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Eliane Aparecida Miqueletti (UFGD)

A demarcação de fronteiras na relação entre indígenas e não indígenas de


Dourados: análise dos discursos da mídia e da escola

The demarcation of borders in the relationship between indigenous and non-


indigenous Dourados: analysis of media and school discourses

Resumo: Os discursos que permeiam as relações sociais revelam os modos como os sujeitos se
relacionam. Neste trabalho apresentamos considerações sobre a relação entre indígenas e não indígenas
da região de Dourados-MS e a construção da identidade indígena a partir do olhar do não indígena no
âmbito midiático e escolar. Para isso, utilizamos recortes de reportagens da mídia impressa, enunciados
proferidos por professores e alunos de uma escola não indígena, exemplos que marcam a presença da
demarcação de fronteiras na relação com aquele que é visto como o Outro, o indígena. A base teórica
principal é a semiótica francesa e, mais especificamente, as considerações da sociossemiótica e os
trabalhos de Eric Landowski, tendo como propósito pensar os sentidos construídos na vivência, na relação
entre o Eu e o Outro. O resultado da pesquisa aponta para o olhar de distanciamento em relação ao
indígena, estereótipo do marginalizado socialmente.

Palavras-Chave: Indígena. Identidade. Fronteiras. Semiótica francesa.

Abstract: Discourses that permeate social relations reveal the ways which subjects interact to each other.
In this work we present some considerations about the relationship between indigenous and non-
indigenous people in Dourados-MS region the construction of indigenous identity based on the non-
indigenous view on the media and school environment. For this, we will use clippings of printed media,
utterances from teachers and students of a non-indigenous school, examples that indicate the presence of
border demarcation in relation to the one that is seen as the Other, the indigenous. The main theoretical
framework is the French Semiotics and, more specifically, the considerations of the sociosemiotics and
Eric Landowski’s works, whose purposes are to rethink about the meanings constructed in the
relationship between the Self and the Other. The result of the research points out that the indigenous have
been distanced from non-indigenous people, stereotype of the socially-marginalized people.

Keywords: Indigenous People. Identity. Borders. French semiotics.

1 Considerações iniciais: do contexto às bases teóricas


A sociedade é composta por sujeitos que se relacionam munidos de suas
ideologias, de suas visões de mundo. Eles são resultado dos espaços sociais e dos
discursos com os quais entram em contato, ou seja, ideologias e discursos estão
intimamente ligados, como aborda Fiorin1, permeiam as práticas sociais e influenciam
as relações e, consequentemente, a construção dos sentidos, esses entendidos como “[...]
práticas de construção, negociação, intercâmbio de sentido que vêm construindo o
‘social’ enquanto universo de sentido” 2.
Nesse âmbito, este artigo apresenta reflexões que compõem nossa pesquisa de
Doutorado3, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina. Na tese, partimos dos discursos levantados na
mídia, em uma escola indígena e em uma não indígena para investigarmos a construção
das representações identitárias e os regimes de interação entre o indígena e o não
indígena da região de Dourados. O município está localizado no Estado de Mato Grosso
do Sul e integra número significativo de indígenas – dos cerca de 200 mil habitantes,
mais de 15 mil são indígenas, sobretudo das etnias Terena, Guaraní e Kaiowá. Alguns
deles residem na cidade, mas a maior parte está na Terra Indígena Panambizinho,
localizada a 30 quilômetros do centro da cidade de Dourados, e na Reserva Indígena de
Dourados, situada a menos de um quilômetro do perímetro urbano e formada pelas
aldeias Bororó e Jaguapirú, na qual há integração de não indígenas, principalmente pela
união conjugal. Nesse contexto, lembrado muitas vezes na mídia como local de disputas
por terra, as proximidades geográficas e o contato pessoal entre indígenas e não
indígenas se estreitam, o que é impulsionado, cada vez mais, pelas práticas sociais
partilhadas, muitas delas antes só possíveis aos não indígenas, como os cargos políticos.
Após o preâmbulo em torno da contextualização de atuação da pesquisa, neste
trabalho voltamos nossa atenção para a análise de recortes de reportagens da mídia
impressa, enunciados proferidos por professores e alunos da escola não indígena ao se
referirem ao indígena da região de Dourados, exemplos que marcam a presença da

1
FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2005.
2
LANDOWSKI, E. Sociossemiótica: uma teoria geral do sentido. Revista Galaxia, São Paulo, n. 27, jun.
2014, p. 10-20. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542014119609>. Acesso em: 12 abr.
2015.
3
MIQUELETTI, E. A. Processos identitários indígenas em Dourados: leitura dos discursos midiáticos e
escolares em uma perspectiva semiótica. 2015. 343fls. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem).
Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina-PR, 2015.
demarcação de fronteiras na relação com aquele que é visto como o Outro, o indígena.
Levando em consideração que a mídia e a escola são agentes sociais que além de
informar, problematizam acontecimentos, impõem ou orientam conclusões, ou seja,
participam significativamente na construção social das pessoas.
A Semiótica francesa é nosso respaldo teórico principal. Nesta teoria, todo e
qualquer texto é visto como o resultado da articulação indissociável entre o plano de
conteúdo (conjunto de ideias organizadas) e o plano de expressão (a forma de
apresentação do conteúdo). Para isso, pode manifestar-se na forma de linguagem verbal,
não verbal ou sincrética, sendo a última o resultado da articulação de mais de uma
linguagem para a construção do sentido, como ocorre nas reportagens dos jornais
impressos.
Fundada por Greimas, a Semiótica francesa aborda o texto como objeto de
significação, um mecanismo estruturalmente organizado e, também, como objeto de
comunicação, já que envolve escolhas implicadas no contexto sócio-histórico e
ideológico no qual foi elaborado. Não obstante, não são as condições reais de produção,
nem o autor propriamente dito que interessam, mas os efeitos que se deixam apreender,
“o parecer do sentido” 4, o simulacro criado por meio da linguagem. Por isso, o papel do
semioticista, entre outros, será o de investigar os recursos que permitem a construção da
verdade de cada texto, os procedimentos e estratégias utilizadas em um texto para dizer
o que diz.
Sendo assim, inicialmente Greimas sistematiza a metodologia de análise
chamada de “percurso gerativo de sentido” com o propósito de descrever como a
significação se constitui em qualquer texto a partir de duas etapas: a estrutura sêmio-
narrativa, composta pelos níveis fundamental e narrativo, e a estrutura discursiva,
formada pelo nível discursivo. Objetiva-se mostrar a construção dos sentidos de forma
gerativa, da imanência à aparência: “[...] indo dos investimentos mais abstratos aos mais
concretos e figurativos, de tal modo que cada um dos patamares pudesse receber uma
representação metalingüística explícita” 5. Em resumo, do nível mais simples e abstrato

4
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Tradução do grupo CASA sob a coordenação de Ivã
Carlos Lopes et.al. São Paulo: EDUSC, 2003, p.11.
5
GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Tradução de Alceu Dias Lima et.al. São
Paulo: Cultrix, s.d, p.327.
ao mais complexo e concreto, o percurso gerativo de sentido apresenta três níveis de
leitura a partir dos quais se desvenda a construção dos sentidos.
Aos poucos a semiótica avança para explorar outras fontes de sentido, amplia os
horizontes de análise, sem se desvencilhar completamente das bases e acomoda
tendências como a Sociossemiótica. Norte teórico propagado principalmente por Eric
Landowski e que oportuniza aos estudiosos da área integrar, dentro de suas
preocupações, os sentidos construídos nas relações entre os sujeitos, a significação
constituída no processo, no ato; enfim, “[...] a ideia de uma relação necessária,
constitutiva, ligando sentido e interação”6.
Tendo em vista tencionar as relações sociais e identitárias, entre indígenas e não
indígenas, como processo de significação, retomamos, principalmente, duas obras de
Landowski: Sociedade refletida 7 e Presenças do outro 8 . Na primeira obra, o autor
enfatiza as situações de interação e as reflexões sobre semiotizar o contexto, o que
implica dar conta do discurso: “[...] do ponto de vista da sua capacidade de ‘agir’ e de
‘fazer agir’, moldando e, na maior parte dos casos, modificando as relações entre os
agentes que ele envolve a título de parceiros linguísticos” 9 . Entra em cena a
preocupação com o resultado social da atividade discursiva.
Dentro disso, o autor aborda a existência do regime de visibilidade, estruturado
pela sintaxe do “ver” ele direciona as relações entre os sujeitos, o que o autor denomina
de “dimensão escópica” e que implica: “[...] – um que vê, o outro que é visto – e entre
os quais circula o próprio objeto da comunicação, no caso a imagem que um dos sujeitos
proporciona de si mesmo àquele que se encontra em posição de recebê-la” 10 .
A dimensão escópica, ou seja, esse “ver” uns aos outros, depende das condições
de visibilidade, administradas como motivações estratégicas, estabelecidas ora pelo
observador, ora pelo próprio sujeito observado que quer “fazer-se ver” 11 . Ela pode,
ainda, ser instaurada por uma terceira instância, autônoma aos protagonistas, a exemplo
da ação da mídia. De acordo com essa dinâmica de relação entre observador e

6
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2014, p.11 (grifos do autor).
7
LANDOWSKI, E. A sociedade refletida: ensaios de sociossemiótica. Tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo: EDUC/ Pontes, 1992.
8
LANDOWSKI, E. Presenças do Outro: ensaios de sociossemiótica. Tradução de Mary Amazonas Leite
de Barros. São Paulo: Perspectiva, 2002.
9
LANDOWSKI, E. Op. cit., 1992, p.10.
10
Idem, p.89 (grifos do autor).
11
Ibidem, p.89.
observado, Landowski levanta a possibilidade da construção de esquemas envolvendo
especificações modais da ordem do querer, dever, saber e poder ver e ser visto e que
revelam as práticas dos contatos sociais. Encerram “atitudes” ou “temperamentos” no
que se refere ao sujeito “observado”, em interação, os sujeitos observam-se, os valores
modais combinam-se e podem indicar situação de pacificidade ou de conflito entre eles.
No que se refere à segunda obra, verificamos que o autor tenta traçar esquemas
teóricos resultantes da relação entre o Eu e o Outro, transita entre as noções,
interdependentes, de identidade e de alteridade ao considerar que o sujeito apreende-se a
si mesmo: “[...] enquanto ‘Eu’, ou ‘Nós’, a não ser negativamente, por oposição a um
‘outro’, que ele tem que construir como figura antitética a fim de poder colocar-se a si
mesmo como seu contrário” 12.
Landowski define quatro possibilidades de relação entre identidade com vista a
uma alteridade. Considerando que o outro representa uma ameaça e que é preciso
preservar a homogeneidade do grupo dominante, temos a assimilação (o grupo
dominante acolhe o de fora, o outro em nós, os assimilados assumem alguns valores do
grupo dominante para serem aceitos) e a exclusão (o sujeito está em disjunção com os
valores do grupo dominante, preserva-se o nós e nega-se o outro). De outra forma, a
alteridade é uma diferença que depende do ponto de vista, o outro “[...] se tornará, em
certa medida, parte integrante, elemento constitutivo do ‘Nós’, sem com isso ter que
perder sua própria identidade” 13 . Confluem nesse sentido, a segregação (não ocorre
exclusão absoluta, um lugar é reservado para o segregado dentro do sistema social
geral) e a admissão (busca-se integrar o outro ao nós sem que ele perca sua identidade, o
Outro também constitui o Nós).
Antes de passarmos para o tópico seguinte, no qual realizaremos considerações
em torno de enunciados selecionados para este trabalho, não podemos deixar de
ponderar que ao lidar com as relações socioculturais e identitárias, ao longo da pesquisa
de Doutorado, complementamos nossas reflexões em leituras advindas, entre outros, dos
Estudos Culturais e da Educação. Contemplando as relações de poder que permeiam o
convívio entre as culturas, entre colonizador e colonizado, Bhabha 14 destaca as

12
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2002, p.25.
13
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2002, p.15.
14
BHABHA, H. K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana Lourenço de Lima Reis;
Glaucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
divergências existentes na relação/negociação cultural. O local da cultura é o “entre-
lugar” deslizante, marginal e estranho que pode resultar do confronto de dois ou mais
sistemas culturais que dialogam mesmo que de modo conflituoso. O teórico trata do
hibridismo cultural como o processo derivado do conflito e da tensão das diferenças
culturais. Nesse sentido, as trocas entre culturas carregam aspectos positivos e
negativos, pois possibilitam novas visões sobre as identidades, quiçá inserindo a
tolerância, mas podem esconder a dominação de uns sobe os outros.
Princípios que corroboram com Landowski que, no âmbito discursivo, da análise
das situações, da interação, mostra como as relações entre os sujeitos são oscilantes e é
assim que os sentidos se constituem. Na educação, por exemplo, entendemos que apenas
reconhecer a diversidade cultural não contribuirá para a efetivação de convívios
excludentes. É preciso identificar a construção dos discursos preconceituosos que
perpassam o tempo e, de forma menos ingênua, reler a história, oportunizar a abertura
para que os conhecimentos sejam negociados e outros discursos construídos para além do
“pensamento abissal”. Segundo Santos15, esse pensamento representa a existência de uma
linha divisória que separa colonizadores e colonizados a partir de um conjunto de
conhecimento social formado por distinções, influenciadas pelos colonizadores.
Dentro disso, as relações identitárias se constituem como reflexo das relações de
poder e que são manifestadas nos discursos propagados, entre outros, pela mídia e pela
escola. No tópico a seguir realizamos breves análises, permeadas por reflexões teóricas,
sobre a representação indígena para esses agentes sociais. Recortamos exemplos de parte
de nosso corpus de pesquisa de Doutorado: reportagem publicada na semana em que se
comemora o Dia do índio e enunciados proferidos por professores e alunos não indígenas
de uma escola da cidade de Dourados.

2 Da mídia à escola: reflexões da pesquisa

Os veículos midiáticos, como fontes de informação e de propagação de


ideologias, constroem-se de acordo com o que é vivenciado no contexto em que atuam.

15
SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes.
Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n.78, out. 2007, p.3-46. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/147_Para%20alem%20do%20pensamento%20abissal_RC
CS78.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2014.
Dessa forma, informamos que durante a pesquisa selecionamos textos dos principais
veículos da mídia douradense, publicados em abril de 2013 e que fizessem referência à
comemoração do Dia do índio, 19 de abril. Destacamos que, dentro de determinado
contexto de atuação linguística, na esfera nacional e local, foi construído um clima de
tensão, instaurado entre indígenas e não indígenas diante da aprovação da Proposta de
Emenda Constitucional, a PEC 215. A Emenda previa levar para o Congresso Nacional a
demarcação e a homologação de terras indígenas, o que, conforme a Constituição
Federal, são atribuições do Poder Executivo.
Nesse contexto, selecionamos a reportagem de capa do dia 19 de abril de 2013,
publicada pelo jornal “O Progresso” 16, o jornal impresso mais tradicional da região de
Dourados. A reportagem especial para a data comemorativa é publicada na página 4 da
seção “Dia a dia”, espaço que normalmente integra discussões de assuntos do cotidiano
dos enunciatários, leitores do jornal, o que pode indicar a integração do indígena à
sociedade douradense. Segue a imagem da capa17:

Figura 1 – A reportagem especial para o Dia do índio na capa

16
ARAÚJO, V. Tradição indígena está semeada em Dourados. O Progresso. Dourados, 19-20 abr. 2013,
p.4.
17
A censura no rosto das pessoas que aparecem nas imagens foi feita por nós.
Parte da capa do jornal O Progresso do dia 19/04/2013.
Destaque para a reportagem especial para o Dia do
índio.
Fonte: Valéria Araújo. O Progresso
(19/04/2013).

Ocupando boa parte da extensão central da capa, em destaque, o leitor depara-se


com a composição: o título “Tradição indígena está semeada em toda Dourados”, uma
indígena em contato com a natureza (ressaltamos o uso do colar tradicional, auxiliando na
caracterização e vinculação à cultura indígena) e a legenda/lide que esclarece: “A cultura
indígena rica em tradição e fé está presente em todos os cantos de Dourados. Vai desde a
nomes [sic.] de bairros como, Pitã, Poravi, Distrito do Panambi, e o Exército que leva
como nome guaicurus [sic.], até a gastronomia, artesanato e fitoterapia (estudo de ervas
medicinais)”. Escolhas que objetivam destacar a marca da cultura indígena no município
de Dourados, com isso o enunciador valoriza essa presença. Por outro lado, ao dar
visibilidade à cultura indígena “semeada” na região, como confirmarão os exemplos
descritos no texto, pode deixar implícito o “não querer-ver”18 por parte dos não indígenas
dessa região, os observadores.
Vejamos como a reportagem aparece dentro do suporte:

Figura 2 – A reportagem especial para o Dia do índio na seção Dia a dia

18
LANDOWSKI, E. Op. cit., 1992.
A reportagem do jornal O Progresso especial para o Dia
do índio.
Fonte: Valéria Araújo. O Progresso
(19/04/2013).

Verificamos que a frase da capa é retomada como título e a imagem é a da


indígena com uma criança, em atividade de artesanato. Como subtítulo temos:
“Benzedeira destaca heranças dos povos indígenas para Dourados como gastronomia,
artesanato e fitoterapia”. E na legenda da imagem: “Indígena mostra artesanato que
atravessa a fronteira da cultura e se consolida nos lares douradenses.” Elementos – título,
subtítulo, imagem, legenda – que direcionam a leitura prévia da reportagem e deixam
implícito a “fronteira da cultura” que separa indígenas e não indígenas, como inscrito na
legenda.
Analisando as imagens apresentadas notamos que mantêm, com a parte verbal,
principalmente as legendas, a relação de “ancoragem” 19, explica o que é apresentado na
imagem, e, juntas, presentificam informações que figurativizam o tema do trabalho
tradicional, da herança cultural repassadas às gerações. Lembrando que as figuras são
elementos que se ancoram em algo do mundo natural para representar os temas,
categorias que organizam os elementos do mundo em conceitos, e, em certa medida,
desvelam intenções do enunciador.
Relacionado a isso, está a ênfase no fazer indígena: na capa, a indígena aparece
executando as atividades de colher ou mostrar as plantas medicinais e na reportagem,
realizando o artesanato, neste momento acompanhada por uma criança sugerindo a
continuidade da prática ao longo das futuras gerações. Na composição da imagem,
conforme classificação de Xavier 20 , o plano é de conjunto, focalizando as figuras
humanas e parte do cenário em que estão envolvidas. O ângulo de tomada é horizontal,
proporcional aos olhos do leitor, ou seja, a ação da indígena está diante de nós e a sua
linha de horizonte é a nossa, cria-se, assim, o efeito de aproximação com o enunciatário.
O enunciador “faz ver” o sujeito indígena e ancora, pelo verbal, o destaque
principal do texto: mostrar que a cultura indígena está presente na vida dos não indígenas
de Dourados a partir dos artesanatos, dos alimentos, das plantas medicinais. Dessa forma,
respalda a reportagem com as afirmações da indígena, como resume o primeiro
parágrafo:

A cultura indígena rica em tradição e fé está presente em todos os cantos de


Dourados. Vai desde a nomes [sic.] de bairros como Pitã, Poravi, Distrito do
Panambi, o exército que leva como nome Guaicurus, até a gastronomia,
artesanato e fitoterapia (estudo de ervas medicinais). No Dia do Índio, a
benzedeira Marilda Duarte da Silva, ou a “Cunha parendê”,que quer dizer
“Mulher de Brilho”, diz que são muitas as heranças dos povos indígenas para
Dourados. A primeira delas é o artesanato. “É muito difícil entrar numa casa
que não tenha hoje nenhuma peça indígena. São toalhas de mesa, tapetes e
roupas com detalhes específicos criados por índios ou muitas vezes
reproduzidos por artesãs não indígenas. Cada desenho que faço quando estou
trecendo [sic.] é único. Nós recebemos a inspiração de Nhãnderu Guassu
Teapu Marangatu (Pai, Grande Trovão do Bem). Ele é o criador do universo,

19
BARTHES, R. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984.
20
XAVIER, I. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
mata demônios e está presente onde as pessoas estiverem falando dele. Está
para proteger as famílias, sejam indígenas, como não-indígenas”, destaca.21.

O trecho recortado evidencia que o objetivo da reportagem é enfatizar a


influência dos saberes indígenas entre os não indígenas, conforme os trechos grifados. A
indígena parece feliz com isso ao integrar os não indígenas nas proteções pedidas ao pai
espiritual, o Nhãnderu: “Está para proteger as famílias, sejam indígenas, como não-
indígenas”. No entanto, segundo ela, os não indígenas nem sempre querem admitir essa
influência, como afirma no terceiro parágrafo: “‘Hoje em dia o não-índio, apesar de não
estar presente na nossa aldeia come da nossa comida. Muitas vezes sem perceber’,
brinca”. No parágrafo seguinte, frisa que a relação fica restrita às visitas em busca de
cura: “Recebo muita gente da cidade que vem em busca de uma cura”. O destaque recai
sobre as atitudes do não indígena que parece não querer assumir a interdependência dos
saberes advindos do Outro. Tal posicionamento revela a preocupação que o “Eu”, não
indígena, tem diante da proximidade com aquele estabelecido por ele como seu “Outro”,
o indígena, visto em condição menos favorável. Como aborda Landowski, quando muito
próximos e munidos do querer, saber e poder-fazer, o Eu pode sentir sua identidade
ameaçada ocasionando “práticas de enfrentamento sociocultural de caráter, às vezes,
dramático, que acreditávamos ter desaparecido” 22.
Ao final da reportagem, o Dia do índio é lembrado e, novamente, ancora-se na
voz da indígena para falar do sentido da data:

O Dia do Índio para Marilda é uma data de reflexão e fé. “É o dia em que
dançamos e rezamos por nossos filhos, parentes e pedimos a proteção para
toda Dourados. Hoje, o meu maior desejo é que a tradição indígena se
perpetue e que as próximas gerações ensinem seus filhos a viver como nos
ensinamentos das tribos. Nós acreditamos que Deus virá limpar toda a
tristeza do índio e nos concederá dias melhores em breve”, diz 23.

Analisando as afirmações da indígena, recortadas pelo jornal, notamos que a


data é relacionada com a preocupação em perpetuar a tradição e viver melhor, mais feliz,
ou seja, é necessário que os princípios tradicionais permaneçam e a presença da criança
na fotografia reforça isso. A indígena representa a voz do povo indígena, como frisado ao

21
ARAÚJO, V. Op. cit., 2013, p.4, parágrafo 1 (grifo nosso).
22
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2002, p.4.
23
ARAÚJO, V. Op. cit., 2013, p.4, parágrafo 5.
utilizar a 1ª pessoa do plural “nós” também presente nos verbos “dançamos”, “rezamos”,
“pedimos”, “acreditamos” que marcam a debreagem enunciativa (a enunciação é
projetada para fora da enunciação, eu-aqui-agora, produzindo efeito de aproximação),
refere-se a um aqui e a um “nós exclusivo” (eu + eles) 24, a indígena que fala e os outros
indígenas da região, comprometendo-se com o que é enunciado. E, como representante
do grupo, ela pede a proteção para “toda Dourados”, novamente o movimento é de
disposição para a inclusão dos não indígenas e/ ou de disposição para ser admitido,
integrado sem perder sua identidade.
Frente às escolhas engendradas na reportagem, especial para o Dia do índio,
junto ao destaque para a marca da cultura indígena no município, há implícito o “não
querer ver” dos não indígenas dessa região, motivo que leva o jornal a dar visibilidade ao
mostrar que a cultura indígena está “semeada” na região, como confirmam os exemplos
descritos no texto. Como teoriza Landowski 25, a ação de ver implica o poder ver e o
querer ver. Sendo o indígena o actante em estado de “ser visto” e o não indígena de
Dourados o que ocupa a posição do “observador”, notamos que nessa relação constroem-
se “atitudes” ou “temperamentos” no que se refere ao sujeito “observado”: a mídia faz
ver que os indígenas não apresentam “constrangimento”, ou melhor, não querem não ser
vistos, já que a manifestação de sua realidade é uma das formas de ser reconhecido
enquanto parte do município. Por outro lado, há uma tentativa em mostrar a realidade das
comunidades indígenas, suas influências, frente à falta de interesse dos enunciatários,
público leitor, que parece não querer ver. Estabelecesse a relação contraditória com
exibicionismo do indígena, mas repugnância da população douradense.
É preciso entender, também, que as condições de visibilidade são estratégias
discursivas, “manobras cognitivas (fazer saber/fazer crer)” 26. A mídia trabalha com os
recortes, os focos de luz, que ela permite ver dentro dos regimes de visibilidade, nos
quais intervêm as competências modais de quem os vê (querer ver, não querer ver) e de
quem é visto (querer ser visto, não querer ser visto) e como isso é interpretado. Sendo
assim, as escolhas, em interação, auxiliam na construção das identidades.

24
FIORIN, J.L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2 ed. São Paulo:
Ática, 2002.
25
LANDOWSKI, E. Op. cit., 1992.
26
LANDOWSKI, E. Op. cit., 1992, p.100.
Discursivamente, o indígena é constituído na relação com o não indígena como
aquele que quer ser reconhecido como um sujeito do fazer. Conforme a classificação de
Landowski27, a mídia apresenta-o na posição daquele que quer ser assimilado, mas ainda
é segregado pelos não indígenas. O indígena é o sujeito disjunto com os valores do grupo
dominante, excluído, mas por vezes é aceito em um lugar reservado dentro do sistema
social como um todo. Em síntese, o “Outro” é aceito, desde que cada um esteja nos seus
devidos espaços de atuação, na reportagem, por exemplo, lemos que o indígena é
procurado pelo não indígena, mas isso nem sempre é expressamente reconhecido.
Voltando nossa atenção para a escola, recortamos enunciados emitidos por
professores de uma escola não indígena de Dourados, durante entrevista semiestruturada
na qual pretendíamos investigar a imagem do indígena que perpassa a escola e que,
consequentemente, são repassados aos alunos, influenciando sua formação cidadã. Entre
o total de 18 professores entrevistados, verificamos que há educadores mais críticos
diante da realidade indígena do município e outros que denunciam o distanciamento mais
acentuado em relação ao “Outro”, de forma geral, remetem à “fronteira” existente entre
indígenas e não indígenas.
Para este artigo, retomamos apenas o comentário do Professor 6 ao inquerirmos
“fale sobre o que você sabe sobre os indígenas e sobre sua relação com eles”:

É... o que a gente sabe é o que tem na mídia né [...], posso falar que o que
eu sei sobre eles é pouco né, praticamente eu não, mal sei onde ficam as
aldeias, essa é a verdade né, sei que eles são um povo sofrido, eles têm um,
o espaço de terra deles ali é muito pouco né, e.. e aí ao que sai na imprensa,
a questão de que já houve muito a questão do suicídio, a questão da bebida
né, o preconceito do homem branco em relação a trabalho [...] Eu já tive
aluno [...] a relação deles com os demais alunos era distante né, eles não se
misturam, eles se isolam, [...] o contato deles com a gente é muito retraído
também [...].”

O educador parece ter receio de dizer que sabe algo sobre o indígena e a
lembrança é a do indígena relacionado às aldeias, como se na região de Dourados só
existissem indígenas naquele espaço, e às imagens negativas: povo sofrido, pouco espaço
de terra, suicídio, bebida. Colocações que também podem representar ecos dos textos da
mídia, essa citada como fonte do saber: “[...] a gente sabe é o que tem na mídia né [...]”.
Apesar de verificarmos, como consta na reportagem analisada neste trabalho, que a mídia

27
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2002.
também apresenta aspectos positivos, isso não é comumente citado pelos professores não
indígenas, revelando o que querem ver/enxergar nessa relação vista como conflituosa.
Discursivamente, o professor marca o distanciamento em relação ao indígena,
utiliza “a gente” incluindo os não indígenas, quiçá o próprio pesquisador que não é
indígena, e vai revelando que os indígenas são relacionados à temáticas negativas: “[...]
eles são um povo sofrido [...] o espaço de terra deles ali é muito pouco né, [...] a questão
de que já houve muito a questão do suicídio, a questão da bebida né, o preconceito do
homem branco em relação a trabalho”.
Ainda como marca discursiva de distanciamento, o docente refere-se ao
preconceito do não indígena como “preconceito do homem branco”, exclui-se desse
grupo, colocando-se na posição de observador das relações sociais, parece “não querer-
ver”, ou melhor, não se compromete com os fatos narrados. No final da fala, inclui-se
enunciativamente, “eu”, para lembrar que teve aluno indígena e pontuar as impressões
sobre o relacionamento do indígena com o não indígena no convívio escolar, mais uma
vez assinalando o distanciamento: “Eu já tive aluno [...] a relação deles com os demais
alunos era distante né, eles não se misturam, eles se isolam, [...] o contato deles com a
gente é muito retraído também [...]”. O Outro, “eles” enuncivo, é o distante, o isolado, o
retraído, ou seja, aquele que não se encaixa aos vínculos de relacionamento e permanece
segregado; é o estranho.
Os docentes, como qualquer outro sujeito socialmente envolvido, também são
atingidos pelos discursos que os constituem e estão diante das competências modais do
“querer-ver” e do “não querer-ver” 28 e inclinam-se, novamente, para a segunda opção.
Em sala de aula, o professor exerce papel de destaque na mediação dos alunos, diante da
situação de “estranhamento” é preciso que atue no sentido de romper possíveis barreiras,
mas para isso deve entender o próprio lócus de atuação e estar ele, primeiramente, aberto
para compartilhar experiências. Sem essa atitude, o indígena, assim como outros sujeitos
marginalizados socialmente, continuará atingido pelos olhos do observador, no sentido
físico, mas não percebido enquanto parte da sociedade em geral.
Para finalizar as reflexões trazidas para este artigo, destacamos que durante a
parte da pesquisa na qual trabalhamos com alunos da escola não indígena, verificamos
que os enunciados expressos por eles em relação aos indígenas não diferem muito do que

28
LANDOWSKI, E. Op. cit., 1992.
nos foi apresentado pelos professores. No primeiro encontro, por exemplo, distribuímos
uma folha para que respondessem, em forma de texto escrito e desenho, a seguinte
pergunta: Índio lembra...? Os alunos mostraram-se preocupados em construir conceitos e
alguns perguntaram se poderiam falar sobre o Descobrimento do Brasil, outros tentavam
tirar dúvidas sobre os tipos de comida dos indígenas. Questionamentos que revelam o
distanciamento, ou a distorção da temática, considerando a proximidade local com os
indígenas e com as aldeias. De tal maneira, os discentes destacaram em suas respostas
principalmente os seguintes temas: cultura, dança, música, instrumentos, moradia (oca),
comidas (mandioca, milho, feijoada), tribo, guerreiro, respeito, comércio (venda de
mandioca nas ruas), descobrimento do Brasil, desigualdade, pátria, diferenças. Enfim,
com menor ou maior intensidade, representaram o indígena ligado à imagem
tradicionalmente divulgada pela história ocidental, isto é, o sujeito que passa a ser
conhecido na reprodução do encontro com os portugueses no Descobrimento do Brasil,
que mora na aldeia, gosta da natureza. Quando são trazidos para o retrato atual são
lembrados pelas ruas de Dourados vendendo mandioca, leite.
Nesse sentido, escreve o aluno 7 29 : “Pessoas que vende mandioca na rua ou
também leite etc... Eu acho que eles mora na oca ou qualquer coisa do tipo”. O discente
visualiza o indígena na realidade de Dourados como aquele que atravessa a cidade em sua
carroça vendendo produtos da aldeia, o que é comum em alguns bairros mais próximos
da reserva de Dourados. Mas, como já informamos na contextualização dessa realidade,
atualmente, os indígenas exercem outras atividades, porém isso não é reconhecido pela
maioria dos alunos. Analisando o restante do enunciado “Eu acho que eles mora na oca
ou qualquer coisa do tipo”, o aluno manifesta uma dúvida que demonstra, mais uma vez,
o desconhecimento da real situação de vida das comunidades indígenas. Nas
comunidades da região, poucas famílias vivem em ocas, a imprecisão do aluno, iniciando
o Ensino Fundamental II, parece-nos um dos indícios da fragilidade do ensino acerca do
assunto. Os alunos reproduzem um discurso colonial que “[...] produz o colonizado como
uma realidade social que é ao mesmo tempo um ‘outro’ e ainda assim inteiramente
apreensível e visível” (BHABHA, 2010, p. 111).
Corroborando com isso, citamos, ainda, a resposta do aluno 17:

29
Para preservar a identidade dos informantes da pesquisa, todos foram identificados por números.
Índio me lembra muitas coisas, me lembra também quando estava no 4° ou
5º; que os índios eram os habitantes no Brasil na época e que eles tiveram
que ficar escravos dos outros que chegaram bem depois. Me lembra aquelas
pessoas que não tinham muita roupa e aquelas que adoram; como dizem “os
brancos”. E sempre felizes. Adoro a cultura deles !!!

O aluno revela que a imagem fixada em sua memória é a representada pela


escola ao lembrar: “[...] quando estava no 4° ou 5º ; que os índios eram os habitantes no
Brasil na época e que eles tiveram que ficar escravos dos outros que chegaram bem
depois [...]”. O índio é situado nas histórias do passado, na época do Descobrimento,
contadas pelo viés eurocêntrico em que aparecem como aqueles “[...] que não tinham
muita roupa e aquelas que adoram; como dizem ‘os brancos’. E sempre felizes [...]”. No
uso das aspas na expressão “os brancos”, o aluno parece colocar em dúvida ou ironizar o
uso do termo, assinalando a reflexão em relação à reprodução de um discurso que
diferencia índios e brancos desconsiderando a mistura racial. Como analisamos na
resposta dada pelos professores, utiliza-se dessa construção para alegar que esse
posicionamento sobre o indígena não é o dele, é dos “brancos”, são eles que “dizem” isso
ao longo das explicações dadas pelo professor, nas leituras dos livros didáticos e com as
quais o aluno pode não concordar, mas é o que tem em sua memória. Ao final, procura
fazer-ver ao pesquisador, destinatário da atividade, que ele tem uma visão positiva sobre
o indígena: “Adoro a cultura deles !!!”, todavia, na afirmação revela que é a “cultura”
dos indígenas que ele “adora”, reforçando o distanciamento em relação ao sujeito índio,
este é valorizado enquanto símbolo de uma cultura.
Diante das análises, parece-nos que os alunos sentem dificuldade em fixar as
novas formas de vivência dos indígenas da região de Dourados, contexto em que exercem
também cargos comuns à vida social envolvente. Assim se nega o outro, sua alteridade, o
que pode estar aliado ao discurso escolar, espaço no qual a pesquisa ocorre. Essa negação
ao Outro, o indígena inserido em patamar inferior, é marcada, também, pelo
distanciamento do modo de vida e dos lugares que cada um ocupa. Bonin30, ao analisar os
efeitos dos discursos que aprisionam a existência indígena no passado, afirma que “Ser
feliz, estar bem, manter-se vivo, sonhar o futuro: essas são condições interditadas aos
índios no presente, quando estes são narrados como sujeitos no tempo passado”. Nos

30
BONIN, Iara Tatiana. E por falar em povos indígenas...: quais narrativas contam em práticas
pedagógicas? 2007. 220 fls. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS, Porto Alegre, 2007, p.147.
enunciados analisados, os alunos não exatamente interditam os indígenas do direito à
felicidade, mas constroem sua representação, normalmente, ligada à situação
desfavorecida, com resquícios de pretensão à igualdade.
Isso posto, consideramos o conjunto de textos analisados, corroboramos Fiorin 31
ao aceitar que o discurso não é a expressão da consciência, mas essa é formada pelo
conjunto dos discursos interiorizados pelo indivíduo ao longo da vida e sabendo que as
ideias constituem-se no campo da linguagem, as visões de mundo vinculam-se a ela: “[...]
a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de
temas e de figuras que materializam uma dada visão de mundo”.
Nos exemplos recortados para este trabalho, verificamos que as visões sobre o
indígenas ligam-se, ainda, à visão do Outro inferiorizado. Existe a “fronteira” assentada
na ideia de “demarcação”, “limite”, “divisa”, como pudemos analisar partindo da ideia de
significação não só enquanto “[...] totalidade dependente da articulação estrutural
imanente a cada discurso ou prática [...]”, mas, também, “[...] como o resultado de uma
construção negociada entre os actantes [...]” 32 . A preocupação recai na análise dos
processos de construção e apreensão de sentido a partir da interação em ato.

3 Considerações Finais

As reflexões contidas neste artigo indicam nossa preocupação em considerar a


mídia e a escola como instâncias formadoras. Os discursos construídos nesses meios, em
certa medida, refletem e influenciam as relações sociais e identitárias. Assim, como
exemplificamos nos recortes apresentados, evidenciam a fronteira ainda presente entre
indígenas e não indígenas na região de Dourados; o olhar destes sobre aqueles é de
inferioridade.
Ao longo do tempo, os discursos geram sentidos, impulsionar o agir, o fazer-
agir, pois criam um mundo representado, constroem modelos a serviço das relações de
poder que imperam na sociedade. Por isso, a importância de levarmos em consideração os
enunciados que permeiam nossas aulas, sejam elas advindas da mídia, da família, da
sociedade como um todo e até das nossas próprias construções como educadores.

31
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1997, p.32.
32
LANDOWSKI, E. Op. cit., 2014, p.12.

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