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22/05/2020

A CONTRIBUIÇÃO DO CENTRO DE INCLUSÃO SOCIAL DO ADOLESCENTE NA SAÚDE MENTAL DE SEUS


FREQUENTADORES

Juliana Fabrício dos Santos1


Marcia Maria Feyh2
Dennys Robson Girardi 3

PsicoFAE, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 11-23, 2014

De acordo com a publicação do Ministério da Saúde (2005): Caminhos para uma política de saúde mental infanto-
juvenil, as ações voltadas para crianças e adolescentes no Brasil relacionadas à saúde mental ultrapassaram anos
de história limitaram-se a um modelo de assistência voltado para a institucionalização, com uma concepção
fragmentada que não possibilita a integração de crianças e adolescentes. Com um conjunto de medidas que se
baseadas em uma lógica higienista com inspiração normativo-jurídica, que ocasionou a expansão de instituições
fechadas para cuidados desse público. Ocasionando a institucionalização do cuidado e conjuntamente a
criminalização da infância pobre, que gera um quadro de desassistência, abandono e exclusão. (ok)

Conforme a publicação realizada pelo Ministério da Saúde (2005): Caminhos para uma política de saúde mental
infanto-juvenil, as ações dirigidas a crianças e adolescentes no Brasil quanto a saúde mental atravessaram um
século de história circunscritas a um ideário de proteção, que, paradoxalmente, redundou na construção de um
modelo de assistência com forte tendência à institucionalização e em uma concepção segmentada, não
integradora, da população infanto-juvenil.

Ao mesmo tempo em que o início do século XX propagou a importância da assistência a crianças e adolescentes,
principalmente porque elas representavam um futuro diferenciado para a nação brasileira, engendrou-se um
conjunto de medidas, calcadas na lógica higienista e de inspiração normativo-jurídica, que expandiu
sobremaneira a oferta de instituições fechadas para o cuidado de crianças e adolescentes, em sua maioria sob a
tutela do campo filantrópico.

O resultado desse longo processo que visava a assistir crianças e adolescentes foi, por um lado, a
institucionalização do cuidado e, por outro, a criminalização da infância pobre, gerando um quadro que, no
limite, é um quadro de desassistência, abandono e exclusão.

A PATOLOGIZAÇÃO DO JOVEM AUTOR DE ATO INFRACIONAL E A


EMERGÊNCIA DE “NOVOS” MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS

No Brasil, o controle social de adolescentes, em especial os autores de ato infracional apresentam-se revestidos
pelo crescente processo de psiquiatrização (ok)

o controle social dos jovens e especialmente daqueles autores de ato infracional no Brasil tem se revestido de
crescentes processos de psiquiatrização, além dos já conhecidos processos de criminalização, como as propostas de
redução da idade penal.1,2
É o próprio percurso institucional, portanto, que dá forma e nome a um objeto socialmente
perigoso e tudo que não está apto a ser sujeito a tratamento ou reabilitação, o que se apresenta como ingovernável e
intratável é, por essa razão, perigoso.

A prática contemporânea em saúde mental tem rompido a vinculação histórica entre periculosidade e doença
mental:
• demonstrando como os estereótipos da periculosidade encobrem ou impedem que a situação de sofrimento seja
superada;
• mostrando que é possível trabalhar e transformar a agressividade, desde que se tome em conta o contexto de
relações que a produz.
• abrindo as possibilidades da imputabilidade do doente mental, quando estiver de posse de sua possibilidade de
escolha e decisão, ou ainda, de ficar sob acompanhamento dos serviços abertos (e não necessariamente em
manicômio judiciário).
A posição dos atores da saúde mental compromissados com essa ética é de:
• recusar a utilização dos diagnósticos e das terapêuticas em saúde como instrumento de criminalização ou de
legitimidade para as tecnologias punitivas.
• entender que a dimensão central do campo da saúde mental é a clínica do sofrimento mental: isto é, tratamento,
assistência ou terapêutica. A direção dessa clínica é a da reabilitação psicossocial e não a do modelo manicomial.
Nessa perspectiva, advoga- se pela construção da autonomia e da implicação subjetiva.
• entender que é possível interferir nos destinos das relações entre crime e sofrimento psíquico, pela construção de
circuitos de acolhida e intervenção terapêutica capazes de alterar a posição do sujeito.
• realizar uma clínica da vulnerabilidade que “ajude as pessoas a diminuir seus níveis de vulnerabilidade ao
sistema penal”16.

Para isso, é necessário problematizar as diretrizes terapêuticas atreladas a uma lógica


individualista e ampliar o olhar e a ação para a complexa e muitas vezes restrita trama na qual
esses jovens se inserem socialmente. Nesse specto, nenhuma instituição isoladamente é
capaz de oferecer alternativas para que os jovens saiam desse “destino”: somente uma articulação coletiva entre
diversos atores sociais e instituições que acompanhem esses jovens poderão criar outras alternativas a circuitos que
configuram segregação e clausura.4-6,9,17
Trata-se de pensar no exercício clínico na sua dimensão ética e não moral, ou seja,
não como lugar de controle, tutela ou disciplinarização da vida, mas como crítica de
si mesmo que explicite uma atitude responsável e singular frente à própria existência.

Juventude Negra
e Socioeducação
Raul Câmara1

É visível que determinadas etnias são hegemonicamente excluídas da sociedade,


em suas diversas modalidades, em detrimento de outras no continente americano
como um todo.
Por fim, a construção e a oferta do Estado Democrático de Direito aos sujeitos da
política da socioeducação é uma tarefa a ser implementada cotidianamente por toda a rede que compõe o
Sistema de Garantia de Direitos, no intuito de operacionalizar os direitos e garantias aos adolescentes
autores de ato infracional, superando a mentalidade cultural de uma política pública “pobre para
adolescentes pobres” pela perspectiva de emancipação do sujeito.(ok)

Outrossim, é necessário que os adolescentes já inseridos no sistema socioeducativo


não sejam submetidos a sanções adicionais que os privem de seus direitos fundamentais. Aos governos
cabe destinar recursos para a área, mais investimentos nas estruturas dos programas e estabelecimentos
socioeducativos, com o oferecimento de espaços para escolarização, profissionalização e práticas
esportivas, lazer e cultura; incremento nas ações socioeducativas destinadas a este segmento, ampliação
das equipes de profissionais e sua contínua capacitação, além da articulação intersetorial das diferentes
instâncias e serviços para o atendimento integral dos/as adolescentes, dentre outras medidas.(ok)

Conforme Nogueira Neto (2008), a medida socioeducativa tem o propósito de servir como estratégia para
assegurar a plenitude da cidadania do adolescente autor de ato infracional e não para torná-lo menos
cidadão, cidadão de segunda classe, ainda mais marginalizado. (ok)

Em verdade, o Estado e a classe dominante nunca se preocuparam em compreender o contexto histórico-


social das crianças e dos adolescentes negros e pobres e, por este motivo, tornava-se mais proveitoso
transferir a responsabilidade da sua condição social para o próprio indivíduo, num cenário em que a omissão
do Estado se fez contundente e assertiva para o desenvolvimento do capitalismo periférico em nosso país
(BEZERRA, 2018).(ok)

A trajetória das políticas e da conquista dos direitos da criança e adolescente no Brasil ao decorrer
é marcada por uma marginalização e descriminação de tais indivíduos. Outrora vistos como
objetos passiveis de intervenção, a questão da infância e da adolescência envolvidos na
criminalidade, são agravadas pelas relações culturais, raciais e econômicas que carregam
vicissitudes sócio históricas.(ok)

Como bem descrito por SCISLESKI et al (2015), o que seria denominado de socioeducação, no tocante à
segregação da liberdade do adolescente, trabalha como forma de retribuição, ou seja, de punição ao
mesmo, na busca de conferir à sociedade uma segurança, com idênticos modelos prisionais do adulto. Nesse
sentido, apontam os dados que “o sistema socioeducativo se caracteriza por um caráter punitivo muito
parecido ao sistema prisional” (MNPCT, 2016, p. 62). (ok)
A esse respeito, acabamos por colocar uma sobrecarga ao adolescente com expectativas que destoam da
sua própria realidade; é pensar em um mundo do dever ser, quando na realidade não o é. É buscar maquiar
os problemas sociais enfrentados por todos os adolescentes, sobretudo os que estão em conflito com a lei,
pois “o ingresso em práticas de atos infracionais torna-se um elemento inserido no âmbito dos demais
elementos que compõem o cenário de vulnerabilidade, de falta de oportunidades e de exposição à
violência” (SILVA, 2012, p. 100).(ok)

Percebe-se, desta forma, que os adolescentes que “infringem a lei serão, então, punidos e controlados – ou,
utilizando o eufemismo na interpretação do ECA, socioeducados –, considerando-se a gravidade da infração”
(SCISLESKI et al, 2015, p.510). Seguindo nesse raciocínio,(ok)

construção de uma estrutura mental do “não pertencimento social” a estes


grupos em função de práticas históricas das elites econômicas e políticas que
resultaram neste processo de exclusão que vivemos até os dias atuais.
Estes dados demonstram o processo de vulnerabilidades sociais que a juventude que
cumpre medidas socioeducativas está submetida. Em sua grande maioria negra e parda,
herdeiros de uma história social que os negam a existência a todo o momento: moradores
de comunidades ou mesmo das ruas, baixíssima escolaridade, concretizada nas excessivas
reprovações e abandonos, fazem com que estes acabem sendo presa fácil a atos
análogos ao crime, muitas vezes potencializadas ao máximo sua punição em
função da cor da pele, dos espaços sociais que circulam e da incapacidade social
em mantê-los em um espaço educacional verdadeiramente inclusivo, resultando
em reincidências.
Principais vítimas das conseqüências socias das duas mais perversas colunas que
sustentam o edifício da exclusão: extermínio e privação de liberdade. Demonstra-
se a necessidade de refletirmos cada vez mais sobre o assunto a fim de divulgar
tais dados e tentar estancá-los numa lógica de obtenção de Direitos Humanos a
esta situação indígna.
Visualizados socialmente quando cometem o ato infracional e invisíveis ao poder
público quanto às prestações de políticas públicas afirmativas e inclusivas,
acabam à própria sorte, muitos brutalmente assassinados por “justiceiros” ou nas
“guerras” do trafico de drogas, submetidos a amargas regras das facções
criminosas onde família, sociedade e Estado ainda não concluíram a quem
culpabilizar pela conjuntura socioeconômica em que vivem e que os
vulnerabilizam a estas situações de extrema exclusão social, resolvem atravessar o
caminho mais fácil: culpabilizá-los pelos fracassos e questionar intensamente se a
medida socioeducativa intramuros (a parte visível do iceberg) cumpre-se “dar
algum jeito” à esta população ou condená-los a amarga possibilidade do
extermínio extramuros. (ok)

Medida de internação: socioeducação ou tortura?


Douglas Vasconcelos Barbosa(1)
(ok)
Na verdade, não se pode olvidar que essa perspectiva de doutrina da proteção integral é uma grande
conquista social, sobretudo para quem lhe é dirigida: criança e adolescente. No entanto, não obstante ter
uma içada valia para o direito infanto-juvenil, passa longe de ter uma total aplicabilidade prática, pois não é
raro termos ciência de transgressões desses direitos outorgados por parte daqueles que devem assegurá-
los; inclusive quando se trata dos adolescentes em medida de internação (ok)

A esse respeito, acabamos por colocar uma sobrecarga ao adolescente com expectativas que destoam da
sua própria realidade; é pensar em um mundo do dever ser, quando na realidade não o é. É buscar maquiar
os problemas sociais enfrentados por todos os adolescentes, sobretudo os que estão em conflito com a lei,
pois “o ingresso em práticas de atos infracionais torna-se um elemento inserido no âmbito dos demais
elementos que compõem o cenário de vulnerabilidade, de falta de oportunidades e de exposição à
violência” (SILVA, 2012, p. 100).(ok)

Como bem descrito por SCISLESKI et al (2015), o que seria denominado de socioeducação, no tocante à
segregação da liberdade do adolescente, trabalha como forma de retribuição, ou seja, de punição ao
mesmo, na busca de conferir à sociedade uma segurança, com idênticos modelos prisionais do adulto. Nesse
sentido, apontam os dados que “o sistema socioeducativo se caracteriza por um caráter punitivo muito
parecido ao sistema prisional” (MNPCT, 2016, p. 62).(ok)

24/05/2020

POLÍTICA DA SOCIOEDUCAÇÃO NO BRASIL: ANÁLISE ACERCA DO RACISMO


ESTRUTURAL NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO BRASILEIRO
Maria Yvelonia dos Santos Araujo
Joyce Ferreira dos Santos
Luciano Ramalho da Silva (ok)

A trajetória das políticas e da conquista dos direitos da criança e adolescente no Brasil ao decorrer
é marcada por uma marginalização e descriminação de tais indivíduos. Outrora vistos como
objetos passiveis de intervenção, a questão da infância e da adolescência envolvidos na
criminalidade, são agravadas pelas relações culturais, raciais e econômicas que carregam
vicissitudes sócio históricas.(ok)

Em verdade, o Estado e a classe dominante nunca se preocuparam em compreender o contexto histórico-


social das crianças e dos adolescentes negros e pobres e, por este motivo, tornava-se mais proveitoso
transferir a responsabilidade da sua condição social para o próprio indivíduo, num cenário em que a omissão
do Estado se fez contundente e assertiva para o desenvolvimento do capitalismo periférico em nosso país
(BEZERRA, 2018).

Diferentemente do Código de Menores de 1927 e 1979, o ECA entende que deve haver diferenças
no trato de crianças e adolescentes em situação de risco e/ou vulnerabilidade social,
estabelecendo medidas de proteção quando a integridade física, moral, mental e social destes,
estiverem em risco. E aos adolescentes com idade de 12 (doze) anos que estão em situação
conflituosa com a lei aplicam-se medidas socioeducativas.
Nesse aspecto e em referência as medidas socioeducativas, faz-se necessário abordar o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo, inicialmente instituído pela Resolução nº 119/2006, do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), e historicamente
recentemente, aprovado pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Neste sentido, tal resolução
estabelece que o SINASE

(...) constitui-se, pois, na lei de execução de medidas socioeducativas,


sendo considerado um documento teórico -operacional para execução
dessas medidas. A implementação do SINASE objetiva primordialmente
o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos
princípios dos direitos humanos. Defende-se, ainda, a ideia dos
alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturada,
principalmente, em bases éticas e pedagógicas. (O SINASE (Lei nº
12.594/12) em perguntas e respostas – São Paulo – Ed. Ixtlan – 2016).
(ok)

A partir das reflexões construídas neste artigo, é possível compreender o cenário do Sistema Socioeducativo
no Brasil, em que a questão racial é consubstancialmente equiparada as contradições do capital/trabalho,
uma vez que estruturalmente, por anos de história, o sistema econômico escravagista agudizou de forma
profunda as relações capitalistas sociais aportadas numa sociabilidade definida pela ideologia do racismo.
Desta forma, para o Sistema Socioeducativo que é predominantemente composto por jovens negros e
pobres (Bezerra, 2018), o contexto infracional é ocasionado não só por questões intrapessoais, mas também
pelas questões interpessoais. Esse cenário social alimenta uma maior marginalização e criminalização do
jovem negro, seja no mundo do trabalho, seja na vida escolar, no convívio comunitário, ou em sua
participação política. Neste sentido, Costa e Guedes (2017) afirmam que
Os adolescentes autores de atos infracionais apreendidos nas unidades
oficiais de atendimento socioeducativo do Brasil são vítimas dessa
política de contenção das classes que representam perigo eminente à
tranquilidade e estabilidade da sociedade que reprime, penalmente, os
seus membros que ela considera desviantes. (Costa e Guedes, p. 07,
2017).(ok)

BEZERRA, Lucas Alves. Socioeducação e Luta de Classes: a dialética marxista no campo da socioeducação.
Brasília: UNB, 2018.

COSTA, Ricardo Peres da. GUEDES, Olegna de Souza. As expressões das prisões no mundo do capital. Argum.,
Vitória, v. 9, n. 2, p. 108-120, maio/ago. 2017.

A POLÍTICA PÚBLICA DA SOCIOEDUCAÇÃO NO ESTADO


DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO
Dirceia Moreira *
Crisna Maria Muller **

Desenha-se, assim, o cenário nacional da implementação da política de socioeducação,


com suporte legal no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei. 8.069/90), na Lei do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (Lei n. 12.594/12), bem como na
Resolução n. 119 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA.

“O adolescente não pode ser diminuído na sua totalidade subjetiva a partir de um


raciocínio que se projete apenas sobre a pessoa circunstanciada pela situação em que se encontra”
(RAMIDOFF, 2011, p. 28). É necessário olhar para além da dimensão comportamental do
adolescente envolvido no evento infracional, reconhecendo no adolescente a sua dimensão
humano-existencial em sua totalidade subjetiva, pois somente assim será possível a sua
emancipação enquanto pessoa humana em desenvolvimento (RAMIDOFF, 2011).(ok)

RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições do Direito da Criança e Adolescente. 1ª ed. Curitiba: Juruá,
2011.

Conforme Nogueira Neto (2008), a medida socioeducativa tem o propósito de servir


como estratégia para assegurar a plenitude da cidadania do adolescente autor de ato infracional e não para
torná-lo menos cidadão, cidadão de segunda classe, ainda mais marginalizado.(ok)

NOGUEIRA NETO, Wanderlino. O Sistema de Justiça e seus desafios políticoinstitucionais:


a garantia do pleno desenvolvimento dos adolescentes em conflito com a lei. In:
ABMP. Justiça Juvenil sob o marco da proteção integral. São Paulo: ABMP, p.76- 112, 2008.

Outrossim, é necessário que os adolescentes já inseridos no sistema socioeducativo


não sejam submetidos a sanções adicionais que os privem de seus direitos fundamentais. Aos governos
cabe destinar recursos para a área, mais investimentos nas estruturas dos programas e estabelecimentos
socioeducativos, com o oferecimento de espaços para escolarização, profissionalização e práticas
esportivas, lazer e cultura; incremento nas ações socioeducativas destinadas a este segmento, ampliação
das equipes de profissionais e sua contínua capacitação, além da articulação intersetorial das diferentes
instâncias e serviços para o atendimento integral dos/as adolescentes, dentre outras medidas.(ok)

Por fim, a construção e a oferta do Estado Democrático de Direito aos sujeitos da


política da socioeducação é uma tarefa a ser implementada cotidianamente por toda a rede que compõe o
Sistema de Garantia de Direitos, no intuito de operacionalizar os direitos e garantias aos adolescentes
autores de ato infracional, superando a mentalidade cultural de uma política pública “pobre para
adolescentes pobres” pela perspectiva de emancipação do sujeito.(ok)

30/05

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE (Lei 12594,


de 18 de janeiro de 2012) reafirma a diretriz do Estatuto da Criança e do
Adolescente sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa. O SINASE é o
conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político,
pedagógico, que envolve desde o processo de apuração do ato infracional até a
execução da medida socioeducativa. Constitui-se em uma política pública e visa à
efetivação de uma política que contemple os direitos humanos, buscando transformar a problemática
realidade atual de violação destes direitos em
oportunidade de mudança. O atendimento ao adolescente em conflito com a lei está
inserido no Sistema de Garantia de Direitos – SGD, composto pelos seguintes
sistemas: SUAS – Sistema Único de Assistência Social; SUS – Sistema Único de
Saúde; Sistema de Justiça e Segurança Pública; Sistema Educacional e pelo
SINASE. (reescrever) (ok)
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece as diretrizes na atenção
a este segmento da população, fundamenta a estruturação do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE (Lei 12594, de 18 de janeiro de 2012). Seu
objetivo é orientar ações socioeducativas sustentadas nos princípios dos direitos
humanos.
Sob a perspectiva de um sistema de garantia de direitos, o SINASE se
articula com o Sistema Único de Assistência Social, o Sistema Único de Saúde, o
Sistema de Justiça e Segurança Pública e o Sistema Educacional. Esta articulação
inviabiliza o desenvolvimento da ação isolada, reorientando toda intervenção para
ações integradas, com base no reconhecimento da incompletude institucional. Adota
um novo enfoque no atendimento ao adolescente em conflito com a lei, que
recupera e ressalta a responsabilidade da família, da comunidade e, principalmente,
do Estado nesse processo.(ok)
Segundo o sociólogo Pedro Bodê de Moraes, o controle social perverso atua
na produção do medo, articula juventude à violência, apresenta os jovens como
produtores de violência, o que justificaria a intensificação da repressão a este grupo,
destacadamente do Estado por intermédio da polícia.(ok)

Sabidamente a repressão tem caráter racial e geográfico. Observamos, na


prática com os adolescentes atendidos, e em consonância com o mesmo autor, que
jovens negros e moradores da periferia, têm mais dificuldade de acessar serviços,
principalmente de lazer e trabalho, em espaços que não sejam seus espaços
habituais de circulação.(ok)

O sociólogo Luis Machado da Silva (2008, p. 50) também enfatiza que no


caso específico dos jovens residentes em favelas, mais do que as ambiguidades de
uma conivência (com os traficantes) que não significa engajamento, haveria
proximidade, idealização do estilo de vida dos traficantes e adesão ativa. Que as
redes de criminosos se beneficiam das proteções à categoria jurídica de
inimputabilidade penal dos adolescentes. Ainda segundo o autor, mesmo sabendose
que a grande maioria não integra as quadrilhas, os jovens residentes em favelas
têm sido percebidos e tratados como em permanente risco de a elas aderir.(ok)

Bodê de Moraes considera que o medo é estimulado pela estigmatização e


satanização dos jovens, principalmente negros e pobres. Trata-se, pois, de
criminalizar a marginalidade, tendo como articuladores fundamentais outros
elementos como a militarização da polícia e a policialização da sociedade.
As políticas públicas que deveriam alcançar estes jovens, como o acesso ao
trabalho e à educação de qualidade, são suplantados por práticas violentas, com o
aumento da taxa de homicídios e encarceramento de indivíduos advindos deste
grupo social.

Os jovens são muito mais vítimas, vulneráveis, que vitimizadores. Em


relação ao encarceramento, os atos infracionais cometidos dizem respeito mais a
furtos e pequenos roubos. Os homicídios representam pequena fração. Os jovens,
principalmente negros, são mais vítimas, mas aparecem como representantes das
classes ditas perigosas. O jovem perigoso também serve como justificativa à
militarização da polícia que no Brasil é antiga.(ok)

Observamos no atendimento aos adolescentes, que todo o contexto


vivenciado de vulnerabilidade social e psíquica pode acarretar sintomas, que
acabam por estigmatizá-los duplamente: além de “infratores”, são também
“anormais”. Raramente faz-se uma reflexão mais ampla sobre as condições de vida
destes jovens, do ponto de vista material e emocional. O quanto podem ser vítimas
de um processo de “sociabilidade violenta”6.

“Em suma, eram de fato práticas de exclusão, práticas de rejeição, práticas de


‘marginalização’, como diríamos hoje... a maneira como o poder se exerce sobre os
loucos, sobre os doentes, sobre os criminosos, sobre os desviantes, sobre as
crianças, sobre os pobres. Descrevem-se em geral, os mecanismos de poder que se
exercem sobre eles como mecanismos e efeitos de exclusão, de desqualificação, de
exílio, de rejeição, de privação, de recusa, de desconhecimento; ou seja, todo o
arsenal dos conceitos e mecanismos negativos da exclusão.” (Foucault, 2001, p.54)

Cabe ressaltar que no campo da saúde mental destaca-se a Política de


Saúde Mental do Ministério da Saúde, baseada nos referenciais de Direitos
Humanos e da Reforma Psiquiátrica, a partir dos quais são priorizadas diferentes
estratégias na permanência de crianças e adolescentes com comprometimento
mental em seus contextos familiar e comunitário. Tais referenciais encontram-se em
consonância com o SINASE, que também se baseia “na efetivação de uma política
que contemple os direitos humanos buscando transformar a problemática realidade
atual em oportunidade de mudança.” (SINASE, 2006, p. 23)ok
Cabe ressaltar que, segundo o artigo 103 do ECA, o ato infracional, é uma
ação praticada por criança ou adolescente, caracterizada na lei como crime ou
contravenção penal. De acordo com a Constituição Federal (art. 228), Estatuto da
Criança e do Adolescente (art.104) e Código Penal (art.27), o adolescente autor de
ato infracional é inimputável penalmente, ou seja, não tem responsabilidade penal e
por isso, é submetido a uma responsabilização jurídica especial.(ok)

Internação em estabelecimento Medida privativa de liberdade, sujeita aos educacional princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Não comporta prazo
determinado, devendo ser reavaliada a cada seis meses, com prazo de duração não superior a três anos.

O ato infracional cometido pelo adolescente revela o contexto de violência e


de transgressão do pacto social. Mas, não se deve perder de vista que ele faz parte
da sociedade e que a condição de cumprimento de uma medida socioeducativa não
o exclui de um contexto maior de transformações sociais. Tal contexto também deve
ser compreendido pela equipe de trabalho na gênese de seu ato infracional, na
forma como ele se relaciona com o mundo e em suas perspectivas futuras.

Assim, as práticas socioeducativas devem contemplar a dinâmica das


instituições família, escola, trabalho, comunidade local, rede de serviços de
atendimento, ou o que o SINASE denomina como grupo suporte, ao mesmo tempo
em que coloca o foco do trabalho no adolescente, em sua subjetividade e
objetividade e na construção de um projeto de vida. O adolescente deve ser
reconhecido como o protagonista deste cenário e como sujeito de direitos que é.
Enquanto ele for visto apenas como problema, será excluído da possibilidade de
canalizar construtivamente suas energias como agente de transformação pessoal e
social (ok)

Segundo o educador Antonio Carlos Gomes da Costa, qualquer tipo de


educação é, por natureza, eminentemente social. O conceito de socioeducação ou
educação social, no entanto, destaca e privilegia o aprendizado para o convívio
social e para o exercício da cidadania. Trata-se de uma proposta que implica em
uma nova forma do indivíduo se relacionar consigo e com o mundo. Deve-se
compreender que educação social é educar para o coletivo, no coletivo, com o
coletivo. É uma tarefa que pressupõe um projeto social compartilhado, em que
vários atores e instituições concorrem para o desenvolvimento e fortalecimento da
identidade pessoal, cultural e social de cada indivíduo.

Cabe assinalar que, de acordo com Gomes da Costa, a socioeducação se


bifurca, por sua vez, em duas grandes modalidades:
a) uma de caráter protetivo, voltada para as crianças, jovens e adultos em
situação de vulnerabilidade, em razão da ameaça ou violação de seus direitos por
ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado ou até mesmo da sua
própria conduta, o que os leva a se envolver em situações que implicam em risco
pessoal e social;
b) e outra voltada especificamente para o trabalho social e educativo, que
tem como destinatários os adolescentes em conflito com a lei em razão do
cometimento de ato infracional.

Feita esta distinção, pode-se falar de uma socioeducação de caráter


protetivo e outra de caráter socioeducativo. Esta última voltada para a preparação
de adolescentes e jovens para o convívio social, de forma que atuem como
cidadãos e futuros profissionais, que não reincidam na prática de atos infracionais, e
assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito aos seus direitos fundamentais e a
segurança dos demais cidadãos.

O trabalho socioeducativo, neste sentido, é uma resposta às premissas


legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como às demandas sociais do
mundo atual.
A socioeducação decorre de um pressuposto básico: o de que o
desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, contemplando todas as
dimensões do ser. A opção por uma educação que vai além da escolar e
profissional está intimamente ligada a uma nova concepção que destaca e privilegia
o aprendizado para o convívio social e para o exercício da cidadania. Trata-se de
uma proposta que implica em uma nova forma do indivíduo se relacionar consigo e
com o mundo.
Ainda segundo Gomes da Costa, com a vinculação entre educador8 e
educando9, a indiferença deixa de existir e as pessoas vinculadas passam a pensar,
a falar, a referir, a lembrar, a identificar, a refletir, a interessar, a complementar, a
irritar, a discordar, a admirar, e a sonhar um com o outro ou com o grupo.

Gomes da Costa propõe uma metodologia que denomina “Pedagogia da


Presença”, desde que haja vontade sincera de ajuda e disposição interior para
tanto, e que deve ser desenvolvida por parte do educador e entendida como o
instrumental metodológico básico da socioeducação.
As bases da socioeducação permitem que o profissional que trabalha com o
adolescente vá além dos aspectos negativos mostrados pelo educando, como
impulsos agressivos, revoltas, inibições, intolerância, alheamento e indiferença com
qualquer tipo de norma. O profissional competente reconhece que aí está o pedido
de auxílio de alguém que, de forma confusa, se procura e se experimenta em um
mundo hostil e ininteligível. Por outro lado, também, o educador evita colocar em risco sua ação
educativa por meio de manipulações, chantagem afetiva, apego
desmesurado, dependência descabida.

Este enfoque da Pedagogia da Presença articula o funcionamento teórico


com propostas concretas de organização das atividades práticas, determinando as
consequências para o tipo de adolescente que se deseja formar.
De acordo com este enfoque, as atividades devem propiciar aos educandos
oportunidades de conquistas através de pequenos e sucessivos sucessos, e buscar
o fortalecimento de atitudes positivas e o estímulo ao reconhecimento do esforço
pessoal como um valor para a vida. Neste processo, é importante desenvolver no
educando a capacidade de resistir às adversidades, aproveitando todos os
momentos para crescer, para superar-se. Como essas realizações não acontecem
de forma unilateral, é necessário que a instituição esteja devidamente aparelhada e
seus agentes preparados para prestar tal ajuda no redirecionamento da trajetória de
vida dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Todavia, baseado na Pedagogia da Presença, defende que nenhuma lei, nenhum método ou técnica,
nenhum recurso logístico, nenhum dispositivo políticoinconstitucional pode substituir o frescor e a
imediaticidade da presença solidária, aberta e construtiva do educador junto ao educando

Segundo Paulo Freire:


ensinar exige a convicção de que a mudança é possível... um dos saberes primeiros,
indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadas pela traição a
nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que
seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e
não como inexorabilidade. É o saber da história como possibilidade e não como
determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. (1996, p. 85).

Segundo Costa (1991), os profissionais que lidam com estes adolescentes


devem partir do entendimento de que a subjetividade deve ser curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade, que se relacionam dialeticamente. Que o papel do
profissional é interagir com o adolescente, de forma que este também perceba esta
dialética, que este jovem não é só alguém que observa o mundo como mero
expectador, constatando o que ocorre, mas o de quem intervém como sujeito da
própria história, vislumbrando a superação da situação atual.
O professor Antonio Carlos Gomes da Costa (1991, p. 73), baseado na
concepção de mundo de Antonio Makarenko, acredita na construção de um sistema
pedagógico, comprometido com a classe trabalhadora e com a emancipação das
classes subalternas. Que o profissional deve transitar entre a ambiguidade de uma cidade familiar,
pelas mesmas aspirações, propósitos, compromisso e vontade
política, mas que ao mesmo tempo, rema contra o contexto institucional e social,
que muitas vezes, apresenta uma sociedade cujo ethos cultua o individualismo, o
levar vantagem em tudo, a lei do mais forte, a lei do mais esperto, o consumismo e
uma grande desmobilização da juventude, uma grande opressão e degradação
pessoal e social dos meninos e meninas que são os maiores destinatários das
nossas ações, desde que sejam vistos como fontes de iniciativa, de liberdade e de
compromisso, para que possam passar a “ver no mundo algo a ser transformado,
ver no mundo um convite ao pensamento crítico, convite à ação transformadora, ver
no mundo ‘matéria de que fazer’, ver no mundo uma tarefa.” (1991, p. 76).

Ainda segundo Gomes da Costa (1991), o “primeiro e mais decisivo passo


para vencer as dificuldades pessoais é a reconciliação do jovem consigo mesmo e
com os outros”.
O autor ressalta que a capacidade de fazer-se presente na vida do educando
não é, como muitos preferem pensar, um dom, uma característica pessoal
intransferível de certos indivíduos, algo de profundo e incomunicável. Ao contrário,
esta é uma aptidão que pode ser aprendida, desde que haja, da parte de quem se
propõe a aprender, disposição interior, abertura, sensibilidade e compromisso para
tanto. Efetivamente, a presença não é alguma coisa que se possa apreender
apenas ao nível da pura exterioridade.

Tarefa de alto nível de exigência, essa aprendizagem requer a implicação


inteira do educador no ato de educar. Sem esse envolvimento, o seu estar-junto-doeducando não
passará de um rito despido de significação mais profunda, reduzindose
à mera obrigação funcional ou a uma forma qualquer de tolerância e condescendência, de modo a
coexistir mais ou menos pacificamente com os impasses e dificuldades do dia a dia dos jovens, sem
empenhar-se, de forma realmente efetiva, em uma ação que se pretenda eficaz. Por outro lado, é
importante salientar que, situado no polo direcionador da relação, não pode o educador a ela entregar-
se de uma forma ilimitada, irrestrita, incondicional e
irrefletida, como algumas vezes costuma ocorrer. Essa maneira extrema de
testemunhar solidariedade e compromisso, frequentemente costuma redundar em
consequências imprevisíveis e danosas, seja para o educador, seja para o
educando.

73), baseado na concepção de mundo de Antonio Makarenko, acredita na construção de um sistema pedagógico,
comprometido com a classe trabalhadora e com a emancipação das classes subalternas.
Que o profissional deve transitar entre a ambiguidade de uma cidade familiar, pelas mesmas aspirações,
propósitos, compromisso e vontade política, mas que ao mesmo tempo, rema contra o contexto institucional e
social

Gomes da Costa (1991, p.19) indica e analisa as abordagens profissionais


mais utilizadas com os adolescentes em conflito com a lei, denominando-as de
“amputação”, realizada através de abordagens correcionais e repressivas, daqueles
aspectos da personalidade do educando considerados nocivos a ele próprio e à
sociedade; “reposição”, realizada através de práticas assistencialistas, quanto aos
aspectos materiais e paternalistas, no que se refere ao lado emocional, do que lhe
foi sonegado nas fases anteriores de sua existência; e “aquisição”, onde o próprio
educando, através de uma abordagem autocompreensiva, orientada para a
valorização e fortalecimento dos aspectos positivos de sua personalidade, do
autoconceito, da autoestima e da autoconfiança necessários à superação das suas
dificuldades.

O primeiro enfoque (amputação), historicamente, mostrou-se capaz de


produzir dois tipos de pessoas: os rebeldes e os submissos. Os rebeldes adotam
um padrão de conduta violentamente reativo no seu relacionamento consigo mesmo
e com os outros, o que, geralmente, os leva a se inviabilizarem como pessoas e
como cidadãos. Já os submissos se despersonalizam, tornam-se frágeis,
vulneráveis, inseguros, afeitos a serem manipulados e totalmente incapazes de
assumirem o próprio destino.
O segundo enfoque (reposição), baseado nas privações e carências
encontráveis na vida desses jovens, procura vê-los pelo ângulo do que eles não
são, do que eles não trazem, do que eles não têm, do que eles não são capazes. A
tentativa de suprir de forma mecânica, via programas institucionais, essas
carências, tem resultado geralmente na produção de grande número de jovens
dependentes, propensos a se tornarem recorrentes crônicos de aparato assistencial
do Estado ou das organizações não-governamentais.
O terceiro enfoque (aquisição) procura partir do que o adolescente é, do que
ele sabe, do que ele se mostra capaz e, a partir dessa base, busca criar espaços
estruturados a partir dos quais o educando possa ir empreendendo, ele próprio, a
construção do seu ser em termos pessoais e sociais. Esta linha de atuação está presente, em maior ou
menor medida, nas poucas experiências bem sucedidas no
Brasil voltadas para adolescentes com problemas mais sérios. Por esta via, muitos
jovens têm recobrado a confiança em si mesmos e se descoberto capazes de lutar e
progredir juntamente com os outros.
Trata-se de uma proposta de educação emancipadora. A Pedagogia da
Presença, enquanto teoria que implica os fins e os meios desta modalidade de ação
educativa, propõe-se a viabilizar este paradigma emancipador, através de uma
correta articulação do seu ferramental teórico com propostas concretas de organização das atividades
práticas. A orientação básica desta pedagogia é
resgatar o que há de positivo na conduta dos jovens em dificuldade, sem rotulá-los
nem classificá-los em categorias baseadas apenas nas suas deficiências.
Segundo Gomes da Costa, o educador não deve aceitar a perspectiva de
que sua função venha a ser apenas adaptar o jovem à ordem social vigente. Ele
deve abrir espaços que permitam ao adolescente tomar-se fonte de iniciativa, de
liberdade e de compromisso consigo mesmo e com os outros, integrando de forma
positiva as manifestações desencontradas de seu querer-ser. Aquisições utilitárias,
como aprendizado de um trabalho rentável, socialmente útil e boas maneiras, que
tornem o educando um cidadão produtivo e bem aceito, são preocupações das
quais nenhum educador sério poderá abrir mão. Tais aquisições viabilizam o jovem
no mundo em que ele é chamado a viver.

O Estatuto da Criança e do Adolescente nasce da efervescência de movimentos sociais na década de


1980, em um cenário propício de abertura política e de reformas constitucionais, e representa um
marco na história das políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência no país, pois é nele
que, pela primeira vez na história brasileira, se concebe crianças e adolescentes como cidadãos e
sujeitos de direitos políticos, sociais e jurídico, de modo que a noção de Proteção Integral se traduz na
principal inspiração do ECA, que vai permear o SINASE, considerado como “coisa pública, portanto,
pertencente à comunidade”.
(SINASE, p.13)

De acordo com o SINASE (2006, p. 48), o requisito indispensável para quem


pretende estabelecer com os adolescentes uma relação de ajuda na busca da
superação de seus impasses e dificuldades, refere-se ao perfil do profissional,
principalmente no que diz respeito à qualidade e habilidades pessoais na
interrelação com esse adolescente, pautados nos princípios dos direitos humanos.

No caso dos adolescentes que apresentam algum tipo de comprometimento


mental, é fundamental que os programas socioeducativos sejam compostos por um
corpo técnico que tenha conhecimento específico na área de atuação profissional e,
sobretudo, conhecimento teórico-prático em relação à especificidade do trabalho a
ser desenvolvido. Os programas socioeducativos devem contar com uma equipe
multiprofissional com perfil capaz de acolher e acompanhar os adolescentes e suas
famílias em suas demandas e com habilidade de acessar a rede de atendimento
pública e comunitária para atender casos de violação, promoção e garantia de
direitos. As equipes devem ser acessadas dentro da perspectiva da incompletude
institucional.
No campo da saúde mental, destaca-se a Política de Saúde Mental do
Ministério da Saúde, baseada nos referenciais de Direitos Humanos e da Reforma
Psiquiátrica, a partir dos quais são priorizadas diferentes estratégias na
permanência de crianças e adolescentes com comprometimento mental em seus
contextos familiar e comunitário. Tais referenciais encontram-se em consonância
com o SINASE, que também se baseia “na efetivação de uma política que
contemple os direitos humanos buscando transformar a problemática realidade atual
em oportunidade de mudança.” (SINASE, p.23)

O próprio SINASE dispõe de apenas um capítulo, para tratar da temática, o


qual transcrevemos integralmente:
Capítulo V
Do atendimento ao portador de transtorno mental
Art.39. O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e com transtorno
mental, inclusive o decorrente de álcool e drogas afins, será inserido no atendimento
de assistência integral à saúde mental, preferencialmente na rede SUS extrahospitalar.
Parágrafo único. O adolescente deverá ser avaliado e acompanhado, de acordo com
a sua singularidade, sob a responsabilidade de grupo intersetorial, composto pelas
equipes técnicas de programa de atendimento da rede de assistência à saúde, para
elaboração e execução da terapêutica, em conformidade com o plano individual.

De acordo com Leite (2011), em publicação da Organização Mundial de


Saúde que trata de diversos temas em relação à saúde no mundo, é apresentada
uma conceituação de transtorno mental, a qual, vale dizer, ampara-se na CID-10.
Segundo essa publicação, os transtornos mentais e comportamentais são
“condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de
pensar e do humor (emoções) ou por comportamentos associados com angústia
pessoal e/ou deterioração do funcionamento” (OMS, 2001, p. 17). Cabe esclarecer,
contudo, que os transtornos mentais são fenômenos que não se enquadram em
variações dentro da escala de normalidade, sendo antes claramente patológicos.
Mas a ocorrência de um curto período de anormalidade do estado afetivo, por si só,
não justifica a afirmação de que há um transtorno mental, de modo que, para tal, é
preciso que essa anormalidade seja recorrente e cause deterioração ou perturbação
em uma ou mais esferas da vida do sujeito. (ibid.)

De acordo com o SINASE (2006, p. 31), o princípio da incompletude inconstitucional revela a lógica
presente no ECA, quanto à concepção de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais para a organização das políticas de atenção à infância e à juventude. Sendo assim, a
política de aplicação das medidas socioeducativas não pode estar isolada das demais políticas
públicas. Os programas de execução do atendimento devem estar articulados com os demais serviços
que visem atender os direitos dos adolescentes, entre estes, a saúde, política social básica de caráter
universal, para que a proteção integral seja assegurada.

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em Questão, Ano 12, n. 22 . 2009.2, p. 141-160.

Mara Cristina Fernandes Barbosa


A questão da socioeducação e o
descompasso entre a política e a prática na
efetivação dos direitos de adolescentes com
comprometimentos mentais
É bastante evidente que o sistema socioeducativo, assim como o sistema prisional, perfaz um recorte
bastante específico da população: são pessoas que vem de famílias pobres, que moram em zonas periféricas
com altos índices de vulnerabilidade e violência, de pele negra e com acentuada defasagem escolar. Em
nosso Estado, por exemplo, o jovem que cumpre medida socioeducativa apresenta, majoritariamente, essas
mesmas características15 (FASE, 2015).

Como vimos, mesmo nessas condições de marginalização, esses sujeitos não deixam de ser atravessados
pelo discurso do capitalismo. Frequentemente, os jovens escutados nas Rodas falavam sobre como
ganhavam quantias substanciais de “dinheiro fácil” trabalhando no tráfico para gastarem, quase tudo de
uma vez, em uma noite de festas, bebidas caras e roupas de grife. Um dos adolescentes contou uma vez que
comprava roupas de marca com o que ganhava no tráfico, mas mentia para a mãe que eram “baratinhas”
para que ela não desconfiasse que ele estava envolvido no crime16.

Segundo ele, “roupas caras duram mais” e, além disso, “as pessoas na rua sabem dizer se uma roupa é ou
não é de grife”. Essa relação com a roupa parece-nos muito próxima da categoria de objetos-fetiche que
falávamos anteriormente.

Contudo, para além dessa fruição dos objetos que seria generalizada, outras relações mais específicas
parecem se estabelecer na vida desses jovens. A partir do relato dos adolescentes, percebemos a existência
de uma forte adesão ao tráfico17 desde muito cedo. De maneira bastante atrelada à essa questão, também
notamos uma proximidade exacerbada com o real da morte – tanto no protagonismo de atos violentos,
quanto na posição de objetos que sofrem violência durante as abordagens policiais que envolvem tortura e,
eventualmente, a própria morte.
Sabemos que o adolescente moderno tem exibido seu colorido sintomático através dos estados depressivos
e limítrofes, dos transtornos alimentares, das toxicomanias e do crescente protagonismo em atos
transgressivos e violentos. Todavia, é preciso esclarecer que não tomamos tais fenômenos como doenças,
mas, sim, como produções do sujeito frente à angústia e ao vazio tributários aos referidos fenômenos
contemporâneos de “teenagização da cultura” (KEHL, 2004) e de “erosão do lugar do Outro” (GURSKI,
2012b).
Tomando a particularidade dos atos transgressivos e violentos, é preciso que problematizemos a noção de
“causa e consequência” entre vulnerabilidade social/pobreza e violência/criminalidade. A partir dos
trabalhos de Gurski (2011, 2012b), sabemos que jovens de classe média e média alta também cometem
infrações, inclusive aquelas que são consideradas bizarras pela sociedade em função de seu caráter cruel e
extremamente violento. Um dos aspectos que parecem diferenciar “ricos” e “pobres” é o modo pelo qual
tais atos tem sido tradicionalmente lidos pelo social.

Os meninos de periferia, sobretudo os negros, são vistos como “delinquentes”, “menores infratores” que
sabiam exatamente o que faziam no momento da ação transgressora. Em resposta a isso, são sentenciados a
cumprir uma medida socioeducativa, especialmente no âmbito da privação de liberdade. Já os meninos de
classe média ou média alta, majoritariamente brancos, estudantes ou universitários, tem seus atos
interpretados como a manifestação da impulsividade comum a “todo” adolescente, fato que justificaria que
tivessem uma segunda chance em suas vidas. Assim, na maior parte das vezes, esses adolescentes ou são
“livrados” do processo por influência familiar, ou respondem em liberdade ou ainda chegam a receber uma
medida socioeducativa, ainda que bem mais branda e menos duradoura que o grupo da periferia.
Analisando as altas taxas de reincidência, é sabido que muitos deles saem do período de internação e
voltam a trabalhar no tráfico, o que, em uma primeira mirada, poderia ser explicado unicamente pelo fato
de que, normalmente, se ganha muito melhor na boca de fumo do que na boca do caixa de um
supermercado qualquer.

Para pensar tal questão, trazemos um fragmento recolhido nos diários de experiência. Depois de passar um
período envolvido com o tráfico, Luan, na época com 16 anos, decidiu que queria sair do tráfico em função
de algumas confusões. Assim, acabou trabalhando na construção civil, “levantando parede” como forma de
ganhar seu “dinheiro suado”. Ele morava com a namorada e esperava seu primeiro filho, estava cheio de
planos para o futuro que não incluíam o mundo do crime. Quando soube que a tão desejada gravidez havia
sido espontaneamente interrompida aos 6 meses de gestação, Luan foi tomado por um rompante de
angústia insuportável – “joguei tudo pro alto, as coisas não faziam mais sentido, Dona”.

Nesse contexto, Guerra et. al, (2014) asseveram que o saber unívoco do tráfico passa a oferecer aos sujeitos
“uma solução rápida e eficaz” (p. 258, grifo nosso), ainda que empobrecida do ponto de vista simbólico, de
como responder ao enigma feito ao Outro através do acesso fácil à vida sexual, ao crime e às drogas
(GUERRA et. al, 2014).
Achamos interessante problematizar um pouco mais essa questão em torno da eficácia da solução
argumentada pelos autores: até que ponto ela é eficaz? Por um lado, fazer uso do saber do tráfico funciona
para esses jovens como uma saída da invisibilidade, possibilitando que eles possam ocupar posições de
poder, fazendo-se, assim, representar no social. Por outro lado, qual é a consistência que essa resposta
oferece à vida adulta? Podemos afirmar, então, que todos eles são adultos do ponto de vista psíquico, ainda
que empobrecidos no que tange ao registro simbólico? Acreditamos que não.

FASE. (2015). Relatório de Atividades da Fundação de Atendimento Socioeducativo. Relatório Técnico.

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PSICANÁLISE E SOCIOEDUCAÇÃO: NUANCES DA PASSAGEM ADOLESCENTE EM
CONTEXTOS DE VIOLÊNCIA E VULNERABILIDADE
Stéphanie Strzykalski e Silva
PORTO ALEGRE
2017
De acordo com Flávio A. Frasseto2, o foco da medida socioeducativa de internação é muito mais no autor do que
no ato infracional. A gravidade do ato infracional é considerada no momento da sentença, no entanto, esquecida
durante o cumprimento da medida. A duração da medida socioeducativa não se vincula à gravidade da infração,
mas sim ao tempo necessário para a mudança comportamental que se espera desse
adolescente. Neste sentido, o ato infracional se apresenta como um indicador de um traço desviante,
de forma que a medida justifica-se como estratégia para sua correção. O adolescente com transtorno mental
também é compreendido como alguém que apresenta uma inadaptação às regras sociais. Por se desviar de um
modelo moralizador que impõe um padrão de normalidade a ser seguido, é visto como alienado, irracional ou
perigoso, e deve ser submetido a tratamento médico para se adequar ao padrão socialmente colocado de
normalidade.
O que dizer então do sujeito que reúne em si as peculiaridades da experiência da adolescência, transtorno mental e a autoria de ato
infracional? O que se constata é que não existe uma resposta sobre o atendimento adequado para esse sujeito.
O artigo 112 § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sinaliza que “os adolescentes
portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições” 1,
no entanto, não aponta qual seria esse lugar e não apresenta diretrizes para esse tratamento. Da mesma forma , o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) faz menção aos adolescentes com transtorno mental ao propor que o atendimento seja
realizado, preferencialmente, na rede pública extra-hospitalar de atenção à saúde mental, deixando ainda muitas lacunas sobre o
atendimento adequado a essa população no âmbito das medidas socioeducativas 3.
Assim, situado entre a lei e a psiquiatria, o adolescente autor de ato infracional com transtorno mental torna-se alvo desses dois
campos de saber e poder. Ergue-se uma relação contraditória entre a punição e o tratamento, impossibilitando a conciliação das ações
dos campos da justiça e da saúde no atendimento a esse adolescente.
As principais demandas dos adolescentes em saúde mental foram elencadas a partir dos encaminhamentos
elaborados pela equipe psicossocial– equipe composta por assistente social, pedagogo e psicólogo – para os serviços de saúde. Os
motivos mais frequentes de encaminhamentos para esses serviços foram: insônia 18 (25%), tratamento para a dependência de drogas
12 (17%), ideação suicida 6 (9%), automutilação 5
(7%) e depressão 5 (7%). Os encaminhamentos para tratamento para a dependência de drogas foram solicitados em 8 (66%) casos
pelo próprio adolescente. Esse dado se relacionou ao fato de muitos adolescentes terem acesso a esse tipo de tratamento apenas após
o ingresso na medida socioeducativa.
Insônia, ideação suicida, automutilação e depressão estão relacionadas à clausura e ao sofrimento
que ela produz na vida dos adolescentes, onde a privação de liberdade acrescida da submissão aos profissionais e às rígidas regras da
instituição acaba por gerar ou agravar as demandas em saúde mental. De acordo com Erving Goffman 12, desde a entrada do sujeito na
unidade é iniciado um processo de mortificação, chamado de a mortificação do eu. Nos casos de ideação suicida, apesar da
complexidade de fatores que contribuem para o seu surgimento, essa ideação pode ser acirrada pelo processo de mortificação do eu.
A mortificação acontece devido a diversos fatores presentes na rotina de uma instituição total que obriga o indivíduo a participar de
atividades cujas consequências simbólicas são incompatíveis com sua concepção do eu 12. Na unidade socioeducativa todas as
atividades dos adolescentes são acompanhadas por um profissional: a saída do quarto para o pátio; o telefonema para a família; o
jogo de futebol; o percurso do módulo para a escola, a enfermaria ou o atendimento psicossocial, sempre realizado com as mãos para
trás sinalizando que a algema – ainda que invisível – aprisiona o adolescente. Acrescida a esta vigilância, rígidas regras devem ser
cumpridas rotineiramente, pois, se desrespeitadas, resultarão em uma penalização que, de pendendo da gravidade, os levará para o
módulo disciplinar, onde permanecerão “de castigo” pelo prazo determinado pela equipe de segurança.
Assim, de acordo com Goffman12, cada um desses fatores mortificam esses sujeitos aos poucos. A distância entre o mundo do
internado e o mundo externo, os uniformes, a submissão aos profissionais, a rotina alheia à que vivia em sua comunidade, a
obrigação do cumprimento das regras, dentre outros, são fatores que mortificam a identidade dos adolescentes. Dia após dia sob a
mesma realidade, esses adolescentes já se
encontram com sua identidade morta, restando apenas o corpo que, preso, lhes é um causador de sofrimento. Dessa forma, o anúncio
ao suicídio expressa o limite de sua existência.
Os demais diagnósticos, como transtornos depressivos e de ansiedade, representam 11 (27,5%)
dos casos, o que se vincula ao sofrimento causado pela privação de liberdade e a relação do adolescente
com o ato infracional e sua vivência em um contexto de violência. Este sofrimento foi expresso nas justificativas dos
encaminhamentos para os serviços de saúde mental que relatavam o medo do adolescente em sofrer retaliações, a culpa pelo ato
infracional e a dor por ter presenciado atos de violência.
São sujeitos invisíveis, que experimentam uma situação de abandono por não receberem um atendimento adequado pelas políticas
sociais. A medicina e a justiça voltam sua atenção para eles, no entanto, os cuidados em saúde são silenciados pela punição judicial 14.
Para conhecer o atendimento oferecido a esses adolescentes no âmbito da medida socioeducativa,
foi necessário situar esses sujeitos no contexto social que contribuiu para seu ingresso na
medida socioeducativa. Verificou-se que eles e suas famílias vivenciam uma realidade de privação de direitos marcada pela pobreza
e ausência de políticas sociais que atendam suas necessidades.
Essa realidade reflete a ausência de um Estado social e de direitos, em detrimento do Estado
penal, que se ergue para controlar as desigualdades sociais a partir do investimento no aparelho
policial e judiciário que, cada vez mais, leva adolescentes de classes populares para as unidades
socioeducativas15.
Inseridos em um contexto de violência repleto de disputas, desavenças, ameaças e agressões,
o sofrimento psíquico não é rompido. Pelo contrário, esse contexto se torna mais um fator gerador
de sofrimento, que é aumentado com a vigilância do aparato penal sobre esses adolescentes.
A qualquer desvio dos adolescentes, esse aparato encaminha-os para a medida socioeducativa
onde, internados em uma instituição, experimentam o grande sofrimento da privação de
liberdade.
No que se refere ao atendimento oferecido pela política de saúde mental, verificou-se a necessidade
do cumprimento do disposto no SINASE e na Lei 10.216 de 200116 que propõem que esse atendimento
seja realizado, preferencialmente, na rede de saúde externa à unidade socioeducativa.
A partir do uso de medicamentos psicotrópicos, os adolescentes não tiveram apenas o seu corpo preso pela medida socioeducativa de
internação, eles passaram a experimentar um encarceramento químico, por meio do qual se buscou ajustar seu comportamento, além
de aliviar o sofrimento causado pela medida de internação17.
Assim, o estudo sobre esses adolescentes mostrou a privação de liberdade como um potencializador de sofrimento psíquico. A
medida socioeducativa de internação não oferece de forma efetiva os direitos garantidos pela política de infância e adolescência e
política de saúde mental no que se refere à atenção aos adolescentes com transtorno mental autores de ato infracional.
Ainda que haja esforços para a garantia de direitos e por ações socioeducativas por meio dessa medida, ela sempre se apresentará
como geradora de sofrimento devido à apartação social que promove na vida desses adolescentes.

Goffman E. Manicômios, Prisões e Conventos. São


Paulo: Perspectiva; 2008.

Gonçalves Vilarins, Natália Pereira


Adolescentes com transtorno mental em cumprimento de medida socioeducativa de internação
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 19, núm. 3, marzo-, 2014, p. 891898
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil

De modo geral, os atos infracionais mais praticados são os que se referem ao patrimônio, sobressaindo-se o
roubo. Pôde-se observar que o perfil da delinquência está sendo alterado ao longo dos anos. Apesar de o roubo
manter-se como o ato mais corriqueiro, o tráfico e o uso de entorpecentes obtiveram expressivo crescimento,
figurando atualmente em segundo lugar; o homicídio, que chegou a ocupar essa posição, agora está em
decréscimo.

tendo em vista que geralmente elas são aplicadas como forma de repressão do ato infracional, e não de
prevenção.
Grande parte das unidades do país não possui instalações adequadas no que se refere à higiene, às celas, ao
espaço, bem como quanto ao oferecimento de atividades multidisciplinares.

A investigação parte da hipótese de que estaria sendo constituída e adotada uma nova biopolítica de disciplinamento e
contenção de corpos, sob o argumento de controle e prevenção de riscos para os jovens e para a sociedade em geral.

Socioeducação

A socioeducação surge como uma proposta de reformular o modo como a adolescência em conflito com a
lei vinha sendo tratada até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990.
Conforme o dicionário do sistema socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, “O conceito de socioeducação
ou educação social [...] destaca e privilegia o aprendizado para o convívio social e para o exercício da
cidadania.” (Abdalla, Veloso & Vargens, 2016, p. 348), ou seja, a educação se torna o foco deste modelo.
No nosso entender, o modelo socioeducativo existe para conjugar a necessidade de punir o adolescente
infrator (já que o Código Penal não se aplica a menores de dezoito anos) e ao mesmo tempo justificar a
punição utilizando um discurso educativo que se diz progressista.

É imperioso reconhecer que a medida socioeducativa tem caráter punitivo, aplicando-se a quem cometeu
um ato infracional, a quem infringiu normas sociais estipuladas em lei, restringindo ou privando o autor do
ato de sua liberdade. É a resposta da sociedade e do Estado a uma transgressão da norma social. Acatando a
existência dessa dimensão, a acentuação do elemento pedagógico visa reduzir o alcance dos efeitos
punitivos sobre o adolescente no contexto do Direito da Criança e do Adolescente. (Costa, 2015, p. 63).
Seja mais ou menos parecida com uma prisão, a instituição existe com o fim de disciplinar os adolescentes. A
medida pode ser entendida como um castigo, relacionada estritamente ao cometimento da infração, o
“errou tem que pagar”,

Temos também o embate judicial entre privilegiar o status de “agente socioeducativo”, ou o de “agente de
segurança socioeducativo”. Depois de anos, saiu no Rio de Janeiro a decisão legal 3 para mudar o nome do
cargo de agente socioeducativo para agente de segurança socioeducativo; a inclusão da palavra segurança
revela um movimento de aproximação com os agentes penitenciários e suas práticas

Não custa reafirmar: a medida socioeducativa tem conteúdo predominantemente pedagógico, mas sua
natureza é sancionatória. Ela é uma medida imposta, uma medida coercitiva quanto ao delito praticado por
adolescente, e decorre de uma decisão judicial. Uma medida que deve ser aplicada e cumprida com o estrito
respeito às leis. (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006, p. 30)

Como por exemplo, o PPI que diz que o adolescente:


Ao ser considerado responsável pelo cometimento do ato infracional e associado a um processo judicial, o
primeiro passo em direção a uma justiça juvenil é o de identificar e explicitar com clareza a dimensão
pedagógica das garantias processuais. À medida que o adolescente percebe que não foi vítima de um ato
discriminatório, mas que teve a condição de defender-se, ele passa a perceber e compreender a justiça como
um valor concreto em sua existência. (2012, p. 377).
O trecho que versa sobre discriminação é tanto cruel quanto ideológico. Ao fazer com que o adolescente seja
individualmente responsabilizado pelo ato, exime-se de culpa a sociedade e a relevância dos fatores classe e
perfilamento racial11 para as abordagens policiais, o que engrossa a massa das detenções. Com isso, ignora-se
o contexto histórico-político-econômico em que está inserido. Insistir nesse discurso meritocrático que prega
que cada um é o único e suficiente responsável pelo seu sucesso ou seu fracasso, é insistir em fechar os olhos
não só para os milhares de exemplos do cotidiano12, mas também para a vasta produção acadêmica que
mostra o público específico sobre o qual se investem as práticas de controle
A opressão não se dá em categorias fixas, o que significa que quem é oprimido em uma estrutura pode se
tornar opressor em outra. A opressão se dá especialmente quando o sujeito não tem consciência das
estruturas de dominação que permeiam a sociedade (Rossetto, 2015). O ato infracional cometido é algo que
fez parte daquele momento da vida do adolescente, mas não é determinante e nem dá conta da dimensão
maior da sua vida, Martins e Lacerda Jr. (2014), apoiados nos estudos de Martín-Baró, mostram que aqueles
que estão inseridos por muito tempo em uma realidade cotidianamente violenta tendem a naturalizá-la, não
só no seu entendimento, mas também nas suas ações, ou seja, podem agir com violência também. Nesse
sentido podemos afirmar que a violência estrutural presente nas estruturas de dominação desembocam em
outra forma de violência, que se volta para a sociedade. É por isso que a conscientização é primordial para
diluir o ciclo de violência em que estes jovens estão inseridos.
Com isso, se revela um movimento conservador ambivalente, ora direcionado para a punição mais severa,
alimentado por um clamor vingativo espalhado pela sociedade, e ora com sentido caritativo e que não
propõe emancipação, a ampliação das potências dos jovens, e sim uma docilização que desconsidera as
diversas formas de existir no mundo para preconizar o modelo ideal que atende aos interesses das classes
dominantes.

Abdalla, J., Veloso, B. R. & Vargens, P. W. (2016). Dicionário do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de
Janeiro. [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Novo DEGASE. Recuperado de:
http://www.degase.rj.gov.br/documentos/DicionariodoSistemaSocioeducativodoEstadodoRiodeJaneiro(201
6).pdf

Coimbra, C.; Bocco, F. & Nascimento, M. L. (2005). Subvertendo o conceito de adolescência. Arquivos
Brasileiros de Psicologia, 57(1), 2-11. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1809-52672005000100002&lng=pt&tlng=pt.
ENTRE A SOCIOEDUCAÇÃO E A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A
EDUCAÇÃO PARA JOVENS EM VULNERABILIDADE SOCIAL
RAIANA CASSIA FULAN GOMES

31/05

Ainda que se considere a possível imprecisão da informação sobre o uso de psicofármacos,


a mesma indica a importância de se aprofundar as discussões sobre os mecanismos de patologização
e medicalização aos quais os adolescentes que praticaram atos infracionais estão possivelmente
submetidos.

Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente ou o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente, ou mesmo, a participação dos profissionais nestes conselhos aponta para a necessidade de os/as
profissionais se apropriarem dos dispositivos
políticos que em muito podem contribuir para uma prática ética e comprometida com as
diretrizes da profissão.

Por um lado, a pobreza e a situação em que vivem,


em precariedade, levam os adolescentes a se envolverem com o crime. Sem o acesso universal
à escola ou com um sistema de educação em condições materiais precárias, sem um atendimento
digno à saúde e diante da ausência de políticas mais eficientes de inserção social, o
adolescente se vê diante da sedução exercida pelo crime e pela expectativa de acesso a uma
melhor condição de vida. Por outro lado, acompanhando a precariedade social, as famílias,
que poderiam ser um meio de sustentação, também se encontram envolvidas em situações
complexas para lidar com o problema.
Diante das medidas de privação de liberdade, o adolescente torna-se, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto, agente mas também paciente, do processo. O ato infracional, se flagrado pela
sociedade, lança o adolescente ao mundo das instituições públicas, transferindo a autoridade
dos pais para a figura do juiz e de seus representantes. Parece-nos que o jovem sofre uma
dupla violência: a privada, vivida em situação familiar ou social deteriorada; e, a pública,
experimentada nas ruas, mas também nas instituições nas quais ocorreria sua reinscrição
para a cidadania.
A questão do adolescente infrator simboliza a luta
pelo acesso digno a direitos humanos, de modo semelhante a tantas outras demandas sociais,
projetando-a como uma síntese dos desafios éticos e políticos do mundo contemporâneo. O
crime praticado pelo adolescente sinaliza certo fracasso do mundo capitalista e globalizado
na função de possibilitar as relações sociais democráticas e de respeito à vida, desvendando
contradições e desigualdades que têm clara influência no fenômeno da delinquência.

O desrespeito à vida e a construção


do sujeito dos direitos humanos
Edson Teles

De acordo com a doutrina da proteção integral, que rege os paradigmas anunciados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, o princípio da incompletude institucional constitui chave de organização política, administrativa e
pedagógica da intervenção socioeducativa em situação de privação de liberdade. Esse emblema pode ser
localizado, a princípio, tanto no âmbito constitucional – na medida em que o art. 227 da Carta Federal impõe que a
“negligência”, na qual também se expressa a incompletude, é uma das formas de violação de direitos – quanto no
infraconstitucional.
Já no tocante à medida socioeducativa de internação, o art. 121, §1º, aproxima-nos da ideia central a partir da
definição de “atividades externas” como um direito de adolescente privado de liberdade. Entretanto, parece ainda
faltar definirmos o conceito da incompletude institucional.
E essa compreensão se completa na medida em que se compreende que a institucionalização
reduz a vida da pessoa à vida da própria instituição, e esta, por sua vez, não seja apta a garantir todos os direitos da
pessoa institucionalizada. É nesse sentido que a incompletude
se torna um dentre vários princípios e diretrizes a informar a todos os profissionais, familiares e adolescentes
envolvidos no sistema que a internação não pode ser fim, mas apenas meio para a dupla finalidade da medida
socioeducativa – responsabilização e garantia de direitos. Logo, é preciso ir “em busca da completude”.
O princípio da incompletude orienta o Estado a pautar-se pela necessidade de se “eliminar
as diferenças entre o mundo da prisão e o mundo livre, utilizando os serviços (…) da comunidade” (MENDES e
COSTA, 1994, p. 51).
Em outras palavras, deve-se recorrer aos serviços e aos recursos comunitários e institucionais dos territórios
(bairros, ruas) afins do/a adolescente para garantir seus direitos, numa dinâmica em que o próprio acesso às
políticas executadas externamente
efetiva o direito ao desenvolvimento. Mas não é apenas no ECA que encontramos o princípio
da incompletude, pois também podemos recorrer às previsões da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança (BRASIL, 1990) e das Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores
Privados de Liberdade (ONU, 1990) para melhor compreender o cenário identificado nas unidades socioeducativas
visitadas, os pontos críticos e as possibilidades de novos arranjos.

Estopim do processo de institucionalização, a autolesão e o suicídio podem aparecer não raras vezes, (“depressão e
ideação suicida, muitas vezes decorrente da dificuldade de adaptação à situação de privação de liberdade”).
presente na Portaria GM/MS n. 1082/2014, que “redefine as diretrizes da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e
Internação Provisória (PNAISARI)” (BRASIL, 2014).
uma vez que a instituição, devendo bastar-se nos aspectos
responsabilizatórios, não pode assumir o papel de produtora de afetos substitutivos aos intrínsecos, às relações de
amizade e familiares, o que melhor se vivencia fora do estabelecimento socioeducativo.

Incompletude Institucional
Daniel Adolpho Daltin Assis

Algumas/alguns psicólogas/os identificam sofrimentos decorrentes da própria situação de privação de liberdade


seja na forma de sinais de “depressão e ideação suicida”, seja na demanda dos adolescentes por “medicação para
dormir ou para se acalmar”. De fato, transtornos do sono, de ansiedade e comportamentos de automutilação têm
sido identificados entre os adolescentes da Fundação Casa (SARTI, 2000; VICENTIN, 2005) e podem ser
compreendidos como resultantes das inter-relações entre a pessoa e o meio, conforme descrito por diversos
estudiosos que discutiram os efeitos dos processos de institucionalização
Tal é o caso da experiência de mortificação (GOFFMAN, 2003) que se apresenta sob diversas
formas: exaustão, medo, desamparo, impotência e até depressão, sentida tanto pelos jovens
internados quanto pelos profissionais que deles se ocupam. Trata-se, como indica Bittencourt
(2009), de uma violência silenciosa, provocada pelo excesso que o cotidiano institucional deflagra nos indivíduos e
que desvitaliza a convivência institucional, pois é também alimentada pelo medo e pela inércia. É uma violência
que torna difícil distinguir o que seria normalidade e o que seria uma reação patológica. Por exemplo, é necessário
pensar a analogia entre determinados “transtornos” e a própria cultura institucional:

A cultura institucional parece reforçar exatamente a delinquência, o poder


sobre o corpo do outro (agressões), a trapaça, a injustiça. Os que sofrem e
não se abalam (psiquicamente), onseguem, nesses termos, ganhar poder.
Quanto mais distanciados de seus afetos, maiores as chances de
sobrevivência. (...) Do ponto de vista da saúde mental, esta situação de
despersonalização gera stress, aumenta a irritabilidade e a agressividade.
(...) Não há espaço para relações afetivas, baseadas na confiança e no
respeito. Isto faz com que os sujeitos fiquem à deriva de uma lei
personalizada nas circunstâncias e no poder do mais forte, diminuindo a
chance de que novas identificações ocorram e que um projeto de vida
diferente possa ser almejado. (SARTI, 2000).

Como comentamos anteriormente (nota 2), a PNAISARI (BRASIL, 2014), na perspectiva da


intersetorialidade, do cuidado em rede (BRASIL, 2011) e da incompletude institucional, configura novos
mecanismos e estratégias:
• Propõe maior vinculação das equipes de atenção básica à unidade socioeducativa, tendo
aquela como coordenadora do cuidado (art. 12, §1o). A política entende que as equipes
de atenção básica deverão articular-se com as equipes de saúde internas à unidade para
promover a inserção dos adolescentes nas redes de atenção à saúde.

SARTI, C. A. A saúde mental na ‘nova Febem’. Projeto Quixote. Relatório interno de trabalho apresentado à
Febem. São Paulo: Departamento de Psiquiatria da Unifesp, mimeo, 2000.

Saúde mental no contexto


de privação da liberdade
Maria Cristina G. Vicentin

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei em Regime
de Internação e Internação Provisória (PNAISARI) é regulamentada pelo Ministério da Saúde. De
acordo com Portaria no 1.082/2014 1, depreende-se o modelo considerado “ideal” para atenção à saúde
dos adolescentes: realizado prioritariamente na atenção básica e, se houver equipe de saúde dentro da
unidade socioeducativa, a equipe de atenção básica do território de referência se articulará com ela
para inserir os adolescentes nas redes de atenção à saúde, de modo complementar.
Em relação à saúde mental, a política propõe que a equipe de atenção básica do território seja
acrescida de profissionais de saúde mental em quantidade que variará conforme o total de adolescentes
que cumprem medida. Esses profissionais devem ser cadastrados como integrantes da equipe de
atenção básica de referência e poderão ou não ser de Núcleos de Apoio à Saúde da Família 1.
Propõe-se que esses profissionais de saúde mental atuem na lógica de matriciamento. O foco não
é que eles realizem atendimento individual, ambulatorial ou façam relatórios.
O modelo pressupõe que a instância federativa responsável pela atenção integral à saúde dos adolescentes
faça adesão à PNAISARI. Entretanto, essa adesão não é uma realidade na maior parte dos
municípios do Rio de Janeiro, Brasil, inclusive na capital, mesmo contando com a maior quantidade
de unidades de internação do estado.

Saúde mental de adolescentes internados


no sistema socioeducativo: relação entre
as equipes das unidades e a rede de
saúde mental

A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –


SINASE, criada após o ECA busca regulamentar a execução das medidas socioeducativas. Estabelece que o
sistema socioeducativo tenha a obrigatoriedade de garantir os direitos fundamentais dos adolescentes e,
entre eles, está o direito a saúde.
O trabalho no campo da saúde nessa conjuntura é tecido com a rede, utilizando os fluxos e parâmetros
estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo ao adolescente o acesso aos seus direitos e o
cuidado com a saúde. Para garantir a especificidade do trabalho com adolescentes privados de liberdade é
estabelecida a portaria nº 1082 que redefine as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória (PNAISARI). Os
objetivos dessa portaria, que estão em consonância com a PNAISARI, visam ampliar as articulações e
garantir os serviços de saúde, promover ações de promoção e prevenção em saúde para a garantia da
reinserção social do adolescente. Desse modo, seguindo os fluxos de saúde, o trabalho do socioeducativo e
as intervenções em saúde propostas serão construídas a cada caso, no intuito de atender as singularidades
da história de cada adolescente.
O adolescente que apresenta questões de saúde mental responde a medida socioeducativa a partir das suas
peculiaridades e o trabalho que se pretende desenvolver no socioeducativo deve levar em conta as
singularidades dos casos e a capacidade de cumprimento dos adolescentes. Reconhecer as singularidades
desse cumprimento possibilita a inclusão dos sujeitos e das suas vivências e questões em uma política
universalizante.
O SINASE Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 regulamenta a execução das medidas socioeducativas e
traz em seu 1º artigo os principais objetivos das medidas:
I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do
ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;
II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos
individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de
atendimento; e
III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da
sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de
direitos, observados os limites previstos em lei.

O trabalho socioeducativo deve ter fatores protetivos em todos os âmbitos da saúde, garantindo ao
adolescente a atenção integral e dando a estes condições de cumprimento de medida em suas
dependências.
O SINASE constitui-se, por conseguinte, em instrumento indispensável para a
efetivação do Estatuto que, em muitos aspectos, encontra-se estritamente no plano
jurídico e políticoconceitual, longe de alcançar os sujeitos de direitos: os
adolescentes. Justifica-se a criação do SINASE devido ao grande interesse do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos e dos movimentos sociais de defesa da criança e do
adolescente, pelo enfrentamento das situações de violência e violação de direitos
que afetam os adolescentes autores de ato infracional, no âmbito do sistema
socioeducativo (VILAS BOAS; CUNHA; CARVALHO, 2010, p.228).

Com o objetivo de ampliar o cuidado em saúde dos adolescentes no âmbito do sistema socioeducativo
temos a portaria nº 1.082 de 23 de maio de 2014. Essa portaria redefine as diretrizes da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação
Provisória (PNAISARI), incluindo-se o cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e fechado.
Uma das primeiras definições da portaria é o estabelecimento do SUS como o sistema responsável pelo
atendimento de saúde do adolescente seja na promoção de saúde, na prevenção, na assistência e
recuperação da saúde.
A PNAISARI tem objetivo de ampliar os serviços de saúde para adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, usam ações intersetoriais, incentiva a criação de projetos terapêuticos nos PIAs e garante
ações de promoção e prevenção de saúde no que diz respeito aos transtornos mentais e uso de drogas. Para
isso propõe a criação de dois documentos: o Plano Operativo Estadual – POE e o Plano Operativo Municipal
– POM para que as entidades federativas sigam as diretrizes de adesão a implantação e implementação da
atenção à saúde dos adolescentes. A adesão dos municípios possibilita que haja um plano de ações
direcionadas aos adolescentes que garantam a sua inserção na rede e o acesso aos serviços.
A atenção integral a saúde do adolescente é feita através da rede de atenção a saúde e no que diz respeito a
saúde mental a rede se organiza através das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS). Na atenção básica o
adolescente será atendido pela rede de atenção psicossocial, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD). Na atenção especializada e na urgência está
prevista a internação curta.
Os encaminhamentos e tratamento dos adolescentes com transtorno mental que se encontram em
cumprimento de medida são articulados com a rede de saúde mental, seguindo os princípios da não
institucionalização e da minimização do tempo de privação de liberdade. A portaria nº 1.082 apresenta essa
perspectiva quando estabelece ações para as equipes de saúde, nos anexos da portaria. No anexo I a
portaria faz referência ao entendimento da privação como promotora de transtornos no campo da saúde
mental e o trabalho deve minimizar os efeitos da institucionalização na saúde dos adolescentes. O trabalho
do atendimento, da escuta, é visto como uma possibilidade de melhora na qualidade de vida deste
adolescente e para sua saúde mental.
Fernandes, Ribeiro e Moreira (2015) fazem uma crítica ao trabalho de articulação do socioeducativo com a
saúde. Os autores apontam que as vulnerabilidades sociais vivenciadas pelos adolescentes, somadas aos
preconceitos que eles sofrem pelos gestores do sistema socioeducativo e pelos gestores do SUS fazem com
que não se atendam os adolescentes a partir do que as legislações propõem, que são de um atendimento
humanizado e integral. Há que se considerar ainda que essa dificuldade de articulação também está ligada
no caráter punitivo que o sistema socioeducativo ainda tem, o que dificulta uma assistência humanizada aos
adolescentes.
A lógica do SUS se choca com as características de instituição total que as unidades
socioeducativas de internação e internação provisória ainda apresentam, pelos
discursos e práticas usuais dos profissionais e gestores nelas observadas. Por seu
turno, a lógica das legislações e normatizações encontra consideráveis dificuldades
de ressonância e concretização no cotidiano das unidades socioeducativas
(FERNANDES; RIBEIRO; MOREIRA, 2015, pag. 125).

Os adolescentes que fazem acompanhamento de saúde mental no sistema socioeducativo realizam-no


dentro do centro socioeducativo, bem como na rede externa de saúde mental. Todas as unidades de
internação acompanham adolescentes com transtorno mental. Os adolescentes que não têm diagnósticos
representam um número elevado dos casos de saúde mental nas unidades. Ressalta-se que esses
adolescentes, mesmo sem diagnóstico, fazem uso de medicação psicotrópica.

SAÚDE MENTAL E SISTEMA SOCIOEDUCATIVO: um trabalho tecido por muitos


BIANCA FERREIRA ROCHA
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APS Atenção Primária em Saúde
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e
Drogas
CAPSI Centro de Atenção Psicossocial Infantil
CBIA Centro Brasileiro da Infância e Juventude
CENSE Centro Socioeducativo
CID Código Internacional de Doença
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolecente
CREAS Centro de Referência Especializado de
Assistência Social
CRIAAD Centro de Recursos Integrados de
Atendimento ao Adolescente
CSIRS Coordenação de Saúde Integral e Reinserção
Social
DEGASE Departamento Geral de Ações
Socioeducativas
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ENS Escola Nacional de Socioeducação
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública
FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor
FEEM Fundação de Educação ao Menor
FIA Fundação de Infância e Juventude
FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
IP Internação Provisória
LRP Lei da Reforma Psiquiátrica
MS Ministério da Saúde
MSE Medida Socioeducativa
NASF Núcleo de Apoio a Saúde da Família
NSM Núcleo de Saúde Mental
PACGC Professor Antônio Carlos Gomes da Costa
PASE Plano de Atendimento Socioeducativo
PIA Plano Individual de Atendimento
PNAISARI Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde de Adolescentes em Conflito com a
Lei, em Regime de Internação e Internação
Provisória
PPI Projeto Político Institucional
PPP Projeto Político Pedagógico
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
RAS Rede de Atenção Social
SAM Serviço de Assistência ao Menor
SDH/PR Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República
SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos
SGD Sistema de Garantias de Direitos
SINASE Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo
SM Saúde Mental
SSE Sistema Socioeducativo
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
USE Unidade Socioeducativa

No Brasil, ao adolescente autor de atos infracionais, atos análogos a crimes ou contravenções


penais conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, é atribuído as Medidas
Socioeducativas (MSE), sendo a internação em estabelecimento educacional a medida mais
severa. Ao portador de transtorno mental, da mesma forma, a internação de longa
permanência em hospital psiquiátrico foi a escolha predominante de tratamento por muitos
anos (AMARANTE, 1995).

Com o processo de redemocratização do país no início da década de 80, tanto os portadores


de transtorno mental quanto a população infanto-juvenil foram também favorecidos por
movimentos sociais e intelectuais que culminaram na elaboração de novas políticas públicas,
num contexto de humanização dos direitos civis e sociais. O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA, Lei 8069/90) e a Lei da Reforma Psiquiátrica (LRP, Lei 10.216/2001) que
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental, conforme Amarante (1995).
O adolescente em conflito com a lei portador de transtorno mental se situa, então, entre o
Direito e a Medicina e entra na agenda política desses dois campos de conhecimento.
Atualmente tanto a internação para o adolescente autor de ato infracional quanto para o
portador de transtorno mental devem preencher os critérios estabelecidos em ambas as leis.
Para o portador de transtorno mental, a LRP determina que a internação somente será indicada
quando se esgotarem os recursos extra hospitalares, em especial o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) referência comunitária para a assistência em saúde mental em
substituição ao modelo asilar de tratamento (BRASIL, 2002).
As instituições totais têm como característica desenvolverem um processo de “mortificação
do eu” que se inicia desde o momento em que o interno chega ao estabelecimento,
ameaçando sua carreira moral. Estes “ataques ao eu” decorrem de quatro pontos: (i) do
distanciamento da vida civil pela imposição de barreiras com o mundo externo; (ii) do
enquadramento do interno pela imposição das regras de conduta; (iii) do despojamento de
bens que o faz perder seu conjunto de identidade e segurança pessoal; (iv) da exposição
contaminadora através de elaboração de um dossiê que viola a reserva de informação sobre
o seu eu.

SOCIOEDUCAÇÃO E SAÚDE MENTAL

A despeito da diversidade institucional na custódia da população adolescente, as MSE são


aplicadas exclusivamente pela autoridade judiciária ao autor de ato infracional, entre elas a
advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a liberdade
assistida, a inserção em regime de semiliberdade e a internação em estabelecimento
educacional, conforme art.112 do ECA.
Ato infracional é qualquer conduta descrita como crime ou contravenção penal e para
aplicação da MSE há que se considerar a capacidade do adolescente em cumprir as MSE, as
circunstâncias e a gravidade do ato infracional.
Com relação a MSE de internação, o art. 121 do ECA orienta que constitui medida privativa de
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade e excepcionalidade, devendo ser reavaliada
pela autoridade judiciária no máximo a cada seis meses, comportando o prazo máximo de
três anos, com a liberação compulsória aos 21 anos de idade. Os adolescentes portadores de
doença ou deficiência mental receberão tratamento individualizado e especializado, em local
adequado às suas condições, conforme descrito neste mesmo artigo. Já o art. 125 afirma que
“é dever do estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhes adotar as
medidas adequadas de contenção e segurança” (BRASIL, 1990).
Referente a população adolescente, no que tange ao tipo de ato infracional por Unidades da
Federação, com exceção do Rio de Janeiro, todas as outras registraram o ato infracional
análogo a roubo como a principal infração, seguido pelo tráfico de drogas e homicídio.
Contrariando os dados nacionais, no Rio de Janeiro, o ato infracional análogo ao tráfico de
drogas lidera esses registros, representando 47%, seguido pelo roubo que representou 30%
dos atos infracionais praticados (BRASIL, 2014).

Além das equipes de acompanhamento de MSE, em todas as USES de internação e internação


provisória, atuam ainda as equipes de saúde mental compostas geralmente por psicólogo,
assistente social, terapeuta ocupacional, musicoterapeuta, oficineiro e o psiquiatra de
referência, formando o Núcleo de Saúde Mental (NSM). O NSM atua, neste formato, desde
2008, sem prejuízos de outras formas de organização de equipe exclusiva para o cuidado em
saúde mental desde 1999. O NSM é responsável pelo acompanhamento terapêutico do
adolescente e também participa da elaboração do PIA no que tange à saúde mental, porém
não produz documentos para a reavaliação judicial, o que favorece a relação de confiança e
os objetivos do tratamento psicossocial individualizado
Os encaminhamentos dos adolescentes ao NSM são: 1) por determinação judicial, geralmente
para os casos em que é considerado tratar-se de uso abusivo de substâncias psicoativas; 2)
por indicação da Defensoria Pública, 3) pelos familiares ou responsáveis, 4) por indicação
técnica, quando a equipe de acompanhamento de MSE percebe alguma indicação para
avaliação e acompanhamento em saúde mental; ou por demanda espontânea; 5) por
solicitação de outros atores do sistema sejam eles professores, agentes socioeducativos,
direção ou outros adolescentes.
Ainda em 2013, a CSIRS elaborou um documento sobre os cuidados em saúde mental dos
adolescentes em privação de liberdade que foi distribuído para as USES com o objetivo de
orientar as equipes técnicas. Especificamente sobre o uso de psicofármacos, as orientações
institucionais objetivam: (a) a redução de psicotrópicos como abordagem inicial ou principal
no manejo dos problemas psicossociais, (b) a extinção do uso de medicamentos injetáveis,
sendo utilizados apenas para os atendimentos de emergência por unidade de socorro móvel
ou unidade hospitalar, (c) a redução de prescrição de tranquilizantes, em especial os que
causam dependência, (d) a ampliação da potencialidade dos recursos terapêuticos e
pedagógicos, (e) a definição do elenco de medicamentos adequados ao perfil epidemiológico
dos adolescentes, (f) a garantia do atendimento humanizado e adequado da crise, utilizando
preferencialmente os serviços de emergência, quando da necessidade de contenção e
segurança, (g) o acompanhamento contínuo do adolescente em sofrimento psíquico,
avaliando e intervindo no caso em que a medida judicial em curso não seja adequada no
momento, (h) a fomentação da interlocução com a rede de serviços em saúde mental nos
diversos níveis de hierarquia do SUS e (i) a promoção de encontros ampliados das equipes
utilizando o matriciamento, a interconsulta, a articulação com os serviços locais e a promoção
do uso racional de medicamentos através do estabelecimento de critérios clínicos e
interdisciplinar (DEGASE, 2013a).
A intervenção farmacológica deveria ser dirigida ao transtorno primário (psicoses) ou aos
sintomas incapacitantes associados, no caso de comportamentos de risco, agressividade e
impulsividade, sendo reservada apenas aos casos moderados e graves e nunca isolada do
manejo psicossocial que será sempre o mais indicado. Para a prescrição medicamentosa há
que considerar ainda os riscos de abuso, o uso inadequado e a possibilidade de continuidade
quando da progressão da MSE. Deverá ser realizada preferencialmente por monoterapia e
fármacos conhecidos, que produzem os menores efeitos colaterais, a menor dose eficaz, pelo
menor tempo possível e que sejam fornecidos pelo SUS.
O DEGASE conta ainda com um protocolo de manejo psicossocial e farmacológico para os
transtornos mais prevalentes nas unidades de internação e internação provisória, indicando
quais as medidas a serem tomadas pelas equipes de referência e qual medicamento a ser
prescrito, assim como suas formas combinadas (DEGASE, 2013a).

“Linha de Cuidado em Saúde do Adolescente”, dentre eles o “Caderno Linha de Cuidados em


Saúde Mental e o Adolescente em Conflito com a Lei”.

A Linha de Cuidado tem como diretrizes o acolhimento, o vínculo e a responsabilização. A


Linha de Cuidado em Saúde Mental é estruturada a partir do projeto terapêutico de cada
adolescente em sofrimento psíquico operando em suas necessidades e não na oferta de
serviços e considera os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica. A articulação entre a
saúde mental e a atenção básica deve ter como princípios a territorialização, a organização da
atenção à saúde mental em rede, a intersetorialidade, a reabilitação psicossocial; a
multiprofissionalidade/ interdisciplinalidade, a desinstitucionalização, a promoção da
cidadania e autonomia dos adolescentes e familiares (DEGASE, 2015).

O fluxo para o acompanhamento pelo NSM se inicia a partir do acolhimento inicial que pode
ser realizado por qualquer profissional da equipe de acompanhamento de MSE. As queixas
mais comuns são: dificuldades para dormir, ver coisas, nervosismo e agitação. O profissional
da equipe de acompanhamento da MSE avalia as situações de risco conforme a história de
vida do adolescente, define um tempo para observação e conclui ser demanda para o NSM ou
não.
Caso seja encaminhado para o NSM, o profissional de saúde mental realiza a avaliação inicial,
organiza o projeto terapêutico e inicia a linha de cuidado. O projeto terapêutico deve ser
elaborado e pactuado com a participação do adolescente e sua família, fortalecendo assim o
vínculo do adolescente ao seu acompanhamento socioeducativo.
A Linha de Cuidado pode incluir atendimentos individuais e em grupo, realização e
organização de grupos temáticos, oficinas terapêuticas, grupos de prevenção, grupos de
familiares/responsáveis e atividades externas com os adolescentes. As ações da Linha de
Cuidado inclui ainda a participação em reuniões de equipe, estudos de casos, participação nos
Fóruns de Saúde Mental/álcool e drogas dos territórios, bem como outros eventos de
interesse para o aprimoramento do trabalho. As equipes devem estabelecer o fluxo para o
desligamento do adolescente através de estudo de caso, contatos e encaminhamentos
necessários à rede de atenção básica que irá receber o adolescente, dando continuidade ao
acompanhamento.

O documento define a constituição das equipes de saúde mental que devem ser compostas
por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas e
oficineiros. Outro ponto fundamental e mencionado pelo documento é a ambiência para o
trabalho terapêutico que deve ter o espaço físico apropriado para atendimentos individuais e
atividades em grupo, resguardando o sigilo dos atendimentos.
O manejo psicossocial deve considerar o histórico do sofrimento psíquico ou transtorno
mental, a gravidade da síndrome de abstinência, história de convulsões, história familiar para
transtorno mental, tratamento prévio, ideação suicida e curso do pensamento. As ações da
linha de cuidado, o manejo psicossocial, a elaboração do projeto terapêutico e a inserção do
adolescente nas atividades pedagógicas, de cultura e lazer devem ter preferência em relação
ao tratamento medicamentoso. Contudo, alguns casos são eletivos para avaliação
psiquiátrica, como agitação psicomotora, convulsões, desorganização psicótica, síndrome de
abstinência moderada ou grave, ideações suicidas e necessidade de diagnóstico para o
melhor manejo psicossocial, além da resposta insatisfatória ao manejo psicossocial (Idem).
(DEGASE, 2015).

Os casos de crise convulsiva, crise destrutiva, agitação psicomotora, crise de ansiedade grave,
anorexia grave ou catatonia devem ser encaminhados para emergência psiquiátrica ou leito
de crise em hospital geral através do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Os casos de
psicose ou outros transtornos mentais graves devem ser compartilhados com o CAPSi e os
casos graves de dependência química devem ser encaminhados para os CAPS AD (Idem).

No caso de progressão de MSE ou transferência a equipe de saúde mental deve entrar em


contato com a equipe que receberá o adolescente para realizar os devidos
encaminhamentos.

As equipes técnicas deverão estar atentas para a incapacidade de o adolescente cumprir a


MSE nos casos de comprometimento mental ou cognitivo grave, necessidade de apoio para
as atividades da vida diária, incapacidade de convívio coletivo, atos infracionais leves
decorrentes da compulsão a adicção, piora do quadro psiquiátrico com a privação de
liberdade, necessidade de vigilância e cuidado contínuo. Nestes casos, a equipe de
acompanhamento de MSE deverá elaborar parecer técnico fundamentado e a psiquiatra
deverá elaborar laudo médico para serem encaminhados ao judiciário de modo a tentar
reverter a medida socioeducativa em medida protetiva de tratamento (Idem).

Por fim, o documento, em consonância com a PNAISARI elenca os indicadores de avaliação de


qualidade na atenção em saúde mental: quantidade de casos de suicídios, quantidade de
casos encaminhados à RAPS e quantidades de adolescentes em uso de psicofármacos
(DEGASE, 2015).

Em relação ao tipo de ato infracional, cabe sublinhar que os considerados mais graves são os
atos contra a vida: homicídio, latrocínio e roubos com violência. Atos mais leves como tráfico
de drogas e receptação são considerados de menor poder ofensivo e por isso leves. Neste
sentido, destaca-se a Súmula 492 do Supremo Tribunal de Justiça: “o ato infracional análogo
ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente a imposição de medida
socioeducativa de internação do adolescente”. (STJ, 2012).

Foi verificado que duas adolescentes provocaram autolesões. A primeira tentou se enforcar
com lençol por duas vezes, contudo, no prontuário não foi registrado detalhes de sua
intenção, somente a descrição do fato. Esta adolescente estava em tratamento de SM com
uso de psicotrópico e havia registro de tratamento em CAPSi anterior a internação.
Em relação às heteroagressões, 17% das adolescentes (6/35) apresentaram este
comportamento entre pares, sendo que 83% (5/6) das adolescentes envolvidas em conflitos
físicos com seus pares estavam em tratamento em SM e apenas uma estava em uso de
psicofármacos.
A ausência de intervenção em SM não medicalizantes nas USES de Porto Alegre, além da
escassez da oferta em serviços comunitários em saúde mental como nos CAPS (ulitizado
apenas por duas adolescentes) e dispositivos da atenção básica pode justificar o número
elevado de adolescentes em uso de psicotrópicos. A relação positiva entre o tipo verticalizado
de gestão e a alta prevalência do uso de psicoativos pode sugerir a forte propensão das
equipes por enfrentar o comportamento violento com o uso da medicação psiquiátrica e
assim atentar contra os direitos dos adolescentes no campo da saúde mental (ALLEN &
RAVEN, 2013).

No município do Rio de Janeiro, entretanto, não há oferta de tratamento para SM em


dispositivos externos e os cuidados são prestados exclusivamente no interior do PACGC, pelo
NSM como apontado anteriormente, reforçando a característica fechada da instituição. Os
CAPS são acionados pontualmente para questões muito específicas.

Neste sentido, destaca-se ainda a organização das ações em SM no PACGC sendo a avaliação
psiquiátrica o último recurso a ser oferecido. Organização semelhante foi citada por Tenório
(2000) na reorganização dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPUB/UFRJ) quando
optou-se estrategicamente pela retirada dos médicos psiquiatras dos acolhimentos iniciais,
dando lugar a escuta ampliada por equipe multiprofissional. O autor propõe os termos
“desmedicalizar” e “subjetivar” para introduzir a ideia de que diante de um pedido de solução
imediata, geralmente direcionado ao médico, na expectativa da cura, deve-se responder
convidando o sujeito a se implicar naquilo que se queixa e convidá-lo a se interessar pela
dimensão subjetiva daquilo que o acomete (TENÓRIO, 2000).

Como descrito nesta dissertação, as intervenções psicossociais do NSM/PACGC, como a


psicoterapia individual/grupo, as oficinas terapêuticas e a influência de normas profissionais
da clínica psicossocial contribuem para a redução da utilização de psicofármacos pelas
adolescentes em privação de liberdade na unidade socioeducativa pesquisada.

Destaca-se, ainda assim, que na organização das ações em SM no PACGC a avaliação


psiquiátrica é o último recurso a ser oferecido. Segundo Vicentin (2006), a alta prevalência de
diagnósticos em transtorno mental e o uso elevado de psicofármacos retiram de cena as
múltiplas causalidades que estão em jogo na situação infracional, impedindo a leitura
ampliada dos fenômenos sociais de exclusão e vulnerabilidade social que também são
relevantes. Além disso, a rotulação causada pelo diagnóstico de transtorno mental pode
favorecer a desresponsabilização do sujeito, dificultando a sua implicação diante de suas
escolhas.

Desta forma o tema da responsabilização supõe um debate ampliado sobre as políticas


protetivas para a infância e juventude em uma dupla dimensão: a responsabilidade social e a
responsabilização individual, ou seja, a discussão de critérios para atribuição de
responsabilidade ao adolescente infrator proporciona a discussão simultânea sobre a
responsabilidade institucional e social, dos gestores públicos (VINCENTIN, 2006).

A ação em saúde mental é pautada pela não psicopatologização dos atos e dos estados
humanos, sobretudo quando eles são relacionados com situações de determinação complexa
e multifatorial. Em relação ao cuidado no campo da SM é proposto a articulação de diferentes
saberes para a compreensão da complexidade da população de adolescentes em conflito com
a lei. Dessa forma, propõe-se a integração entre diferentes setores como Justiça, Direitos
Humanos, Assistência Social, Educação, Saúde, Trabalho, entre outros (BRASIL, 2012a).

A barreira operacional aplica-se a necessidade de deslocamento dos adolescentes em


cumprimento de MSE fechada para cumprir o Projeto Terapêutico Singular nos dispositivos
do SUS. A logística para atender a esta demanda requer condições especiais de transporte,
segurança e recursos humanos, elevando os custos de transação. Esta dificuldade pode
contribuir para a opção governamental de continuar com as ações verticalizadas em saúde
mental.
O DEGASE, embora tenha interesse em pactuar as ações em saúde com a efetivação do Plano
Operativo Municipal no município do Rio de Janeiro, ainda manterá suas ações em saúde
mental intramuros, acreditando que as dificuldades das equipes dos dispositivos comunitários
e as barreiras operacionais não garantiriam o devido cuidado em saúde mental dos quais os
adolescentes privados de liberdade necessitam, a saber, um acompanhamento sistemático e
permanente. Porém outros arranjos poderiam ser pactuados caso o Rio de Janeiro aderisse à
PNAISARI como ações de matriciamento e interconsulta,

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