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A insustentabilidade do “desenvolvimento sustentável”

Da Revolução Científica à Revolução 4.0 – Caminhos para o Bem Viver1


José de Souza Silva2

Campina Grande, PB, junho de 2018.

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Apresentação no Seminário – 1º de Maio/2018 – UGT: A Quarta Revolução Industrial, seus impactos
no Mundo do Trabalho e a Construção de uma Nova Sociabilidade baseada na Agenda dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável, realizado pela UGT em São Paulo-SP, em 25-27 de abril de 2018.
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Nascido em Areia-PB, é Engenheiro Agrônomo com Ph.D. em Sociologia da Ciência e Tecnologia. Na
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Campina Grande-PB, é especialista em inova-
ção institucional e investiga as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade no processo de inova-
ção. Participou do Seminário da UGT em caráter pessoal. E-mail: josedesouzasilva@gmail.com

1
Introdução
Progresso = desenvolvimento = capitalismo
Os esforços massivos para desenvolver o Terceiro Mundo não foram motivados por considera-
ções puramente filantrópicas, mas pela necessidade de trazer o Terceiro Mundo à órbita do sis-
tema comercial ocidental para criar um mercado em contínua expansão para nossos [EUA]
bens e serviços e como fonte de mão de obra barata e matéria prima para nossa indústria. Este
foi [também] o objetivo do colonialismo especialmente em sua última fase. Existe una conti-
nuidade impressionante entre a era colonial [era do progresso] e a era do desenvolvimento, tan-
to nos métodos usados para lograr seus objetivos quanto nas consequências ecológicas e sociais
de sua aplicação (GOLDSMITH, 1996, p. 253).

Uma crise planetária condiciona o fim do mito do desenvolvimento. Mas existe uma
crise de interpretação na interpretação da crise. Os ideólogos do capitalismo reprodu-
zem um discurso funcionalista que oculta as contradições do sistema para distorcer
interpretações das causas da crise que prenuncia seu colapso antes de 2050. Nesse dis-
curso o sistema é infalível; só suas partes, independentes, podem ser disfuncionais. A
palavra capitalismo é substituída pela palavra modelo nesse discurso que foi revitaliza-
do no final do século XX a partir do falso conceito de “desenvolvimento sustentável”.
Na abertura da Rio+20, em 2012, o Representante da ONU condenou o “modelo” pelo
fracasso do desenvolvimento, ocultando a natureza capitalista dos crimes —ecológicos,
sociais, culturais, econômicos, políticos, institucionais— contra a vida cometidos pelo
capitalismo, em nome do progresso/desenvolvimento, desde 1492, e propôs os Objeti-
vos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como a solução final para a crise global.

Depois da Segunda Guerra Mundial, já na globalização, “desenvolvimento” foi a ideia


que substituiu a “ideia de progresso” criada para ocultar o capitalismo expansionista
desde 1492. O discurso do desenvolvimento também disfarça as crises recorrentes que o
sistema enfrenta através de inovações geradas por revoluções técnico-científicas que
resultam em revoluções industriais. A Revolução 4.0 (ROBLEK et al, 2016) se nutre de
revoluções na tecnociência, principalmente da Inteligência Artificial (NSTC, 2016) que
potencia outras revoluções técnico-científicas para ajudar o sistema a superar sua atual
crise, tentando evitar seu colapso iminente. Mas essa é uma crise estrutural e não uma
de suas crises recorrentes. As consequências humanas da Revolução 4.0, se ocorrer a
projetada dispensa de 80% da força de trabalho mundial, serão a gota d’água que im-
plodirá as condições para a sua existência. Na visão prospectiva de Marx, com essa re-
volução, o sistema cava a sepultura onde cairá morto antes do fim da primeira metade
do século XXI, facilitando o florescimento do Bem Viver, um novo horizonte utópico
que pode emancipar os Povos do mundo da meta universal “ser desenvolvidos” (ser
capitalistas), para que sejam localmente felizes com modos de vida sustentáveis.

Para demonstrar que progresso = desenvolvimento = capitalismo, e que as revoluções


tecnológicas não são neutras nem inevitáveis, o trabalho (1) conta uma breve historia do
capitalismo e a invenção ideológica do “desenvolvimento”, que substituiu a ideia de
“progresso” criada para ocultar o capitalismo e a dicotomia “superior-inferior” que via-
biliza sua expansão imparável e incontrolável, de revolução em revolução, sempre para
beneficiar capitalistas e controlar/explorar/dispensar trabalhadores, da colonização à
globalização; (2) sintetiza o processo e as técnicas de dominação que permitiram o sis-
tema capitalista usar a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII para ordenar o
mundo para o “progresso”, ou seja, para o capitalismo emergente durante o colonialis-
mo imperial, através das 1ª e 2ª revoluções industriais, e usar as revoluções da tecnoci-
ência no século XX para reordenar o mundo para o “desenvolvimento”, ou seja, para o

2
capitalismo em crise durante o atual imperialismo sem colônias, através das 3ª e 4ª revo-
luções industriais; e (4) confirma a crise do desenvolvimento, incluindo o falso “desen-
volvimento sustentável”, e a emergência do Bem Viver, partilhando perguntas descolo-
nizadoras, giros paradigmáticos e premissas3 emancipatórias, para descolonizar o pen-
samento capitalista —patriarcal, racial, genocida, etnocida, epistemicida, ecocida—
hegemônico, imprescindível para construir caminhos para o Bem Viver. A conclusão é
um convite ético para a construção coletiva do ‘dia depois do desenvolvimento’, ou se-
ja, o dia depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida na Terra.

Ciência e tecnologia para o capital, da colonização à globalização


Uma história do capitalismo e a invenção do “desenvolvimento”

A formação profissional, a investigação, os textos que circulam, as revistas que se recebem, os


lugares onde se realizam os pós-graduação, os regimes de avaliação e reconhecimento do pes-
soal acadêmico, tudo aponta à sistemática reprodução de uma visão do mundo desde as pers-
pectivas hegemônicas do Norte (LANDER, 2005, p. 65).

Só sabe para onde vai quem sabe de onde vem. Que marco interpretativo têm os traba-
lhadores para compreender a emergência da Revolução 4.0 e suas implicações para o
mundo do trabalho? Hoje, a maioria dos artigos, livros, conferências, teses, que exami-
nam a chamada Revolução 4.0, faz uma abordagem descritiva das revoluções técnico-
científicas, potencializadas pela Inteligência Artificial que viabilizam essa revolução
industrial, projetando implicações positivas para empresários e as consequências negati-
vas para trabalhadores. Essas descrições aceitam a falsa premissa de que essa revolução
é um fenômeno tecnológico independente e inevitável, levando os trabalhadores a pen-
sar que a única solução é a requalificação para sua adaptação. Mas uma descrição não é
uma interpretação nem corresponde a uma explicação. Necessitamos do apoio da histó-
ria para ampliar nossa compreensão sobre a natureza capitalista das revoluções industri-
ais e imaginar estratégias de resistência, insurgência, emancipação, frente a mais uma
armadilha capitalista engendrada pela ciência moderna que, historicamente, está sempre
a favor dos capitalistas e contra os trabalhadores (BERNAL, 1971).

De revolução em revolução o capitalismo “enche o papo”.

Os jardins botânicos conscientemente serviam ao Estado e à ciência, e compartilhavam o espí-


rito nacionalista e mercantilista daqueles tempos (BROCKWAY, 1979, p. 75).

O Papel dos CIPAs [Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola] incluía desde ajudar a estabi-
lizar as condições internas dos países do Terceiro Mundo e prover a classe industrial urbana as-
segurando um excedente mais barato e seguro, até evitar a ocorrência de uma revolução “ver-
melha” [comunista] através da criação de uma [revolução] “verde” (BUSCH et al, 1995, p. 49).

Assim como de grão em grão a galinha “enche o papo”, a cada uma de suas crises recor-
rentes o sistema capitalista cria uma revolução tecnológica para evitar a estagnação do
processo de acumulação infinita de riqueza material, através de crescimento econômico
ilimitado e o critério do lucro máximo no curto prazo a qualquer custo, num modus ope-
randi violento que viabiliza a acumulação com concentração, por despossessão e sem
distribuição. Por ser injusto, esse sistema só consegue operar com o apoio de técnicas de

3
Uma premissa é uma verdade expressada sempre na forma de uma afirmação com o verbo no presente
do indicativo. Exemplo: ‘Nada é mais importante que a vida’.

3
dominação e a estratégia da corrupção sistêmica4 para comprar a imprescindível cum-
plicidade interna das elites —empresariais, políticas, militares, judiciais, gerenciais,
intelectuais— globais/regionais/nacionais/locais. A fonte de sustentabilidade técnico-
científica desse sistema injusto é a ciência moderna (ROSE, ROSE, 1976).

A ciência moderna é a filha predileta do capitalismo (BERNAL, 1971). Desde sua ori-
gem na Europa até sua institucionalização em todo o mundo (BASALLA, 1967), a ciên-
cia se transformou num problema social (RESTIVO, 1988) ao contribuir às desigualda-
des sociais (MORAZÉ, 1979; HARDING, 2006) derivadas do modus operandi do capi-
talismo a quem ela serve com desavergonhada dedicação (SHAPIN, 2013). A Revolu-
ção Cientifica dos séculos XVI e XVII (SHAPIN, 1998) foi gestada no ventre tecnolo-
gicamente virgem do capitalismo, que emergiu no final do século XV no bojo da Revo-
lução Comercial que transformou o dinheiro no principal intermediário das relações
comerciais que cresciam em complexidade e diversidade. Com essa revolução, a Mate-
mática ganhou importância sem precedente; agora, todos tinham que aprender a calcu-
lar. Assim, a linguagem matemática constituiu-se na linguagem oficial da ciência mo-
derna, razão porque, para os líderes da Revolução Científica, o que não podia ser ex-
presso em linguagem matemática não existia, não era verdade ou não era relevante.
Não por acaso, o capital mercantil financiou a consolidação da ciência moderna, institu-
cionalizando a subserviência do saber científico ao poder econômico, ocorrendo isso
primeiro no caso da agricultura, dada a origem agrária do capitalismo (WOOD, 1998),
que é o exemplo histórico da penetração e expansão do capital, na África, América La-
tina e Ásia, através das ciências agrárias, da colonização à globalização (SILVA, 1989).

No “desenvolvimento” da agricultura, ou seja, no processo de penetração do capital na


pesquisa agrícola (ROSE, ROSE, 1976; LEWONTIN, 1982; LEWONTIN, BERLAN,
1986), a cada avanço paradigmático nas ciências agrárias, o sistema capitalista usa uma
estratégia institucional para ordenar sua aplicação assimétrica no Sul (BUSCH, SACHS,
1981; KLOPPEMBURG, 2000; SILVA, 1989), estabelecendo a institucionalização in-
ternacional da desigualdade, para assegurar que seus benefícios fluam principalmente
para capitalistas do Norte (SILVA, 2006). Historicamente, esse padrão de subordinação
do saber ao poder, e do uso de instituições para a apropriação dos benefícios gerados
pelas ciências agrárias, prevalece (BROCKWAY, 1979; BUSCH, SACHS, 1981;
KLOPPENBURG, 2000; SILVA, 1991, 2006, 2014): (a) da era da Botânica Econômica,
aplicada pela ciência imperial do Norte em Jardins Botânicos do Sul; (b) à era da Quí-
mica Agrícola, aplicada pela ciência colonial do Sul em Estações Experimentais Agrí-
colas do Sul, cujos diretores eram do Norte para controlar suas agendas de pesquisa; (c)
à era da Genética mendeliana, aplicada pela ciência nacional subserviente de Institutos
Nacionais de Pesquisa Agrícola (INPAs), sob a liderança da ciência internacional de
Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola (CIPAs), com os recursos genéticos de
plantas do Sul controlados por CIPAs financiados pelo Norte; e (d) à era da Biologia
moderna, aplicada pela ciência comercial —apátrida—, praticada no Sul e no Norte
sob o controle de dispositivos institucionais supranacionais, como a Organização Mun-
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A corrupção é sistêmica quando a natureza injusta de um sistema exige sua incorporação em seu modus
operandi, que a reproduz legitimando-a através de práticas institucionais e culturais “naturalizadas” pelo
Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como pelo sistema de educação e principalmente pelos meios
de comunicação. Quando é conveniente, isso permite que as elites apresentem à sociedade a corrupção
como o maior problema de um país, através de uma campanha-espetáculo de combate à corrupção, para
distorcer interpretações da causa profunda dos problemas sociais —pobreza, fome, violência— criados
pelas desigualdades resultantes das contradições do sistema. No capitalismo, a corrupção sistêmica lhe é
constitutiva e, por não funcionar sem ela, o sistema não permite que seja estruturalmente eliminada.

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dial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI),
Tratado Internacional da FAO para os Recursos Fitogenéticos. Essas revoluções, filhas
bastardas do capitalismo, são enunciadas como filhas legítimas do progresso, na coloni-
zação, e do desenvolvimento, na globalização, ocultando o nome do capitalismo que as
financia porque as necessita no processo de produção, acumulação e consumo.

A invenção dos mitos modernos do progresso e do desenvolvimento

Desenvolvimento...depois da Segunda Guerra Mundial, não foi mais do que a reencarnação da


“ideia de progresso material” do final do século XVIII, apenas agora projetada para o mundo
inteiro e considerada possível de logro dentro de poucas décadas através do planejamento e da
engenharia. Como o progresso, o desenvolvimento não conhece um ponto de chegada...Sua
atração reside na sua promessa de alcançar justiça sem redistribuição. [Porém,] a justiça impli-
ca em mudar os ricos, não os pobres (SACHS, 1999, p. 173).

Na Europa só estão organizados o crime e o capitalismo em caráter internacional (Kurt Tu-


cholvsky, Escritor e Jornalista alemão, em MARTIN, SHUMANN, 1999, p. 273).

O sistema capitalista é estruturalmente injusto. Os primeiros impérios que o adotaram


perceberam que, além de injusto, por acumular sem jamais distribuir, esse sistema era
intrinsecamente expansionista. Então, o espaço geográfico desses impérios seria insufi-
ciente para saciar a fome insaciável de um sistema que devora exponencialmente mer-
cados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes e corpos
disciplinados, enquanto viola inescrupulosamente o humano, o social, o cultural, o eco-
lógico, o espiritual, o ético, desde 1492. Por isso, a colonização não foi um projeto fi-
lantrópico do civilizado para ajudar o primitivo a ser como Ele, mas o “projeto moder-
no” do Ocidente para criar as condições para a expansão, consolidação e reprodução do
capitalismo emergente, através da criação do Estado —Nortecêntrico— nos territórios
invadidos/ocupados/usurpados/explorados/saqueados. Como o sistema seria injusto para
os Povos colonizados, havia o risco de ser rejeitado nas novas colônias. Houve, então, a
necessidade de criar uma justificativa aceitável para a colonização do Sul global, mas
que camuflasse o monstro de fome insaciável que deveria permanecer anônimo.

A ciência moderna ajudou os impérios ocidentais a criar a dicotomia superior-inferior, a


partir do critério de raça, sob a falsa premissa de que havia raças superiores e inferiores.
O superior tinha o direito à dominação e o inferior a obrigação da obediência, o que
levou Rousseau a concluir, em O Contrato Social, que “o mais forte” institucionalizava
sua relação desigual com o mais débil para assegurar o fluxo dos benefícios dessa rela-
ção assimétrica a seu favor ao longo do tempo. O próprio Filósofo Immanuel Kant rea-
lizou a classificação social da humanidade, em 1775, com a raça branca no topo da lista,
em seu Das Diferentes Raças Humanas. Porém, no contexto da realidade colonizador-
colonizado, as palavras superior e inferior não facilitavam as relações internacionais
emergentes. Faltava criar uma ideia sedutora para ocultar o injusto capitalismo e facili-
tar sua adoção entre líderes de todas as geografias, religiões e ideologias. Essa ideia que
galvanizou mentes e conquistou corações com irrecusáveis promessas —prosperidade,
felicidade e paz para todos os Povos— foi a ideia de progresso. Ao invés de anunciar
Está chegando o capitalismo, para evitar a descrição do monstro abominável, os impé-
rios ocidentais anunciaram Está chegando o progresso, cujas promessas garantiram
sua dócil aceitação, apesar de nunca serem cumpridas, com a falsa desculpa de que as
mudanças “desejáveis” e “necessárias” para instituir o progresso exigem tempo e sacri-
fícios, sem falar nunca que também exigem obediência. Na colonização, as inovações

5
tecnológicas revolucionárias, gestadas no ventre do sistema para beneficiar capitalistas e
explorar/controlar/dispensar trabalhadores, foram enunciadas em nome do progresso.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a humanidade ficou desencantada com essa ideia,
porque aprendeu de forma chocante que a ciência e tecnologia modernas, supostas fon-
tes de progresso, não geravam apenas “coisas boas” para a prosperidade, felicidade e
paz de todos os Povos, pois participaram de processos condenáveis, como a Solução
Final para a Questão Judia, o Holocausto, e a construção da bomba atômica, lançada
sobre Hiroshima e Nagasaki. Então, os Estados Unidos, a nova potência hegemônica
capitalista, diminuiu a frequência no uso da palavra progresso e intensificou o uso da
palavra desenvolvimento, institucionalizando a substituição da primeira pela segunda,
em 20 de Janeiro de 1949, mas mantendo as promessas daquela, não para cumpri-las,
mas para legitimarem-se com elas. Na data, Henry Truman assumiu a Presidência dos
EUA anunciando em seu discurso que partilharia os avanços científicos e tecnológicos
da ciência e o progresso industrial de sua sociedade industrial capitalista com as áreas
do mundo que eram “subdesenvolvidas”, mentindo desavergonhadamente ao prometer
que seu país não agiria de forma imperialista em busca de lucro. O binômio civilizado-
primitivo foi substituído pelo binômio desenvolvido-subdesenvolvido, criando uma hie-
rarquia entre os Povos, sob a racionalidade excludente da dicotomia superior-inferior
que permitiu o domínio do novo império sobre o resto do mundo, em busca de lucro.

Em 14 de Agosto de 1952, o Demógrafo francês Alfred Sauvy publicou outra classifi-


cação social da humanidade, complementar à nossa hierarquização em desenvolvidos-
subdesenvolvidos, no L’Observateur, de Paris: Trois Mondes, Une Planète (Três Mun-
dos, Um Planeta). O Primeiro Mundo seria constituído por sociedades capitalistas com
alto grau de industrialização, lideradas pelos EUA, o Segundo Mundo seria constituído
por sociedades socialistas com alto grau de industrialização, sob a liderança da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o Terceiro Mundo seria constituído por
sociedades com baixo ou nenhum grau de industrialização. A divisão ideológica da pai-
sagem tecnológica global foi adotada na reunião de países asiáticos e africanos, liberta-
dos da colonização europeia, na Conferência de Bandung, Indonésia, em abril de 1955.
Sob o suspeito critério do grau de industrialização das sociedades, o Terceiro Mundo foi
inventado para permitir o Norte recolonizar o Sul por outros meios e adminis-
trar/controlar os países “subdesenvolvidos” (ESCOBAR, 1988), principalmente através
da cooperação/ajuda/assistência internacional que reordenou institucionalmente o aces-
so das “sociedades desenvolvidas” do Norte a mercados cativos, matéria prima abun-
dante, mão de obra barata, mentes dóceis e corpos disciplinados, das “sociedades agra-
decidas” do Sul, sem lhes avisar que, em seus territórios, violariam o humano, o social,
o cultural, o espiritual, o ecológico, o ético. Assim, na globalização, as inovações tecno-
lógicas paradigmáticas, geradas no ventre injusto do sistema, para beneficiar capitalistas
e controlar-explorar-dispensar trabalhadores, são enunciadas em nome do desenvolvi-
mento, o “salvador” dos “subdesenvolvidos”.

Como progresso = desenvolvimento = capitalismo, a classificação evolucionista dos


países, em (a) subdesenvolvidos, (b) em vias de desenvolvimento, (c) emergentes
(BRICS) e (d) desenvolvidos, significa, respectivamente, países: (i) pré-capitalistas, (ii)
em vias de tornarem-se capitalistas, (iii) prestes a receber o diploma de capitalistas e
(iv) capitalistas. Nessa lógica evolucionista, a colonização cultural legitima o controle
ideológico e a administração institucional dos subdesenvolvidos pelos desenvolvidos
(ESCOBAR, 1988). Quando o Sul critica o modelo de “desenvolvimento” dominante,

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ou seja, o modelo capitalista vigente de crescimento econômico, os ideólogos do siste-
ma fingem incorporar essa crítica e reagem brindando-nos com um adjetivo agregado ao
“desenvolvimento”, pelo que ficamos agradecidos e deixamos de questionar a raiz de
nossos males, o desenvolvimento, ou seja, o capitalismo. Alienados pela colonização
cultural oriunda do Norte e reproduzida através dos sistemas de educação, comunicação,
cooperação, inovação, os “subdesenvolvidos” do “Terceiro Mundo”5 não percebem que
desenvolvimento participativo é capitalismo que empodera, étno-desenvolvimento é
étno-capitalismo, desenvolvimento endógeno é capitalismo que mobiliza potencialida-
des internas, desenvolvimento local é capitalismo local, desenvolvimento territorial é
capitalismo territorial, desenvolvimento humano é capitalismo com um rosto humano,
desenvolvimento sustentável (economia verde, economia circular) é capitalismo verde.

É no contexto dessa história alternativa do capitalismo que as revoluções industriais


devem ser reinterpretadas, inclusive a Revolução 4.0 que, seguindo a lógica perversa do
sistema, outra vez beneficiará capitalistas e punirá trabalhadores. Sua diferença para as
revoluções anteriores é que aquelas aumentaram principalmente a exploração do traba-
lho pelo capital, enquanto essa é concebida para romper o contrato social entre o traba-
lho e o capital e dispensar 80% da força de trabalho economicamente ativa do mundo,
como foi antecipado em A Armadilha da Globalização (MARTIN, SCHUMANN,
1998). No início do século XXI, quando os bilionários do mundo se reúnem, no Foro
Econômico Mundial de Davos ou nas reuniões do Clube Bilderberg, o temor deles é
sintetizado numa pergunta: Se, com as contribuições da tecnociência, que viabiliza a
Revolução 4.0, 20% da atual força de trabalho global será suficiente para movimentar a
excludente economia mundial, que opera em função do 1% da humanidade (OXFAM,
2016), o que fazer com os 80% desnecessários, os descartáveis da Terra? Quem terá
dinheiro para consumir os bens e serviços ofertados pela Quarta Revolução Industrial?

As revoluções industriais capitalistas, da colonização à globalização


A colonialidade das relações poder/saber no processo de inovação para o capital
A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com
a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como um novo
padrão de poder mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação
social da população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que ex-
pressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões
mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o Eurocentrismo.
Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas provou ser mais duradouro e estável
que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido (QUIJANO, 2005, p. 107).

...nós [EUA] deveríamos iniciar um programa ousado para disponibilizar os benefícios de nos-
sos avanços científicos e de nosso progresso industrial para a melhoria e o crescimento das
áreas subdesenvolvidas [...] Creio que deveríamos colocar à disposição dos amantes da paz os
benefícios de nosso acervo de conhecimento técnico para ajuda-los a lograr suas aspirações de
uma vida melhor...O que temos em mente é um programa de desenvolvimento baseado nos
conceitos de trato justo e democrático...Deve ser um esforço mundial para alcançar a paz, a
abundância e a liberdade...O velho imperialismo—exploração para o lucro estrangeiro—não
tem lugar em nosso plano...A maior produção é a chave para a prosperidade e a paz...a chave

5
Reféns do pensamento subordinado ao conhecimento autorizado pelo “superior”, o “inferior” não perce-
be o domínio ideológico e a gestão institucional sobre o Sul (ESCOBAR, 1988), via controle remoto
cultural, através da etiqueta Terceiro Mundo. Líderes, intelectuais, pessoas comuns, do Sul, ainda acei-
tam a existência do Primeiro (superior) e Terceiro (inferior) Mundos, quando, sem a União Soviética nem
o bloco socialista da Europa Oriental, o Segundo Mundo já não existe desde os anos 1990.

7
para produzir mais é a aplicação maior e mais vigorosa do conhecimento técnico e científico
modernos (Harry Truman, 33º Presidente dos Estados Unidos, em RIST, 1997, p. 72, 73).

Em sua histórica subordinação ao poder, a ciência moderna é refém de mitos civilizatórios —


progresso, desenvolvimento— criados para ocultar o capitalismo e a dicotomia superior-inferior
que legitima seu expansionismo. Por entender o expansionismo do capitalismo, inerente ao seu
insano objetivo único de acumulação infinita de riqueza material, num Planeta finito, impérios
da Europa ocidental iniciaram a colonização como estratégia de expansão da produção e acumu-
lação capitalistas, usurpando novos territórios e dominando outras culturas para “fabricar socie-
dades amigáveis” ao sistema emergente que transformaria modos de vida —filosofias coletivas
de ser e sentir, pensar e agir, produzir e consumir, comunicar-se e relacionar-se, entre si e com
a natureza— e não apenas atividades econômicas. A adoção e a reprodução desse sistema injus-
to seriam impossíveis sem o apoio de técnicas —práticas institucionais— de dominação para
institucionalizar a colonialidade do poder, do saber, do ser, da natureza (SLVA, 2017), e sem a
estratégia da corrupção sistêmica para comprar a cumplicidade interna dos poderes constituídos.

Diferente (ASSIS, 2014) do colonialismo, no qual um povo submete política, econômi-


ca e administrativamente a outros povos, a colonialidade institui um padrão de poder
que opera institucionalmente sobre raça/saber/ser/natureza, reproduzindo a hegemonia
ocidental e negando racionalidades ‘outras’ (de outro tipo). Para Aníbal Quijano, cria-
dor do conceito de colonialidade (QUIJANO, 2000), o poder imperial é um espaço/uma
malha de relações sociais de exploração/dominação/conflito articuladas em função/em
torno da disputa pelo controle desses âmbitos de existência social: (a) o trabalho e seus
produtos; (b) a natureza e seus recursos vitais de produção; (c) o sexo e seus produtos e
a reprodução da espécie; (d) a subjetividade e seus produtos, materiais e intersubjetivos,
incluindo o conhecimento; e (e) a autoridade e seus instrumentos, de coerção em parti-
cular, para assegurar a reprodução desse padrão de relações e regular suas mudanças.

Em síntese, a colonialidade do poder (QUIJANO, 2000) é uma estrutura —padrão—


global de poder criada pelo colonizador, a partir da ideia de raça, para controlar a subje-
tividade dos povos colonizados. A colonialidade do saber (LANDER, 2000; MIG-
NOLO, 2003) estabelece o Eurocentrismo como a perspectiva única do conhecimento,
uma geopolítica do conhecimento que descarta a existência e viabilidade de outras raci-
onalidades epistêmicas e outros saberes que não sejam os dos homens brancos europeus
ou europeizados. A colonialidade do ser (MADONALDO-TORRES, 2007) é a dimen-
são ontológica da colonialidade que se afirma na violência da negação do Outro, que é
descartável, uma “coisa” a ser possuída, apropriada, explorada, mero objeto de domínio.
A colonialidade da natureza (WALSH, 2007) é a colonialidade da vida, que separa o ser
humano da natureza para reduzi-la a um depósito de recursos naturais, matéria inerte
útil, observável, privatizável, mercantilizável, objeto de controle para sua apropriação e
transformação em bio-negócios. Enquanto o fim do colonialismo exigiu a descoloniza-
ção das relações coloniais de dominação, o fim da colonialidade exige a decolonialida-
de do poder/saber/ser/natureza, inclusive da institucionalidade (SILVA, 2016).

Esse marco interpretativo decolonial facilita a compreensão da natureza capitalista e da


dinâmica injusta das revoluções industriais, da colonização à globalização, e das revolu-
ções técnico-científicas que as viabilizam, historicamente beneficiando os capitalistas e
afetando negativamente os trabalhadores. Alguns impactos na sociedade em geral são
recorrentes em todas essas revoluções, da 1ª à 4ª. Por um lado, a velocidade da penetra-
ção vertiginosa das inovações dessas revoluções na vida cotidiana causa perplexidade,
incerteza, instabilidade, fragmentação, insegurança, resultando em desorientação gene-
ralizada entre as pessoas, com sérios impactos psicológicos e emocionais (estresse, de-

8
pressão), além de consequências culturais, econômicas, institucionais incontroláveis.
Por outro lado, ao privilegiar a acumulação sobre a distribuição da riqueza, essas revo-
luções sempre aumentam as desigualdades, injustiças e vulnerabilidades, aumentando,
como consequência direta, os problemas sociais —pobreza, fome, violência— no Sul e
no Norte, inerentes ao processo inescrupuloso e assimétrico de produção, acesso, distri-
buição e apropriação da riqueza, agravado a cada nova revolução industrial.

Colonização, “progresso” e as 1ª e 2ª revoluções industriais

É necessário [...] aceitar como principio e ponto de partida o fato de que existe uma hierarquia
de raças e civilizações, e que nós pertencemos à raça e à civilização superiores. A legitimação
básica da conquista de povos nativos é a convicção de nossa superioridade, não apenas da su-
perioridade mecânica, econômica e militar, mas também da nossa superioridade moral. Nossa
dignidade...funda nosso direito de dirigir o resto da humanidade6.

Basta abolir as taxas alfandegárias e apoiar o livre comércio que também nossos trabalhadores,
em todos os setores da economia, serão degradados a servos e miseráveis (Abraham Lincoln,
16º Presidente dos Estados Unidos, em MARTIN, SHUMANN, 1999, p. 137).

O capital mercantil e, depois, o capital industrial financiaram o estabelecimento de uma


institucionalidade global que ordenou o mundo para o “progresso”, ou seja, para o capi-
talismo. Essa ordem capitalista constituiu o sistema-mundo (WALLERSTEIN, 1974) —
capitalista, patriarcal, racial, genocida, etnocida, epistemicida, ecocida— durante o
colonialismo imperial, através de técnicas coloniais —práticas institucionais— de do-
minação, sem as quais teria sido impossível impor a adesão a esse sistema, viabilizando
a colonização, a primeira grande expansão material e cultural do injusto capitalismo: (a)
formação de elites corrutas comprometidas com interesses econômicos externos, odian-
do os pobres e aspirando ser como os ricos d’além mar, em troca de “incalculáveis”
benefícios e privilégios; (b) criação de dívidas externas —eternas— para reproduzir a
dependência das elites prisioneiras da lógica de um sistema injusto para os Povos de seu
território; (c) criação local de um exército das elites, para protege-las de sua sociedade,
que poderia perceber que a desigualdade não é um fenômeno natural, rebelar-se e matar
essas elites; (d) instituição de uma educação domesticada e domesticadora, inspirada na
pedagogia da resposta para forjar receptores de verdades concebidas longe das realida-
des locais e sem compromisso com o futuro de seus Povos; (e) criação de um sistema de
comunicação dominada para cumprir a função da educação entre os que não tinham
acesso à educação formal; (f) imposição de uma religião manipulada para “naturalizar”
a realidade desigual emergente como um plano divino para a salvação das “almas primi-
tivas”, com o apoio da Rerum Novarum (Papa Leão XIII), que explicou a desigualdade
como um fenômeno natural no qual uns povos nascem favorecidos, os ricos, e outros
desfavorecidos, os pobres; (g) criação de ciências coloniais para formar inocentes úteis
especializados na “arte de colonizar”, ou seja, transformar primitivos, inferiores, em
civilizados, superiores; (h) implantação do Estado moderno —eurocêntrico— para, sob
a ideologia do Estado7, reproduzir a colonialidade do poder, saber, ser, natureza, nos
territórios colonizados; e (i) institucionalização da meta universal para todos os Povos,
ser civilizados. Essa armadilha política-ideológica-epistêmica viabilizou a consolida-

6
Jules Harmand, diplomata e administrador colonial francês, justificando a “missão civilizatória” dos
impérios Europeus em 1910 (MAGNOLI, 2009, p. 28).
7
Sob essa ideologia, o que não serve ao mandato do Estado moderno —legitimar, proteger e reproduzir o
capitalismo— não existe, não é verdade ou não é relevante.

9
ção da Revolução Científica, dos séculos XVI e XVII, e o sucesso das 1ª e 2ª revoluções
industriais nos séculos XVIII e XIX, respectivamente.

Sob o domínio de uma visão mecânica do mundo e a ditadura de um pensamento filosó-


fico racionalista e utilitarista, a Revolução Científica transformou a concepção orgâni-
ca da realidade e o modo de inovação —modo de interpretação + modo de interven-
ção— vigente para transformar essa realidade, instituindo uma ordem científica orienta-
da para servir ao Capital que a financiava. Em sua novela-ficção Nova Atlântida, Fran-
cis Bacon propôs a ciência como o Leviatã da ordem social, ao afirmar que a Casa de
Salomão, ou seja, a ciência organizada, a única capaz de distinguir o falso do verdadei-
ro, o certo do errado, produziria as “verdades científicas” que o Estado deveria adotar
para inspirar e orientar suas decisões e ações na administração —neutra e objetiva— da
sociedade. No ventre egoísta do capitalismo emergente, essa ciência fertilizou as condi-
ções que viabilizaram a 1ª e principalmente a 2ª revolução industrial (BERNAL, 1971).

Com o apoio de tecnologias mecânicas e hidráulicas, a 1ª Revolução Industrial basi-


camente viabilizou a produção mecanizada e o uso de energia produzida por máquinas a
vapor. A classe capitalista, possuidora dos meios de produção, se beneficiou da redução
de custos, aumento da produtividade do trabalho, aumento do lucro, disponibilidade de
mão de obra desqualificada e barata, matéria prima abundante e barata, mentes dóceis,
corpos disciplinados, ouro e prata saqueados das colônias. A sociedade e a classe traba-
lhadora sofreram principalmente com a substituição do trabalho artesanal pelo trabalho
mecânico e a substituição da energia humana, hidráulica, eólica e animal pela energia a
vapor gerada a partir do carvão-de-pedra. Baseada na ciência e tecnologia modernas, a
2ª Revolução industrial basicamente viabilizou o uso da energia elétrica e do petróleo
refinado, a criação de esteiras transportadoras e, portanto, da linha de montagem para a
produção em massa/em série, o controle técnico da produção, o paradigma Taylorista
na gestão da produção e controle dos trabalhadores. A classe capitalista se beneficiou da
maior produtividade, redução dos custos de produção de mercadorias, aumento do ex-
trativismo e comércio ultramarino, aumento exponencial do saqueio de ouro e prata,
maiores lucros, maior controle sobre os trabalhadores. A sociedade e a classe trabalha-
dora sofreram com a eliminação dos núcleos familiares de produção artesanal, invenção
da fábrica para substituir a oficina artesanal, divisão social do trabalho, relações sociais
baseadas exclusivamente no dinheiro, divisão internacional do trabalho favorável ao
Capital e desfavorável para os Povos, crescimento da pobreza e da miséria pelo aumen-
to do desemprego, êxodo rural induzido, proliferação de bairros periféricos sem sanea-
mento básico nem outros serviços, alienação dos trabalhadores em relação a seu próprio
trabalho, tratamento dos trabalhadores como apêndices das máquinas, “administração
científica” —de Taylor— das fábricas, repressão a movimentos questionadores da subs-
tituição de trabalhadores por máquinas, como o movimento Ludita, incluindo a deporta-
ção ou enforcamento de quem destruía máquinas ou depredava edificações fabris. Em
ambas as revoluções, ganharam os capitalistas e perderam os Povos e os trabalhadores.

Condicionadas pela colonialidade do poder, saber, ser e natureza, essas revoluções in-
dustriais estabeleceram a época histórica do industrialismo, sob a ditadura do capital
industrial, superando em importância à época histórica do agrarianismo estabelecida sob
a ditadura do capital mercantil. A ciência moderna e o seu paradigma clássico —
positivista— de inovação, que viabilizaram o paradigma internacional do industrialismo
capitalista, foram usados pela civilização ocidental para ocidentalizar o mundo. Inclusi-
ve a União Soviética adotou esse paradigma, incorporando a maioria dos valores, crité-

10
rios, princípios, indicadores e categorias da industrialização capitalista ocidental, o que
obrigou o império soviético a transmutar seu Socialismo em capitalismo de Estado, uma
das causas de seu estrepitoso colapso (CASTELLS, 1996), pois lhe foi impossível gerir
o capitalismo estatal sem o apoio direto da institucionalidade capitalista global.

Globalização, “desenvolvimento” e as 3ª e 4ª revoluções industriais

À medida que se inicia este século, resulta evidente que o Consenso de Washington neoliberal
e as normas políticas e econômicas impostas pelo G-7 e as instituições financeiras por ele cria-
das (BM, FMI, OMC) estão...mal encaminhadas. A nova economia provoca consequências da-
nosas: aumento das desigualdades e a marginalidade social, quebra da democracia, deteriora-
ção ambiental e o incremento da pobreza e a alienação. O capitalismo criou uma economia
criminosa e ameaça destruir comunidades inteiras em todo o mundo e, com uma biotecnologia
mal concebida profanou o santuário da vida ao tratar de converter a biodiversidade em mono-
cultivos, a ecologia em engenharia e a própria vida em mercadoria (CAPRA, 2003, p. 264).

O poder corporativo tornou-se sistêmico, capturando [politicamente], uma por uma, as diversas
dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, uma nova arquite-
tura do poder [institucional] realmente existente [...] A expansão dos lobbies, a compra dos po-
líticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipu-
lação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos
mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações, o que permite a
apropriação dos mesmos resultados das atividades econômicas, por meio do controle financeiro
em poucas mãos (DOWBOR, 2016, p. 1, 5).

Será que o mundo...se transformará num imenso Brasil...países cheios de desigualdades e com
guetos para as elites ricas? (Mikhail Gorbachev, em MARTIN, SHUMANN, 1999, p. 229).

Depois da Segunda Guerra Mundial, o capital industrial e, depois, o capital financeiro


financiaram a criação de outra institucionalidade (BORÓN, 2002), liderada por institui-
ções como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das
Nações Unidas (ONU) e suas múltiplas agências, Organização Mundial do Comércio
(OMC), Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), reordenando o mun-
do para o “desenvolvimento”, ou seja, para o capitalismo. Aperfeiçoando muitas das
técnicas coloniais de dominação, essa ordem capitalista reordenou o sistema-mundo,
durante o atual imperialismo sem colônias, através de técnicas neocoloniais —práticas
institucionais— de dominação, viabilizando a globalização, a segunda grande expansão
material e cultural do injusto capitalismo: (a) criação de espaços multilaterais, sem his-
tória nem contexto, onde os que aí decidem não são eleitos, para que os eleitos fora daí
não decidam, uma espécie de governo mundial sem presidente nem eleições que reduz a
democracia representativa a uma democracia de um dia, o dia do voto; (b) estabeleci-
mento de um conjunto de regras transnacionais, uma espécie de constituição econômica
de corporações transnacionais que homogeneíza/normatiza padrões/procedimentos
(BUSCH, 2017) da economia imaterial da Revolução 4.0, avançando os interesses glo-
bais e a ambição expansionista dessas corporações; (c) criação de dispositivos instituci-
onais supranacionais, como a OMC e a OMPI, para institucionalizar, legitimar e opera-
cionalizar a gestão do regime de acumulação do capital imprescindível para o sucesso
da Revolução 4.0; (d) criação e institucionalização de estudos de desenvolvimento, em
substituição às ciências coloniais, para formar inocentes úteis especializados na “arte de
desenvolver”, ou seja, transformar “subdesenvolvidos”, inferiores, em “desenvolvidos”,
superiores; (h) captura política do Estado moderno —Nortecêntrico— e suas institui-
ções, incluindo o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, para, sob a ideologia do mer-

11
cado8, reproduzir a colonialidade do poder, saber, ser, natureza; e (i) renovação da meta
universal para todos os Povos, ser desenvolvidos. Essa armadilha política-ideológica-
epistêmica, que assegurou a consolidação de revoluções científicas e tecnológicas con-
vergentes, constitutivas da atual tecnociência que funde irremediavelmente a ciência e a
tecnologia modernas (BUSCH, 1984), viabilizou a Terceira Revolução Industrial, na
segunda metade do século XX, e está criando condições para a consolidação da Revolu-
ção 4.0 na primeira metade do século XXI.

A partir da segunda metade do século XX, a ciência moderna não consegue avançar sem
a contribuição instrumental da tecnologia moderna, nem a tecnologia moderna avança
sem as contribuições teóricas da ciência moderna (BUSCH, 1984). Tecnociência é o que
resulta dessa fusão irreversível entre a ciência e a tecnologia. Potenciada pela chamada
Inteligência Artificial, que viabiliza a produção de “máquinas que aprendem”, a tecno-
ciência viabiliza a convergência entre revoluções técnico-científicas em curso, como,
por exemplo, entre a informática, que trabalha com bits, biotecnologia, que trabalha
com genes, nanotecnologia, que trabalha com átomos, e neurociências, que trabalha
com neurônios. Com seu potencial transformador, tão fascinante quanto assustador, a
tecnociência viabiliza a Revolução 4.0 numa velocidade vertiginosa sem precedentes na
história da ciência, da tecnologia, da indústria. Condicionado pela ordem corporati-
va/financeira capitalista, o Estado, em seu modus operandi neoliberal, realiza reformas
antidemocráticas para criar condições mínimas de sucesso da Quarta Revolução Indus-
trial, incluindo a alteração de Constituições e legislações progressistas, destruição da
soberania nacional e dos direitos e garantias trabalhistas, privatização de empresas esta-
tais e serviços públicos, deterioração da competência do setor público, preparando o
funcionamento exclusivo de “governos programados” para servir ao Capital.

Concebida no contexto da institucionalidade capitalista (Banco Mundial, Fundo Mone-


tário Internacional, Organização das Nações Unidas), criada a partir da “Conferência de
Bretton Woods”, EUA, em 22 de julho de 1944, para estabelecer, legitimar e reproduzir
a hegemonia do vencedor da Segunda Guerra Mundial e seus aliados (BORÓN, 2002), a
3ª Revolução Industrial foi baseada na microeletrônica que revolucionou as tecnologi-
as da informação e comunicações (TICs), viabilizando revoluções técnico-científicas —
computação, biotecnologia, nanotecnologia, transgenia, genômica, mecatrônica, con-
troladores lógicos programáveis, robótica, química fina, neurociências— e consolidan-
do a Internet como espaço cibernético para o funcionamento de um continente digital
onde a realidade é virtual e as relações políticas são “desnecessárias”, e avanços para-
digmáticos na automação, uso das TICs no processo de fabricação, e giro do Fordismo
ao Toyotismo na gestão da produção e controle dos trabalhadores. A classe capitalista se
beneficia do aumento da produtividade do trabalho, redução dos custos de produção,
aumento do rendimento/lucro, novos materiais abundantes e baratos, produção em labo-
ratório de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), prevalência do agronegó-
cio intensivo de capital, monocultivos, mecanização pesada, fertilizantes químicos,
transgênicos. A sociedade e a classe trabalhadora sofrem com o desemprego tecnológico
—estrutural— resultante da substituição de trabalhadores por computadores, aumento
das desigualdades e de problemas sociais —miséria, pobreza, fome, violência— delas
derivados, contaminação ambiental, ruptura da soberania alimentar, consumo de alimen-
tos saturados de agrotóxicos, crise hídrica global agravada pelo consumo de 70% da
água doce do mundo pelo agronegócio irrigado, emergência de novas doenças entre
8
Sob essa ideologia, o que não serve ao mercado ou não responde a suas “leis naturais” —oferta e de-
manda— não existe, não é verdade ou não é relevante.

12
humanos e animais, emergência de estresse e depressão como doenças generalizadas no
mundo no final do século XX, que se intensificam no início do século XXI.

Com base principalmente no potencial da Inteligência Artificial, que permeia a maioria


das revoluções técnico-científicas em curso e torna convergentes várias dessas revolu-
ções, a 4ª Revolução Industrial, ou Revolução 4.0, integrando âmbitos físicos, digitais
e biológicos, está viabilizando a emergência e consolidação de um novo regime de acu-
mulação de capital e uma nova institucionalidade para sua gestão. O regime de acumu-
lação de capital da época histórica do industrialismo é baseado numa economia produti-
va, dependente de terra, capital e trabalho, de uma infraestrutura de transporte para cir-
cular insumos, produtos e pessoas, e de capitalistas individuais, situados geograficamen-
te em um Estado-nação ordenado sob um conjunto de regras nacionais. Como esse re-
gime de acumulação estagnou, com a crise do industrialismo, outro regime de acumula-
ção está emergindo para superar essa estagnação, construído em torno de uma economia
imaterial —especulativa— dependente de um fator intangível, informação, de uma in-
fraestrutura moderna de comunicação para circular virtualmente capital, informação e
decisões, e de capitalistas corporativos —impessoais e apátridas— cujos interesses glo-
bais e ambição expansionista exigem a institucionalização e homogeneização (BUSCH,
2017) de regras transnacionais. Por exemplo, os Tratados de Livre Comércio (TLCs)
não são tratados, nem livres nem de comércio, mas partes constitutivas de uma espécie
de constituição econômica que viabiliza a nova ordem —neoliberal— capitalista.

A classe capitalista será regiamente beneficiada com a financeirização da economia,


captura política do Estado pelo poder de corporações transnacionais, que inclusive altera
e reordena Constituições e Legislações progressistas para servir ao Capital, com a cum-
plicidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e a disponibilidade de Big
Data; novos materiais abundantes e mais baratos; controle remoto da produção e do
trabalho a partir de sensores e equipamentos conectados em rede; “máquinas inteligen-
tes” 9 que não cometem “erros humanos”; equipamentos autônomos programados para
tomar decisões sem intervenção humana; Internet das coisas; impressoras 3D; computa-
ção avançada; geoengenharia; manufatura aditiva; economia verde; economia circular;
bio-negócios; hidro-negócios; algoritmos para fabricar “máquinas que aprendem”; fle-
xibilidade e adaptabilidade da produção para o mercado; controle digital da população.
A sociedade e a classe trabalhadora sofrerão com o aumento exponencial do desempre-
go tecnológico —estrutural— na produção e nos serviços; falta de renda para o acesso a
bens e serviços essenciais, mesmo quando esses existam em excesso; controle virtual da
população com invasão da privacidade individual e coletiva; incerteza quanto ao futuro;
impotência frente a transformações velozes e devastadoras para a sobrevivência de fa-
mílias e comunidades rurais e urbanas; privatização da vida; mercantilização da nature-
za; suicídios individuais e coletivos; consumo crescente de agrotóxicos letais nos ali-
mentos; aumento exponencial dos diferentes tipos de violência gerados pelo aumento
igualmente exponencial dos diferentes tipos de desigualdades; cumplicidade antidemo-
crática do Executivo, Legislativo e Judiciário para blindar a corrupção sistêmica que
“lubrifica” o sistema incompatível com a democracia; criminalização e repressão insti-
tucionalizada de movimentos sociais que proliferarão protestando contra a destruição de

9
Não há máquinas “inteligentes”. Ideólogos do sistema atribuem características humanas às máquinas,
como a inteligência, para que no futuro problemas sociais gerados pela economia operada por máquinas
sejam atribuídos a elas e não à natureza capitalista da Indústria 4.0. Inteligentes são os humanos financia-
dos para criar algoritmos ultrassofisticados para que “máquinas inteligentes”, que nada fazem fora do
“programado”, agora também com “autonomia programada”, realizem funções ultra complexas.

13
instituições públicas comprometidas com o humano, o social, o cultural, o espiritual, o
ecológico, o ético, assim como com a destruição de modos de vida rurais e urbanos.

Condicionadas pela colonialidade do poder, saber, ser e natureza, no contexto da crise


inexorável da época histórica do industrialismo, pois o símbolo do progresso industri-
al nessa época —a fumaça na chaminé de uma fábrica— hoje é condenado como sím-
bolo de contaminação, essas revoluções estabelecem a época histórica do informacio-
nalismo (CASTELLS, 1996), na qual informação é simultaneamente insumo e produto
e onde o conhecimento —dominante— lidera a equação do poder, coadjuvado pela for-
ça e o dinheiro. Nesse contexto, uma disputa de sentido, complexa e desigual, ocorre
entre visões de mundo emergentes em conflito (SILVA, 2004), que competem entre si
para superar a visão mecânica de mundo, dominante na época histórica do industrialis-
mo, e prevalecer sobre as outras visões emergentes influenciando a construção do futu-
ro. A Revolução 4.0 propõe uma visão cibernética de mundo, na qual a realidade é re-
duzida a uma rede cibernética —indiferente— de informação onde a “sustentabilidade”
dos indivíduos depende de sua “conectividade eletrônica” eficiente nessa rede: salvem-
se os conectados mais eficientes. A revolução econômica, que se expressa na consolida-
ção de um novo regime de acumulação de capital e de uma nova institucionalidade para
sua gestão, exige uma visão mercadológica de mundo, que reduz a realidade a um mer-
cado —egoísta— constituído de arenas comerciais e tecnológicas povoadas por gladia-
dores impiedosos para quem a existência é uma luta pela sobrevivência através da com-
petição: salvem-se os mais competitivos. Uma revolução cultural, gerada por movimen-
tos sociais, se legitima propondo uma visão contextual de mundo, na qual a realidade—
complexa, diversa e plena de diferenças— emerge como uma trama de relações, signifi-
cados e práticas que geram a vida, sustentam a vida e dão sentido à existência de todos
os seres vivos: a sustentabilidade da vida é uma propriedade emergente da interação —
solidária— entre todas as formas e modos de vida humana e não humana.

Nenhuma dessas visões existirá de forma pura. Todas coexistirão em permanente dispu-
ta de sentido. Porém, em diferentes contextos, uma delas prevalecerá sobre as outras
condicionando a construção do futuro. Assim, é crítico entender que a realidade é soci-
almente construída e transformada. A Revolução 4.0 não é neutra nem inevitável. Uma
tendência indica que determinados sujeitos políticos, sob determinados valores, interes-
ses e compromissos, tomaram e continuam tomando decisões, realizaram e continuam
realizando ações para influenciar aspectos do futuro que lhes interessa. Então, outros
sujeitos políticos, como os movimentos sociais, podem, sob outros valores, interesses e
compromissos, tomar decisões e realizar ações para apoiar uma tendência existente que
interessa à maioria, boicotar uma tendência existente que não interessa à maioria, ou
criar uma tendência inexistente, mas que interessa à maioria. A quem interessa a eco-
nomia emergente da Revolução 4.0? Fritjof Capra nos ajuda a refletir para responder:

No nível existencial humano, a característica mais alarmante da nova economia talvez seja o
fato de estar modelada...por máquinas...o denominado “mercado global” não é um mercado,
mas uma rede de máquinas programadas segundo um único valor—fazer dinheiro por fazer di-
nheiro—e com a absoluta exclusão de qualquer outro...Não se trata de uma questão técnica,
mas política...e de valores humanos (CAPRA, 2003, p. 185).

Revolução cultural, emancipação e Bem Viver


Soberania dos povos e inovação para a vida

14
Nosso PIB toma em conta […] Porém, o PIB não…mede a beleza de nossa poesia […] Em
uma palavra: o PIB mede tudo, exceto o que faz valer a pena viver a vida 10

A ciência neoliberal se converteu numa ameaça extraordinária à vida. Talvez haja chegado o
momento...de deixar de falar das ciências da vida, para reconhecê-las como aquilo no que ten-
dem a converter-se, em ciências do controle e da morte (LANDER, 2008, p. 276).

O problema do ‘modo clássico’ de inovação não é necessariamente sua origem europeia, mas
sim o fato de que, sendo uma concepção particular desenvolvida desde um determinado lugar,
por determinados atores e em determinados idiomas, haja sido imposto a todos [os países] co-
mo o único [paradigma] possível de inovação para o desenvolvimento [...] Se o modo clássico
—eurocêntrico— não resultou satisfatório para promover o bem-estar inclusivo, chegou a hora
de inovar nossa forma de inovar (ESCOBAR, 2005, Prefácio, p. 18, 19).

Falsas premissas inspiram falsas promessas e soluções inadequadas. No Sul global, fal-
sas verdades nos chegam diariamente através da educação, comunicação, religião, coo-
peração, inovação, neocoloniais, que instituem o relevante como algo que existe sempre
em determinados idiomas, é criado sempre por determinados sujeitos e nos chega sem-
pre de determinados lugares, que nunca coincidem com nossos idiomas, sujeitos e luga-
res. Como resultado da colonização cultural do Sul pelo Norte, essas falsas premissas,
constitutivas do pensamento dominante que reproduz o paradigma de desenvolvimento,
são hoje a principal fonte de inspiração/orientação da maioria das decisões/ações coleti-
vas no processo de “inovação para o desenvolvimento”. Nesse processo, agimos como
autômatos biológicos despidos de identidades próprias, pensamentos próprios, sonhos
próprios, ao ponto de agradecermos ao Norte por vir ao Sul dizer-nos quais devem ser
nossos objetivos mais relevantes: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A emancipação dessa colonização cultural é impossível sem a descolonização do pen-
samento, sem o que não participaremos da descolonização da história, educação, eco-
nomia, agricultura, em fim, não participaremos da construção do ‘dia depois do desen-
volvimento’, o dia depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida na Terra.

Perguntas problematizadoras do paradigma de desenvolvimento: (1) Por que, depois


de séculos de “progresso” e décadas de “desenvolvimento”, a humanidade está mais
desigual e o Planeta mais vulnerável? (2) Por que, depois de séculos sendo “civilizada”
por impérios ocidentais e décadas sendo “desenvolvida” pelos Estados Unidos, a Amé-
rica Latina é hoje a região mais desigual do mundo? (3) Por que, os EUA, supostamente
o país mais “desenvolvido”, ou seja, a sociedade industrial capitalista a ser emulada
como modelo de sociedade moderna (a) exibe um modo de vida insustentável, consu-
mindo 40% do total dos recursos naturais consumidos no mundo, (b) não cumpre a
promessa de prosperidade para todos em seu próprio território, pois é o país mais desi-
gual entre seus pares “desenvolvidos”, (c) não cumpre a promessa de felicidade para
todos em sua própria sociedade, a campeã mundial de consumo de drogas por não en-
contrar sentido para sua existência como sociedade de consumo, e (d) não contribui para
a paz de todos os Povos, já que 65% de sua economia dependem mais da guerra do que
da paz? Resposta decolonial: Porque progresso = desenvolvimento = capitalismo.

O desenvolvimento não tem solução para problemas sociais, como a pobreza e a fome,
porque “problemas do subdesenvolvimento” são produto de desigualdades criadas pelas

10
Fragmento do discurso de Robert K. Kennedy, candidato à Presidência dos Estados Unidos, publicado
em 18/03/1968 (BAUMAN, 2009, p. 10). Poucas semanas depois ele foi assassinado, talvez por questio-
nar o indicador de “desenvolvimento” que permite ao sistema capitalista ordenar todos os países, do mais
“desenvolvido”, superior, ao menos “desenvolvido”, inferior, ou seja, do mais ao menos capitalista.

15
contradições do capitalismo que só acumula com concentração, por despossessão e sem
distribuição. Problemas oriundos de desigualdades inerentes ao próprio capitalismo não
serão superados com alternativas de desenvolvimento (alternativas capitalistas), pois
“problemas de subdesenvolvimento” não são solucionáveis com mais “desenvolvimen-
to” (mais capitalismo). A evidência contundente disso é a existência de pobreza e fome
nos Estados Unidos (BROWN, ALLEN, 1988; SEMEGA et al, 2017), nos BRICS
(IVINS, 2013), incluindo o Brasil (OXFAM, 2016), e no resto do mundo (ALVAREDO
et al, 2018). Por isso, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) não foram
alcançados11, nem o serão os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)12. Pro-
messas anunciadas em nome do desenvolvimento (capitalismo) não são feitas para se-
rem cumpridas; se forem cumpridas o sistema deixará de ser capitalista e a “cooperação
internacional” perderá sua agenda oculta: abrir o acesso das “sociedades desenvolvidas”
aos mercados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes
e corpos disciplinados das “sociedades subdesenvolvidas”. Claro que os ODS são rele-
vantes e deveriam ser trabalhados por nossos governos, mas não há necessidade de que
o Norte nos diga isso nem como alcançá-los. Ao aceitarmos a coordenação da Agenda
2030 pelo Norte, aceitamos também a dicotomia desenvolvidos-subdesenvolvidos, per-
mitindo que os “desenvolvidos”, ou seja, os capitalistas controlem nossas energias, nos-
sos recursos, nossos talentos, nossos sonhos, nossos modos de vida. Não que a coorde-
nação dos ODS deveria ser feita pelo Sul. Não deveria haver coordenação global. Cada
sociedade deve tomar em suas mãos o futuro desses e outros objetivos afins.

Mas, o “desenvolvimento” está em crise. A civilização ocidental, além de não cumprir


as promessas de prosperidade, felicidade e paz para todos, através do progresso, durante
o colonialismo imperial, praticado na colonização, e do desenvolvimento, no atual im-
perialismo sem colônias, praticado na globalização neoliberal, não consegue sustentar a
vida na Terra. O modo de vida ocidental —forma capitalista de ser e sentir, pensar e
agir, produzir e consumir, comunicar-se e relacionar-se, entre nós e com a natureza—
está em conflito com as potencialidades da humanidade e violando os limites da nature-
za. Estão, pois, em crise, a sociedade industrial capitalista e suas instituições modernas,
marcos intelectuais derivados da ideia de desenvolvimento, monopólio do paradigma
clássico de inovação. Por isso, estamos vulneráveis, do cidadão ao Planeta.

A humanidade vive uma mudança de época histórica (CASTELLS, 1996; SILVA, 2004;
FOSTER, 2013), resultante de rupturas e emergências paradigmáticas que estão trans-
formando qualitativa e simultaneamente as relações de produção e poder, modos de vida
e cultura, dominantes durante o industrialismo. Nessa mudança de época, a ruptura
mais importante é a crise do paradigma de desenvolvimento (ATTALI et al, 1980;), que
o sistema tenta superar com a Revolução 4.0, e a emergência mais relevante é a do pa-
radigma do Bem Viver (ACOSTA, 2017), alternativo ao desenvolvimento (GUDYNAS,
2011), em construção pela Revolução Cultural gerada por movimentos soci-
ais/globais/regionais/nacionais/locais, desde os anos 1960. Esses novos sujeitos políti-
cos tentam reorientar o processo de inovação para a vida, hoje ordenado para o capital,
resgatando a relevância do humano, do social, do cultural, do espiritual, do ecológico,
do ético, dimensões violadas pelo capitalismo desde 1492. Oposta ao excludente propó-
sito da Revolução 4.0, que eliminará 80% da força de trabalho economicamente ativa do
mundo, a Revolução Cultural constrói o Bem Viver para todos os Povos do mundo.

11
Ver, por exemplo, Amin (2006) e Carant (2017).
12
Ver, por exemplo, Struckmann (2017) e Weber (2017).

16
A crise do paradigma ocidental de desenvolvimento

A crise do desenvolvimento não se dirige somente aos meios e às possibilidades, concerne


também à natureza dos fins do desenvolvimento [...] é preciso admitir que a crise do desenvol-
vimento é antes de tudo uma crise da razão e da cultura ocidentais...o único modelo [de desen-
volvimento]...operativo no mundo [hoje] é o modelo ocidental (DOMENACH, 1980, p. 13).

Em vez do reino da abundancia prometido pelos teóricos e políticos dos anos cinquenta, o dis-
curso e a estratégia do desenvolvimento produziram o contrario: miséria e subdesenvolvimento
massivos, exploração e opressão sem nome. A crise da dívida, a fome...a crescente pobreza,
desnutrição e violência são apenas os sintomas patéticos do fracasso de cinquenta anos de de-
senvolvimento (ESCOBAR, 1998, p. 21).

Os últimos quarenta anos podem ser denominados a era do desenvolvimento. Esta época está
chegando a seu fim. Chegou a hora de escrever seu obituário (SACHS, 1996, p. 1)

O desenvolvimento fracassou (SACHS, 1996). Na construção de futuros relevantes,


alternativos ao futuro universal catastrófico engendrado pela tecnociência da Revolução
4.0, no ventre capitalista da globalização neoliberal, os Povos não necessitarão alterna-
tivas de desenvolvimento, mas alternativas ao desenvolvimento (GUDYNAS, 2011). Os
ODS são relevantes em si mesmos, mas são inalcançáveis dentro do violento, injusto e
antidemocrático capitalismo expansionista. O “desenvolvimento sustentável”, da Agen-
da 2030, ou seja, o capitalismo verde é uma impossibilidade. Por isso, no século XXI, o
Bem Viver é possivelmente a última esperança —última utopia— dos Povos do mundo.

Os ideólogos do capitalismo são efetivos na renovação do discurso do desenvolvimento,


que a institucionalidade capitalista traduz em práticas institucionais. São práticas ins-
titucionais (SILVA, 2016) que introduzem na vida cotidiana das pessoas comuns o dis-
curso hegemônico (fonte de realidade), regras políticas (fonte de poder), autoridades
epistemológicas (fonte de verdades), significados culturais (fonte de sentido) e arranjos
institucionais (fonte de padrões de comportamento) que moldam as práticas sociais
(fonte de mudanças) dessas pessoas. A importância das instituições é tanta que o fenô-
meno da vulnerabilidade-sustentabilidade na sociedade moderna se expressa na vulne-
rabilidade-sustentabilidade de suas instituições. Numa armadilha institucional, a ONU
instituiu o Direito ao Desenvolvimento há trinta anos, comemorado em 29/09/2016, no
contexto da Agenda 2030, significando direito ao capitalismo. Com esse mesmo signi-
ficado ideológico, a Comissão Brundtland concebeu o conceito de desenvolvimento
sustentável em 1987, que ganhou status de paradigma na Eco 92, no Rio de Janeiro. O
conceito de desenvolvimento sustentável não é um conceito, é uma promessa, atender
as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras aten-
derem suas próprias necessidades, que visa legitimar a agenda oculta da comunidade
internacional de criar condições para uma nova era de crescimento econômico.

Um conceito é uma construção epistemológica para gerar compreensão. Por exemplo,


poderíamos conceituar a sustentabilidade como o cultivo de relações, significados e
práticas que geram a vida, sustentam a vida e dão sentido à existência de todas as for-
mas e modos de vida. Assim, poderíamos compreender que, quando cuidamos dessas
relações, significados e práticas, contribuímos à sustentabilidade da vida, e quando vio-
lamos essas relações, significados e práticas, contribuímos à vulnerabilidade da vida.
Dada a interdependência entre os seres vivos, poderíamos inclusive explorar também
uma compreensão metodológica da sustentabilidade conceituando-a também como uma
propriedade emergente da interação solidária entre todas as formas e modos de vida

17
humana e não humana. Então, por trás do falso conceito de desenvolvimento sustentá-
vel, outra armadilha global está sendo engendrada no ventre do sistema por seus mais
refinados ideólogos. A economia verde, promovida na Rio+20 como solução para a
superação da pobreza e da vulnerabilidade ambiental, e a economia circular, que prome-
te reciclar tudo sustentavelmente, são promovidas com o potencial de gerar milhões de
empregos (ILO, 2018), mas são apenas partes constitutivas do mais recente disfarce do
capitalismo. No “desenvolvimento sustentável”, o lobo —o Capital— se veste com a
pele da ovelha —a Natureza— que quer devorar (LANDER, 2011).

Para quem duvida de que progresso = desenvolvimento = capitalismo, seria pedagógico


interpretar um flagrante raro proporcionado, em 2005, pelo Dr. Roberto Artavia, Reitor
do Instituto Centroamericano de Administração de Empresas (INCAE), braço instituci-
onal neoliberal avançado da Escola de Negócios da Universidade de Harvard na Améri-
ca Latina, em São José, Costa Rica, para formar as novas gerações de gerentes e profis-
sionais neoliberais da região. Frente à pergunta O Que É Desenvolvimento, o recém-
iniciado ideólogo do capitalismo na América Central, parafraseando o Professor George
Cabot Lodge, da Universidade de Harvard, criador do INCAE, ingenuamente revelou:

Desenvolvimento é uma palavra que tivemos que usar para disfarçar as mudanças desejáveis e
necessárias, pois é muito fácil resistir-se à mudança, mas ninguém se opõe, pelo menos publi-
camente, ao desenvolvimento (La Nación, San José, Costa Rica, Sección Opinión, p. 30A, 08
de Mayo de 2005).

O Reitor do INCAE não explicou o que era disfarçado, nem por que, sob a palavra de-
senvolvimento, nem para quem as mudanças eram desejáveis e necessárias. De uma
perspectiva decolonial13, a palavra “desenvolvimento” ocultava o injusto capitalismo, e
as mudanças anunciadas eram aquelas desejáveis e necessárias à intensificação da pene-
tração e reprodução do sistema capitalista em todos os continentes através da globaliza-
ção. O então Reitor do INCAE estava cumprindo o seu papel ideológico de reprodutor
do discurso do desenvolvimento, ou seja, o discurso capitalista para convencer os Povos
do mundo de que cedo ou tarde, mais provavelmente tarde do que cedo, eles serão bene-
ficiados pelo progresso econômico, mas se aceitarem obedientemente as mudanças
“desejáveis e necessárias” para que isso aconteça. O discurso legitimador da destruição
de modos de vida não capitalistas, para criar condições “desejáveis e necessárias” para a
globalização do sistema, foi institucionalizado pelas Nações Unidas com a publicação
em 1951 de Measures for the Economic Development of Under-Developed Countries:

Há um sentido no que o progresso econômico acelerado é impossível sem ajustes dolorosos. As


filosofias ancestrais devem ser erradicadas; as velhas instituições sociais têm que desintegrar-
se; os laços de casta, credo e raça devem romper-se; e grandes massas de pessoas incapazes de
seguir o ritmo do progresso deverão ver frustradas as suas expectativas de uma vida confortá-
vel. Muito poucas comunidades estão dispostas a pagar o preço do progresso econômico
(UNITED NATIONS, 1951, p. 15).

A emergência do paradigma ancestral do Bem Viver

Dentro do capitalismo não há solução para a vida; fora do capitalismo há incerteza, mas tudo é
possibilidade. Nada pode ser pior do que a certeza da extinção. É tempo de inventar, é tempo

13
A perspectiva decolonial (CASTRO-GÓMEZ, GROSFOGUEL, 2007), desenvolvida a partir do con-
ceito de colonialidade (QUIJANO, 2000), é uma das Epistemologias do Sul (SANTOS, MENEZES,
2009), que rompem com a geopolítica —Nortecêntrica— do conhecimento dando visibilidade a raciona-
lidades outras, sentipensares y fazeres outros, modos de vida outros.

18
de ser livre, é tempo de Viver Bem (Ana Esther Ceceña, Coordenadora do Observatório Lati-
noamericano de Geopolítica, em ACOSTA, 2017, p. 7).

Sumak Kawsay [Bem Viver] seria a vida em plenitude (Luis Macas, indígena equatoriano, um
dos pensadores do Bem Viver, ex-Presidente da Confederación de Nacionalidades Indígenas
del Ecuador – CONAIE, em MACAS, 2010, p. 14).

Sem emoção não há paixão e sem paixão não há compromisso. Para construir futuros
alternativos ao futuro neoliberal “fabricado” pela Revolução 4.0, os Povos do mundo
necessitam de outra utopia capaz de emocioná-los, apaixoná-los e comprometê-los cole-
tivamente com a resistência, a insurgência e a emancipação, críticas para reencantar a
vida hoje ameaçada de extinção. O Bem Viver é uma filosofia de vida ‘outra’. Com sua
gênese em cosmovisões —ontologias— de civilizações milenares dos Povos originários
e seus saberes ancestrais, o Bem Viver é o horizonte utópico de construtores de cami-
nhos comprometidos com a felicidade dos Povos e a sustentabilidade de seus modos de
vida. Não existe um Manual do Bem Viver: Dez passos para ser feliz e sustentável14.

O Bem Viver não é uma teoria, um modelo ou um paradigma alternativo de desenvol-


vimento, mas um paradigma alternativo ao paradigma de desenvolvimento (ACOSTA,
2015). Essa emergência paradigmática não está atrelada às premissas da Modernidade
capitalista (DUSSEL, 1993) que incluem, entre outras falsas verdades: (1) a meta uni-
versal para qualquer povo é “ser desenvolvido”; (2) existe um modo de vida superior, o
desenvolvimento, que todos devem aspirar e emular, e um modo de vida inferior, o sub-
desenvolvimento, que todos devem rejeitar e superar; (3) o caminho do desenvolvimen-
to é evolutivo, no qual o subdesenvolvimento é seu estágio embrionário, seu ponto de
partida; (4) só a maior eficiência, maior produtividade, maior competitividade, alcança-
das com a adoção de inovações da tecnociência, garantem a realização das promessas de
prosperidade, felicidade e paz para todos os Povos; (4) o desenvolvimento pleno é pos-
sível somente em sociedades onde prevalecem o liberalismo político (democracia repre-
sentativa) e o liberalismo econômico (livre mercado).

O Bem viver é uma fonte histórica e filosófica de inspiração ética, estética, espiritual,
para a concepção de modos de vida outros: outras formas coletivas de ser e sentir, pen-
sar e agir, produzir e consumir, comunicar-se e relacionar-se, entre os humanos e entre
esses e os seres não humanos. O Bem Viver nos instiga a imaginar o mundo que que-
remos para —a partir de critérios gerados por essa imagem de um futuro relevante pa-
ra todos— transformar o mundo que temos sob outros valores e princípios que nos gui-
em ao horizonte utópico da felicidade de todos os Povos e a sustentabilidade de seus
modos de vida. Enquanto paradigma alternativo ao paradigma capitalista, o Bem Viver
nos inspira imaginar alternativas não capitalistas, emancipatórias. Mas, futuros não ca-
pitalistas não existem de forma objetiva; temos que imaginá-los para então construí-los.

Como a felicidade e a sustentabilidade não se submetem a modelos universais, não exis-


te um, mas incontáveis caminhos rumo ao Bem Viver com algumas características co-

14
Uma técnica de dominação dos “desenvolvidos” é a publicação de manuais do tipo faça você mesmo,
criando nos dominados o hábito de demandar manuais que os ensinam “como fazer” o que o dominador
“generosamente” decide partilhar. Apesar de que, depois de séculos de progresso e décadas de desenvol-
vimento, não existe um Manual do Progresso/Desenvolvimento, porque esses não existem, são mitos
modernos criados para ocultar o capitalismo e a dicotomia superior-inferior que viabiliza sua expansão, já
existem os que buscam um Manual do Bem Viver, quando esse é um paradigma ainda em construção, que
exigirá o esforço de gerações para sua consolidação. Cedo ou tarde, os “desenvolvidos” publicarão um.

19
muns (ACOSTA, 2017; ALAI, 2009, 2010; GRUPO PERMANENTE DE TRABALHO
SOBRE ALTERNATIVAS AL DESARROLLO, 2011, 2013; SILVA, 2017). São ca-
minhos não capitalistas, não patriarcais, não racistas, não modernos, não coloniais, não
racionalistas, não mecanicistas, não tecnicistas, não economicistas, não genocidas, não
etnocidas, não epistemicidas, não ecocidas, não hegemônicos. São caminhos que o indi-
vidualismo, egoísmo, ganância, usura, eficiência, competição, industrialismo, desenvol-
vimentismo, extrativismo, agronegócio, “máquinas inteligentes”, indústria 4.0, acumu-
lação sem distribuição, pedagogia da resposta, não conseguem construir. O comunitari-
anismo, solidariedade, emoção, paixão, compromisso, amor, dignidade, complementari-
edade, reciprocidade, relacionalidade, resistência, insurgência, resiliência, democracia
representativa-participativa-deliberativa-comunitária, agricultura familiar, Agroecolo-
gia, economia solidária, cuidado com o Outro, soberania, emancipação, pedagogia da
pergunta, estão entre os ingredientes para construir caminhos para o Bem Viver.

Numa mudança de época, tudo está em crise. Isso levanta uma pergunta filosófica de
consequências práticas: Se tudo está em crise, como pensar uma forma de superar uma
crise se também está em crise a forma (dominante) de pensar? Em síntese, como supe-
rar a crise do paradigma de desenvolvimento (para construir o paradigma do Bem Vi-
ver) se também está em crise o pensamento que sustenta esse paradigma? Essa longa,
difícil, imprescindível e fascinante caminhada inclui três macro passos críticos: (1) a
construção coletiva de respostas para perguntas descolonizadoras do pensamento hege-
mônico, (2) a realização de giros paradigmáticos derivados da descolonização do pen-
samento dominante, e (2) a incorporação de premissas emancipatórias no sentipensar15
coletivo para inspirar e orientar decisões e ações:

1. O cultivo da pedagogia da pergunta. Com suas promessas não cumpridas, o de-


senvolvimento deve ser problematizado, assim como o Bem Viver necessita ser
criticamente construído. O que é desenvolvimento, por que emergiu no Norte e
por que está em crise atualmente? O que é Bem Viver, por que tem sua gênese
no Sul e por que está em emergência atualmente? Porém, os Povos e os Traba-
lhadores não devem aceitar “respostas importadas” para essas perguntas, mas
avaliar se essas e outras perguntas afins são relevantes para a construção de seu
futuro e participar conscientemente da construção das respostas. Sujeitos coleti-
vos não devem comprometer-se com as respostas que escutam, mas com aquelas
das quais participam de sua construção. Entre tantas perguntas descolonizado-
ras16, em termos de anterioridade, as seis essenciais para distinguir premissas
falsas/irrelevantes das relevantes para o cultivo de um pensamento comprometi-
do com a construção do Bem Viver são: (1) Que sujeitos políticos conceberam
as verdades que sustentam a ideia/paradigma de progresso/desenvolvimento,
marcos intelectuais dela derivados, meta universal para todos e qualquer Povo,
ser civilizado/desenvolvido? (2) De que lugar geográfico esses sujeitos enuncia-
ram suas verdades? (3) Em que momento histórico essas verdades foram cria-
das? (4) Com que intenção política-ideológica-epistêmica essas verdades foram
inventadas? (5) Que processos institucionais transferiram essas verdades até

15
Sentipensar —sentimento + pensamento— é a arte de viver e pensar com o coração e a mente, a capa-
cidade das classes populares de não separar a mente do corpo (ESCOBAR, 2014).
16
As perguntas estão dirigidas à descolonização do paradigma de desenvolvimento, mas podem orientar
também estudos e reflexões para descolonizar qualquer campo do conhecimento dele derivado, como os
campos da educação, comunicação, cooperação, história, política, agricultura, saúde, inovação.

20
nós? (6) Que instituições, globais, regionais, nacionais, locais, continuam, ainda
hoje, reproduzindo essas verdades entre nós?

2. A transformação de modos de inovação. Depois da descolonização do pensa-


mento segue a transformação do modo de interpretação e intervenção hegemôni-
co, que implica realizar giros paradigmáticos derivados das repostas construídas
coletivamente para as perguntas descolonizadoras acima. Alguns exemplos de
giros paradigmáticos transformadores do modo de inovação dominante são: (a)
do desenvolvimento como meta ao Bem Viver como fim; (b) do desenvolvimen-
to sustentável à sustentabilidade dos modos de vida; (c) do “ser desenvolvido”
como meta universal ao ser feliz como fim contextual; (d) do modo clássico de
inovação —universal, mecânico e neutro— em crise a modos outros —
contextuais, interativos e éticos— de inovação emergentes; (e) da obsessão pela
eficiência ao compromisso com a suficiência; (f) da filosofia de inovação de
“mudar as coisas” para mudar as pessoas à filosofia de inovação de ‘mudar as
pessoas’ que mudam as coisas, transformando seus modos de interpretação e in-
tervenção; (g) da educação, comunicação, cooperação, inovação, instituições pa-
ra o desenvolvimento, descontextualizadas, à educação, comunicação, coopera-
ção, inovação, instituições para a vida, contextualizadas; (h) do monólogo do
conhecimento científico ao diálogo entre os saberes científico e popular; (i) do
agronegócio ordenado apenas para ganhar dinheiro à agricultura familiar orien-
tada para sustentar a vida; (j) da segurança alimentar garantida pelo mercado in-
ternacional à soberania alimentar garantida por alimentos produzidos-vendidos-
comprados-consumidos no país; (k) das estratégias de educação e cooperação
para o desenvolvimento, que entregam o “peixe” (respostas/soluções prontas) ou
transferem o “anzol” (fórmula, receita, modelo), criando dependência absoluta,
no primeiro caso, ou condicionando o tipo de “peixe” que será acessado, no se-
gundo caso, à perspectiva da educação e cooperação para o Bem Viver, que
compartilham a ‘arte de fazer anzóis’, sob a qual os talentos locais, que conhe-
cem suas águas e seus “peixes”, ampliam sua autonomia filosófica, conceitual,
metodológica, gerencial, para construir “anzóis” nos tamanhos e formas que suas
necessidades atuais exigirem e suas aspirações futuras indicarem.

3. A transformação do comportamento coletivo. Decisões e ações coletivas não


podem estar em conflito com o conjunto de premissas resultantes dos macro-
passos anteriores. Ao contrário, essas verdades emancipatórias são fontes co-
muns de inspiração e orientação de decisões e ações relevantes, de sujeitos cole-
tivos em processo de descolonização do pensamento dominante, como movi-
mentos/organizações sociais e instituições públicas comprometidas com a felici-
dade dos Povos e a sustentabilidade de seus modos de vida. Exemplos de pre-
missas emancipatórias: (a) nada é anterior nem superior à vida, que é a origem,
centro e fim de todo pensar e atuar humano; (b) entre duas ou mais opções em
conflito, quando uma delas é a vida, decide-se pela vida; (c) é sábio aprender in-
ventando desde as realidades locais, para não perecer imitando desde os modelos
globais; (d) não é verdade que o relevante existe sempre em determinados idio-
mas, é criado sempre por determinados sujeitos e nos chega sempre de determi-
nados lugares, que nunca coincidem com nossos idiomas, sujeitos e lugares; (d)
progresso/desenvolvimento é uma criação política-ideológica-epistêmica, para
ocultar o capitalismo e a dicotomia superior-inferior que viabiliza sua histórica
expansão; (e) a humanidade necessita de alternativas ao —e não de— desenvol-

21
vimento; (f) a sustentabilidade da vida implica cultivar relações, significados e
práticas que geram a vida, sustentam a vida e dão sentido à existência de todas
as formas e modos de vida e, dada a interdependência entre todos os seres vivos,
a sustentabilidade é também uma propriedade emergente da interação solidária
entre todos os seres humanos e não humanos; (g) o conhecimento significativo é
interativamente gerado (intercâmbio de experiências) e socialmente apropriado
(diálogo de saberes) no contexto de sua aplicação (dimensão prática) e implica-
ções (dimensão ética); (h) a inovação relevante emerge de processos de intera-
ção social (intercâmbio de experiências) com a participação (diálogo de saberes)
daqueles que a necessitam (dimensão prática) e serão por ela impactados (di-
mensão ética); (i) o cientista, especialista, experto, não tem o direito de decidir
sozinho o ‘que deve ser feito’ com o poder transformador da tecnociência so-
mente porque domina o ‘como fazer’ (know how), um tipo de decisão que exige
a participação de representantes da diversidade da sociedade, Povo, comunidade;
(j) a sustentabilidade institucional de movimentos/organizações sociais e insti-
tuições públicas depende mais da relevância externa das contribuições de suas
atividades-fins do que da eficiência interna da gestão de suas atividades-meios.

Depois de (a) construir respostas coletivas para determinadas perguntas descolonizado-


ras, (b) conceber os giros paradigmáticos apropriados para reorientar seu modo de ino-
vação, e (c) conceber as premissas emancipatórias inspiradoras e orientadoras de mu-
danças no seu comportamento coletivo, um movimento social, uma organização social,
uma instituição pública, um sindicato, necessita explorar as implicações teóricas e práti-
cas da aceitação e incorporação de cada uma dessas respostas, giros paradigmáticos e
premissas emancipatórias para sua rotina coletiva: Quais de suas práticas políticas, insti-
tucionais, técnicas, sociais, culturais, econômicas, terão que mudar, por que e como?

Conclusão
Rumo ao ‘dia depois do desenvolvimento’, caminhos para o Bem Viver

Posso indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo [...]. A
anarquia econômica da sociedade capitalista, tal como existe atualmente, é, em minha opinião,
a verdadeira origem do mal. (EINSTEIN, [1949] 2012, p. 4).

O regime capitalista de acumulação [é] um sistema de valores, um modelo de existência, uma


civilização, a civilização da desigualdade (Joseph Schumpeter, em ACOSTA, 2009, p. 15).

O sistema-mundo como um sistema histórico entrou numa crise terminal e é improvável que
exista, tal qual o conhecemos hoje, nos próximos 50 anos (WALLERSTEIN, 1999, p. 1).

O desenvolvimento é hoje o zumbi de um capitalismo sem alma. Em nome do desen-


volvimento —mentira histórica: Deus foi substituído pelo mercado, a religião pela ci-
ência, a mágica pela tecnologia, a política pela economia, a produção pela especulação,
os heróis pelas celebridades, a felicidade pelo consumo, a solidariedade pela competi-
ção, a classe trabalhadora por “máquinas inteligentes”, o Povo pela estatística, o Execu-
tivo e o Legislativo pelo Judiciário, a verdade do dominado pela mentira do dominador.

A humanidade vive mais da mentira do que da verdade. Sob o domínio da civilização


ocidental, uma das maiores mentiras históricas foi a invenção dos “descobrimentos”17,
puras invasões/ocupações para a exploração/usurpação/saqueio de riquezas do Sul glo-

17
Na década de 1420 a China visitou todos os continentes, sem intenção de dominação (DUSSEL, 2004).

22
bal. Outra foi a invenção do “progresso”, com as promessas de prosperidade, felicidade
e paz para todos os Povos, para ocultar o injusto capitalismo e a dicotomia superior-
inferior que viabilizou sua expansão durante a colonização, substituída pelo “desenvol-
vimento” depois da Segunda Guerra Mundial para continuar a expansão do sistema du-
rante a globalização, camuflado no falso conceito de “desenvolvimento sustentável”, ou
seja, capitalismo verde, uma impossibilidade. Em sua trajetória de pouco mais de cinco
séculos o injusto capitalismo foi viabilizado pela estratégia da corrupção sistêmica e a
aplicação de técnicas de dominação, enquanto superou suas crises recorrentes com o
apoio de inovações científicas e tecnológicas que resultaram em revoluções industriais
transformadoras das relações de produção de poder, modos de vida e cultura, sempre a
favor da classe capitalista e em detrimento da sociedade em geral e da classe trabalhado-
ra em particular. A recente crise desse sistema é na verdade a crise da civilização oci-
dental, que o incorporou tão visceralmente que se reduziu ao próprio capitalismo, como
concluiu Joseph Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia. A Revolução
4.0 não salvará o capitalismo que agoniza em uma crise integral (PIKETTY, 2013), sis-
têmica (WALLERSTEIN, 1974, 1999), estrutural (MÈSZÁRUS, 2017). Ao contrário,
essa revolução será a gota d’água que faltava para deflagrar o colapso do sistema antes
de 2050, pois, despudoradamente, promete excluir 80% da força de trabalho mundial.

No contexto de uma economia neoliberal ordenada para beneficiar o 1% mais rico da


humanidade, a Revolução 4.0 pode indignar todos os Povos do mundo e levar os
excluídos a excluírem os que os excluem. Se 99% da humanidade, incluindo 80% de
sua força de trabalho, decidirem ignorar, minar, destruir o sistema que os considera des-
necessários/descartáveis, não haverá futuro para esse sistema-mundo capitalista, patriar-
cal, racial, genocida, etnocida, epistemicida, ecocida. É impossível saber hoje como será
o futuro depois do colapso do capitalismo, mas é possível saber como não será. Para
serem relevantes para todos os Povos, os ‘futuros’ que florescerão no vácuo do colapso
serão necessariamente de natureza não capitalista. Um mundo onde caibam todos os
mundos está sendo gestado em ventres livres, não capitalistas, no mundo do Bem Viver
onde poderão solidariamente conviver todos os Povos, sustentando a vida no Planeta, e
não apenas egoisticamente coexistir competindo, como no mundo neoliberal.

Povos do mundo, uni-vos contra o capitalismo e para construir o Bem Viver. A cons-
trução do Bem Viver implica construir o ‘dia depois do desenvolvimento’, ou seja, o dia
depois do capitalismo que ameaça de extinção a vida humana e não humana no Planeta.
O capitalismo é incompatível com a democracia plena, que é essencial para o floresci-
mento do Bem Viver. Os caminhos para o Bem Viver são caminhos necessária e radi-
calmente democráticos, resultantes da sinergia entre as democracias representativa, par-
ticipativa, deliberativa e comunitária. O ‘dia depois do desenvolvimento’ chegará em
diferentes momentos, com distintas intensidades, em diversos lugares, sempre que um
Povo decidir rejeitar os valores, princípios, ideias, conceitos, teorias, paradigmas, mode-
los, indicadores, categorias, padrões, que o mantêm refém da meta universal, “ser de-
senvolvido”, um prisioneiro da dicotomia superior-inferior que esteriliza sua imagina-
ção coletiva, amputa seu espírito revolucionário e mata sua vontade de mudar o mundo.

Se soubesse que o mundo acabaria amanhã, não dormiria hoje plantando sementes pre-
nhes de indignação e esperança. Indignação com o injusto capitalismo que viola o hu-
mano, o social, o cultural, o espiritual, o ecológico, o ético, desde 1492, e esperança nos
movimentos/organizações sociais, instituições públicas, sindicatos, comprometidos com
a felicidade de todos os Povos e a sustentabilidade de seus modos de vida. Porém, para

23
que sejam as parteiras de ‘futuros’ relevantes, esses movimentos/organizações sociais,
instituições públicas, sindicatos, necessitarão mobilizar as mentes críticas e os corações
solidários de suas mulheres e homens desobedientes. Essa desobediência epistémica,
instigada pela descolonização do pensamento dominante que sustenta a inovação para o
capital e não para a vida, será uma forma de ativismo político imprescindível para a
construção de caminhos ao Bem Viver. O Foro Social Mundial deveria também promo-
ver o processo global de descolonização do “desenvolvimento sustentável”, deixando de
gerar alternativas de desenvolvimento e abraçando a construção do Bem Viver.

É urgente compreender que progresso = desenvolvimento = capitalismo. Do contrário,


aceitando que desenvolvimento é uma coisa e capitalismo é outra coisa, seremos reféns
de interpretações funcionalistas da crise civilizatória que prenuncia a extinção da vida
na Terra. Necessitamos construir o dia depois do desenvolvimento, construindo coleti-
vamente respostas para perguntas descolonizadoras do pensamento hegemônico que
sustenta o insustentável “desenvolvimento sustentável”, realizando os giros paradigmá-
ticos derivados dessas respostas e incorporando em nossas decisões e ações coletivas as
premissas emancipatórias emergentes desses giros paradigmáticos. Sem participar da
construção do Bem Viver, sacrificaremos no falso altar do “desenvolvimento sustentá-
vel” a esperança de influenciar nossos ‘futuros’. Sem minar a Revolução 4.0, estaremos
obedientemente esperando pelo futuro fabricado por “máquinas inteligentes”, um futuro
tecnológico que não necessita de humanos (JOY, 2008). Até quando? A que custo?

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