso é a existência de pobreza e fome
nos Estados Unidos (BROWN, ALLEN, 1988; SEMEGA et al, 2017), nos BRICS
(IVINS, 2013), incluindo o Brasil (OXFAM, 2016), e no resto do mundo (ALVAREDO
et al, 2018). Por isso, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) não foram
alcançados11, nem o serão os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)12. Pro-
messas anunciadas em nome do desenvolvimento (capitalismo) não são feitas para se-
rem cumpridas; se forem cumpridas o sistema deixará de ser capitalista e a “cooperação
internacional” perderá sua agenda oculta: abrir o acesso das “sociedades desenvolvidas”
aos mercados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes
e corpos disciplinados das “sociedades subdesenvolvidas”. Claro que os ODS são rele-
vantes e deveriam ser trabalhados por nossos governos, mas não há necessidade de que
o Norte nos diga isso nem como alcançá-los. Ao aceitarmos a coordenação da Agenda
2030 pelo Norte, aceitamos também a dicotomia desenvolvidos-subdesenvolvidos, per-
mitindo que os “desenvolvidos”, ou seja, os capitalistas controlem nossas energias, nos-
sos recursos, nossos talentos, nossos sonhos, nossos modos de vida. Não que a coorde-
nação dos ODS deveria ser feita pelo Sul. Não deveria haver coordenação global. Cada
sociedade deve tomar em suas mãos o futuro desses e outros objetivos afins.
A humanidade vive uma mudança de época histórica (CASTELLS, 1996; SILVA, 2004;
FOSTER, 2013), resultante de rupturas e emergências paradigmáticas que estão trans-
formando qualitativa e simultaneamente as relações de produção e poder, modos de vida
e cultura, dominantes durante o industrialismo. Nessa mudança de época, a ruptura
mais importante é a crise do paradigma de desenvolvimento (ATTALI et al, 1980;), que
o sistema tenta superar com a Revolução 4.0, e a emergência mais relevante é a do pa-
radigma do Bem Viver (ACOSTA, 2017), alternativo ao desenvolvimento (GUDYNAS,
2011), em construção pela Revolução Cultural gerada por movimentos soci-
ais/globais/regionais/nacionais/locais, desde os anos 1960. Esses novos sujeitos políti-
cos tentam reorientar o processo de inovação para a vida, hoje ordenado para o capital,
resgatando a relevância do humano, do social, do cultural, do espiritual, do ecológico,
do ético, dimensões violadas pelo capitalismo desde 1492. Oposta ao excludente propó-
sito da Revolução 4.0, que eliminará 80% da força de trabalho economicamente ativa do
mundo, a Revolução Cultural constrói o Bem Viver para todos os Povos do mundo.
11
Ver, por exemplo, Amin (2006) e Carant (2017).
12
Ver, por exemplo, Struckmann (2017) e Weber (2017).
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A crise do paradigma ocidental de desenvolvimento
Em vez do reino da abundancia prometido pelos teóricos e políticos dos anos cinquenta, o dis-
curso e a estratégia do desenvolvimento produziram o contrario: miséria e subdesenvolvimento
massivos, exploração e opressão sem nome. A crise da dívida, a fome...a crescente pobreza,
desnutrição e violência são apenas os sintomas patéticos do fracasso de cinquenta anos de de-
senvolvimento (ESCOBAR, 1998, p. 21).
Os últimos quarenta anos podem ser denominados a era do desenvolvimento. Esta época está
chegando a seu fim. Chegou a hora de escrever seu obituário (SACHS, 1996, p. 1)
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humana e não humana. Então, por trás do falso conceito de desenvolvimento sustentá-
vel, outra armadilha global está sendo engendrada no ventre do sistema por seus mais
refinados ideólogos. A economia verde, promovida na Rio+20 como solução para a
superação da pobreza e da vulnerabilidade ambiental, e a economia circular, que prome-
te reciclar tudo sustentavelmente, são promovidas com o potencial de gerar milhões de
empregos (ILO, 2018), mas são apenas partes constitutivas do mais recente disfarce do
capitalismo. No “desenvolvimento sustentável”, o lobo —o Capital— se veste com a
pele da ovelha —a Natureza— que quer devorar (LANDER, 2011).
Desenvolvimento é uma palavra que tivemos que usar para disfarçar as mudanças desejáveis e
necessárias, pois é muito fácil resistir-se à mudança, mas ninguém se opõe, pelo menos publi-
camente, ao desenvolvimento (La Nación, San José, Costa Rica, Sección Opinión, p. 30A, 08
de Mayo de 2005).
O Reitor do INCAE não explicou o que era disfarçado, nem por que, sob a palavra de-
senvolvimento, nem para quem as mudanças eram desejáveis e necessárias. De uma
perspectiva decolonial13, a palavra “desenvolvimento” ocultava o injusto capitalismo, e
as mudanças anunciadas eram aquelas desejáveis e necessárias à intensificação da pene-
tração e reprodução do sistema capitalista em todos os continentes através da globaliza-
ção. O então Reitor do INCAE estava cumprindo o seu papel ideológico de reprodutor
do discurso do desenvolvimento, ou seja, o discurso capitalista para convencer os Povos
do mundo de que cedo ou tarde, mais provavelmente tarde do que cedo, eles serão bene-
ficiados pelo progresso econômico, mas se aceitarem obedientemente as mudanças
“desejáveis e necessárias” para que isso aconteça. O discurso legitimador da destruição
de modos de vida não capitalistas, para criar condições “desejáveis e necessárias” para a
globalização do sistema, foi institucionalizado pelas Nações Unidas com a publicação
em 1951 de Measures for the Economic Development of Under-Developed Countries:
Dentro do capitalismo não há solução para a vida; fora do capitalismo há incerteza, mas tudo é
possibilidade. Nada pode ser pior do que a certeza da extinção. É tempo de inventar, é tempo
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A perspectiva decolonial (CASTRO-GÓMEZ, GROSFOGUEL, 2007), desenvolvida a partir do con-
ceito de colonialidade (QUIJANO, 2000), é uma das Epistemologias do Sul (SANTOS, MENEZES,
2009), que rompem com a geopolítica —Nortecêntrica— do conhecimento dando visibilidade a raciona-
lidades outras, sentipensares y fazeres outros, modos de vida outros.
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de ser livre, é tempo de Viver Bem (Ana Esther Ceceña, Coordenadora do Observatório Lati-
noamericano de Geopolítica, em ACOSTA, 2017, p. 7).
Sumak Kawsay [Bem Viver] seria a vida em plenitude (Luis Macas, indígena equatoriano, um
dos pensadores do Bem Viver, ex-Presidente da Confederación de Nacionalidades Indígenas
del Ecuador – CONAIE, em MACAS, 2010, p. 14).
Sem emoção não há paixão e sem paixão não há compromisso. Para construir futuros
alternativos ao futuro neoliberal “fabricado” pela Revolução 4.0, os Povos do mundo
necessitam de outra utopia capaz de emocioná-los, apaixoná-los e comprometê-los cole-
tivamente com a resistência, a insurgência e a emancipação, críticas para reencantar a
vida hoje ameaçada de extinção. O Bem Viver é uma filosofia de vida ‘outra’. Com sua
gênese em cosmovisões —ontologias— de civilizações milenares dos Povos originários
e seus saberes ancestrais, o Bem Viver é o horizonte utópico de construtores de cami-
nhos comprometidos com a felicidade dos Povos e a sustentabilidade de seus modos de
vida. Não existe um Manual do Bem Viver: Dez passos para ser feliz e sustentável14.
O Bem viver é uma fonte histórica e filosófica de inspiração ética, estética, espiritual,
para a concepção de modos de vida outros: outras formas coletivas de ser e sentir, pen-
sar e agir, produzir e consumir, comunicar-se e relacionar-se, entre os humanos e entre
esses e os seres não humanos. O Bem Viver nos instiga a imaginar o mundo que que-
remos para —a partir de critérios gerados por essa imagem de um futuro relevante pa-
ra todos— transformar o mundo que temos sob outros valores e princípios que nos gui-
em ao horizonte utópico da felicidade de todos os Povos e a sustentabilidade de seus
modos de vida. Enquanto paradigma alternativo ao paradigma capitalista, o Bem Viver
nos inspira imaginar alternativas não capitalistas, emancipatórias. Mas, futuros não ca-
pitalistas não existem de forma objetiva; temos que imaginá-los para então construí-los.
14
Uma técnica de dominação dos “desenvolvidos” é a publicação de manuais do tipo faça você mesmo,
criando nos dominados o hábito de demandar manuais que os ensinam “como fazer” o que o dominador
“generosamente” decide partilhar. Apesar de que, depois de séculos de progresso e décadas de desenvol-
vimento, não existe um Manual do Progresso/Desenvolvimento, porque esses não existem, são mitos
modernos criados para ocultar o capitalismo e a dicotomia superior-inferior que viabiliza sua expansão, já
existem os que buscam um Manual do Bem Viver, quando esse é um paradigma ainda em construção, que
exigirá o esforço de gerações para sua consolidação. Cedo ou tarde, os “desenvolvidos” publicarão um.
19
muns (ACOSTA, 2017; ALAI, 2009, 2010; GRUPO PERMANENTE DE TRABALHO
SOBRE ALTERNATIVAS AL DESARROLLO, 2011, 2013; SILVA, 2017). São ca-
minhos não capitalistas, não patriarcais, não racistas, não modernos, não coloniais, não
racionalistas, não mecanicistas, não tecnicistas, não economicistas, não genocidas, não
etnocidas, não epistemicidas, não ecocidas, não hegemônicos. São caminhos que o indi-
vidualismo, egoísmo, ganância, usura, eficiência, competição, industrialismo, desenvol-
vimentismo, extrativismo, agronegócio, “máquinas inteligentes”, indústria 4.0, acumu-
lação sem distribuição, pedagogia da resposta, não conseguem construir. O comunitari-
anismo, solidariedade, emoção, paixão, compromisso, amor, dignidade, complementari-
edade, reciprocidade, relacionalidade, resistência, insurgência, resiliência, democracia
representativa-participativa-deliberativa-comunitária, agricultura familiar, Agroecolo-
gia, economia solidária, cuidado com o Outro, soberania, emancipação, pedagogia da
pergunta, estão entre os ingredientes para construir caminhos para o Bem Viver.
Numa mudança de época, tudo está em crise. Isso levanta uma pergunta filosófica de
consequências práticas: Se tudo está em crise, como pensar uma forma de superar uma
crise se também está em crise a forma (dominante) de pensar? Em síntese, como supe-
rar a crise do paradigma de desenvolvimento (para construir o paradigma do Bem Vi-
ver) se também está em crise o pensamento que sustenta esse paradigma? Essa longa,
difícil, imprescindível e fascinante caminhada inclui três macro passos críticos: (1) a
construção coletiva de respostas para perguntas descolonizadoras do pensamento hege-
mônico, (2) a realização de giros paradigmáticos derivados da descolonização do pen-
samento dominante, e (2) a incorporação de premissas emancipatórias no sentipensar15
coletivo para inspirar e orientar decisões e ações:
15
Sentipensar —sentimento + pensamento— é a arte de viver e pensar com o coração e a mente, a capa-
cidade das classes populares de não separar a mente do corpo (ESCOBAR, 2014).
16
As perguntas estão dirigidas à descolonização do paradigma de desenvolvimento, mas podem orientar
também estudos e reflexões para descolonizar qualquer campo do conhecimento dele derivado, como os
campos da educação, comunicação, cooperação, história, política, agricultura, saúde, inovação.
20
nós? (6) Que instituições, globais, regionais, nacionais, locais, continuam, ainda
hoje, reproduzindo essas verdades entre nós?
21
vimento; (f) a sustentabilidade da vida implica cultivar relações, significados e
práticas que geram a vida, sustentam a vida e dão sentido à existência de todas
as formas e modos de vida e, dada a interdependência entre todos os seres vivos,
a sustentabilidade é também uma propriedade emergente da interação solidária
entre todos os seres humanos e não humanos; (g) o conhecimento significativo é
interativamente gerado (intercâmbio de experiências) e socialmente apropriado
(diálogo de saberes) no contexto de sua aplicação (dimensão prática) e implica-
ções (dimensão ética); (h) a inovação relevante emerge de processos de intera-
ção social (intercâmbio de experiências) com a participação (diálogo de saberes)
daqueles que a necessitam (dimensão prática) e serão por ela impactados (di-
mensão ética); (i) o cientista, especialista, experto, não tem o direito de decidir
sozinho o ‘que deve ser feito’ com o poder transformador da tecnociência so-
mente porque domina o ‘como fazer’ (know how), um tipo de decisão que exige
a participação de representantes da diversidade da sociedade, Povo, comunidade;
(j) a sustentabilidade institucional de movimentos/organizações sociais e insti-
tuições públicas depende mais da relevância externa das contribuições de suas
atividades-fins do que da eficiência interna da gestão de suas atividades-meios.
Conclusão
Rumo ao ‘dia depois do desenvolvimento’, caminhos para o Bem Viver
Posso indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo [...]. A
anarquia econômica da sociedade capitalista, tal como existe atualmente, é, em minha opinião,
a verdadeira origem do mal. (EINSTEIN, [1949] 2012, p. 4).
O sistema-mundo como um sistema histórico entrou numa crise terminal e é improvável que
exista, tal qual o conhecemos hoje, nos próximos 50 anos (WALLERSTEIN, 1999, p. 1).
17
Na década de 1420 a China visitou todos os continentes, sem intenção de dominação (DUSSEL, 2004).
22
bal. Outra foi a invenção do “progresso”, com as promessas de prosperidade, felicidade
e paz para todos os Povos, para ocultar o injusto capitalismo e a dicotomia superior-
inferior que viabilizou sua expansão durante a colonização, substituída pelo “desenvol-
vimento” depois da Segunda Guerra Mundial para continuar a expansão do sistema du-
rante a globalização, camuflado no falso conceito de “desenvolvimento sustentável”, ou
seja, capitalismo verde, uma impossibilidade. Em sua trajetória de pouco mais de cinco
séculos o injusto capitalismo foi viabilizado pela estratégia da corrupção sistêmica e a
aplicação de técnicas de dominação, enquanto superou suas crises recorrentes com o
apoio de inovações científicas e tecnológicas que resultaram em revoluções industriais
transformadoras das relações de produção de poder, modos de vida e cultura, sempre a
favor da classe capitalista e em detrimento da sociedade em geral e da classe trabalhado-
ra em particular. A recente crise desse sistema é na verdade a crise da civilização oci-
dental, que o incorporou tão visceralmente que se reduziu ao próprio capitalismo, como
concluiu Joseph Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia. A Revolução
4.0 não salvará o capitalismo que agoniza em uma crise integral (PIKETTY, 2013), sis-
têmica (WALLERSTEIN, 1974, 1999), estrutural (MÈSZÁRUS, 2017). Ao contrário,
essa revolução será a gota d’água que faltava para deflagrar o colapso do sistema antes
de 2050, pois, despudoradamente, promete excluir 80% da força de trabalho mundial.
Povos do mundo, uni-vos contra o capitalismo e para construir o Bem Viver. A cons-
trução do Bem Viver implica construir o ‘dia depois do desenvolvimento’, ou seja, o dia
depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida humana e não humana no Planeta.
O capitalismo é incompatível com a democracia plena, que é essencial para o floresci-
mento do Bem Viver. Os caminhos para o Bem Viver são caminhos necessária e radi-
calmente democráticos, resultantes da sinergia entre as democracias representativa, par-
ticipativa, deliberativa e comunitária. O ‘dia depois do desenvolvimento’ chegará em
diferentes momentos, com distintas intensidades, em diversos lugares, sempre que um
Povo decidir rejeitar os valores, princípios, ideias, conceitos, teorias, paradigmas, mode-
los, indicadores, categorias, padrões, que o mantêm refém da meta universal, “ser de-
senvolvido”, um prisioneiro da dicotomia superior-inferior que esteriliza sua imagina-
ção coletiva, amputa seu espírito revolucionário e mata sua vontade de mudar o mundo.
Se soubesse que o mundo acabaria amanhã, não dormiria hoje plantando sementes pre-
nhes de indignação e esperança. Indignação com o injusto capitalismo que viola o hu-
mano, o social, o cultural, o espiritual, o ecológico, o ético, desde 1492, e esperança nos
movimentos/organizações sociais, instituições públicas, sindicatos, comprometidos com
a felicidade de todos os Povos e a sustentabilidade de seus modos de vida. Porém, para
23
que sejam as parteiras de ‘futuros’ relevantes, esses movimentos/organizações sociais,
instituições públicas, sindicatos, necessitarão mobilizar as mentes críticas e os corações
solidários de suas mulheres e homens desobedientes. Essa desobediência epistémica,
instigada pela descolonização do pensamento dominante que sustenta a inovação para o
capital e não para a vida, será uma forma de ativismo político imprescindível para a
construção de caminhos ao Bem Viver. O Foro Social Mundial deveria também promo-
ver o processo global de descolonização do “desenvolvimento sustentável”, deixando de
gerar alternativas de desenvolvimento e abraçando a construção do Bem Viver.
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