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De acordo com a publicação do Ministério da Saúde (2005): Caminhos para uma política de saúde mental infanto-
juvenil, as ações voltadas para crianças e adolescentes no Brasil relacionadas à saúde mental ultrapassaram anos
de história limitaram-se a um modelo de assistência voltado para a institucionalização, com uma concepção
fragmentada que não possibilita a integração de crianças e adolescentes. Com um conjunto de medidas que se
baseadas em uma lógica higienista com inspiração normativo-jurídica, que ocasionou a expansão de instituições
fechadas para cuidados desse público. Ocasionando a institucionalização do cuidado e conjuntamente a
criminalização da infância pobre, que gera um quadro de desassistência, abandono e exclusão. (ok)
Conforme a publicação realizada pelo Ministério da Saúde (2005): Caminhos para uma política de saúde mental
infanto-juvenil, as ações dirigidas a crianças e adolescentes no Brasil quanto a saúde mental atravessaram um
século de história circunscritas a um ideário de proteção, que, paradoxalmente, redundou na construção de um
modelo de assistência com forte tendência à institucionalização e em uma concepção segmentada, não
integradora, da população infanto-juvenil.
Ao mesmo tempo em que o início do século XX propagou a importância da assistência a crianças e adolescentes,
principalmente porque elas representavam um futuro diferenciado para a nação brasileira, engendrou-se um
conjunto de medidas, calcadas na lógica higienista e de inspiração normativo-jurídica, que expandiu
sobremaneira a oferta de instituições fechadas para o cuidado de crianças e adolescentes, em sua maioria sob a
tutela do campo filantrópico.
O resultado desse longo processo que visava a assistir crianças e adolescentes foi, por um lado, a
institucionalização do cuidado e, por outro, a criminalização da infância pobre, gerando um quadro que, no
limite, é um quadro de desassistência, abandono e exclusão.
No Brasil, o controle social de adolescentes, em especial os autores de ato infracional apresentam-se revestidos
pelo crescente processo de psiquiatrização (ok)
o controle social dos jovens e especialmente daqueles autores de ato infracional no Brasil tem se revestido de
crescentes processos de psiquiatrização, além dos já conhecidos processos de criminalização, como as propostas de
redução da idade penal.1,2
É o próprio percurso institucional, portanto, que dá forma e nome a um objeto socialmente
perigoso e tudo que não está apto a ser sujeito a tratamento ou reabilitação, o que se apresenta como ingovernável e
intratável é, por essa razão, perigoso.
A prática contemporânea em saúde mental tem rompido a vinculação histórica entre periculosidade e doença
mental:
• demonstrando como os estereótipos da periculosidade encobrem ou impedem que a situação de sofrimento seja
superada;
• mostrando que é possível trabalhar e transformar a agressividade, desde que se tome em conta o contexto de
relações que a produz.
• abrindo as possibilidades da imputabilidade do doente mental, quando estiver de posse de sua possibilidade de
escolha e decisão, ou ainda, de ficar sob acompanhamento dos serviços abertos (e não necessariamente em
manicômio judiciário).
A posição dos atores da saúde mental compromissados com essa ética é de:
• recusar a utilização dos diagnósticos e das terapêuticas em saúde como instrumento de criminalização ou de
legitimidade para as tecnologias punitivas.
• entender que a dimensão central do campo da saúde mental é a clínica do sofrimento mental: isto é, tratamento,
assistência ou terapêutica. A direção dessa clínica é a da reabilitação psicossocial e não a do modelo manicomial.
Nessa perspectiva, advoga- se pela construção da autonomia e da implicação subjetiva.
• entender que é possível interferir nos destinos das relações entre crime e sofrimento psíquico, pela construção de
circuitos de acolhida e intervenção terapêutica capazes de alterar a posição do sujeito.
• realizar uma clínica da vulnerabilidade que “ajude as pessoas a diminuir seus níveis de vulnerabilidade ao
sistema penal”16.
Juventude Negra
e Socioeducação
Raul Câmara1
Conforme Nogueira Neto (2008), a medida socioeducativa tem o propósito de servir como estratégia para
assegurar a plenitude da cidadania do adolescente autor de ato infracional e não para torná-lo menos
cidadão, cidadão de segunda classe, ainda mais marginalizado. (ok)
A trajetória das políticas e da conquista dos direitos da criança e adolescente no Brasil ao decorrer
é marcada por uma marginalização e descriminação de tais indivíduos. Outrora vistos como
objetos passiveis de intervenção, a questão da infância e da adolescência envolvidos na
criminalidade, são agravadas pelas relações culturais, raciais e econômicas que carregam
vicissitudes sócio históricas.(ok)
Como bem descrito por SCISLESKI et al (2015), o que seria denominado de socioeducação, no tocante à
segregação da liberdade do adolescente, trabalha como forma de retribuição, ou seja, de punição ao
mesmo, na busca de conferir à sociedade uma segurança, com idênticos modelos prisionais do adulto. Nesse
sentido, apontam os dados que “o sistema socioeducativo se caracteriza por um caráter punitivo muito
parecido ao sistema prisional” (MNPCT, 2016, p. 62). (ok)
A esse respeito, acabamos por colocar uma sobrecarga ao adolescente com expectativas que destoam da
sua própria realidade; é pensar em um mundo do dever ser, quando na realidade não o é. É buscar maquiar
os problemas sociais enfrentados por todos os adolescentes, sobretudo os que estão em conflito com a lei,
pois “o ingresso em práticas de atos infracionais torna-se um elemento inserido no âmbito dos demais
elementos que compõem o cenário de vulnerabilidade, de falta de oportunidades e de exposição à
violência” (SILVA, 2012, p. 100).(ok)
Percebe-se, desta forma, que os adolescentes que “infringem a lei serão, então, punidos e controlados – ou,
utilizando o eufemismo na interpretação do ECA, socioeducados –, considerando-se a gravidade da infração”
(SCISLESKI et al, 2015, p.510). Seguindo nesse raciocínio,(ok)
A esse respeito, acabamos por colocar uma sobrecarga ao adolescente com expectativas que destoam da
sua própria realidade; é pensar em um mundo do dever ser, quando na realidade não o é. É buscar maquiar
os problemas sociais enfrentados por todos os adolescentes, sobretudo os que estão em conflito com a lei,
pois “o ingresso em práticas de atos infracionais torna-se um elemento inserido no âmbito dos demais
elementos que compõem o cenário de vulnerabilidade, de falta de oportunidades e de exposição à
violência” (SILVA, 2012, p. 100).(ok)
Como bem descrito por SCISLESKI et al (2015), o que seria denominado de socioeducação, no tocante à
segregação da liberdade do adolescente, trabalha como forma de retribuição, ou seja, de punição ao
mesmo, na busca de conferir à sociedade uma segurança, com idênticos modelos prisionais do adulto. Nesse
sentido, apontam os dados que “o sistema socioeducativo se caracteriza por um caráter punitivo muito
parecido ao sistema prisional” (MNPCT, 2016, p. 62).(ok)
24/05/2020
A trajetória das políticas e da conquista dos direitos da criança e adolescente no Brasil ao decorrer
é marcada por uma marginalização e descriminação de tais indivíduos. Outrora vistos como
objetos passiveis de intervenção, a questão da infância e da adolescência envolvidos na
criminalidade, são agravadas pelas relações culturais, raciais e econômicas que carregam
vicissitudes sócio históricas.(ok)
Diferentemente do Código de Menores de 1927 e 1979, o ECA entende que deve haver diferenças
no trato de crianças e adolescentes em situação de risco e/ou vulnerabilidade social,
estabelecendo medidas de proteção quando a integridade física, moral, mental e social destes,
estiverem em risco. E aos adolescentes com idade de 12 (doze) anos que estão em situação
conflituosa com a lei aplicam-se medidas socioeducativas.
Nesse aspecto e em referência as medidas socioeducativas, faz-se necessário abordar o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo, inicialmente instituído pela Resolução nº 119/2006, do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), e historicamente
recentemente, aprovado pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Neste sentido, tal resolução
estabelece que o SINASE
A partir das reflexões construídas neste artigo, é possível compreender o cenário do Sistema Socioeducativo
no Brasil, em que a questão racial é consubstancialmente equiparada as contradições do capital/trabalho,
uma vez que estruturalmente, por anos de história, o sistema econômico escravagista agudizou de forma
profunda as relações capitalistas sociais aportadas numa sociabilidade definida pela ideologia do racismo.
Desta forma, para o Sistema Socioeducativo que é predominantemente composto por jovens negros e
pobres (Bezerra, 2018), o contexto infracional é ocasionado não só por questões intrapessoais, mas também
pelas questões interpessoais. Esse cenário social alimenta uma maior marginalização e criminalização do
jovem negro, seja no mundo do trabalho, seja na vida escolar, no convívio comunitário, ou em sua
participação política. Neste sentido, Costa e Guedes (2017) afirmam que
Os adolescentes autores de atos infracionais apreendidos nas unidades
oficiais de atendimento socioeducativo do Brasil são vítimas dessa
política de contenção das classes que representam perigo eminente à
tranquilidade e estabilidade da sociedade que reprime, penalmente, os
seus membros que ela considera desviantes. (Costa e Guedes, p. 07,
2017).(ok)
BEZERRA, Lucas Alves. Socioeducação e Luta de Classes: a dialética marxista no campo da socioeducação.
Brasília: UNB, 2018.
COSTA, Ricardo Peres da. GUEDES, Olegna de Souza. As expressões das prisões no mundo do capital. Argum.,
Vitória, v. 9, n. 2, p. 108-120, maio/ago. 2017.
RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições do Direito da Criança e Adolescente. 1ª ed. Curitiba: Juruá,
2011.
30/05
Internação em estabelecimento Medida privativa de liberdade, sujeita aos educacional princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Não comporta prazo
determinado, devendo ser reavaliada a cada seis meses, com prazo de duração não superior a três anos.
Todavia, baseado na Pedagogia da Presença, defende que nenhuma lei, nenhum método ou técnica,
nenhum recurso logístico, nenhum dispositivo políticoinconstitucional pode substituir o frescor e a
imediaticidade da presença solidária, aberta e construtiva do educador junto ao educando
73), baseado na concepção de mundo de Antonio Makarenko, acredita na construção de um sistema pedagógico,
comprometido com a classe trabalhadora e com a emancipação das classes subalternas.
Que o profissional deve transitar entre a ambiguidade de uma cidade familiar, pelas mesmas aspirações,
propósitos, compromisso e vontade política, mas que ao mesmo tempo, rema contra o contexto institucional e
social
De acordo com o SINASE (2006, p. 31), o princípio da incompletude inconstitucional revela a lógica
presente no ECA, quanto à concepção de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais para a organização das políticas de atenção à infância e à juventude. Sendo assim, a
política de aplicação das medidas socioeducativas não pode estar isolada das demais políticas
públicas. Os programas de execução do atendimento devem estar articulados com os demais serviços
que visem atender os direitos dos adolescentes, entre estes, a saúde, política social básica de caráter
universal, para que a proteção integral seja assegurada.
Como vimos, mesmo nessas condições de marginalização, esses sujeitos não deixam de ser atravessados
pelo discurso do capitalismo. Frequentemente, os jovens escutados nas Rodas falavam sobre como
ganhavam quantias substanciais de “dinheiro fácil” trabalhando no tráfico para gastarem, quase tudo de
uma vez, em uma noite de festas, bebidas caras e roupas de grife. Um dos adolescentes contou uma vez que
comprava roupas de marca com o que ganhava no tráfico, mas mentia para a mãe que eram “baratinhas”
para que ela não desconfiasse que ele estava envolvido no crime16.
Segundo ele, “roupas caras duram mais” e, além disso, “as pessoas na rua sabem dizer se uma roupa é ou
não é de grife”. Essa relação com a roupa parece-nos muito próxima da categoria de objetos-fetiche que
falávamos anteriormente.
Contudo, para além dessa fruição dos objetos que seria generalizada, outras relações mais específicas
parecem se estabelecer na vida desses jovens. A partir do relato dos adolescentes, percebemos a existência
de uma forte adesão ao tráfico17 desde muito cedo. De maneira bastante atrelada à essa questão, também
notamos uma proximidade exacerbada com o real da morte – tanto no protagonismo de atos violentos,
quanto na posição de objetos que sofrem violência durante as abordagens policiais que envolvem tortura e,
eventualmente, a própria morte.
Sabemos que o adolescente moderno tem exibido seu colorido sintomático através dos estados depressivos
e limítrofes, dos transtornos alimentares, das toxicomanias e do crescente protagonismo em atos
transgressivos e violentos. Todavia, é preciso esclarecer que não tomamos tais fenômenos como doenças,
mas, sim, como produções do sujeito frente à angústia e ao vazio tributários aos referidos fenômenos
contemporâneos de “teenagização da cultura” (KEHL, 2004) e de “erosão do lugar do Outro” (GURSKI,
2012b).
Tomando a particularidade dos atos transgressivos e violentos, é preciso que problematizemos a noção de
“causa e consequência” entre vulnerabilidade social/pobreza e violência/criminalidade. A partir dos
trabalhos de Gurski (2011, 2012b), sabemos que jovens de classe média e média alta também cometem
infrações, inclusive aquelas que são consideradas bizarras pela sociedade em função de seu caráter cruel e
extremamente violento. Um dos aspectos que parecem diferenciar “ricos” e “pobres” é o modo pelo qual
tais atos tem sido tradicionalmente lidos pelo social.
Os meninos de periferia, sobretudo os negros, são vistos como “delinquentes”, “menores infratores” que
sabiam exatamente o que faziam no momento da ação transgressora. Em resposta a isso, são sentenciados a
cumprir uma medida socioeducativa, especialmente no âmbito da privação de liberdade. Já os meninos de
classe média ou média alta, majoritariamente brancos, estudantes ou universitários, tem seus atos
interpretados como a manifestação da impulsividade comum a “todo” adolescente, fato que justificaria que
tivessem uma segunda chance em suas vidas. Assim, na maior parte das vezes, esses adolescentes ou são
“livrados” do processo por influência familiar, ou respondem em liberdade ou ainda chegam a receber uma
medida socioeducativa, ainda que bem mais branda e menos duradoura que o grupo da periferia.
Analisando as altas taxas de reincidência, é sabido que muitos deles saem do período de internação e
voltam a trabalhar no tráfico, o que, em uma primeira mirada, poderia ser explicado unicamente pelo fato
de que, normalmente, se ganha muito melhor na boca de fumo do que na boca do caixa de um
supermercado qualquer.
Para pensar tal questão, trazemos um fragmento recolhido nos diários de experiência. Depois de passar um
período envolvido com o tráfico, Luan, na época com 16 anos, decidiu que queria sair do tráfico em função
de algumas confusões. Assim, acabou trabalhando na construção civil, “levantando parede” como forma de
ganhar seu “dinheiro suado”. Ele morava com a namorada e esperava seu primeiro filho, estava cheio de
planos para o futuro que não incluíam o mundo do crime. Quando soube que a tão desejada gravidez havia
sido espontaneamente interrompida aos 6 meses de gestação, Luan foi tomado por um rompante de
angústia insuportável – “joguei tudo pro alto, as coisas não faziam mais sentido, Dona”.
Nesse contexto, Guerra et. al, (2014) asseveram que o saber unívoco do tráfico passa a oferecer aos sujeitos
“uma solução rápida e eficaz” (p. 258, grifo nosso), ainda que empobrecida do ponto de vista simbólico, de
como responder ao enigma feito ao Outro através do acesso fácil à vida sexual, ao crime e às drogas
(GUERRA et. al, 2014).
Achamos interessante problematizar um pouco mais essa questão em torno da eficácia da solução
argumentada pelos autores: até que ponto ela é eficaz? Por um lado, fazer uso do saber do tráfico funciona
para esses jovens como uma saída da invisibilidade, possibilitando que eles possam ocupar posições de
poder, fazendo-se, assim, representar no social. Por outro lado, qual é a consistência que essa resposta
oferece à vida adulta? Podemos afirmar, então, que todos eles são adultos do ponto de vista psíquico, ainda
que empobrecidos no que tange ao registro simbólico? Acreditamos que não.
GUERRA, A., SOARES, C., PINHEIRO, M., & LIMA, N. L. (2012). Violência urbana, criminalidade e
tráfico de drogas: uma discussão psicanalítica acerca da adolescência. Psicologia em Revista, Belo Horizonte,
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GURSKI, R. & STRZYKALSKI, S. (no prelo). A pesquisa em psicanálise e o “catador de restos”: enlaces
metodológicos. Revista Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica.
GURSKI, R. (2008). Juventude e paixão pelo real: problematizações sobre experiência e transmissão no
laço social atual. UFRGS. 219 f. Tese de Doutorado – Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade
de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/10183/15579>. Acesso em: 23 jun. 2017.
GURSKI, R. (2011). A violência juvenil como sintoma da cultura. In: Associação Psicanalítica de Porto
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GURSKI, R. (2012b). Três ensaios sobre juventude e violência. São Paulo: Escuta.
GURSKI, R. (2014). Três Tópicos para pensar (a contrapelo) o mal na educação. In: VOLTOLINI, R. (Org.).
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Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação, 89-114. São Paulo: Fundação Perseu
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KEHL, M. R. (2009). O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo.
PSICANÁLISE E SOCIOEDUCAÇÃO: NUANCES DA PASSAGEM ADOLESCENTE EM
CONTEXTOS DE VIOLÊNCIA E VULNERABILIDADE
Stéphanie Strzykalski e Silva
PORTO ALEGRE
2017
De acordo com Flávio A. Frasseto2, o foco da medida socioeducativa de internação é muito mais no autor do que
no ato infracional. A gravidade do ato infracional é considerada no momento da sentença, no entanto, esquecida
durante o cumprimento da medida. A duração da medida socioeducativa não se vincula à gravidade da infração,
mas sim ao tempo necessário para a mudança comportamental que se espera desse
adolescente. Neste sentido, o ato infracional se apresenta como um indicador de um traço desviante,
de forma que a medida justifica-se como estratégia para sua correção. O adolescente com transtorno mental
também é compreendido como alguém que apresenta uma inadaptação às regras sociais. Por se desviar de um
modelo moralizador que impõe um padrão de normalidade a ser seguido, é visto como alienado, irracional ou
perigoso, e deve ser submetido a tratamento médico para se adequar ao padrão socialmente colocado de
normalidade.
O que dizer então do sujeito que reúne em si as peculiaridades da experiência da adolescência, transtorno mental e a autoria de ato
infracional? O que se constata é que não existe uma resposta sobre o atendimento adequado para esse sujeito.
O artigo 112 § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sinaliza que “os adolescentes
portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições” 1,
no entanto, não aponta qual seria esse lugar e não apresenta diretrizes para esse tratamento. Da mesma forma , o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) faz menção aos adolescentes com transtorno mental ao propor que o atendimento seja
realizado, preferencialmente, na rede pública extra-hospitalar de atenção à saúde mental, deixando ainda muitas lacunas sobre o
atendimento adequado a essa população no âmbito das medidas socioeducativas 3.
Assim, situado entre a lei e a psiquiatria, o adolescente autor de ato infracional com transtorno mental torna-se alvo desses dois
campos de saber e poder. Ergue-se uma relação contraditória entre a punição e o tratamento, impossibilitando a conciliação das ações
dos campos da justiça e da saúde no atendimento a esse adolescente.
As principais demandas dos adolescentes em saúde mental foram elencadas a partir dos encaminhamentos
elaborados pela equipe psicossocial– equipe composta por assistente social, pedagogo e psicólogo – para os serviços de saúde. Os
motivos mais frequentes de encaminhamentos para esses serviços foram: insônia 18 (25%), tratamento para a dependência de drogas
12 (17%), ideação suicida 6 (9%), automutilação 5
(7%) e depressão 5 (7%). Os encaminhamentos para tratamento para a dependência de drogas foram solicitados em 8 (66%) casos
pelo próprio adolescente. Esse dado se relacionou ao fato de muitos adolescentes terem acesso a esse tipo de tratamento apenas após
o ingresso na medida socioeducativa.
Insônia, ideação suicida, automutilação e depressão estão relacionadas à clausura e ao sofrimento
que ela produz na vida dos adolescentes, onde a privação de liberdade acrescida da submissão aos profissionais e às rígidas regras da
instituição acaba por gerar ou agravar as demandas em saúde mental. De acordo com Erving Goffman 12, desde a entrada do sujeito na
unidade é iniciado um processo de mortificação, chamado de a mortificação do eu. Nos casos de ideação suicida, apesar da
complexidade de fatores que contribuem para o seu surgimento, essa ideação pode ser acirrada pelo processo de mortificação do eu.
A mortificação acontece devido a diversos fatores presentes na rotina de uma instituição total que obriga o indivíduo a participar de
atividades cujas consequências simbólicas são incompatíveis com sua concepção do eu 12. Na unidade socioeducativa todas as
atividades dos adolescentes são acompanhadas por um profissional: a saída do quarto para o pátio; o telefonema para a família; o
jogo de futebol; o percurso do módulo para a escola, a enfermaria ou o atendimento psicossocial, sempre realizado com as mãos para
trás sinalizando que a algema – ainda que invisível – aprisiona o adolescente. Acrescida a esta vigilância, rígidas regras devem ser
cumpridas rotineiramente, pois, se desrespeitadas, resultarão em uma penalização que, de pendendo da gravidade, os levará para o
módulo disciplinar, onde permanecerão “de castigo” pelo prazo determinado pela equipe de segurança.
Assim, de acordo com Goffman12, cada um desses fatores mortificam esses sujeitos aos poucos. A distância entre o mundo do
internado e o mundo externo, os uniformes, a submissão aos profissionais, a rotina alheia à que vivia em sua comunidade, a
obrigação do cumprimento das regras, dentre outros, são fatores que mortificam a identidade dos adolescentes. Dia após dia sob a
mesma realidade, esses adolescentes já se
encontram com sua identidade morta, restando apenas o corpo que, preso, lhes é um causador de sofrimento. Dessa forma, o anúncio
ao suicídio expressa o limite de sua existência.
Os demais diagnósticos, como transtornos depressivos e de ansiedade, representam 11 (27,5%)
dos casos, o que se vincula ao sofrimento causado pela privação de liberdade e a relação do adolescente
com o ato infracional e sua vivência em um contexto de violência. Este sofrimento foi expresso nas justificativas dos
encaminhamentos para os serviços de saúde mental que relatavam o medo do adolescente em sofrer retaliações, a culpa pelo ato
infracional e a dor por ter presenciado atos de violência.
São sujeitos invisíveis, que experimentam uma situação de abandono por não receberem um atendimento adequado pelas políticas
sociais. A medicina e a justiça voltam sua atenção para eles, no entanto, os cuidados em saúde são silenciados pela punição judicial 14.
Para conhecer o atendimento oferecido a esses adolescentes no âmbito da medida socioeducativa,
foi necessário situar esses sujeitos no contexto social que contribuiu para seu ingresso na
medida socioeducativa. Verificou-se que eles e suas famílias vivenciam uma realidade de privação de direitos marcada pela pobreza
e ausência de políticas sociais que atendam suas necessidades.
Essa realidade reflete a ausência de um Estado social e de direitos, em detrimento do Estado
penal, que se ergue para controlar as desigualdades sociais a partir do investimento no aparelho
policial e judiciário que, cada vez mais, leva adolescentes de classes populares para as unidades
socioeducativas15.
Inseridos em um contexto de violência repleto de disputas, desavenças, ameaças e agressões,
o sofrimento psíquico não é rompido. Pelo contrário, esse contexto se torna mais um fator gerador
de sofrimento, que é aumentado com a vigilância do aparato penal sobre esses adolescentes.
A qualquer desvio dos adolescentes, esse aparato encaminha-os para a medida socioeducativa
onde, internados em uma instituição, experimentam o grande sofrimento da privação de
liberdade.
No que se refere ao atendimento oferecido pela política de saúde mental, verificou-se a necessidade
do cumprimento do disposto no SINASE e na Lei 10.216 de 200116 que propõem que esse atendimento
seja realizado, preferencialmente, na rede de saúde externa à unidade socioeducativa.
A partir do uso de medicamentos psicotrópicos, os adolescentes não tiveram apenas o seu corpo preso pela medida socioeducativa de
internação, eles passaram a experimentar um encarceramento químico, por meio do qual se buscou ajustar seu comportamento, além
de aliviar o sofrimento causado pela medida de internação17.
Assim, o estudo sobre esses adolescentes mostrou a privação de liberdade como um potencializador de sofrimento psíquico. A
medida socioeducativa de internação não oferece de forma efetiva os direitos garantidos pela política de infância e adolescência e
política de saúde mental no que se refere à atenção aos adolescentes com transtorno mental autores de ato infracional.
Ainda que haja esforços para a garantia de direitos e por ações socioeducativas por meio dessa medida, ela sempre se apresentará
como geradora de sofrimento devido à apartação social que promove na vida desses adolescentes.
De modo geral, os atos infracionais mais praticados são os que se referem ao patrimônio, sobressaindo-se o
roubo. Pôde-se observar que o perfil da delinquência está sendo alterado ao longo dos anos. Apesar de o roubo
manter-se como o ato mais corriqueiro, o tráfico e o uso de entorpecentes obtiveram expressivo crescimento,
figurando atualmente em segundo lugar; o homicídio, que chegou a ocupar essa posição, agora está em
decréscimo.
tendo em vista que geralmente elas são aplicadas como forma de repressão do ato infracional, e não de
prevenção.
Grande parte das unidades do país não possui instalações adequadas no que se refere à higiene, às celas, ao
espaço, bem como quanto ao oferecimento de atividades multidisciplinares.
A investigação parte da hipótese de que estaria sendo constituída e adotada uma nova biopolítica de disciplinamento e
contenção de corpos, sob o argumento de controle e prevenção de riscos para os jovens e para a sociedade em geral.
Socioeducação
A socioeducação surge como uma proposta de reformular o modo como a adolescência em conflito com a
lei vinha sendo tratada até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990.
Conforme o dicionário do sistema socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, “O conceito de socioeducação
ou educação social [...] destaca e privilegia o aprendizado para o convívio social e para o exercício da
cidadania.” (Abdalla, Veloso & Vargens, 2016, p. 348), ou seja, a educação se torna o foco deste modelo.
No nosso entender, o modelo socioeducativo existe para conjugar a necessidade de punir o adolescente
infrator (já que o Código Penal não se aplica a menores de dezoito anos) e ao mesmo tempo justificar a
punição utilizando um discurso educativo que se diz progressista.
É imperioso reconhecer que a medida socioeducativa tem caráter punitivo, aplicando-se a quem cometeu
um ato infracional, a quem infringiu normas sociais estipuladas em lei, restringindo ou privando o autor do
ato de sua liberdade. É a resposta da sociedade e do Estado a uma transgressão da norma social. Acatando a
existência dessa dimensão, a acentuação do elemento pedagógico visa reduzir o alcance dos efeitos
punitivos sobre o adolescente no contexto do Direito da Criança e do Adolescente. (Costa, 2015, p. 63).
Seja mais ou menos parecida com uma prisão, a instituição existe com o fim de disciplinar os adolescentes. A
medida pode ser entendida como um castigo, relacionada estritamente ao cometimento da infração, o
“errou tem que pagar”,
Temos também o embate judicial entre privilegiar o status de “agente socioeducativo”, ou o de “agente de
segurança socioeducativo”. Depois de anos, saiu no Rio de Janeiro a decisão legal 3 para mudar o nome do
cargo de agente socioeducativo para agente de segurança socioeducativo; a inclusão da palavra segurança
revela um movimento de aproximação com os agentes penitenciários e suas práticas
Não custa reafirmar: a medida socioeducativa tem conteúdo predominantemente pedagógico, mas sua
natureza é sancionatória. Ela é uma medida imposta, uma medida coercitiva quanto ao delito praticado por
adolescente, e decorre de uma decisão judicial. Uma medida que deve ser aplicada e cumprida com o estrito
respeito às leis. (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006, p. 30)
Abdalla, J., Veloso, B. R. & Vargens, P. W. (2016). Dicionário do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de
Janeiro. [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Novo DEGASE. Recuperado de:
http://www.degase.rj.gov.br/documentos/DicionariodoSistemaSocioeducativodoEstadodoRiodeJaneiro(201
6).pdf
Coimbra, C.; Bocco, F. & Nascimento, M. L. (2005). Subvertendo o conceito de adolescência. Arquivos
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script=sci_arttext&pid=S1809-52672005000100002&lng=pt&tlng=pt.
ENTRE A SOCIOEDUCAÇÃO E A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A
EDUCAÇÃO PARA JOVENS EM VULNERABILIDADE SOCIAL
RAIANA CASSIA FULAN GOMES
31/05
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente ou o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente, ou mesmo, a participação dos profissionais nestes conselhos aponta para a necessidade de os/as
profissionais se apropriarem dos dispositivos
políticos que em muito podem contribuir para uma prática ética e comprometida com as
diretrizes da profissão.
De acordo com a doutrina da proteção integral, que rege os paradigmas anunciados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, o princípio da incompletude institucional constitui chave de organização política, administrativa e
pedagógica da intervenção socioeducativa em situação de privação de liberdade. Esse emblema pode ser
localizado, a princípio, tanto no âmbito constitucional – na medida em que o art. 227 da Carta Federal impõe que a
“negligência”, na qual também se expressa a incompletude, é uma das formas de violação de direitos – quanto no
infraconstitucional.
Já no tocante à medida socioeducativa de internação, o art. 121, §1º, aproxima-nos da ideia central a partir da
definição de “atividades externas” como um direito de adolescente privado de liberdade. Entretanto, parece ainda
faltar definirmos o conceito da incompletude institucional.
E essa compreensão se completa na medida em que se compreende que a institucionalização
reduz a vida da pessoa à vida da própria instituição, e esta, por sua vez, não seja apta a garantir todos os direitos da
pessoa institucionalizada. É nesse sentido que a incompletude
se torna um dentre vários princípios e diretrizes a informar a todos os profissionais, familiares e adolescentes
envolvidos no sistema que a internação não pode ser fim, mas apenas meio para a dupla finalidade da medida
socioeducativa – responsabilização e garantia de direitos. Logo, é preciso ir “em busca da completude”.
O princípio da incompletude orienta o Estado a pautar-se pela necessidade de se “eliminar
as diferenças entre o mundo da prisão e o mundo livre, utilizando os serviços (…) da comunidade” (MENDES e
COSTA, 1994, p. 51).
Em outras palavras, deve-se recorrer aos serviços e aos recursos comunitários e institucionais dos territórios
(bairros, ruas) afins do/a adolescente para garantir seus direitos, numa dinâmica em que o próprio acesso às
políticas executadas externamente
efetiva o direito ao desenvolvimento. Mas não é apenas no ECA que encontramos o princípio
da incompletude, pois também podemos recorrer às previsões da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança (BRASIL, 1990) e das Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores
Privados de Liberdade (ONU, 1990) para melhor compreender o cenário identificado nas unidades socioeducativas
visitadas, os pontos críticos e as possibilidades de novos arranjos.
Estopim do processo de institucionalização, a autolesão e o suicídio podem aparecer não raras vezes, (“depressão e
ideação suicida, muitas vezes decorrente da dificuldade de adaptação à situação de privação de liberdade”).
presente na Portaria GM/MS n. 1082/2014, que “redefine as diretrizes da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e
Internação Provisória (PNAISARI)” (BRASIL, 2014).
uma vez que a instituição, devendo bastar-se nos aspectos
responsabilizatórios, não pode assumir o papel de produtora de afetos substitutivos aos intrínsecos, às relações de
amizade e familiares, o que melhor se vivencia fora do estabelecimento socioeducativo.
Incompletude Institucional
Daniel Adolpho Daltin Assis
SARTI, C. A. A saúde mental na ‘nova Febem’. Projeto Quixote. Relatório interno de trabalho apresentado à
Febem. São Paulo: Departamento de Psiquiatria da Unifesp, mimeo, 2000.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei em Regime
de Internação e Internação Provisória (PNAISARI) é regulamentada pelo Ministério da Saúde. De
acordo com Portaria no 1.082/2014 1, depreende-se o modelo considerado “ideal” para atenção à saúde
dos adolescentes: realizado prioritariamente na atenção básica e, se houver equipe de saúde dentro da
unidade socioeducativa, a equipe de atenção básica do território de referência se articulará com ela
para inserir os adolescentes nas redes de atenção à saúde, de modo complementar.
Em relação à saúde mental, a política propõe que a equipe de atenção básica do território seja
acrescida de profissionais de saúde mental em quantidade que variará conforme o total de adolescentes
que cumprem medida. Esses profissionais devem ser cadastrados como integrantes da equipe de
atenção básica de referência e poderão ou não ser de Núcleos de Apoio à Saúde da Família 1.
Propõe-se que esses profissionais de saúde mental atuem na lógica de matriciamento. O foco não
é que eles realizem atendimento individual, ambulatorial ou façam relatórios.
O modelo pressupõe que a instância federativa responsável pela atenção integral à saúde dos adolescentes
faça adesão à PNAISARI. Entretanto, essa adesão não é uma realidade na maior parte dos
municípios do Rio de Janeiro, Brasil, inclusive na capital, mesmo contando com a maior quantidade
de unidades de internação do estado.
O trabalho socioeducativo deve ter fatores protetivos em todos os âmbitos da saúde, garantindo ao
adolescente a atenção integral e dando a estes condições de cumprimento de medida em suas
dependências.
O SINASE constitui-se, por conseguinte, em instrumento indispensável para a
efetivação do Estatuto que, em muitos aspectos, encontra-se estritamente no plano
jurídico e políticoconceitual, longe de alcançar os sujeitos de direitos: os
adolescentes. Justifica-se a criação do SINASE devido ao grande interesse do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos e dos movimentos sociais de defesa da criança e do
adolescente, pelo enfrentamento das situações de violência e violação de direitos
que afetam os adolescentes autores de ato infracional, no âmbito do sistema
socioeducativo (VILAS BOAS; CUNHA; CARVALHO, 2010, p.228).
Com o objetivo de ampliar o cuidado em saúde dos adolescentes no âmbito do sistema socioeducativo
temos a portaria nº 1.082 de 23 de maio de 2014. Essa portaria redefine as diretrizes da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação
Provisória (PNAISARI), incluindo-se o cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e fechado.
Uma das primeiras definições da portaria é o estabelecimento do SUS como o sistema responsável pelo
atendimento de saúde do adolescente seja na promoção de saúde, na prevenção, na assistência e
recuperação da saúde.
A PNAISARI tem objetivo de ampliar os serviços de saúde para adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, usam ações intersetoriais, incentiva a criação de projetos terapêuticos nos PIAs e garante
ações de promoção e prevenção de saúde no que diz respeito aos transtornos mentais e uso de drogas. Para
isso propõe a criação de dois documentos: o Plano Operativo Estadual – POE e o Plano Operativo Municipal
– POM para que as entidades federativas sigam as diretrizes de adesão a implantação e implementação da
atenção à saúde dos adolescentes. A adesão dos municípios possibilita que haja um plano de ações
direcionadas aos adolescentes que garantam a sua inserção na rede e o acesso aos serviços.
A atenção integral a saúde do adolescente é feita através da rede de atenção a saúde e no que diz respeito a
saúde mental a rede se organiza através das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS). Na atenção básica o
adolescente será atendido pela rede de atenção psicossocial, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD). Na atenção especializada e na urgência está
prevista a internação curta.
Os encaminhamentos e tratamento dos adolescentes com transtorno mental que se encontram em
cumprimento de medida são articulados com a rede de saúde mental, seguindo os princípios da não
institucionalização e da minimização do tempo de privação de liberdade. A portaria nº 1.082 apresenta essa
perspectiva quando estabelece ações para as equipes de saúde, nos anexos da portaria. No anexo I a
portaria faz referência ao entendimento da privação como promotora de transtornos no campo da saúde
mental e o trabalho deve minimizar os efeitos da institucionalização na saúde dos adolescentes. O trabalho
do atendimento, da escuta, é visto como uma possibilidade de melhora na qualidade de vida deste
adolescente e para sua saúde mental.
Fernandes, Ribeiro e Moreira (2015) fazem uma crítica ao trabalho de articulação do socioeducativo com a
saúde. Os autores apontam que as vulnerabilidades sociais vivenciadas pelos adolescentes, somadas aos
preconceitos que eles sofrem pelos gestores do sistema socioeducativo e pelos gestores do SUS fazem com
que não se atendam os adolescentes a partir do que as legislações propõem, que são de um atendimento
humanizado e integral. Há que se considerar ainda que essa dificuldade de articulação também está ligada
no caráter punitivo que o sistema socioeducativo ainda tem, o que dificulta uma assistência humanizada aos
adolescentes.
A lógica do SUS se choca com as características de instituição total que as unidades
socioeducativas de internação e internação provisória ainda apresentam, pelos
discursos e práticas usuais dos profissionais e gestores nelas observadas. Por seu
turno, a lógica das legislações e normatizações encontra consideráveis dificuldades
de ressonância e concretização no cotidiano das unidades socioeducativas
(FERNANDES; RIBEIRO; MOREIRA, 2015, pag. 125).
O fluxo para o acompanhamento pelo NSM se inicia a partir do acolhimento inicial que pode
ser realizado por qualquer profissional da equipe de acompanhamento de MSE. As queixas
mais comuns são: dificuldades para dormir, ver coisas, nervosismo e agitação. O profissional
da equipe de acompanhamento da MSE avalia as situações de risco conforme a história de
vida do adolescente, define um tempo para observação e conclui ser demanda para o NSM ou
não.
Caso seja encaminhado para o NSM, o profissional de saúde mental realiza a avaliação inicial,
organiza o projeto terapêutico e inicia a linha de cuidado. O projeto terapêutico deve ser
elaborado e pactuado com a participação do adolescente e sua família, fortalecendo assim o
vínculo do adolescente ao seu acompanhamento socioeducativo.
A Linha de Cuidado pode incluir atendimentos individuais e em grupo, realização e
organização de grupos temáticos, oficinas terapêuticas, grupos de prevenção, grupos de
familiares/responsáveis e atividades externas com os adolescentes. As ações da Linha de
Cuidado inclui ainda a participação em reuniões de equipe, estudos de casos, participação nos
Fóruns de Saúde Mental/álcool e drogas dos territórios, bem como outros eventos de
interesse para o aprimoramento do trabalho. As equipes devem estabelecer o fluxo para o
desligamento do adolescente através de estudo de caso, contatos e encaminhamentos
necessários à rede de atenção básica que irá receber o adolescente, dando continuidade ao
acompanhamento.
O documento define a constituição das equipes de saúde mental que devem ser compostas
por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas e
oficineiros. Outro ponto fundamental e mencionado pelo documento é a ambiência para o
trabalho terapêutico que deve ter o espaço físico apropriado para atendimentos individuais e
atividades em grupo, resguardando o sigilo dos atendimentos.
O manejo psicossocial deve considerar o histórico do sofrimento psíquico ou transtorno
mental, a gravidade da síndrome de abstinência, história de convulsões, história familiar para
transtorno mental, tratamento prévio, ideação suicida e curso do pensamento. As ações da
linha de cuidado, o manejo psicossocial, a elaboração do projeto terapêutico e a inserção do
adolescente nas atividades pedagógicas, de cultura e lazer devem ter preferência em relação
ao tratamento medicamentoso. Contudo, alguns casos são eletivos para avaliação
psiquiátrica, como agitação psicomotora, convulsões, desorganização psicótica, síndrome de
abstinência moderada ou grave, ideações suicidas e necessidade de diagnóstico para o
melhor manejo psicossocial, além da resposta insatisfatória ao manejo psicossocial (Idem).
(DEGASE, 2015).
Os casos de crise convulsiva, crise destrutiva, agitação psicomotora, crise de ansiedade grave,
anorexia grave ou catatonia devem ser encaminhados para emergência psiquiátrica ou leito
de crise em hospital geral através do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Os casos de
psicose ou outros transtornos mentais graves devem ser compartilhados com o CAPSi e os
casos graves de dependência química devem ser encaminhados para os CAPS AD (Idem).
Em relação ao tipo de ato infracional, cabe sublinhar que os considerados mais graves são os
atos contra a vida: homicídio, latrocínio e roubos com violência. Atos mais leves como tráfico
de drogas e receptação são considerados de menor poder ofensivo e por isso leves. Neste
sentido, destaca-se a Súmula 492 do Supremo Tribunal de Justiça: “o ato infracional análogo
ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente a imposição de medida
socioeducativa de internação do adolescente”. (STJ, 2012).
Foi verificado que duas adolescentes provocaram autolesões. A primeira tentou se enforcar
com lençol por duas vezes, contudo, no prontuário não foi registrado detalhes de sua
intenção, somente a descrição do fato. Esta adolescente estava em tratamento de SM com
uso de psicotrópico e havia registro de tratamento em CAPSi anterior a internação.
Em relação às heteroagressões, 17% das adolescentes (6/35) apresentaram este
comportamento entre pares, sendo que 83% (5/6) das adolescentes envolvidas em conflitos
físicos com seus pares estavam em tratamento em SM e apenas uma estava em uso de
psicofármacos.
A ausência de intervenção em SM não medicalizantes nas USES de Porto Alegre, além da
escassez da oferta em serviços comunitários em saúde mental como nos CAPS (ulitizado
apenas por duas adolescentes) e dispositivos da atenção básica pode justificar o número
elevado de adolescentes em uso de psicotrópicos. A relação positiva entre o tipo verticalizado
de gestão e a alta prevalência do uso de psicoativos pode sugerir a forte propensão das
equipes por enfrentar o comportamento violento com o uso da medicação psiquiátrica e
assim atentar contra os direitos dos adolescentes no campo da saúde mental (ALLEN &
RAVEN, 2013).
Neste sentido, destaca-se ainda a organização das ações em SM no PACGC sendo a avaliação
psiquiátrica o último recurso a ser oferecido. Organização semelhante foi citada por Tenório
(2000) na reorganização dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPUB/UFRJ) quando
optou-se estrategicamente pela retirada dos médicos psiquiatras dos acolhimentos iniciais,
dando lugar a escuta ampliada por equipe multiprofissional. O autor propõe os termos
“desmedicalizar” e “subjetivar” para introduzir a ideia de que diante de um pedido de solução
imediata, geralmente direcionado ao médico, na expectativa da cura, deve-se responder
convidando o sujeito a se implicar naquilo que se queixa e convidá-lo a se interessar pela
dimensão subjetiva daquilo que o acomete (TENÓRIO, 2000).
A ação em saúde mental é pautada pela não psicopatologização dos atos e dos estados
humanos, sobretudo quando eles são relacionados com situações de determinação complexa
e multifatorial. Em relação ao cuidado no campo da SM é proposto a articulação de diferentes
saberes para a compreensão da complexidade da população de adolescentes em conflito com
a lei. Dessa forma, propõe-se a integração entre diferentes setores como Justiça, Direitos
Humanos, Assistência Social, Educação, Saúde, Trabalho, entre outros (BRASIL, 2012a).
COSTA, NR; SILVA, PRF. A atenção em saúde mental aos adolescentes em conflito com a lei no
Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, 22 (5): 1467-1478, 2017.
PINHO, S.R. et al. Morbidade psiquiátrica entre adolescentes em conflito com a lei. J. bras.
psiquiatr., Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 126-130, 2006 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-
20852006000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 27 fev. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852006000200006.
ZEITOUNE, CM. Gestão em saúde no sistema socioeducativo no Estado do Rio de Janeiro. In:
Abdalla, JFS; Pereira, MBBA; Gonçalves, TMT (Org.). Ações socioeducativas: estudos e
pesquisas. Rio de Janeiro: DEGASE, 2016.