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O MITO DA CAVERNA E A CÂMARA DE REFLEXÕES

PLATÃO

Platão foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia


Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da
Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior
do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu
pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia
natural, da ciência e da filosofia ocidental. Acredita-se que seu nome
verdadeiro tenha sido Arístocles. Platão era um racionalista, realista,
idealista e dualista e a ele têm sido associadas muitas das ideias que,
mais tarde, inspirariam essas filosofias.
Fig. 1 – Platão Fonte: Wikipedia, a Enciclopédia Livre. Em https://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3o Fig. 2 – Busto de Platão
O MITO DA CAVERNA
O Mito da Caverna, também chamado de Alegoria da Caverna, Parábola da Caverna e Prisioneiros da Caverna,
é uma alegoria1 de cunho filosófico escrita por Platão com intenções pedagógicas e que se encontra em sua obra
intitulada “A República”, escrita por volta do Séc. IV a.C.. Essa alegoria busca exemplificar de que forma seria
possível, ao homem, libertar-se, através da luz da verdade, da condição de ignorância e escuridão que o aprisiona.
Platão, através dessa alegoria, discute sobre a teoria do conhecimento2, sobre linguagem e sobre educação.
A alegoria descreve uma caverna habitada por um grupo de seres humanos que nasceram e cresceram ali e
dali nunca saíram. As pessoas estão isoladas umas das outras e nunca se veem, sendo obrigadas, por sua condição, a
olhar apenas para a parede do fundo da caverna. Atrás de si arde uma fogueira que está separada delas por uma
parede baixa. Por ali caminham pessoas que carregam objetos que representam homens e outras coisas. Isso ocorre
de tal forma que apenas as sombras desses objetos, e não as das pessoas, são projetadas na parede para a qual o
individuo olha continuamente. Pelas paredes da caverna também ecoam sons de modo que o indivíduo passe a
associá-los às sombras que vê. Dessa forma, os sons e as sombras passam a constituir a realidade, sob o ponto de
vista daqueles indivíduos.
Imaginemos, agora, que um dos indivíduos fosse removido da caverna e forçado a olhar para o fogo e para os
objetos que produziram as sombras, trazendo um novo conhecimento e uma nova realidade. A luz feriria os seus olhos,
acostumados que estavam à escuridão, e ele, consequentemente, não conseguiria ver bem. Se alguém lhe disser, nesse
momento, que este instante, o presente, é real e que as imagens, projetadas pelas sombras que ele via antes não o
eram, esse indivíduo, possivelmente, não acreditaria. A seguir, e ainda confuso, esse mesmo indivíduo retorna à
caverna, permanecendo cego, agora pela ausência da luz. Imagine, ainda, que nessa condição, momentaneamente

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Uma alegoria (do grego allos, "outro", e agoreuein, "falar em público") é uma figura de linguagem, mais especificamente de uso retórico, que produz
a virtualização do significado, ou seja, sua expressão transmite um ou mais sentidos além do literal. Uma alegoria não precisa ser expressa por um texto
escrito: pode dirigir-se aos olhos e, com frequência, encontra-se na pintura, escultura ou noutras formas de linguagem. Embora opere de maneira
semelhante a outras figuras retóricas, a alegoria vai da simples comparação da metáfora à sátira, passando pelo símbolo, a fábula, o apólogo,
a prosopopeia, o oximoro, implicando a ironia, oscilando entre a polissemia e a antífrase.
2
Epistemologia (do grego episteme, “conhecimento científico, ciência”, e logos, “estudo de”) é o ramo da filosofia que trata da natureza, etapas e
limites do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Nesse sentido, pode
ser também chamada teoria do conhecimento ou gnosiologia. Em sentido mais restrito, refere-se às condições sob as quais se pode produzir o
conhecimento científico e dos modos para alcançá-lo, avaliando a consistência lógica de teorias. Nesse caso, identifica-se com a filosofia da ciência.

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cego pela escuridão, esse indivíduo tentasse convencer os outros habitantes da caverna, que aquela realidade vivida ali
dentro, na escuridão, é falsa, enganosa e que a verdade encontra-se do lado de fora. Os outros habitantes da caverna,
ao ver isto, concluiriam que sair da caverna causou graves danos ao companheiro e, por isso, não deveriam sair dali
nunca. Seriam capazes, se pudessem, de matar qualquer um que tentasse tirá-los dali de dentro.
Fig. 3: Representação artística do Mito da Caverna Platão imaginou o Mito da Caverna inspirado pela
história de Sócrates que, como o indivíduo egresso da
caverna, retorna para contar aos seus pares o quão falsa e
ilusória é a realidade vivida por eles e quantas possibilidades
existem além dos limites impostos. Sócrates, por essa
atitude, acabou morto pelos cidadãos de Atenas.
Platão nos convida a imaginar que as coisas se
passam, na existência humana, comparavelmente à
situação da caverna: ilusões, estando os homens
acorrentados a falsas crenças, aos preconceitos e ideias
enganosas e, por isso tudo, inertes em suas poucas possibilidades.
O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância
do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, a passagem gradativa do
senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional,
sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.

A CÂMARA DE REFLEXÕES
Na iniciação maçônica o candidato é introduzido numa câmara fechada, pobremente decorada e desconfortável.
Ali encontram-se elementos destinados a provocar no candidato reflexões sobre a vida e a morte preparando-o para os
acontecimentos que virão a seguir. Os elementos que decoram a câmara variam de acordo com o Rito Maçônico em
questão, mas, em linhas gerais, possuem o mesmo objetivo e filosoficamente o mesmo significado.
No Rito Moderno a Câmara de Reflexões apresenta os seguintes elementos:
 Um cubículo pequeno e mal iluminado
 Uma mesa simples e despojada
 Uma cadeira
 Um crânio humano e ossos
 Uma ampulheta
 Pão e água
 Papel e caneta para escrever um testamento filosófico
 As seguintes frases para reflexão:
– Conhece-te a ti mesmo
– Se queres bem empregar a vida, pensa na morte
– Se tens medo que descubram seus defeitos, não estás bem entre nós
– Se és apegado a distinções mundanas, sai; aqui não as conhecemos
– Se fores dissimulado, serás descoberto
–Se tens medo não vás adiante
Não é meu objetivo, neste texto, tratar cada um dos símbolos de forma individual até porque outros IIrm já
o fizeram de maneira brilhante e seus trabalhos estão devidamente citados na bibliografia.

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A proposta aqui é analisar a Câmara de Reflexões de forma holística buscando seu significado e seus reflexos
na psique do candidato. Para tanto, entendo ser imperativo definir os limites daquilo que conhecemos como
Maçonaria, trazendo essa análise para o contexto dessa definição.
Maçonaria, numa visão mais ampla3, é uma escola filosófica que, por definição, busca o aperfeiçoamento do indivíduo
através do estudo e do conhecimento. A Maçonaria propõe-se a agregar todo o conhecimento humano produzido ao longo
dos séculos condensando desde as escolas de conhecimento da antiguidade clássica, passando pela alquimia medieval até o
desenvolvimento cientifico mais recente, juntando filosofia, artes, ciência e religião sendo, esta última entendida como
doutrina filosófica e não como o parâmetro sectário e dogmático balizado exclusivamente pela fé. Da antiguidade clássica,
trazemos o desenvolvimento da filosofia, os conceitos de alegorias, mitos, símbolos e iniciação e a proposta de instrução
através destes.
E, é na iniciação Maçônica que encontramos a Câmara de Reflexões. Aqui, faço uma breve pausa para tratar do
tema “Iniciação”. Do ponto de vista filosófico a “Iniciação” procura despertar no indivíduo os conceitos de busca do
conhecimento, evolução, superação de obstáculos e conquista. E isto é feito através de uma ideia, já consagrada, de
“viver a aventura”4 para interiorizá-la. São apresentados os desafios, os problemas e dificuldades, o mestre que o
guiará, a descoberta das virtudes pessoais, os desafiadores (ou vilões) e a ideia de que é necessário morrer para uma
vida (a profana, por exemplo) para renascer para outra (a maçônica). E esse processo será repetido a cada grau da
Loja, seja ela Simbólica ou Filosófica.
E é justamente a ideia de morte que é apresentada pela Câmara de Reflexões. A morte, sem dúvida, é um dos
maiores medos do homem, pois trata de uma jornada desconhecida para a qual não existe nenhuma referência
prévia, real, a não ser aquela cuja base é sua própria fé. E é o medo de morrer que bloqueia o avanço do homem
comum, em busca do desconhecido. É interessante notar que, de certa forma, o homem é o único ser vivo que
morre, pois é o único a ter consciência da morte.
A Câmara de Reflexões cumpre seu papel quando aflora os
sentidos do candidato trazendo-o para um plano mais elevado de
consciência. Sugere a ele que reflita sobre a vida que viveu até ali
estando de frente para a ignorância, representada pela escuridão e a
parca iluminação; para o seu sustendo, representado pelo pão e pela
água, e pelo qual ele lutou cada dia da sua vida; para o enigma do
tempo, inexorável, implacável como o deus Chronos (Saturno para os
Romanos) que devora seus filhos, representado pela am pulheta, e sua
incapacidade de controlá-lo; para a ideia de falibilidade da matéria
representada pelo crânio e pelos ossos; para o sentido da vida
(provocado pelo teor das expressões escritas); pela certeza da morte
expressa na ideia de deixar um testamento; para a obra da sua vida,
representado pelo “espólio” descrito no testamento, lembrando ser
esse um testamento “filosófico” e finalmente para a ideia de
renascimento expressa pelo conceito de que a Câmara de Reflexões é
uma caverna e, simbolicamente, é o ventre da terra que gerou tudo o
que vive. Depois de vivenciar a experiência da Câmara de Reflexões o
candidato estará pronto para a iniciação tendo sua consciência
preparada para os desafios que lhe serão impostos. Fig. 4: Chronos, engolindo um de seus filhos.

3
Na visão e entendimento deste Irm.
4
Esses conceitos foram condensados, a partir da análise comparada de diversos heróis, históricos e mitológicos, pelo mitologista, professor,
estudioso de mitologia e religiões comparadas e escritor Joseph Campbell nas obras “A Jornada do Herói” e “O Herói de Mil Faces”.

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CONCLUSÃO
A Câmara de Reflexões pode ser entendida, sem prejuízo de outras interpretações, como a visão Maçônica
para o Mito da Caverna de Platão e tem como objetivo mostrar ao candidato a prisão representada por uma vida
fechada para o conhecimento, imersa na escuridão da ignorância onde a realidade apresentada está distorcida ao se
apresentar como vultos de todas as possibilidades existentes. Para que o indivíduo, para nós o iniciando, não fique
cego pela luz do conhecimento e queira retroceder de volta para a caverna ou câmara de reflexões, como no mito de
Platão, representando seu estado ou realidade anterior, ele somente será apresentado à luz após cumprir as etapas
necessárias de consciência de seu estado atual, provação, descoberta das habilidades, consciência de que será
apoiado e a consequente superação dos desafios.
Aqui cabe uma última reflexão: a ideia de retrocesso, explícita no Mito da Caverna, existe para expressar uma
fraqueza humana, associada ao homem comum, e relacionada ao medo que o faz recuar diante do desconhecido. Em
resposta a isso, a filosofia oriental adota a ideia de que o indivíduo, diante das provações, precisa estar amarrado por
uma corda que o impeça de retroceder frente às dificuldades e ao desconhecido. Essa corda, chamada de
Shimenawa na tradição xintoísta, é feita de palha de arroz e orna a entrada dos templos. Na iniciação Maçônica, no
Rito Moderno, não lançamos mão desse simbolismo porém, os iniciandos caminham, sempre adiante, apoiados por
mestres que os guiam e que não permitiriam, se fosse o caso, que estes retrocedessem.

BIBLIOGRAFIA
1. Verbete: Joseph Campbell
Disponível em: 6. Peça de Arquitetura “Câmara de Reflexões”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Campbell#Bibliografia Pelo Irm Francisco Aliperti Neto, MI
2. Verbete: Alegoria da Caverna ARBLS Manoel Tavares de Oliveira n° 2.396 – RM
Disponível em: Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna https://docs.wixstatic.com/ugd/b6e977_36b8463c2ae0
3. Verbete: Platão e9fd42ae332aa5f5e807.pdf
Disponível em: 7. Peça de Arquitetura “Câmara de Reflexões”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3o Pelo Irm Rogério Melo, MM
4. Palestra: A Jornada do Herói ARBLS Manoel Tavares de Oliveira n° 2.396 – RM
Palestrante: Renata Peluso Disponível em:
Nova Acrópole – Escola de Filosofia Internacional https://docs.wixstatic.com/ugd/b6e977_6b0b63e6a90d
Disponível em: 104d6ac5e60a0d702200.pdf
https://www.youtube.com/watch?v=9GfxicDj5Wc 8. Peça de Arquitetura “Câmara de Reflexões”
5. Palestra: O Herói de Mil Faces – Parte 1 e sequências Pelo Irm Daniel de Los Angeles, MM
Palestrante: Lúcia Helena Galvão ARBLS Manoel Tavares de Oliveira n° 2.396 – RM
Nova Acrópole – Escola de Filosofia Internacional Disponível em:
Disponível em: https://docs.wixstatic.com/ugd/b6e977_9456dcac3ec33
https://www.youtube.com/watch?v=TY9Te2Q-3mw 6f6b833b613401e4460.pdf

São Paulo, 3 de Fevereiro de 2.018, E V.

Irm Reinaldo Gianelli, M M


C.I.M.: 257.094

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