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Márcia Tereza Fonseca Almeida

Ildisnei Medeiros da Silva


Ilma Maria Fernandes Soares
(Organizadores)

A educação na atualidade
Vol. 1
Percurso Acadêmico
A educação na atualidade
(vol. 1)
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:

Renato Martins e Silva (Editor-chefe)


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Percurso Acadêmico
A educação na atualidade
(vol.1)

1ª Edição

Márcia Tereza Fonseca Almeida


Ildisnei Medeiros da Silva
Ilma Maria Fernandes Soares
(Organizadores)

Rio de Janeiro
Dictio Brasil
2016
Copyright © da editora, 2016.

Capa e Editoração
Mares Editores

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

Percurso Acadêmico: A educação na atualidade/ Márcia


Tereza Fonseca Almeida; Ildisnei Medeiros da Silva; Ilma
Maria Fernandes Soares (Organizadores) – Rio de
Janeiro: Dictio Brasil, 2016.
365 p.
ISBN 978-85-92921-09-5
1. Análise e crítica literária. 2. Literatura I. Título.

CDD 801.95
CDU 82

2016
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores e seus selos editoriais
Dictio Brasil é um selo editorial de Mares Editores
Contato: dictiobrasil@gmail.com
Sumário

Apresentação ..............................................................................................9
Capítulo 1 - Um Ensaio Epistemológico sobre a Concepção de Educação na
obra de Paulo Freire..................................................................................23
Capítulo 2 - A Formação do Professor de Ciências integrada à Proposta de
Educação CTS ............................................................................................43
Capítulo 3 - O Ensino Médio e suas peculiaridades ................................137
Capítulo 4 -Currículo em formação ou formação em currículo: Desafios
para formação docente ............................................................................43
Capítulo 5 - O Profissional da Educação Infantil no contexto das políticas
educacionais ...........................................................................................137
Capítulo 6 - Diferentes vozes sociais que emergem nas brincadeiras do
tanque de areia .......................................................................................170
Capítulo 7 – Educação Infantil e inclusão escolar da pessoa com deficiência
................................................................................................................234
Capítulo 8 - Tecnologias assistivas: instrumentos para a inclusão dos
deficientes visuais na educação básica ...................................................257
Capítulo 9 - O ensino de Língua Portuguesa na atualidade: O que nos dizem
os livros didáticos sobre a oralidade? .....................................................303
Capítulo 10 – Perfil dos docentes das licenciaturas no campus Erechim da
UFFS: Formação e trabalho ......................................................................92
Capítulo 11 - A carne mais barata do mercado não é a carne negra:
atividades na Educação Básica pública do DF contra o racismo ............286
Capítulo 12 –Como a Educação Básica se apresenta na concepção e prática
dos formadores de professores.................................................................62
Capítulo 13 - Narrativas de professoras de Educação Infantil e a construção
de suas identidades ................................................................................204
Sobre os Autores .....................................................................................355
Apresentação

A Editora Mares, através do seu Selo Editorial Dictio Brasil,


traz ao público interessado na leitura e reflexão sobre temáticas
relativas à educação contemporânea, o primeiro volume da obra
intitulada: Percurso Acadêmico: A educação na atualidade (volume
1).
Este primeiro tomo é fruto de investigações realizadas por
pesquisadores de diferentes áreas e instituições que se propuseram
a problematizar temas diversificados que vão desde uma análise da
epistemologia presente na obra de Paulo Freire até a discussão
sobre racismo em sala de aula, passando também por temas que
dizem respeito ao currículo, à formação de professores, à educação
inclusiva, à práticas pedagógicas lúdicas diferenciadas, e reflexões
contundentes sobre a educação infantil e o ensino médio, dentre
outros.
Ao se predispor a publicar artigos decorrentes de
investigações de temáticas educacionais relevantes no contexto
contemporâneo, a presente editora, expressa sua aspiração em
oferecer ao público interessado por questões pedagógicas uma
diversidade de textos que possibilitam ao leitor fundamentar-se,
refletir e repensar o contexto educacional na atualidade e suas
próprias práticas.

-9-
Atualmente, a educação brasileira tem apresentado muitos
percalços e desafios a serem enfrentados por todos nós que
estamos diretamente envolvidos com as questões do ensino e da
aprendizagem tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior.
Basta olharmos com um pouco mais de atenção para percebermos
nitidamente, que inúmeras são as mudanças que ocorrem no
contexto atual e como essas mudanças afetam o ensino e as
relações estabelecidas entre educador, educando, gestores
escolares e as múltiplas demandas advindas da realidade vivenciada
por esses agentes.
O novo perfil dos estudantes que ingressam tanto na
Educação Básica como no Ensino Superior, a presença das
tecnologias de informação e comunicação, o cenário
socioeconômico e as reflexões contemporâneas sobre o processo de
aprendizagem têm lançado inúmeros desafios para professores e
pesquisadores das diversas áreas do conhecimento. Para que a
educação corresponda às necessidades e exigências apresentadas
pelo mundo atual de modo a profissionalizarmos o ensino é
necessário estarmos atentos a essas e outras questões que se
apresentam nesse cenário que tem provocado muitas inquietações
nos pesquisadores e professores.
De modo que, se quisermos dar conta das demandas e
exigências do mundo atual, precisamos desenvolver propostas de
ensino que contribuam para a formação de profissionais críticos

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para enfrentar as exigências impostas pelo cenário educacional
vigente, de modo a problematizar e subverter, quando possível,
estas imposições.
Nesse sentido, os capítulos que compõem à obra respondem
a estas inquietações e apresentam reflexões pertinentes e que
merecem leitura e investigação. E, nessa direção, o que conduz o
movimento da escrita desta apresentação é a reconstrução, de
forma breve, dos pensamentos dos organizadores partilhando das
ideias dos autores que contribuíram com a publicação desta obra no
que concerne aos desafios da educação frente ao cenário atual da
nossa sociedade.
O primeiro capítulo, intitulado Um Ensaio Epistemológico
sobre a Concepção de Educação na obra de Paulo Freire, escrito
pelos autores Tairone de Sousa e Jair Moisés de Sousa, entendendo
que as atitudes dos sujeitos da educação, assim como os demais
sujeitos, refletem suas concepções, conceitos, noções e ideias,
questionam qual a concepção de conhecimento está presente na
obra de Paulo Freire. Para tanto, buscaram em suas principais obras,
compreender, não o conceito, mas a dinâmica da noção de
conhecimento desse autor, visto que a incerteza, natural de todo
ato de pensar, obscurecida pelas fragilidades dos sentidos, cria
“sombras” e o conhecer se torna não o “real”, mas aquilo que pode
ser interpretado. Nesse sentido, problematizam a forma como

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Freire vê os sujeitos, como seres integrais, imersos na sociedade, e
a sociedade imersa nos sujeitos.
Os capítulos 2, 3, 4 e 5, apresentam reflexões sobre a
formação de docente, embora cada um o faça pensando numa
perspectiva diferente, um apresenta uma discussão relacionada ao
currículo como desafio à formação de professores, outro apresenta
uma discussão sobre a prática dos formadores de professores e a
concepção que estes têm da educação básica, outro traz uma
análise do perfil docente das licenciaturas de uma universidade
específica, problematizando formação e trabalho. E ainda, outra
escrita diz respeito à formação do professor de ciências numa
perspectiva integrada à proposta de educação conhecida como CTS
(Ciência e a Tecnologia nos assuntos da Sociedade).
O capítulo 2, autoria de Eduardo Dias da Silva, Currículo em
formação ou formação em currículo: Desafios para a formação
docente, consiste em um estudo qualitativo interpretativista de
análise documental acerca da produção publicada em artigos de
periódico A Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores entre os anos de 2009 a 2012. A presenta
escrita faz uma análise da discussão sobre currículo e sua conexão
com a formação do professor no âmbito dos cursos de licenciaturas,
entendendo o currículo numa visão sociopolítica, ou seja, que busca
compreender as questões curriculares como mecanismo essencial
de constituição de identidades individuais e sociais atravessadas por

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relações de poder. Reiterando a necessidade de não dissociar a
reflexão teórica sobre currículo e sobre formação do professor da
luta pela transformação das circunstâncias que vêm impedindo que
ideias e teorias já formuladas se materializem nas salas de aula de
nossas escolas e universidades.
O capítulo 3, Como a Educação Básica se apresenta na
concepção e prática dos formadores de professores, de autoria da
Profa. Ilma Maria Fernandes Soares, é fruto de uma pesquisa de
natureza qualitativa, que adotou como estratégia de coleta dos
dados a entrevista semiestruturada realizada com onze formadores
de professores, de um departamento, localizado no interior baiano,
nos Cursos de Letras Vernáculas e História, de uma universidade
pública do Estado da Bahia, por meio da qual verificou-se que
muitos docentes exercem seu papel de modo restrito no que tange
a ser exemplo de atuação profissional, pois, em suas ações e
discurso transmitem uma desvalorização da escola e não
contemplam o enfrentamento das fragilidades da Educação Básica
por eles apontadas. Em seu texto, a autora objetiva discutir as
concepções dos formadores de professores sobre a relação teoria e
prática profissional, frente às exigências do currículo das
licenciaturas e das políticas educacionais, os quais exigem que tal
relação ocorra durante todo o percurso formativo, abrangendo
todos os componentes disciplinares. A atenção entre a cultura da

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Educação Básica e os conteúdos disciplinares são também
analisados nesse texto.
O quarto capítulo, Perfil dos docentes das licenciaturas no
campus Erechim da UFFS: Formação e trabalho, de autoria do Prof.
Robson Olivino Paim, partindo da compreensão de que educação
escolar tem sido tomada, especialmente após a abertura
democrática, como um dos canais necessários à construção da
cidadania e, por consequência, aos profissionais desta área são
imputadas responsabilidades que vão além do ensino dos
conteúdos em si, levando à constituição de um cenário educativo
novo (embora não inovador), apresenta uma análise do perfil dos
professores dos cursos de licenciatura da Universidade Federal da
Fronteira Sul, campus Erechim, estabelecendo uma
problematização destes perfis em duas categorias que se
relacionam: formação e trabalho. Valendo salientar que, os dados
apresentados e discutidos pelo autor foram arrolados pelo GT 336
quando da primeira etapa da 1ª Conferência das Licenciaturas da
UFFS37: Construindo a Política de Formação de Professores e o
Fórum das Licenciaturas, etapa esta realizada no segundo semestre
de 2015, visando compor um diagnóstico sobre vários aspectos da
atuação docente nas licenciaturas do referido campus universitário.
E, no capítulo 5, intitulado A formação do professor de
Ciências integrada à proposta de educação CTS, os autores Maria
da Conceição Andrade e Tairone Lima de Sousa discorrem sobre a

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formação de professores de ciências considerando que a proposta
de Educação CTS integrada na formação do professor de ciências é
o princípio norteador para uma prática educativa e científica de
qualidade, e também como forma de possibilitar um ensino de
ciências que envolva a Ciência e a Tecnologia nos assuntos da
Sociedade. Este trabalho parte da premissa de que a educação
científica deve promover ao aluno sua inserção crítica na sociedade
frente às questões que envolvem a Ciência e a Tecnologia e que a
educação CTS pode oferecer os subsídios para a realização de tal
aparato educacional. De acordo com os autores, as considerações
acerca da formação de professores de ciências evidenciam o debate
crítico acerca da importância de se ter uma boa formação inicial e
continuada destes professores, ressaltando a importância da
materialização de políticas públicas voltadas para a formação inicial
e continuada, de modo a superar às necessidades formativas dos
docentes com vistas a ensejar em sua formação a educação CTS.
Os capítulos posteriores, 6, 7, 8 e 9, trazem discussões
relevantes sobre a Educação Infantil, apresentando
problematizações que dizem respeito às políticas educacionais para
Educação Infantil, às práticas pedagógicas lúdicas, a construção das
identidades das professoras de infância e ao processo de inclusão
da pessoa com deficiência na Educação Infantil. Nesse sentido, o
capítulo 10, complementa a discussão sobre a educação inclusiva,
ao tratar das tecnologias assistivas no âmbito da educação básica,

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de modo a promover a inclusão de deficientes visuais na educação
básica.
O capítulo 6, intitulado: O profissional da Educação Infantil
no contexto das políticas educacionais, de autoria das
pesquisadoras Michelle Fernandes Lima e Maria Letícia Neves, traz
uma caracterização do profissional da Educação Infantil no contexto
das políticas educacionais atuais, tendo como espaço de pesquisa a
rede municipal de Irati (PR). Para realização da investigação, as
autoras buscaram respaldo em autores que se dedicam ao tema,
análise dos editais de Concurso Público para os professores da
Educação Básica do município de Irati (PR), contrastando estes
editais às atuais leis que asseguram a carreira deste profissional, e
por meio de questionários direcionados às professoras de Educação
Infantil, que atuam tanto nos CMEI’s como nas escolas. O estudo
constatou, segundo as pesquisadoras, que a grande maioria destas
profissionais possui graduação em nível superior e especialização
em diversas áreas, e que a questão do dom ainda está presente no
cotidiano destas profissionais. O presente trabalho avalia ainda que
a identidade profissional destas docentes bem como a valorização
financeira e melhoria em suas condições de trabalho perpassa por
maiores investimentos na área da educação em um contexto geral.
O capítulo 7, Diferentes vozes sociais que emergem nas
brincadeiras do tanque de areia, fora escrito a partir da
compreensão do tanque de areia como um espaço que faz parte das

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atividades realizadas na educação infantil, dada a sua importância
no âmbito educacional e partindo do pressuposto de que ele
contribui na socialização e trocas verbais. As autoras Viviane de
Cássia Tassotti Barreira e Milena Moretto investigam que papéis
sociais são assumidos pelas crianças da educação infantil nas
interações ocorridas no tanque de areia e como essas crianças têm
representado o mundo que as cerca. Para tal investigação, foram
gravados os momentos de interação e brincadeira de 20 crianças no
tanque de areia em uma escola municipal de Educação Infantil da
região de Bragança Paulista. Segundo as pesquisadoras, foi possível
constatar que os alunos assumem diferentes papéis sociais em suas
brincadeiras e que o tanque de areia é um dos espaços em que vozes
sociais emergem, vozes estas que as crianças se apropriaram na
interação com o outro.
O capítulo 8, intitulado Narrativas de professoras de
Educação Infantil e a construção de suas identidades de autoria de
Márcia Tereza Fonseca Almeida, traz o recorte de sua pesquisa de
doutorado realizada com seis professoras que lecionavam nos
grupos 3, 4 e 5 em um Centro Municipal de Educação Infantil da
cidade de Salvador e a coordenadora pedagógica da referida
instituição. Um dos objetivos da investigação foi analisar a relação
entre o conhecimento teórico e a prática pedagógica das
professoras e identificar em que medida as histórias de vida dessas
profissionais influenciavam suas concepções e práticas na Educação

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de crianças pequenas. Respaldado em estudiosos que discutem a
formação de professoras de Educação Infantil e a utilização de
entrevistas narrativas como instrumento de coleta de dados, o
trabalho pretendeu dentre outras coisas discutir a relação entre a
construção das identidades das professora de Educação Infantil e
sua práxis pedagógica, tomando como base o princípio que cada
docente constrói sua identidade mediada por práticas sociais
específicas de acordo com a forma que cada uma se apropria do
mundo circundante considerando os aspectos de sua subjetividade.
O capítulo 9, de autoria dos professores Francisco Arrais
Nascimento, Francisco Francinete Leite Júnior e Luciana Soares dos
Santos, intitulado Educação Infantil e inclusão escolar da pessoa
com deficiência, tem por objetivo compreender como a instituição
de ensino pode criar ferramentas que possibilitem a inclusão de fato
no espaço escolar da pessoa com deficiência. Para alcançar o
objetivo proposto, metodologicamente os autores realizaram um de
estudo caso, tendo como espaço uma Escola de médio porte
localizada na zona rural do município de Jardim/CE. Foi constatado,
através deste estudo, que o processo de inclusão da pessoa com
deficiência apresenta-se como um desafio para as instituições de
ensino.
O capítulo 10, de certo modo, complementa a discussão
iniciada no capítulo 9 no que concerne à educação inclusiva e a
práticas pedagógicas e metodologias que visam a efetivação dessa

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inclusão no âmbito da educação básica. Intitulado Tecnologias
Assistivas: instrumentos para a inclusão dos deficientes visuais na
educação básica, de autoria das professoras Miriam Alves de
Oliveira e Eliane Miranda Machado, a presenta escrita defende as
tecnologias assistivas em prol da inclusão dos deficientes visuais na
educação básica, mostrando a relevância desses instrumentos no
processo de disseminação da informação, e de inclusão no ensino
regular diminuindo as barreiras informacionais encontradas pelos
deficientes visuais. Para isso foi adotado pelas autoras um método
sistêmico, através da pesquisa bibliográfica, que evidencia a
importância do acesso à educação e a informação na construção da
cidadania e da dignidade da pessoa cega ou com baixa visão. O
capítulo retrata também a acessibilidade como parte integrante
para a mobilidade dessas pessoas no acesso à educação, pois tem
como propósito reduzir as barreiras que impossibilitam e/ou
reduzem a locomoção e o acesso dos deficientes aos locais ou
ambientes.
O capítulo 11, de autoria do professor Eduardo Dias da Silva,
intitulado A carne mais barata do mercado não é a carne negra:
atividades na Educação básica pública do DF contra o racismo,
objetiva indicar rumos, levantar possibilidades e favorecer
discussões acerca do letramento na educação básica pública do
Distrito Federal contra o racismo. Inspirados pelas leis federais
10.639/03 e 11.645/08 sobre o ensino de histórias e culturas

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africana, afro-brasileira e indígena e pelas ideias advindas das
teorias de novos letramentos e multiletramentos, o autor propõe
nesse contexto, constituir caminhos pedagógicos capazes de indicar
alternativas para a (re) construção da identidade racial dos alunos e
dos professores que se quer cidadãos-críticos conscientes de seus
direitos e deveres nesse caleidoscópio racial que é o Brasil. De modo
que, as ações pedagógicas, exercidas de forma consciente e
deliberada, se firmariam como o elo necessário para se alcançar
esses objetivos.
Continuando a discussão no que concerne à investigações
relativas à educação básica, Ailma do Nascimento Silva e Francisco
Romário Paz Carvalho problematizam o ensino de Português no
contexto atual, em seu texto O ensino de Língua Portuguesa na
atualidade: O que nos dizem os livros didáticas sobre a oralidade,
capítulo 12 desta obra. Este estudo é resultado de reflexões
desenvolvidas no projeto “O papel da Oralidade nos Manuais
didáticos de Língua Portuguesa”, onde, reconhecida a sua
importância, propõe-se com tal estudo visualizar como está inserida
a temática na Oralidade na constituição dos Livros Didáticos, recurso
que de forma mais recorrente, é utilizado pelas escolas públicas na
condução do processo de ensino-aprendizagem de língua
portuguesa, visando investigar como se dá a elaboração das
atividades de oralidade nos livros. O estudo em pauta envolveu a
análise de uma coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa,

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destinadas a crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental
(volumes 1 a 4), aprovadas no PNLD (2013). E, é justificado pelos
autores pelo fato de que a oralidade é o eixo de ensino menos
prestigiado no currículo escolar da Educação Básica e nas práticas
de ensino de todos os níveis de escolaridade.
Finalizando as discussões dessa obra, o capítulo 12,
intitulado O Ensino Médio e suas peculiaridades, de autoria das
professoras Sônia Ferreira de Jesus e Maria Irene Miranda,
apresenta parte do referencial teórico de uma pesquisa de
Mestrado em Educação, tendo como objeto as dificuldades de
aprendizagem e escolares no ensino médio técnico de uma escola
pública federal. A pesquisa se pautou em uma perspectiva
psicopedagógica, considerando a família, a escola, os profissionais
que compõem a instituição e os próprios sujeitos em aprendizagem.
Foram utilizados como instrumentos, a entrevista semiestruturada,
a análise documental e técnicas projetivas psicopedagógicas, como
o “Par Educativo” e a “Família Educativa”. Por meio da explanação
desse recorte da pesquisa, as autoras mostram as peculiaridades do
Ensino Médio no Brasil, ressaltando ademais os desafios vivenciados
na implementação do ensino Médio Técnico Integrado. As autoras
concluem que o Ensino Médio não tem uma identidade definida e
passa por desafios, principalmente quanto aos objetivos de
formação; ora a finalidade é propiciar a formação geral, ora a

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especifica; no entanto o Ensino Médio Integrado surge como uma
proposta de integração dessas duas vertentes.
As falas reflexivas sobre as próprias experiências colocam em
destaque a importância da reflexão crítica sobre a experiência, por
vezes vista como pobre em relação à teoria e vice-versa, e das
pesquisas em educação no mundo contemporâneo cuja velocidade
de desenvolvimento tecnológico atinge diretamente o ambiente
acadêmico.
Diante da diversidade de temas e discussões presentes nessa
obra e nos próximos volumes que virão, acreditamos que ela
contribuirá significativamente para enriquecer os estudos no
âmbito acadêmico e contribuirá como elemento motivador para
repensar teorias e práticas educacionais. Nessa direção, desafiamos
o leitor a emergir a dimensão polifônica, dialógica e plural no
intercruzamento de vozes, corpos e escritas aqui presentes.

Boa leitura!
Ildisnei Medeiros da Silva
Ilma Maria Fernandes Soares
Márcia Tereza Fonseca Almeida

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Capítulo 1 - Um Ensaio Epistemológico sobre a Concepção de
Educação na obra de Paulo Freire

Tairone Lima de Sousa1


Jair Moisés de Sousa2

Introdução: para a necessidade de uma psicanálise dos conceitos


A dinâmica que articula a organização dos paradigmas em
nível mental se dá, inicialmente, por meio de significados
conceituais. Para Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992), um conceito
é uma cifra múltipla de vários componentes que representam um
universo de contemplação, reflexão e comunicação. Ainda de
acordo com esses autores, um conceito por si só, pode não
representar a totalidade do significado que o enseja. Nesse aspecto,
para Gaston Bachelard (2006, p. 165) “o conhecimento do real é uma
luz que projeta algumas sombras”, pois um contexto de
acontecimentos, cultura, experiências, relações com a história, ou
seja, elementos mais pessoais que formam os conceitos são
necessários para uma compreensão mais próxima do seu real
sentido.

1
Mestrando em Educação, UFRN.
2
Professor Assistente na Universidade Federal de Campina Grande e
Coordenador do Laboratório de Epistemologia e História da Biologia - LEHBio.
Atualmente é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

- 23 -
O conhecimento cientifico é uma resposta a uma
inquietação. Se não houver questão não há conhecimento científico.
Nada é natural. Nada é dado. Tudo é construído pela relação do
sujeito que pensa e o universo de relações que ele está inserido
(BACHELARD, 1996).
A compreensão dos significados dos conceitos é vital para a
formação de um juízo e necessário a superação das “sombras”
postas por Gaston Bachelard (1996; 2006). Para esse autor, o ato de
conhecer é presidido por lentidões, conflitos e perturbações que
causam estagnação, regressão e inércia, por ele denominado
obstáculos epistemológicos.
Na mesma linha teórica de Bachelard, Edgar Morin (2005)
considera o pensamento um ato biológico, animal, humano e
existencial. É em ato biológico, pois para Morin (2005) “o problema
do conhecimento acha-se no coração da vida” (p. 44), sendo a
organização celular uma dimensão cognitiva inscrita no programa
genético vivo, mediante a qual a informação é armazenada.
O conhecimento é também um ato animal e humano.
Animal, pois nos organismos multicelulares pertencentes ao reino
animalia, onde se encaixam os humanos, o conhecimento se
processa nos aparelhos neurocerebrais. Constituídos por células
nervosas denominadas neurônios, que juntas se especializam e
formam o sistema nervoso (PURVES et al., 2005), aparelho biológico
exclusivo desse grupo.

- 24 -
O conhecimento como um ato humano faz surgir uma
humanidade do conhecimento. É sobretudo uma “pulsão cognitiva”
que lança a vida humana para além dos horizontes do conhecimento
animal, e instala nela uma nova dialética, evolutiva e
multidimensional entre o cérebro, a técnica e a cultura (MORIN,
2005a).
O aparecimento da consciência na história filogenética do
homem permitiu “um engajamento múltiplo e total do ser concreto
em todo o conhecimento” (MORIN, 2005, p. 140). Em outras
palavras, filosoficamente o homem é um ser existencial, pois para
Morin (2005, p. 140) a existência é definida em função da
“precariedade e da incerteza próprias à vida de um ser cuja
autonomia depende do meio”. Para esse autor, os aspectos da vida
existencial são: a falta, o perigo, a insuficiência, as necessidades, os
desejos, as inquietudes, os temores e a busca constante, tornando
assim o homo sapiens cada vez mais sacudido pelas necessidades
insaciáveis e os desejos infinitos.
A existencialidade do conhecimento ocasionado pela
humanidade e pela animalidade do ato de conhecer fez Edgar Morin
(2005; 2013) e Gaston Bachelard (1996, 2006) nos alertar para a
necessidade de uma psicanálise do conhecimento. Por essa razão, o
reconhecimento dos obstáculos epistemológicos é essencial para a
compreensão, aceitação ou negação de uma ideia, pois o “ato de

- 25 -
conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo
conhecimentos mal estabelecidos” (BACHELARD, 1996, p. 17).
Dessa ecologia entre a psique e a compreensão das coisas,
somos levados e envolvidos por conceitos que marcam, dominam,
conduzem e explicam nossa forma de pensar. Neles está a chave
para o entendimento das proposições mais fundamentais que
guiam as compreensões dos sujeitos e representam sua forma de
ver e entender o mundo que o cercam.
No presente trabalho temos o fito de apresentar a
concepção freireana sobre a construção conhecimento por meio da
noção de conhecimento desse autor. Como o sujeito constrói o
conhecimento? Quais elementos são indispensáveis nessa
construção dentro da concepção freireana de conhecimento? Nesse
sentido, este trabalho se caracteriza como um estudo bibliográfico
e por uma pesquisa qualitativa, apresentando um estudo das
principais obras de Paulo Freire, objetivamos retirar da obra
freireana a noção de conhecimento, e como ele é construído pelos
sujeitos no processo educacional.

Conhecimento e educação
Desde seus primórdios o homem produz conhecimento, o
fogo, o arco e flecha, a lança, o cobertor para se proteger do frio, a
agricultura etc., ele produz com tudo isto sua história e sua cultura.

- 26 -
Todo o conhecimento produzido pelo homem nasceu de uma
necessidade ontológica, física, espiritual ou psicológica.
Tendo em vista sua historicidade, o homem necessita
apropriar-se dos meios culturais dos seus antepassados,
proporcionando a vivacidade da sua cultura, e enquanto se
apropriam irão também produzindo suas próprias formas de
comportamento culturais, reinventado seus modos de agir. A escola
vem sendo palco deste “lugar de debates”, de saberes e de cultura,
é por meio desta que o homem apropria-se de sua história e nela e
com ela também produz novos significados.
A educação é por onde o homem repassa e
constrói/reconstrói seus conhecimentos às gerações subsequentes.
O conhecimento é, portanto, algo inerente à historicidade do
homem. É o seu maior legado. Segundo Paulo Freire, o homem é
histórico, ele estar no mundo e com o mundo, e é por meio de sua
intervenção no mundo que ele o conhece, o transforma e por ele
também é transformado.

[...] Ao ser produzido, o conhecimento novo


supera outro que antes foi novo e se fez velho e
se “dispõe” a ser ultrapassado por outro
amanhã*. Daí que seja tão fundamental
conhecer o conhecimento existente quanto
saber que estamos abertos e aptos à produção
do conhecimento ainda não existente. Ensinar,
aprender e pesquisar lidam com esses dois
momentos do ciclo gnosiológico: o em que se
ensina e se aprende o conhecimento já existente

- 27 -
e o em que se trabalha a produção do
conhecimento ainda não existente. A “do-
discência” – docência-discência – e a pesquisa,
indicotomizáveis, são assim práticas requeridas
por estes momentos do ciclo gnosiológico
(FREIRE, 2005, p.28).

A produção do conhecimento segundo Freire, perpassa


então dois momentos do ciclo gnosiológico, conhecer o que já se
conhece, mas também estarmos abertos a produzir um novo
conhecimento, e para que isso seja concretizado, a educação é o
meio pelo qual se produz e se repassa todo este conhecimento
histórico produzido pelo homem às gerações futuras, e a escola é a
instituição responsável por tal objetivo. Para Freire (1996), o ensino
e a pesquisa são indissociáveis desse processo, pois proporcionam
esta produção. Além disso, a do-discência, expressão cunhada por
Freire, é fundamental neste processo, para ele não há como
desvincular o ensino do aprendizado, afirma o mesmo que o
professor será sempre aluno ao proporcionar um ensino vinculado
à pesquisa e a promoção da curiosidade do educando.
E o homem, segundo Freire, consegue construir
conhecimento pela sua capacidade de ser um sujeito “curioso” e de
“ad-miração” do mundo, que consiste na sua capacidade de abstrair
criticamente de sua realidade e voltar-se para ela com um olhar
crítico e diferente de sua situação primeira. Então, é essa
capacidade do homem de sujeito curioso e de ad-mirar-se que o
coloca na condição de conhecedor, pois o coloca em estado

- 28 -
constante de interação, favorecendo sua objetivação e a sua
captação do saber do mundo real. Para Pereira (2010, p.65), é
justamente essa capacidade de abstração que oferece ao homem
conhecer e objetivar melhor o mundo.
Esta busca pelo conhecimento perpassa um ponto nodal no
pensamento freireano, por que o homem em sua busca por
compreender o mundo, de conhecê-lo, ad-mirá-lo e objetivá-lo, não
faz isso na individualidade, sozinho, mas em reciprocidade e
dialeticamente com o outro, por que isso é parte indissociável de
sua condição humana: a de ser sujeito histórico e dialógico.
O homem por naturalidade é sócio-histórico e por isso
mesmo não há como ele apreender e compreender a realidade e
nem como haver conhecimento se não houver, como sinalizou
Freire, a comunicação e o diálogo entre ambos os sujeitos que
compõem esta história, ou seja, a comunicação é intrínseca e
ontologicamente parte do homem. Só existe conhecimento do
mundo quando existe um pensamento mútuo e compartilhado
deste mundo por ambos os sujeitos que se inter-relacionam e se
inter-comunicam.
O conhecimento para Freire é então um ato gnosiológico
entre sujeitos, que estão no mundo para conhecê-lo e para
transformá-lo. Não há, portanto, produção de conhecimento se não
existir reciprocidade, amor e fé no mundo e nos homens. Não há
produção de conhecimentos se a prática da educação for imposição

- 29 -
de ideias, de palavras de um para o outro. A educação é uma via de
mão dupla, é horizontal e não vertical. Professor e aluno são
partícipes do processo de ensinar e aprender. Mas, o que se vê na
prática da educação, segundo Paulo Freire, é uma educação que não
favorece o encontro dos homens mediados pelo mundo, que não
favorece a curiosidade do educando nem o reconhecimento da
igualdade entre educador e educando. É este tipo de educação que
necessita ser problematizada. Passaremos então a analisá-la no
próximo tópico.

Educação Bancária como negação do homem


Produzir conhecimento segundo Freire, é assumir uma
postura curiosa em frente ao mundo, e isso só é possível por que o
homem é um ser inconcluso. Por isso o homem só produz
conhecimento por que necessita suprir suas necessidades, e se
reconhece como um ser inacabado, tornando-se um ser curioso.
Educação para Freire é:

uma resposta da finitude da infinitude. A


educação é possível para o homem porque este
homem é inacabado e sabe-se inacabado isto
leva-o a sua perfeição. A educação, portanto,
implica numa busca realizada por um sujeito que
é o homem. O homem deve ser sujeito de sua
própria educação. Não pode ser objeto dela por
isso ninguém educa ninguém (FREIRE 2007, p.
28).

- 30 -
A educação em Paulo Freire perpassa uma concepção de
construção do conhecimento pelo sujeito, sendo este conhecimento
fruto da necessidade do homem em buscar suprir sua incompletude,
por se reconhecer inacabado. Por isso a educação nesta ótica, surge
e se constrói pelo próprio homem, pela sua própria busca. Ela é,
portanto, produto histórico deste ser incompleto que busca sentido
para sua existência, é objeto seu e não do outro. Para Edgar Morin
(2012), os sujeitos seguem o princípio “hologramático” e estão
inseridos em organizações complexas, em que não apenas a parte
está no todo, ou seja, na relação entre sujeito e cultura, como o todo
está inscrito na parte, cultura e sujeito. Por esse princípio o homem
não pode ser visto como fragmento de seu mundo, pois a sociedade
está presente no sujeito, e o sujeito está presente na sociedade.
Entretanto, ser curioso não é suficiente para o homem
buscar o conhecimento da sua realidade, como afirma Pereira
(2010, p.67). Devemos considerar o homem histórico, que participa
de um determinado momento sócio-histórico, e que, portanto, estar
em meio a relações sociais complexas, que influenciam na condição
ontológica de seu ser.

[...] Seu estar no mundo com os outros homens,


suas intrincadas relações sociais, não assegura
um “estar consciente” ou um estar pleno que
obrigatoriamente seria “dialético”. A
dinamicidade das relações sociais, o permanente
devir, a inconclusão própria do ser humano, a
possibilidade de negação humana de sua

- 31 -
vocação ontológica do ser mais, de desumanizar-
se, as construções sociais opressivas e
dominadoras delineariam um horizonte sempre
mutante da experiência humana e isto revela,
por outro lado, a mutação constante porque
passa o conhecimento e o ato de conhecer como
um ato humano e sócio-histórico (Idem).

Devemos levar em consideração, portanto, as relações


sociais que negam ao homem sua condição histórica e ontológica, o
ser curioso não favorece por si só o desvelamento ad-mirado da
realidade. Freire destaca, segundo a autora, que aliado a isso, o
homem tem que ser um ser da busca e do esforço. Ser inacabado é
o que o faz educável, mas se reconhecer como tal é o que o faz
buscar a completude, é então a consciência do inacabamento que
faz do homem um ser a priori conhecedor de si e do mundo. É esse
perceber-se em sua finitude que faz do homem um ser da busca,
exigindo-lhe “esforço, luta, ação, superação da indiferença e da
passividade, enfrentamento, enfim. Isso, porém, ele não realiza de
modo solitário, pois é também naturalmente um ser social, político
e de linguagem” (Ibidem, p.68).
Portanto, que educação praticar? E qual estamos
praticando? Esta educação tem de ser fruto de uma constante
problematização da realidade do educando, favorecendo uma
repensar crítico constante de sua realidade, consiste então na tarefa
da dialogicidade em uma perspectiva crítica e libertadora, proposta
esta defendida por Paulo Freire.

- 32 -
Mas, segundo Freire,o que se vê na prática da educação, é
uma educação bancária, cujo objetivo primordial é depositar no
educando conhecimentos e “enchê-los” de saberes que a sociedade
opressora julga necessário. Por isso é que

Em lugar de comunicar-se, o educador faz


“comunicados” e depósitos que os educandos,
meras incidências, recebem pacientemente,
memorizam e repetem. Eis aí a concepção
“bancária” da educação, em que a única margem
de ação que se oferece aos educandos é a de
receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-
los (FREIRE, 2005, p.66).

Este tipo de prática educacional é típico de uma sociedade


opressora que vê na educação a maneira de manutenção de sua
ideologia. O conhecimento neste tipo de educação não é produzido
pelo educando, mas “depositado” nele pelo seu mestre, sem que
exista significado algum com sua existência no mundo. O educando
é visto como coisa, como objeto, sem vontade. Esta prática de
educação, segundo Freire, nega a vocação ontológica do homem de
Ser Mais, sendo que o objetivo da educação é justamente favorecer
a ele a busca por sua vocação ontológica. Neste sentido, a educação
adequada aos olhos da sociedade que oprime é uma educação
bancária que promove a alienação do homem, não reconhece sua
historicidade, e busca a conformação e manutenção do oprimido.
A escola neste modo de pensar não é neutra, sendo vista
como um importante instrumento de manutenção ideológica nas
- 33 -
mãos da classe opressora (ALTHUSSER, 1985), que reproduzindo sua
ideologia e forma de interpretação da realidade, contribui
veementemente para que os sujeitos tornem-se objetos.
Diante disso, segundo Freire, a tarefa do educador será a de
buscar a construção de uma educação problematizadora, único
meio que garante ao homem a busca por realizar sua vocação
ontológica. A educação bancária somente favorece a alienação e a
domesticação do homem, negando, portanto, esta sua vocação
ontológica, o considerando como objeto inerte ao fenômeno
educativo. Neste prisma Freire (2005, p.78) irá firmar que:

a educação libertadora, problematizadora, já


não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou
de transferir, ou de transmitir “conhecimentos”
e valores aos educandos, meros pacientes, à
maneira da educação “bancária”, mas um ato
cognoscente. Como situação gnosiológica, em
que o objeto cognoscível, em lugar de ser o
término do ato cognoscente de um sujeito, é o
mediatizador de sujeitos cognoscentes,
educador, de um lado, educandos, de outro, a
educação problematizadora coloca, desde logo,
a exigência da superação da contradição
educador-educandos. Sem esta, não é possível a
relação dialógica, indispensável à
cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em
torno do mesmo objeto cognoscível.

A educação problematizadora não é um monólogo e nem se


caracteriza apenas pela mera transmissão de saberes de quem tudo
julga saber (o professor), para quem julga nada saber (o educando).

- 34 -
Ela favorece a prática de uma educação que supera a contradição
educador-educandos, promove a conscientização dos sujeitos
frente ao seu mundo, pois o desvela pela sua pronúncia, pela sua
própria palavra que na educação bancária lhes é tomada, pois é seu
direito existencial. A situação gnosiológica é, portanto, parte
integrante de uma educação problematizadora, é o inicio do ato
mesmo de conhecer, favorecendo a dialogicidade entre educador e
educando, que para Freire, é indispensável à cognoscibilidade dos
sujeitos que estão em frente ao mesmo objeto cognoscível para
conhecê-lo.
O educando na prática educativa bancária é negligenciado,
não tem voz, não é sujeito. A pergunta também é negligenciada, é
excluída do processo educativo, pois cabe ao educando receber
passivamente todo o depósito do educador, com os conhecimentos
já prontos. Porém,antes de tudo, o conhecimento começa pela
pergunta, pela necessidade do homem inconcluso buscar sua
completude. E se existe a pergunta é por que existe curiosidade,
afirma Freire (1998). A curiosidade para Freire é o germe do
conhecimento, por isso é a partir dela que o sujeito se propõe a
buscar respostas para sua curiosidade, ela é então a força motriz do
conhecimento. Entretanto, podemos observar que:

No ensino esqueceram-se das perguntas, tanto


o professor como o aluno esqueceram-nas, e no
meu entender todo conhecimento começa pela
pergunta. Começa pelo que você, Paulo, chama

- 35 -
de curiosidade. Mas a curiosidade é uma
pergunta! (FREIRE, 1998, p.24).

No entender de Freire toda a busca pelo conhecimento


deveria começar pela pergunta, por isso, se não existir pergunta
também não existirá conhecimento. Mas o que se nota é o ensino
da resposta, o professor antes de tudo, já teme que o aluno
pergunte, ele antes disso já traz as respostas antes mesmo de feitas
às perguntas. Este tipo de educação é “castradora da curiosidade”
do educando. A curiosidade do educando, é sufocada pelas
respostas do professor, que desta forma não favorece a construção
do conhecimento. Assim Freire defende que “o educando inserido
num permanente processo de educação, tem de ser um grande
perguntador de si mesmo. Quer dizer, não é possível passar de
segunda a terça-feira sem se perguntar constantemente” (Idem,
p.27).
A educação nessa ótica tem a tarefa de proporcionar ao
educando seu encontro com a pergunta, favorecendo sua
curiosidade. O professor tem a tarefa de proporcionar a curiosidade
de seus alunos buscando aliar em sua prática a prática da busca
pelas perguntas, muito mais do que pelas respostas. O ensino
proposto por Freire é justamente o ensino das perguntas. A
proposta é então por uma pedagogia da pergunta e contra uma
pedagogia da resposta.

- 36 -
E para que a educação favoreça a curiosidade do educando
e consequentemente a busca pelo seu ser mais, Freire propõe então
a construção do conhecimento a partir da uma perspectiva de uma
educação problematizadora, aquela educação que emerge da
existência do próprio educando e que a partir dos problemas
enfrentados em sua realidade, problematizados, criticizados,
dialogados, os façam compreendê-la em sua maior complexidade.
Que sentido terá para o aluno discutir algo fora totalmente do seu
contexto existencial? A tarefa do educador ganha, portanto, um
novo direcionamento, não mais enxergará o educando como um
simples receptáculo que necessita enchê-lo de conhecimentos. Sua
tarefa agora será a de problematizar em sala de aula, os saberes
que emergem da realidade de seus alunos e que transitam na
prática educativa. Saberes estes que com eles são construídos e não
mais lhes é imposto, mas sim, que ocorre a troca entre ambos em
uma situação gnosiológica entre sujeitos cognoscentes que estão à
procura de conhecer o objeto cognoscível.

Conhecimento, educação e dialogicidade: últimas considerações


Mas, qual o conceito de educação para Paulo Freire? A
proposta freireana de educação consiste em possibilitar ao
educando o desvelamento de sua situação existencial, a
problematização da sua realidade favorecendo sua criticidade.

- 37 -
Somente assim ele conseguirá a busca do seu Ser Mais. Então, como
promover uma educação problematizadora, que seja possibilitado
ao educando sua curiosidade e a consequente busca do seu ser
mais? Freire afirma que será por meio do diálogo profundo entre
educador e educando.
Como podemos observar a educação que favorece ao
homem sua formação crítica e sua busca ontológica, tem que se
pautar em pressupostos libertários e problematizadores de sua
situação existencial. A educação bancária serve apenas para cercear
a curiosidade do homem e sua constante busca de seus
inacabamentos. Por isso Freire (2005) vai afirmar que não pode
haver conhecimento neste tipo de educação, pois os educandos não
são chamados a discutirem o conteúdo, a indagarem, a
discordarem, mas sim, a memorizar o conteúdo repassado pelo
professor. Pontua Freire, então, que, os educandos não realizam
nenhum ato cognoscitivo, na medida em que o objeto cognoscente
é de posse do educador e não faz parte de um diálogo, de uma
discussão.
Não há produção de conhecimento por que o educador só
comunica os seus conhecimentos ao educando. O educando
somente os recebe passivo do seu mestre. Não há comunicação, há
comunicados. Não existe nesta pratica bancária de educação um
ciclo gnosiológico, mas um ato cognoscente apenas do educador.

- 38 -
Para que a educação se efetive em seu aspecto libertadora,
será por meio da dialogicidade, que para Freire, é o momento de
comunhão e da pronúncia do mundo pelos homens, não é apenas
conversação, pois seria imposição. É o encontro dos homens
mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo. O diálogo entre os
sujeitos do processo educativo é o possibilitador da curiosidade do
educando, da pronúncia do mundo por eles próprios, do
reconhecimento de sua condição histórica e da busca por sua
vocação ontológica.
A educação nesse sentido tem que ser uma educação como
prática de liberdade e não uma educação que impõe uma realidade.
A respeito disso, Freire acredita que somente por meio de uma
educação para a conscientização que os homens alcançarão sua
libertação, por que “[...] a conscientização implica, pois, que
ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para
chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como
objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição
epistemológica (FREIRE, 1980, p.26). E uma educação para a
conscientização apenas será efetivada se através da dialogicidade,
por que

O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial


intersubjetividade humana; ele é relacional e;
nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os
dialogantes “admiram” um mesmo mundo;
afastam-se dele e com ele coincidem; nele

- 39 -
põem-se e opõem-se. Vimos que, assim, a
consciência se existência e busca perfazer-se. O
diálogo não é um produto histórico, é a própria
historicização. É ele, pois, o movimento
constitutivo da consciência que, abrindo-se para
a infinitude, vence intencionalmente as
fronteiras da finitude e, incessantemente, busca
reencontrar-se além de si mesma (FREIRE, 2005,
p.16).

O diálogo é intrínseco do processo de educação libertadora,


é apenas por meio dele que educador e educando pronunciam seu
mundo, pronunciam sua realidade, encontram-se, e comunicam-se.
A dialogicidade é parte integrante da educação como prática de
liberdade ao favorecer aos sujeitos do processo educativo, a
conscientização, e o acontecer do ciclo gnosiológico,
proporcionando assim a produção do conhecimento.

- 40 -
Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os


aparelhos ideológicos de estado (AIE). Tradução de Walter José
Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1982. 2ª edição.

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico:


contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Traduzido por
Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1996.

BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Traduzido por Fátima


Lourenço Godinho; Mario Carmino Oliveira. Lisboa: Edições 70,
2006.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo:


Editora 34, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e


Terra, 2005.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. 3ª


Ed. São Paulo: Moraes, 1980.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 30ª Ed. São Paulo: Paz e Terra,
2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 42ª Ed. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 2005.

FREIRE, Paulo. FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta.


4ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

MORIN, Edgar. O método 3: o conhecimento do conhecimento.


Tradução Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Editora Sulina,
2005.

- 41 -
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. 20ª Ed. Tradução Eloá Jacobina. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2012.

PEREIRA, S.M.B. O ato pedagógico como ato gnosiológico em Paulo


Freire: ensinar com uma aventura criadora. (Tese de Doutorado).
UFRN, Natal, 2010.

- 42 -
Capítulo 2 -Currículo em formação ou formação em currículo:
Desafios para formação docente

Eduardo Dias da Silva3

Introdução
O interesse em estudar as questões curriculares deriva de
uma atenção especial em relação à conexão currículo e formação -
temas que entrecruzam a trajetória dos professores - e à
necessidade de questionar algumas faces dos processos educativos
ligados ao currículo dos cursos de formação em licenciaturas.
O currículo molda os docentes, mas é traduzido por eles
mesmos, Sacristán (1998). A influência entre eles é recíproca, pois a
atuação dos professores em geral, e em especial a de docentes
universitários, está condicionada, em boa medida, ao papel que lhes
é atribuído no desenvolvimento do currículo.
O que aqui se compreende por conexão entre currículo e
formação docente é que o professor é um dos mediadores decisivos
entre o currículo estabelecido e os alunos (apesar de seu espaço de
decisão estar prefigurado de algum modo dentro de um campo em
que o professor atua, de sua instituição, da realidade local em que

3
Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Professor da
Educação Básica na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF).

- 43 -
trabalha, de suas raízes culturais e sociais). É ele, principalmente,
quem vai analisar os significados mais substanciais da cultura na
qual os alunos têm acesso.
Diante disso, reconhecer que esse papel tem consequências
no momento em que se vai pensar em modelos apropriados de
formação de professores é pensar que o currículo, de algum modo,
também orienta parte do tipo de formação que esse professor terá,
na configuração de sua profissionalização, na sua atuação, na
reconstrução dos conhecimentos e práticas prefiguradas pelos
currículos escolares.
Com isso, está-se apontando que discutir sobre currículo
envolve também refletir sobre a formação docente, porque
compreende-se a formação do professor como um campo de
conhecimento, investigação e de propostas teóricas e práticas que,
dentro da didática e organização escolar, estuda os processos
mediante os quais os professores implicam-se, individualmente ou
em equipe, em experiências de aprendizagem e por meio das quais
adquirem seus conhecimentos, destrezas e disposições, que lhes
permitem intervir profissionalmente no desenvolvimento de seu
ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a
qualidade da educação que recebem os alunos (GARCÍA, 1995).
Por isso o interesse em dirigir olhares para a análise de
estudos sobre a discussão a respeito do currículo e a formação de
professores, especialmente pelas seguintes questões: quais as

- 44 -
principais preocupações dessas produções quando o assunto é o
currículo e a formação de professores? Que possibilidades, no
processo de questionamento ao currículo, essas análises ajudam a
apontar? O que a teoria curricular crítica sugere indagarmos com
base na produção analisada?
Diante disso, a pesquisa qualitativa interpretativista de
análise documental (MOURA FILHO, 2000; CHIZOTTI, 2006; SANTOS,
2013; LÜDKE; ANDRÉ, 1986; FLICK, 2009) detém-se na investigação
de uma temática em revista, constituindo-se do estudo da produção
discursiva sobre o tema currículo e formação de professores em
periódico de Educação. Isso não significa dizer que não se busca
fazer a articulação com o material interno da Revista, contudo é
importante evidenciar que o interesse do estudo não é analisar o
papel da A Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores na estruturação de seu campo.
Para as pesquisas documentais qualitativas, a realidade é
compreendida como fluente e contraditória, e os processos de
investigação são vistos como dependentes das concepções, valores
e objetivos do pesquisador, como defende Chizzotti (2006).
Seguindo a mesma lógica, Moura Filho (2000) destaca que este tipo
de pesquisa enfatiza a natureza da realidade socialmente
construída, a relação entre o pesquisador e o contexto, e as
restrições que podem ocorrer.

- 45 -
O valor “documental” não está intimamente ligado somente
ao produto escrito, “o termo documental alude a materiais escritos,
visuais ou físicos”, conforme afirma Merriam (1998, p. 112). Na
análise documental há, caso necessário, a opção de analisar as
informações contidas nos documentos concomitantemente com
outros instrumentos de coletas (entrevistas) e/ou outros
instrumentos de registros, que não foram aplicados a esta pesquisa.
Em todos os casos, o primordial é que tais documentos sejam
relevantes ao estudo em questão.
No que tange ainda à definição de análise documental,
Santos (2013) concebe que

[...] é um meio de pesquisa e de geração de


dados que, em pesquisas de natureza
qualitativa, pode tanto servir para
complementar informações já obtidas via outras
técnicas quanto evidenciar novos aspectos
ligados a uma temática específica (2013, p. 107).

Nesta pesquisa, os documentos foram fontes que


forneceram dados referentes ao tema currículo e formação de
professores em periódico de Educação para serem analisados
“sistematicamente”. Portanto, os documentos são como “quaisquer
materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação
sobre o comportamento humano”, conforme Phillips (1974, p. 187
apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38), tais quais leis, diários, jornais,
revistas, discursos, livros, arquivos escolares, entre outros de acordo

- 46 -
com Lüdke e André (1986) e Flick (2009). Há outra definição,
bastante relevante, para “documentos” que traduz melhor a
concepção que se tem em relação a eles, que é a seguinte

se tivermos que arcar com a natureza dos


documentos, então precisaremos afastar-nos de
um conceito que os considere como artefatos
estáveis, estáticos e pré-definidos. Em vez disso,
devemos considerá-los em termos de campos,
de estruturas e de redes de ação. De fato, o
status das coisas enquanto “documentos”
depende precisamente das formas como esses
objetos estão integrados nos campos de ação, e
os documentos só podem ser definidos em
relação a esses campos (PRIOR, 2003, p. 2 apud
FLICK, 2009, pp. 230-231).

É de se vislumbrar, a partir desta citação, que “documentos”


são despidos de uma concepção estável, ou seja, eles são retirados
de uma forma com molde fixo e preestabelecido, passando a
significar registros escritos/visuais/auditivos inseridos em um
momento sócio-histórico específico. Os significados dos
documentos, nestes termos, são construídos a partir da inserção no
social, momento em que “documentos” e “meio social” se
relacionam dialeticamente.
Os documentos enquanto discursos são restringidos pelo
social, mas, também, o constitui. Assim, é nas práticas discursiva
(quem produziu, onde, local de circulação, quem consome) e social

- 47 -
(relações de poder, ideologia, hegemonia) que os documentos são
definidos.
Tal concepção de documento apresentada leva a enxergá-los
para além dos textos escritos em seus aspectos linguístico-
estruturalistas, ajudando na tarefa de análise à medida que é
lembrado de que analisar um documento é, segundo Flick, “mais do
que mera análise de textos” (2009, p. 232). Portanto, na análise
documental, os documentos são analisados como “dispositivos
comunicativos em vez de contêineres de conteúdos” (p. 236).

Formação docente e currículo: em análise


A opção pelo estudo em periódicos deve-se por sua
importância ser captada como instrumento privilegiado para a
construção do conhecimento, constituindo-se em guia prático do
cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar
o pensamento pedagógico de um determinado setor ou grupo
social, a partir do discurso veiculado, e a ressonância dos temas
debatidos, dentro e fora do universo escolar (BASTOS, 1997).
Destaca-se, como argumenta Maria Helena Camara Bastos,
ao estudar a imprensa periódica educacional no Brasil (1808-1940),
que esse corpus documental afigura-se como fonte privilegiada de
estudo: jornais, boletins, revistas, magazines, feita por professores
para professores, feita para alunos por seus pares ou professores,
feita pelo Estado ou por outras instituições, como sindicatos,

- 48 -
partidos, associações e Igreja. O seu estudo possibilita avaliar a
política das organizações, as preocupações sociais, os antagonismos
e as filiações ideológicas, as práticas educativas e escolares.
Na Educação, alguns estudos já têm tomado como fonte os
periódicos. Focalizando o tema currículo no Brasil, um dos primeiros
estudos desenvolvido sobre currículo em revistas educacionais
brasileiras foi realizado por Marlucy Alves Paraíso. A autora indica,
que, apesar do produtivo avanço teórico que tem ocorrido nas
reflexões sobre currículo, nos últimos anos, muito ainda precisa ser
estudado nessa área. Suas análises sobre a produção registrada em
revistas da Educação revelam que ainda faltam estudos sobre o
efeito dessas teorias curriculares críticas nas instituições
educacionais brasileiras de todos os níveis (PARAÍSO, 1994).
Sobre a formação de professores, recentes investigações
têm focalizado esse tema com o estudo em periódicos (GODOY;
SALLES, 1998; AUD, 1998; CARVALHO; SIMÕES, 1999, 2001). Um
desses últimos estudos, realizado por Janete Magalhães Carvalho e
Regina Helena Silva Simões, analisando as perspectivas e tendências
da formação docente, registradas nas discussões de periódicos da
Educação, na década de 90, aponta análises em torno de quatro
eixos principais: i) a busca da articulação teoria e prática, tomando
o trabalho pedagógico como núcleo fundamental desse processo; ii)
a necessidade de integração entre o Estado, as agências formadoras
e contratantes de profissionais de educação; iii) a construção de

- 49 -
competência profissional aliada ao compromisso social do
professor; e iv) a exigência interdisciplinar na formação de
professores (CARVALHO; SIMÕES, 2001).
Este estudo ao focalizar análises sobre a conexão currículo e
formação de professores, entendida aqui como uma importante
relação a ser pensada entre os temas que entrecruzam a trajetória
dos professores, focalizou a fonte documental no período de 2009 a
2012 (início da publicação da Revista até momentos mais recentes),
em que, além de avaliar essas questões, pode penetrar em outras
mais gerais, não só no que se refere a características do contexto
em que os artigos se inserem (ciclo de vida Revista), como também
em questões específicas relacionadas com o tema currículo e a
formação de professores na A Formação Docente – Revista
Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores.
A Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores, publicação digital, veiculada
semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de
Trabalho Formação de Professores (GT08), da Associação Nacional
de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). A criação do
GT08 – inicialmente denominado GT Licenciaturas – teve como
cenário o final da década de 1970, início de 1980, momento
histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma
mais vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de
debates e de participação nas decisões do Estado autoritário.

- 50 -
À medida que o governo militar começava a emitir difusos
sinais de esgotamento, os movimentos sociais conquistaram alguma
abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que
descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta
ocasião, uma crise se enveredava pelas Licenciaturas visto que vigia
um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado
ao chamado currículo mínimo nacional.
Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de
resistência ao modelo tecnicista de formação de professores e
passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente.
Tais ações impulsionaram a mobilização de alguns profissionais da
educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação dos
Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em
Belo Horizonte, em novembro de 1983, firmaram um acordo com
membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse
a tratar das questões que afetavam a formação de educadores.
Lançada a proposta, o GT Licenciaturas se constituiu e, no
ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual (RA) da ANPEd, em
Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para
elaborar propostas de formação para as licenciaturas e para o curso
de Pedagogia com base nos princípios e orientações contidos no
documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em
1985, ocorreu, em São Paulo, a 8ª RA. Nesta, o GT estruturado de

- 51 -
forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou
uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto.
Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-
metodológica para o Grupo de Trabalho que passou a chamar-se
GT08 Formação de Professores, delineando o ethos do renovado GT.
As primeiras ideias sobre a Revista Formação Docente surgiram no
começo da década 2000, no entanto, foi na 30ª RA que se conferiu
maior materialidade à ideia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre,
pesquisadores do GT08 encaminharam decisões substantivas sobre
sua editoração.
A Formação Docente pretende ser um canal de divulgação da
produção na área específica, em diálogo interdisciplinar com as
contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que
tratam da mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o
intercâmbio nacional e internacional do seu tema objeto. A Revista
é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das
áreas de Educação e ciências afins.
Após este breve panorama histórico da revista, a tarefa de
análise conduziu-se a partir da sistematização de dados acerca do
periódico, em que se compreende a identificação de alguns
contextos: num primeiro momento (2009 a 2010), os investimentos
de participantes pela luta por um campo científico para a Educação
e a preocupação da formação do professor ligada às ciências

- 52 -
entendidas legítimas para a Educação com os currículos devendo
acompanhar essa definição; num segundo momento ( 2011 a 2012),
registram-se preocupações em ampliar a discussão curricular a
questões curriculares mais amplas em um processo político-social,
com vistas à busca de paradigmas emergentes para a intervenção
político-pedagógica dos profissionais de Educação nos diversos
espaços educativos.
Dos 52 artigos identificados abordando a temática currículo
e formação de professores, apreendem-se alguns aspectos ligados a
características dessa produção: a) quanto à classificação do tipo ou
natureza do estudo: mais da metade dos artigos selecionados (29 de
52 artigos) classificam-se como apresentação de pesquisas; b) sobre
a ênfase temática, 13 dos 52 artigos tratam de forma direta da
temática Formação Profissional e os demais incidem análises de
forma fluida entre outros temas correlacionados, como Estágio
Supervisionado, Reforma Curricular; Disciplinas do Curso de
Licenciatura, entre outros; c) as produções não apontam uma
referência bibliográfica recorrente significativa quanto à utilização
de autores curriculistas e à área de formação de professores,
entretanto é possível sinalizar, a partir de 2011, o uso de produções
estrangeiras, bem como de literaturas cada vez mais recentes no
campo educacional.
Sobre o conteúdo dos artigos, analisa-se que pouco
pautaram suas associações a conceitos da discussão curricular

- 53 -
crítica. O método "inventado" por esta pesquisa buscou explorar
cada documento (artigo) e, ao mesmo tempo, o conjunto dos
documentos utilizando inicialmente o levantamento dos núcleos
temáticos (com base na leitura dos resumos da produção e quando
necessário, dos artigos), e também a construção das fichas de
análise (dos artigos selecionados). Diante disso, foram criadas as
categorias com a lógica de, a partir das perguntas centrais e
norteadoras, explorar-se as fontes.
Como categoria central, a unidade de registro: Currículo e
Formação de Professores: uma das questões que trilham a
identidade do professor. Dessa categoria, foi possível visualizar, três
subunidades de registro: i) Formação do Professor nas Disciplinas e
Conteúdos Curriculares; ii) Avaliação da Legislação Curricular e
Teorias Curriculares no Contexto da Educação, Perfil e
Características do Professor de Educação; iii) Possibilidades,
Elementos Inovadores na Formação de Professores e Desafios.
Os dados apontam que a análise da discussão sobre currículo
e formação docente em Educação indica elementos para se pensar
a identidade do professor, no que se refere à necessidade de se
questionar os currículos quanto ao significado do conhecimento,
das práticas pedagógicas e do perfil da formação acadêmico-
profissional desenvolvido. A discussão dos dados, com base
principalmente na teoria curricular crítica, identifica questões a
serem pensadas sobre o currículo e a formação de professores: a)

- 54 -
no que se refere a analisar os estereótipos ligados ao gênero nos
currículos e instituições educacionais; b) no que diz respeito a
questionar os conceitos que se permitem compreender o currículo
que se faz; c) ao indagar o significado das práticas pedagógicas no
currículo e os elementos que precisam ser repensados neste; d) ao
inquirir questões ligadas às reformulações curriculares e às
possibilidades a serem pensadas nesse processo.
No contexto dos temas enfatizados pelas teorias
curriculares, ao discutir sobre a formação docente e currículo em
Educação, considera-se como principal preocupação o ensino,
especialmente relacionado com o significado das disciplinas no
curso de formação de professores. As principais preocupações
dessas produções, quando o assunto é o currículo e a formação de
professores, consentem em admitir a necessidade de se repensar os
currículos de Educação. Entre elementos pensados nesta discussão,
estão a organização dos cursos, das disciplinas, dos programas e
cuidados com metodologias que garantam novas relações entre
universidade e escola, em um ensino reflexivo.
Conforme a análise dos dados, algumas das possibilidades a
serem consideradas no processo de questionamento e
reformulação curricular a serem pensadas nesse contexto são a
reconceptualização curricular e a indagação acerca da diferença e
da diversidade.

- 55 -
Diante disso, é válido enunciar a necessidade de ampliar
estudos na área, analisando a questão do currículo ligado a temas
das teorias curriculares e a importantes categorias, como gênero,
raça/etnia, geração, classe social e identidade. Nesse sentido, é
relevante lembrar que uma fonte nunca está esgotada e que,
enquanto houver perguntas, o material não estará suficientemente
explorado, entendimento que inclui a necessidade de se estar
apontando outras investigações, focalizando não só a temática aqui
em pauta como outras que se referem ao trabalho com artigos da
Revista A Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores.

Considerações finais
Embora os artigos de periódicos enfatizem a necessidade de
articulação entre teoria e prática, tomando o trabalho pedagógico
como núcleo fundamental desse processo, a análise das pesquisas
evidenciou um tratamento isolado das disciplinas específicas e
pedagógicas, dos cursos de formação e da práxis, da formação inicial
e da continuada.
Finalmente, os diversos artigos analisados mostram um
excesso de discurso sobre o tema da formação docente e uma
escassez de dados empíricos para referenciar práticas e políticas
educacionais sobre currículo.

- 56 -
Partindo das discussões apresentadas, diríamos que o
desafio que se impõe a qualquer docente é assumir que lhe compete
gerir, inovadoramente, o currículo, para além do conjunto das
disciplinas fragmentárias, mas como um todo coerente na formação
dos alunos. Enfim, compreendemos que a relevância desta pesquisa
para a área de currículo e da formação docente está na contribuição
para a produção de conhecimento no campo teórico-curricular,
favorecendo os recentes debates sobre prática curricular inovadora,
os quais se lançam numa perspectiva de investigar a prática
pedagógica e a formação dos professores e produzir conhecimento
para a ampliação do debate educativo.
Por fim, reitera-se, portanto, assim como faz Moreira (1995),
a necessidade de não dissociar a reflexão teórica sobre currículo e
sobre formação do professor da luta pela transformação das
circunstâncias que vêm impedindo que ideias e teorias já
formuladas se materializem nas salas de aula de nossas escolas e
universidades.

- 57 -
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- 61 -
Capítulo 3 –Como a Educação Básica se apresenta na
concepção e prática dos formadores de professores

Ilma Maria Fernandes Soares4

A licenciatura é uma fase importante no processo formativo


de professores da Educação Básica. Assim, precisa considerar a
cultura da escola como norteadora do trabalho pedagógico
realizado em todos os componentes curriculares, o que exige uma
um grande investimento do docente formador no intuito de trazer
à tona a cultura escolar, com toda sua complexidade, para ser
refletida à luz da teoria e do questionamento crítico para
instrumentalizar o futuro professor de como atuar
profissionalmente. Neste sentido esse texto objetiva refletir sobre
as concepções dos formadores de professores sobre a Educação
Básica, com especial atenção a questão da relação teoria e prática
profissional, de modo a compreendermos se tais concepções
aproximam-se ou afastam-se do futuro lócus de atuação dos
licenciandos.
É importante esclarecer que o currículo das licenciaturas e as
políticas educacionais exigem que ocorra a relação teoria e prática
profissional durante todo o percurso formativo, abrangendo todos
os componentes disciplinares. Se considerarmos que é para atuar na

4
Doutora em Educação. Professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB

- 62 -
Educação Básica que formamos em qualquer licenciatura é
imprescindível, para que haja tal relação, que o trabalho pedagógico
paute-se em considerar a cultura escolar como norteadora das
discussões realizadas em sala de aula.

Problematizando a relação entre a formação inicial de professores


e Educação Básica
A importância da licenciatura, enquanto fase inicial da
profissionalização do magistério, justifica-se por almejar contribuir
na construção do processo identitário do professor, a partir de
saberes teóricos e práticos referentes à profissão, bem como pelas
vivências que corroboram para criar uma primeira visão sobre o
meio profissional.
No que tange ao locus responsável pela formação dos
professores da Educação Básica, a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) dispõe
que devem ser universidades e Institutos Superiores de Educação.
Certamente, a possibilidade de formação de professores na
universidade é um ganho considerável no que se refere à busca pela
qualidade da Educação Básica, pois essa instituição fornece “[...]
uma base de legitimação essencial para o status profissional”
(GOODSON, 2008, p. 45), o que possibilita, entre outras questões, o
trabalho reflexivo. Essa conquista, fruto de movimentos docentes,
para ser capaz de contribuir para uma formação de qualidade,
requer que esses espaços sejam “[...] utilizados de forma útil, num

- 63 -
pacto colaborativo rejuvenescido e reconceptualizado entre as
instituições universitárias e aqueles que desenvolvem a sua prática
nas escolas” [...]. (idem).
No entanto, estudos recentes, como o de Gatti e Barreto
(2009) e Scheibe (2010), sobre a implementação das novas diretrizes
nos cursos de licenciatura no Brasil, indicam que boa parte desses
cursos distancia-se das determinações legais que orientam essas
formações, especialmente no que tange à relação com a prática
profissional.
Essa mesma crítica às licenciaturas é feita no documento
Referencial Curricular Nacional para Formação de Professores
(BRASIL, 1999), ao atestar a contradição existente entre o modelo
de processo de ensino-aprendizagem da formação inicial e
continuada de professores e o que é preconizado como adequado
para esses estudantes na condição de educadores. Segundo esse
documento, os futuros professores não vivenciam “[...] práticas
orientadas para o desenvolvimento do pensamento crítico, da
aprendizagem ativa, da criatividade, da autonomia, de valores
democráticos, do exercício da cidadania” nos seus processos
formativos. (p. 43).
Ao analisarmos historicamente o modo como se efetiva a
formação de professores constatamos que a fragilidade da relação
teoria e prática profissional é um tema bastante presente na
literatura. Todavia, os estudos que discutem aspectos relevantes a

- 64 -
serem considerados na formação deste profissional também
destacam esta relação como essencial, pois, como afirma Nóvoa
(2011, p. 51), “[...] O que caracteriza a profissão docente é um lugar
outro, um terceiro lugar, no qual as práticas são investidas do ponto
de vista teórico e metodológico, dando origem à construção de um
conhecimento profissional docente”. Esta defesa também é feita
por Imbernón (2011, p 66), quando sinaliza que “[...] as práticas
pedagógicas devem possibilitar uma visão integral da teoria e da
prática, ou seja, permitir que essa relação ocorra de maneira
dialética, uma servindo para questionar e enriquecer a outra”. Deste
modo, a licenciatura enquanto lócus de formação inicial do
professor não pode eximir-se de interagir a racionalidade prática
com a fundamentação teórico-metodológica.
André, Simões, Carvalho e Brzezinski (1999), ao se proporem
a realizar o Estado da Arte da Formação de Professores no Brasil
averiguaram que as principais discussões nos periódicos, no que se
aludia à formação inicial dos professores, expunham que a
articulação entre teoria e prática ou a busca da unidade no processo
de formação docente era um dos problemas centrais enfrentados
nas licenciaturas
Estudos mais atuais apontam que tais problemas continuam
os mesmos. As pesquisas realizadas por D’Àvila, (2008); Gatti e
Barreto (2009) demonstram a distância entre o trabalho ministrado
nas salas de aula universitárias e nas escolas da Educação Básica,

- 65 -
futuro locus de atuação desses estudantes. É nesse sentido que se
justifica investirmos em conhecer as práticas e concepções dos
formadores de professores, de modo a entender em que se baseiam
para ministrarem o ensino desconsiderando a prática profissional
como foco do trabalho pedagógico
Neste sentido esse texto apresenta parte dos resultados de
uma pesquisa de doutorado cujo objetivo foi compreender as
concepções de formadores de professores sobre a Educação Básica.
A pesquisa, de natureza qualitativa, adotou como estratégia de
coleta dos dados a entrevista semi-estruturada com onze
professores universitários de dois cursos de licenciatura, Letras
Vernáculas e História, de um departamento, localizado no interior
baiano, nos Cursos de, de uma universidade pública do Estado da
Bahia. Nossos depoentes serão representados por pseudônimos
para preservar a sua identidade, cujos depoimentos analisados
foram feitos mediante a técnica de Analise de Conteúdo (BARDIN,
1977).
A opção pelo estudo das concepções de formadores de
professores justifica-se por serem eles os principais atores das
decisões relacionadas à condução dos componentes curriculares, ou
do processo de ensino-aprendizagem e, como destaca Cunha
(2005), investigar sobre o trabalho do formador é de fundamental
importância quando se pretende alterar a lógica universitária,
objetivando mudanças na qualidade da licenciatura.

- 66 -
Analisar criticamente a formação que se oferece aos
professores é relevante, ainda, no sentido de que, é através desse
processo que contribuímos para a profissionalização de indivíduos
que serão responsáveis pela educação das novas gerações.

Concepções dos formadores de professores sobre a Educação


Básica e o trabalho pedagógico
A primeira constatação da visão dos formadores,
participantes da pesquisa, acerca da desqualificação da Educação
Básica é perceptível quando apontam, quase que exclusivamente,
aspectos que denotam um processo de desqualificação, atribuído,
basicamente, a dois fatores: precárias condições de trabalho e a
postura dos professores.
A precariedade das condições de trabalho do professor da
Escola Básica foi sinalizada por seis dos onze colaboradores,
destacando-se como elementos que influenciam esse processo:
carga horária de trabalho excessiva dos professores, tanto em sala
de aula quanto fora dela; excesso de atividades exigidas ao
professor, em geral de forma impositiva; excesso de alunos em sala
de aula e deficiência de aprendizagem dos alunos.
No que se refere à postura dos professores da Educação
Básica frente à profissão, a visão dos cinco docentes que se
posicionaram, no geral, é negativa. Prevalece o entendimento do
professor da escola básica como um profissional que não demonstra

- 67 -
ter clareza dos objetivos do fazer pedagógico, compromisso no
exercício profissional e sem empenho na realização do trabalho.
Postura que pode explicar a distância entre a formação inicial dos
professores e a cultura escolar.
Consideramos que tais concepções não se tratam de mera
constatação da realidade, mas sim uma depreciação da Educação
Básica decorrente das dificuldades vivenciadas e das imagens
veiculadas pela mídia. Os inúmeros depoimentos demonstraram a
recusa dos formadores em aproximarem o trabalho que realizam
com essa etapa de ensino, como afirma, claramente, a docente
Esmeralda, que prefere não abordar a cultura escolar para não
desmotivar os estudantes com suas experiências e concepções
negativas, sinalizando omissão do seu papel de formador de
profissionais docentes críticos e capazes de contribuir com a
transformação da realidade escolar.
O modo como os docentes dos componentes específicos se
relacionam com o conteúdo demonstram que esses se apresentam,
primeiramente, como “professores especialistas”, e a transmissão
dessa teoria não ocorre relacionando os saberes específicos às
atividades de formação, ao contrário, são trabalhados como um fim
em si mesmo, ou seja,

algo que se justifica por el mero hecho de ser


enseñado, los alumnos no aprenden a buscar la
relación entre esos saberes, relación que, por
otra parte, sus propios profesores tendrían

- 68 -
dificultad de establecer, ya que, como se ha
visto, en buena medida ignoran lo que otros
profesores enseñan. De esta forma los currículos
se acaban reduciendo a una acumulación de
saberes yuxtapuestos y generalmente
desconectados entre si', saberes que desde la
perspectiva práctica de los alumnos no es que se
integren o multipliquen, sino que
frecuentemente ni siquiera se suman, incluso a
veces se restan; a menudo completar la carrera
consiste en ir restando (o liberando) créditos y
materias, lo cual en la mayor parte de los casos
es aleatorio. (MONEREO e POZO, 2003, p. 17)

Tal denúncia coaduna com a defesa de Altet, Paquay e


Perrenould (2003) ao afirmar que a existência das clivagens
disciplinares, possibilita aos docentes conceberem que o que se
passa em sua área disciplinar é específico, não cabendo a relação
com outras formas de saber. É importante a efetivação do ensino
nos cursos de formação inicial de professores de modo a
corresponder aos princípios que orientam a Educação Básica,
buscando desenvolver as competências “[...] requeridas para
ensinar e fazer com que os alunos aprendam de acordo com os
objetivos e diretrizes pedagógicas traçados para a educação básica”.
(MELLO, 2000, p. 101). Deste modo, é relevante que as teorias e
vivências em sala de aula objetivem contribuir crítica e
criativamente para a construção de competências que possibilitem
ao futuro professor exercer sua atividade profissional, posto que a
condição de formação do professor é inversamente simétrica à
situação de seu exercício profissional, ou seja, enquanto se prepara

- 69 -
para ser professor, ele vive o papel de estudante. Por essa razão, é
desejável tomar a prática pedagógica na Educação Básica como
ponto de referência que nortearão a organização institucional e
pedagógica dos cursos.
No que se refere à origem desse entendimento de que o
docente acadêmico deve ser um repassador de informações um
docente justifica:

Eu acho que é mesmo a formação que nós


tivemos. A nossa formação é do passar o
conteúdo, não necessariamente de passar como
esse conteúdo pode ser repassado para o outro.
Acho que é muito isso. [...] (Citrino)

Contudo, é necessário sanar tal deficiência, na perspectiva


de saber lidar com a complexidade das escolas e do ensino, de
refletir sobre as sequelas dessa maneira de lidar coma formação de
profissionais na atualidade, pois mudanças precisam ser feitas,
como esclarece Monereo e Pozo (2003, p. 17)

Esta concepción meramente acumulativa de los


conocimientos, su falta de articulación e
integración, resulta especialmente grave si se
considera otro de los rasgos que definen al
conocimiento en esta sociedad, como es la
aceleración en el ritmo de producción y, por
tanto, su creciente caducidad. Aunque sin duda
hay saberes mas imperecederos , la celeridad en
la producción del conocimiento, y la
instantaneidad en su distribución, añaden
nuevas incertidumbres sobre la relevancia de los
saberes que se transmiten a los alumnos.

- 70 -
É relevante salientar que os cursos onde os professores da
Educação Básica são formados também são corresponsáveis pela
qualidade do ensino e, assim, precisam fazer frente às imagens,
interesses e ideologias, divulgadas e construídas socialmente. Desse
modo, as intercessões e posicionamentos efetivos dos formadores
são necessários e fazem parte do seu papel, até porque, influenciam
no modo como os estudantes concebem a escola, pois, como
constatam os entrevistados estes não simpatizam com a ideia de ser
professor da Educação Básica. Sete docentes mencionaram este
aspecto e afirmam que muitos licenciandos, especialmente os que
demonstram melhores desempenhos cognitivos, preferem atuar em
outros setores, assim cursam a licenciatura somente para
ampliarem suas condições de empregabilidade.
Um aspecto relevante que demonstra que a desvalorização
da Educação Básica interfere no ensino da licenciatura refere-se à
maneira como os formadores lidam com o conteúdo, ou seja,
desconsideram o exercício profissional do licenciando, mesmo o
currículo vigente requerendo que se estabeleça essa relação. Apesar
de somente um dos colaboradores assumir, claramente, seu mal-
estar com essa exigência curricular podemos afirmar, a partir dos
depoimentos dos entrevistados, que esse incômodo é muito forte
entre os formadores, especialmente dos componentes específicos.
Quando os componentes se aproximam mais da prática e da
realidade das escolas, as verdades fechadas, as respostas prontas,
- 71 -
elaboradas pela racionalidade técnica e pelas grandes teorias a que
têm acesso, muitas vezes, não respondem àquelas questões
específicas que os estudantes enfrentam, por isso mesmo, muitos
formadores se afastam de atividades com este cunho, pois não
consideram adequado ao docente universitário não saber
responder com precisão tais indagações. Entendemos que esse
silenciamento dos formadores aos saberes advindos da prática é
decorrente do fato deles não saberem lidar com as incertezas que
aparecem na sala de aula e com a complexidade que define esse
espaço educativo.
Em contrapartida, constatamos que os formadores que
discutem a cultura escolar são justamente aqueles que não se
colocam no lugar de detentores e porta-vozes do saber e de
soluções acabadas, mas que questionam, investigam, refletem junto
com os estudantes e, dessa maneira, conseguem contribuir na
perspectiva do aprender a aprender dos licenciandos. Sobre este
aspecto, Formosinho (2011) afirma que é através da reflexão sobre
os dilemas da prática que os profissionais podem aprender a ser
inteligentes, o que exige do formador capacidade de lidar com a
falta, com o não saber. Assumindo essa condição se tornam
melhores formadores.
Entendemos ser necessária a formação teórica dos futuros
profissionais, tanto no que se refere aos componentes que
compõem os caracterizadores básicos quanto daqueles que fazem

- 72 -
parte dos componentes da área de formação profissional. No
entanto, o que ocorre, muitas vezes, é que a maneira como os
formadores trabalham esses conteúdos não só se distancia da
realidade da Educação Básica, mas, contribui para consolidar a
cultura de desqualificação disseminada acerca dessa etapa de
ensino, conforme denunciam alguns entrevistados, ao afirmarem
que alguns colegas desvalorizam os profissionais e a realidade desta
etapa de ensino. O comportamento dos docentes em sala de aula
ao afastarem o conteúdo ministrado da prática profissional,
contribui para a deficiência na formação de professores, como
declara o entrevistado:

Eu até chego a pensar: o que a universidade


contribuiu a não ser com o conhecimento
acadêmico. Eu não sei até que ponto a
universidade contribuiu para a formação desses
professores enquanto professores. (Ametista)

Esta docente, responsável também pelo componente


Estágio Supervisionado, chega a tal conclusão a partir das
deficiências encontradas pelos estudantes ao aproximarem-se do
contexto escolar, visto que não sabem como resolver os problemas
que surgem em sala de aula, no que tange ao comportamento e
aprendizagem dos alunos. Em contrapartida, seis docentes, que
atuam nos dois cursos, reconhecem a importância das licenciaturas
desse Departamento para formação de professores e para a
melhoria da sociedade, posto que antes somente os filhos das

- 73 -
camadas mais abastadas adquiriam nível superior, cursando na
capital, além do mais, advogam sobre a melhoria da qualidade do
ensino na escola básica.
A ênfase nos conteúdos em si é demonstrada, ainda, pelos
critérios utilizados pelos docentes para seleção dos conteúdos
definidos, prioritariamente, a partir das ementas, que pouco exigem
relacionar teoria e prática profissional e, desse modo, pouco
contribuem para que os estudantes aprendam como fazer as
mediações necessárias nas situações inusitadas da prática
profissional.Somente dois docentes, um de cada curso, ambos
responsáveis pelos componentes pedagógicos, afirmaram
considerar a especificidade do profissional objeto da formação do
estudante como um dos critérios na seleção dos conteúdos a serem
trabalhados.
A importância do formador relacionar os conteúdos e
procedimentos com a cultura escolar fundamenta-se no
entendimento de que a teoria e a prática se retroalimentam
dialeticamente e contribuem para a construção de uma
profissionalidade docente capaz de lidar com competência, técnica,
política e ética com os desafios da prática. A ausência dessa relação
no processo formativo faz com que o futuro professor desconsidere,
na sua ação, os ideais pedagógicos adquiridos na sua formação
inicial, prevalecendo a rotina, a tradição, a conformidade, a

- 74 -
impessoalidade, a subordinação e lealdade burocrática
(SARMENTO, 1994).
A necessidade do estudante conhecer criticamente a cultura
escolar requer que o docente também tenha uma aproximação com
a Educação Básica, o que, conforme dez entrevistados, implica não
exigir dos estudantes propostas que busquem, magicamente,
resolver os problemas da realidade, posto que conhecem os
empecilhos que dificultam a viabilização de algumas
propostas.Destacam, ainda, que tal conhecimento contribui para o
docente saber transpor o ensino, posto que a experiência como
professor da Educação Básica exige maior empenho em buscar
meios para a aprendizagem dos estudantes. Contudo, dois
entrevistados destacam que a experiência dos docentes no contexto
escolar não é condição para uma intervenção mais coerente com as
teorias ensinadas durante as aulas posto que o desejo e o empenho
são aspectos determinantes.
Por essa razão, é desejável tomar os problemas da prática
pedagógica na Educação Básica como ponto de referência que
norteará a organização institucional e pedagógica dos cursos. Essa
articulação entre o espaço escolar e as instituições formadoras
precisa perpassar todo o curso e não se restringir ao período do
estágio para gerar aprendizagens significativas da profissão
docente.

- 75 -
A importância do contato do estudante com a escola durante
o período formativo foi destacada por um docente, ao observar que
os estudantes começavam o estágio sem preparação, salvo aqueles
que participavam em projetos do PIBID (Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência), que os aproximavam da escola,
contribuía para torná-los mais seguros, pois esses projetos
promovem o debate e a reflexão sobre os problemas da prática,
assim como, formas de intervenção. Defendemos que essas
experiências são formadoras tanto para o docente da universidade
quanto para o estudante da graduação. Diante dessa interlocução
dos saberes da universidade e da cultura da escola apresenta-se a
ideia de circularidade entre essas duas diferentes instituições, na
qual uma retroalimenta a outra, enriquecendo a construção do
conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem na escola.
A condição de formação de professor é inversamente
simétrica à situação de seu exercício profissional, ou seja, enquanto
se prepara para ser professor, ele vive o papel de estudante e a
forma como o docente universitário se posiciona é de grande
relevância no processo formativo. É nesse sentido que Pérez
Serrano (1988, apud MARCELO GARCIA, 1999) defende a
importância da pedagogia universitária, especialmente nas
licenciaturas, por considerar que as atitudes e comportamentos do
docente contribuem na constituição do ensino mais do que o ele diz
ser, pois podem transmitir mensagens opostas ao que é expresso

- 76 -
intencionalmente. Desse modo, é necessário atentar para o
princípio da coerência, definida como: “[...] a acção pedagógica é
coerente com os pressupostos e finalidades de formação que a
orientam, com a natureza dos conteúdos disciplinares e com os
métodos de avaliação adaptados”. (VIEIRA et al, 2002, p. 32).
Coube-nos, também neste estudo, buscar entender os
motivos que justificam a efetivação da formação nas licenciaturas
distanciando-se da cultura escolar. Assim, constatamos, que não se
trata da falta de experiência do formador de professores no
magistério da Educação Básica, mas sim, porque, mesmo tendo
vivências no ensino básico, eles não sabem relacionar ou não
querem estabelecer vínculo entre a teoria que trabalham e a
realidade dessa etapa de ensino. Tais atitudes fundamentam-se no
modelo academicista, o qual caracterizado pelo seu reducionismo
epistemológico, centra-se somente no domínio do saber científico e
na preocupação na transmissão. Defendemos, ainda, que esse
silenciamento dos formadores de professores também é decorrente
do fato deles não saberem lidar com as incertezas que aparecem na
sala de aula e com a complexidade que define esse espaço
educativo. Deste modo, ao desvincularem as teorias que abordam
da prática pedagógica não são confrontados com problemas os
quais não tem uma resposta sistematizada.
A conjunção de vários fatores sociais e psicológicos que
envolvem o ensino na atualidade está produzindo, como discute

- 77 -
Zaragoza (1999), “[...] um ciclo degenerativo da eficácia docente”.
Esse ciclo gera um silenciamento que prejudica a formação dos
professores, visto que eles vão encarar, solitariamente, as
dificuldades presentes na escola, sem que tenham sido refletidas as
causas e consequências dessa realidade para a formação do
indivíduo e para toda a sociedade. Tal postura incide ainda no
descrédito do estudante em relação aos aprendizados construídos
no processo formativo das licenciaturas, contribuindo para
prevalecer concepções acríticas, de base academicista, que pouco
contribui para o ensino, pois, como denuncia D’Àvila (2012, p. 15)
“O ensino universitário convencional calcado num modelo
exageradamente academicista já deu sinais de cansaço”. Desse
modo, não contribui para que esses possam conhecer, refletir,
propor aspectos referentes à sua futura profissão de modo coletivo.
Tais posturas têm como consequência o choque dos estudantes
quando começam a vivenciar a complexidade da escola, o que
causa, muitas vezes, a recusa em ser professor. Entendemos que
esse silenciamento dos professores também é decorrente do fato
deles não saberem lidar com as incertezas que aparecem na sala de
aula e com a complexidade que define esse espaço educativo.
A deficiência dos docentes em relacionar o ensino
ministrado nas licenciaturas e a realidade da Educação Básica é
possível de ser constatada ao percebermos, através dos

- 78 -
depoimentos dos participantes da pesquisa, a forte presença da fala
para estabelecer essa relação:

Eu falo muito! Eu trago muito para a realidade,


falo das escolas públicas municipais, do ser
educador, do conhecimento que ele vai precisar
dominar para dar uma boa aula, para ensinar
corretamente aquilo. [...](Topázio)

Buscam aproximar a teoria com a prática profissional através


da fala é limitado, posto que dificulta o estudante ver, sentir,
interpretar, questionar a partir da sua própria experiência. Sobre a
presença marcante da fala como fonte de saberes na universidade,
Anastasiou (1997, p. 129) expõe que:

Nós, docentes, fomos marcados pela


Universidade do “dizer do professor” e
precisamos construir hoje a sala de aula onde co-
habitem tanto o dizer da ciência – através ou não
do dizer do professor – quanto a leitura da
realidade adversa que enfrentamos, da qual o
aluno – como futuro profissional – terá que dar
conta. Esse desafio nos é posto em relação ao
paradigma tradicional que vivenciamos como
alunos e professores e a crescente necessidade
da construção de um paradigma atual.

Centrar-se na fala é uma característica da pedagogia


academicista que, ao valorizar a reprodução das palavras, textos e
experiências do docente, abdica de aproximar o estudante da
realidade educacional através da pesquisa, pois considera que esse

- 79 -
não tem ainda, a capacidade de utilizar essa metodologia,
impossibilitando o licenciando de problematizar o seu futuro lócus
de atuação profissional. Todavia, a supracitada autora defende que
estamos num momento histórico em que se discute a mudança em
várias dimensões do fazer humano e que a predominância da fala
no ensino não é condição suficiente para a construção do
conhecimento, sendo necessária a atuação do estudante. Dessa
forma, a aprendizagem poderá sem muito mais significativa, visto
que ela será construída a partir da postura ativa do aprendente.
A subestimação da importância da leitura crítica da cultura
da Educação Básica também se apresenta no comportamento dos
docentes em relação à orientação aos estudantes no momento de
escolher as temáticas dos Trabalhos de Conclusão de Curso, como
denunciam seis dos nossos entrevistados. Um deles informa que
mesmo quando o estudante deseja adotar como tema de seu TCC
alguma situação evidenciada no estágio, ele é estimulado a mudar
assumindo outros mais ligados aos conteúdos específicos da
História de das Letras, sem vinculação com o processo de ensino-
aprendizagem foco da sua futura atuação, considerando que estão
se formando para serem professores.
As consequências da falta de reflexão sobre a relação teoria
e prática ocasiona concepções equivocadas que entendem “[...]
primeiro se deve ter a informação para depois praticá-la. Pensa-se,
às vezes com muitas frustrações, que a prática deve se encaixar na

- 80 -
teoria, como se ela não fosse única, exclusiva e multifacetada”
(CUNHA, 1997, p. 83). Entende que a prática é apenas a
comprovação da teoria. Este equívoco acarreta sérios problemas no
processo de formação do profissional, pois as questões percebidas
no contexto escolar precisam ser questionadas e refletidas
coletivamente pelas diferentes áreas.
A reflexão teórico-prática, sobre os aspectos referentes ao
processo de ensino-aprendizagem na universidade, não tem sido a
tônica das discussões dos docentes, nem mesmo nas licenciaturas,
que deveriam ser espaços mais sensíveis e propícios a essas
questões na medida em que são os territórios formativos dos
professores.
O último aspecto revelador da distância entre a formação
dos futuros professores e a Educação Básica refere-se à maneira
como se efetiva o estágio nas escolas e como são selecionados os
docentes deste componente. A seleção dos formadores para
assumirem o Estágio Supervisionado no Curso de História, conforme
denuncia os entrevistados desse colegiado, precisa ser revista, pois
é comum os profissionais utilizarem essa vaga como forma de
ingressar no magistério público superior, e pouco tempo depois,
solicitarem a transferência para outras áreas, ou seja, não se
empenham em construir uma carreira a partir desse componente.
Contudo, o que mais se destaca como problema referente ao
estágio é a necessidade de diálogo mais efetivo com os regentes, de

- 81 -
maneira a elaborarem propostas que sejam validadas por estes.
Diante dessas questões consideramos a necessidade de mudanças,
tanto no momento de Estágio quanto de todo o processo formativo
oferecido na licenciatura, de modo a unir teoria e prática.
Não basta que as universidades disponibilizem o estágio para
a formação de professores objetivando, simples, cumprir as
exigências da legislação no que tange à carga horária prática dos
estudantes, nem mesmo que a escolas básicas recebam os
estagiários, sem um tempo adequado para este estágio e sem
acompanhamento efetivo, implicado e promotor da reflexão por
parte dos docentes formadores em parceria com os professores em
exercício nas escolas. Desse modo, Pacheco (1995, p. 138) declara
que “Ganha cada vez mais sentido que a escola não é simplesmente
um local de recepção e de acolhimento dos alunos provenientes da
universidade ou um espaço de exercício profissional mais um núcleo
central no processo de formação de professores”. Conforme o
autor, isso exige uma diferenciação das formas de colaboração entre
esses dois contextos formativos:

[...] colaboração mecânica, imposta pelo modelo


de formação, sem que isso signifique um
intercâmbio ao nível dos professores e uma
subsidiariedade dos contextos de formação;
colaboração orgânica, assumida e desejada pela
universidade e pela escola em função da
existência de interesses comuns e concorrentes
na implementação do projecto de formação.
(PACHECO, 1995, p. 142)

- 82 -
Aventuramo-nos a afirmar que, ainda, prevalece o modelo
de colaboração mecânica nas licenciaturas estudadas, diante das
estratégias elaboradas para resolver as questões que se
apresentam. É com o intuito de estabelecer o diálogo entre a
academia e a escola básica que Zeichner (2010) propõe o conceito
de terceiro espaço ou à criação de espaços híbridos nos programas
de formação inicial de professores.
A constatação dos formadores, responsáveis pelo
componente Estágio Supervisionado, sobre a prática tradicional dos
professores que atuam na Educação Básica, é um exemplo de que
as práticas vivenciadas na licenciatura podem estar relacionadas
com as ações dos formadores, visto que, a grande maioria desses
professores-regentes graduou nesta instituição.
Diante da postura dos docentes em desconsiderar a escola
básica, os entrevistados do Curso de História, responsáveis pelo
componente Estágio Supervisionado, afirmam que os estudantes ao
ingressarem no estágio percebem as lacunas que ficaram no
processo formativo e questionam a formação no que tange aos
conteúdos ministrados e à valorização exacerbada da pesquisa
frente ao ensino.
As consequências dessa falta de atenção à maneira como
deve ser exercido o papel do docente na licenciatura influencia na
formação de professores com deficiências, como relata três
depoentes, o qual o depoimento abaixo é representativo:

- 83 -
[...] o aluno que sai da universidade sai formado
precariamente e aí vai formar o aluno da
Educação Básica precariamente que, por sua
vez, vai entrar na universidade precariamente.
(Topázio)

Diante das análises dos participantes, ao que tudo indica a


maioria dos participantes não consegue perceber a importância de
suas práticas para mudanças na forma como se efetiva a Educação
Básica. Não consideramos que os problemas presentes da Educação
Básica são, em sua totalidade, decorrentes da má formação do
professor, todavia, a qualidade desse processo pode contribuir para
amenizar alguns dos mais cruciais, a exemplo da deficiência de
aprendizagem significativa dos alunos da escola.

Considerações Finais
A análise dos depoimentos dos onze docentes de duas
licenciaturas, Letras e História, evidencia a concepção dos
formadores sobre a desqualificação da Educação Básica. Tal
constatação contribui, consideravelmente, na relação que os
formadores de professores estabelecem entre a teoria e a prática
profissional.
Emerge das interpretações dos dados, à luz das teorias, a
possibilidade de afirmar que os cursos de formação de professores
ainda baseiam-se numa perspectiva academicista, centrada na
reprodução e memorização do conhecimento acumulado, e na

- 84 -
repetição de práticas desenvolvidas por gerações anteriores e
transmitidas a todos os sujeitos de forma homogeneizadora, na
preocupação com a formação intelectual dos estudantes, na
erudição, no uso da razão e da objetividade dentre outros. Nessa
perspectiva, o conhecimento é trabalhado de forma fragmentada,
desconectado do contexto, e hierarquizado entre as diversas áreas.
No que se referem aos dispositivos metodológicos os
docentes estabelecem estratégias pautadas na regularidade,
objetividade, neutralidade, repetição mecânica, possibilitando
prever as respostas e comportamento dos estudantes. Tal postura
afeta os estudantes, que esperam que o contexto escolar em que
vão atuar se encaixe no que foi planejado e estudado na
licenciatura.
É necessário que os docentes entendam que a maneira como
efetivam seu papel enquanto formador de professor influencia no
trabalho realizado pelo profissional da Educação Básica e, assim, é
importante investirem esforços para que a licenciatura seja capaz
de formar professores que saibam como intervir na busca da
qualidade da aprendizagem dos estudantes.
A preocupação com o domínio do conteúdo é compreensível
e desejável, especialmente no que tange ao docente universitário,
diante do caráter da academia como locus especial de construção e
transmissão do saber. Além do mais, para ensinar algo é preciso
conhecer as diferentes dimensões que compõem esse conteúdo.

- 85 -
Todavia, o que percebemos é a ênfase dada no conteúdo em si,
como o principal e, talvez, o único referencial de avaliação da
competência docente. Esse juízo de valor ocorre a partir de sua
erudição e da quantidade de informações expostas e muitas vezes,
o modo como os formadores trabalham esses conteúdos não só se
desvencilham da realidade da Educação Básica, como transmite
uma concepção de desvalorização dessa etapa de ensino, a qual será
o futuro locus de atuação da maioria dos licenciandos, fazendo,
inclusive, que muitos deles não queiram atuar como professores
desse nível de ensino, como foi bastante sinalizado pelos docentes
das duas licenciaturas.
Percebemos a contribuição das políticas educacionais para
mudanças no modo como se efetiva a formação de professores, ao
oficializar algumas decisões no âmbito do currículo. Todavia, como
defende Moreira e Silva (1995, p. 27 - grifos) nem sempre o
instituído corresponde exatamente ao que se pretende e, ao final
da nossa análise, constatamos que ambos os cursos analisados
ainda demonstram fragilidades no que consta a assumir o que a
articulação teoria e prática profissional presente nos pareceres
legais, o que ocasiona uma formação deficitária do professor da
Educação Básica, posto que na realidade de sala de aula as
dificuldades se apresentam e não sabem a serventia da teoria
estudada. Assim, questionam a formação recebida, considerando-a

- 86 -
inócua e perpetuam pedagogias tradicionais e criticadas no
processo formativo das licenciaturas.
O currículo não se resume a leis e diretrizes, pois esse se
refere, somente, ao currículo formal e sua intervenção na realidade
é limitada, pois é o currículo real, construído no interior das
instituições, em especial das salas de aulas, a partir das concepções,
atitudes e práticas dos sujeitos que nela atuam que, de fato,
contribuem para o alcance dessa melhoria da qualidade. Assim, para
que as mudanças necessárias sejam concretizadas é relevante que
se invista no docente, no conhecimento de suas concepções. Sem
esse investimento é comum as resistências que dificultam a
viabilização da proposta curricular, como denunciam os docentes.
Diante dessa desconsideração da cultura escolar, no trato
com os conteúdos, é possível afirmar que o papel do formador é
pouco concebido como exemplo de atuação docente, pois transmite
uma desvalorização dessa etapa de ensino e sem contribuir para que
o estudante construa saberes que contribuirão no seu exercício
profissional. Assim, percebemos, na interpretação mais global dos
elementos mencionados pelos participantes, é que muitos
formadores exercem seu papel sem enfrentar as fragilidades da
Educação Básica por eles próprios apontadas, ou seja, demonstram
pouco comprometimento em contribuir para formar profissionais
com maior capacidade de intervenção, construindo relações através
das quais os licenciandos possam desenvolver um olhar de respeito

- 87 -
com o outro, com o professor e os alunos que atuam na Educação
Básica. Assim, é relevante repensarmos o papel da escola, o que
requer, inicialmente, como sinaliza Alarcão (2001), revermos nossas
concepções sobre ela.
Diante dessas características, o processo formativo das
licenciaturas, demanda a reflexão coletivas dos docentes, de
maneira a construir práticas mais inovadoras e dinâmicas, que os
aproximem mais da escola, da realidade profissional, não somente
enquanto constatação das dificuldades enfrentadas, mas também
dos potenciais de transformação presentes na riqueza que o
processo de ensinar e aprender possibilita.

- 88 -
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- 91 -
Capítulo 4 – Perfil dos docentes das licenciaturas no campus
Erechim da UFFS: Formação e trabalho

Robson Olivino Paim5


Maurício Michel Rebello6
Márcio Freitas Eduardo7
Alcione Roani8
Caroline Rippe de Mello Klein9

Considerações Iniciais
A educação escolar tem sido tomada, especialmente após a
abertura democrática, como um dos canais necessários à
construção da cidadania. Por consequência, aos profissionais desta
área são imputadas responsabilidades que vão além do ensino dos
conteúdos em si, levando à constituição de um cenário educativo
novo (embora não inovador).
No contexto da constituição dos cenários educativos,
Lessard e Tardif (2013), apontam que, nos últimos trinta anos, têm
se constituído três cenários. O primeiro, denominado restauração

5
Docente do colegiado do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade
Federal da Fronteira Sul.
6
Professor Adjunto do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da
Fronteira Sul.
7
Professor do curso de Geografia - Licenciatura na Universidade Federal da
Fronteira Sul.
8
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
9
Docente do magistério superior na Universidade Federal da Fronteira Sul.

- 92 -
nostálgica do modelo canônico e das desigualdades insiste nos
encaminhamentos do modelo tradicional do ensino, baseado na
transmissão-assimilação de conhecimentos dados como verdades
imutáveis; o segundo, caracterizado pela tomada de controle pelos
empresários tecnófilos tem sido materializadas nas políticas e
práticas de flexibilização educacional voltadas aos interesses
mercadológicos e da formação de subjetividades favoráveis à
exploração capitalista; O terceiro cenário, ao qual nos
subscrevemos, e a partir do qual fazemos nossas análises, pauta-se
numa marcha prudente dos discentes e dos profissionais rumo à
profissionalização do ensino.
Inúmeros pesquisadores, nacionais e internacionais, têm
empreendido esforços no sentido de compreender a docência
enquanto profissão e propor encaminhamentos para o seu
fortalecimento, tais como Gatti (2013), Nóvoa (2009), Perrenoud
(2000), Pimenta (1997, 2002), Saviani (2003) e Tardif (2002). No
entanto, acreditamos que é em Nóvoa que podemos encontrar de
forma mais sintética as competências articuladas à constituição da
profissionalidade: o conhecimento, a cultura profissional, o tato
pedagógico, o trabalho em equipe e o compromisso social.
Para Arroyo (2013, p. 22), tratar da profissão e da
profissionalização dos professores implica

[...] a defesa do trabalho e do saber qualificado é a


defesa daqueles que o exercem, da sua identidade e

- 93 -
centralidade social. É uma autodefesa que,
apressadamente pode ser considerada como
corporativa, contrária a abrir a escola e o seu saber-
fazer ao crivo da participação social mais ampla. No
meu entender essa seria uma interpretação parcial,
precipitada, que deve ser melhor ponderada. Podemos
ver esse momento como uma percepção que os
próprios profissionais tem da especificidade do seu
saber-fazer como insubstituível, logo a ser defendido e
a ser tratado com a devida seriedade e respeito.

Nesta linha de pensamento, é importante conhecer os


docentes, seus processos formativos e sua atuação profissional na
escola de educação básica, mas também conhecer, através dos
mesmos aspectos, os sujeitos que atuam na formação inicial do
professor, neste caso, os docentes das licenciaturas.
Os dados aqui apresentados e discutidos foram arrolados
pelo GT 310 quando da primeira etapa da 1ª Conferência das
Licenciaturas da UFFS11: Construindo a Política de Formação de
Professores e o Fórum das Licenciaturas, etapa esta realizada no
segundo semestre de 2015, visando compor um diagnóstico sobre
vários aspectos da atuação docente nas licenciaturas no campus
Erechim. Atualmente, existe cerca de 60 professores de seis cursos
de licenciaturas na UFFS, Campus Erechim: Ciências Sociais,
Filosofia, Geografia, História, Pedagogia e Educação do Campo.

10
Grupo de Trabalho responsável por debater O quadro Docente das
licenciaturas: titulação, produção,política e ações de formação continuada dos
professores das licenciaturas na UFFS.
11
Conforme explicitado na seção 2 deste trabalho.

- 94 -
Diferente de outros cursos do campus, as licenciaturas possuem
desafios próprios que incluem a necessidade de matrizes
curriculares que satisfaçam não só o conhecimento sobre áreas
específicas de atuação, como também capacitem os alunos a serem
professores no futuro.
A partir da realização de um diagnóstico obtido por meio de
pesquisa quantitativa (na seção posterior explicaremos mais
detalhes sobre os procedimentos metodológicos) este capítulo
contém a síntese dos elementos arrolados, o que permite compor
um panorama geral acerca de quem são os profissionais que
trabalham na formação inicial para a profissionalização de novos
sujeitos para a docência na educação básica.

Metodologia
Com o intuito de traçar um perfil docente sobre diversas
características – formação, linhas de atuação em pesquisa,
produção, experiência docente, extensão – o grupo de trabalho
optou pela criação de um questionário que fosse encaminhado a
todos os docentes das licenciaturas. Este questionário esteve
disponível para os professores pelo “expresso e-mail,” utilizado
como ferramenta institucional na universidade para a comunicação
entre todos os servidores. O questionário esteve disponível por
algumas semanas no mês de julho de 2015 e foi encaminhado a
todos os seis cursos de licenciatura.

- 95 -
O universo (N) pesquisado engloba cerca de 60 professores
dos seis cursos de licenciaturas no Campus Erechim (Ciências
Sociais, Filosofia, Geografia, História, Pedagogia e Educação do
Campo), incluindo docentes dos domínios específico, conexo e
comum12. Deste universo, obtemos uma amostra (n) de 34
professores que se dispuseram em responder o questionário. Desse
modo, quase 60% dos docentes dos cursos de licenciatura
responderam, perfazendo uma amostra suficiente para realizarmos
inferências sobre o perfil do grupo. Frisa-se que a amostra é
representativa do conjunto do corpo docente dos cinco cursos
reunidos e não de cada curso específico, assim, os resultados a
seguir se referem ao conjunto de todos os professores das
licenciaturas da UFFS.

O lugar da pesquisa
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), criada pela
Lei nº 12.029, de 15 de setembro de 2009, iniciou suas atividades
letivas no ano de 2010. Está inserida nos três estados da região Sul
do Brasil, no recorte de abrangência da “Mesorregião Grande

12
A organização curricular da instituição é dividida em três domínios: O domínio
comum visa uma formação básica geral a todos os estudantes, enquanto o
domínio conexo, no caso das licenciaturas, diz respeitos às disciplinas
fundamentais à compreensão da docência ( Fundamentos da Educação, Teorias
da Aprendizagem e do Desenvolvimento Humano, Didática Gera e Política
Educacionais e Legislação do Ensino). Por seu turno, as disciplinas do domínio
específico dizem respeito ao conhecimento científico-acadêmico específico da
área do curso.

- 96 -
Fronteira Mercosul” – classificação regional do Ministério da
Integração Nacional. Portanto, traduz-se em uma instituição
multicampi e interestadual situada, mais especificamente, no Norte-
Noroeste gaúcho (campi Cerro Largo, Passo Fundo e Erechim), no
Oeste catarinense (campus Chapecó) e no Sudoeste/Centro-sul
paranaense (campi Realeza e Laranjeiras do Sul).
A UFFS é produto da mobilização e luta social popular
organizada em âmbito do que se convencionou chamar
“Movimento Pró-universidade” (movimentos sociais e sindicais;
ONGs; prefeituras e partidos políticos; movimentos estudantis
secundaristas; entidades religiosas etc.). Os grupos sociais que
compuseram esse vasto e diverso movimento alinharam-se pela
demanda de criação de uma universidade pública, gratuita,
interiorana e que contribuísse para a formação crítica em nível
superior dos filhos dos trabalhadores do campo e da cidade,
arrancando-os das contingências históricas e espaciais que os
alijaram do acesso à educação superior pública.
Concomitantemente, o desejo por uma universidade federal vinha
ao encontro de outra demanda estratégica, a saber: construir uma
instituição sólida que atuasse na produção de conhecimento (e não
somente na sua reprodução) para enfrentar questões de
desigualdades socioespaciais latentes da “região”, especialmente
atreladas ao pleito da escola pública e ao campo, este último, no

- 97 -
domínio da agricultura familiar e dos processos de “monopolização
do território pelo capital” (OLIVEIRA, 2001).
Dessa forma, fica evidente a conotação popular intrínseca à
UFFS, os sistemas de cotas e ingressos diferenciados reforçam essa
premissa. Contudo, o que era ser popular em 2010, uma instituição
muito concatenada aos pleitos da agricultura familiar e da escola
pública, ampliou-se em complexidade para contemplar o popular do
indígena, do afrodescendente, do imigrante e das distintas
orientações sexuais e de gênero.
Hoje, a UFFS conta com 40 cursos de graduação (nas mais
variadas áreas: educação, saúde, exatas, tecnológicas etc.), diversos
cursos de pós-graduação stricto sensu e já ultrapassou o contingente
de 8.000 alunos em seus sete anos de história.
No campus Erechim, nosso recorte espacial de análise, há,
atualmente, 09 cursos de graduação, são eles: Agronomia,
Arquitetura e Engenharia Ambiental, englobando os bacharelados;
e Ciências Sociais, Educação do Campo, Filosofia, Geografia, História
e Pedagogia, no rol das licenciaturas. Conta, ainda com outros 03
cursos de pós-graduação stricto sensu.
A juventude da instituição e do quadro docente é,
igualmente, outra característica peculiar: até o mês de maio do ano
de 2016, o corpo docente do campus Erechim era composto de
53,6% de doutores (67 docentes de um total de 125), dos quais, 66%

- 98 -
finalizaram sua formação nos últimos 5 anos, 24% entre 6 e 10 anos
e 10% a mais de 10 anos.

Perfil dos docentes das licenciaturas no campus Erechim


Formação e experiência profissional docente
Os dados a seguir indicam como a formação dos professores
das licenciaturas possui alta correspondência com sua área de
atuação, ou seja, a grande maioria os professores (82,8%) possui
habilitação em licenciatura. O número de professores que não
possui esta formação é pequeno (17,2%).

Gráfico 1. Formação Inicial: Licenciatura ou bacharelado

17,20%
27,60%
Ambas
Licenciatura
Bacharelado

55,20%

- 99 -
Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado
pelo GT3.

A experiência docente na educação básica é bastante


relevante, tendo em vista que os professores das licenciaturas
atuam na formação daqueles que irão, via de regra, atuar neste nível
de ensino. Ao menos 70% dos professores da licenciatura do campus
Erechim já atuaram na educação básica. A maioria possui uma
experiência pequena – até cinco anos. Contudo, 25% dos
professores desempenharam a docência por por período entre 5 e
menos de 10 anos, e quase 10% têm ampla experiência nesta área,
com mais de uma década em salas de aula da educação básica.,
conforme apresentamos no Gráfico 2.

Gráfico 2. Experiência docente na educação básica

40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Nunca até 5 anos de 6 a10 mais de 10
atuou anos anos

Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado


pelo GT3

- 100 -
A UFFS, por ser uma universidade nova, possui um corpo
docente relativamente jovem no que tange à experiência docente e
as licenciaturas mantêm tal padrão. São pouquíssimos os casos com
ampla experiência no magistério superior (acima de 10 anos),
menos de 10% dos casos. Aqueles com uma experiência
intermediária (entre 6 a 10 anos) correspondem a pouco mais de
25% dos professores. Quase dois terços dos professores (64,7%)
possui uma pequena experiência. Entre os docentes das
licenciaturas, a média e mediana de experiência na UFFS é de
apenas dois anos.

Gráfico 3. Experiência docente no magistério superior (em anos)

Mais de 10 anos

De 6 a 10 anos

Até 5 anos

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado


pelo GT3.

- 101 -
Como se vê no Gráfico 4, a maioria dos professores ou possui
doutorado concluído (41,2%) ou está com o doutorado em
andamento (26,5%). Do restante, a maioria já possui o título de
mestre, sendo residuais os casos nos quais os professores ainda não
concluíram o mestrado (8,8%).
Nesse sentido, pode-se dizer que o corpo docente é
altamente qualificado em termos de formação, sendo que desta
forma, a previsão é de que até 2020, cerca de 70% dos docentes das
licenciaturas detenham o título de doutorado.

Gráfico 4. Nível de escolaridade docente

8,80%

Doutorado
23,50% 41,20%
Doutorando
Mestre
Mestrando

26,50%

Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado


pelo GT3.

Atuação em pesquisa e Pós-Graduação

- 102 -
Com a intenção de subsidiar uma discussão sobre a pesquisa,
o grupo optou por reunir algumas categorias de publicações a fim
de realizar um diagnóstico sobre a pesquisa nos cursos de
licenciatura no campus, tendo em vista que tal atividade é um
componente fundamental para o desenvolvimento de qualquer
área de conhecimento.
Sabe-se que as universidades públicas, em geral, concedem
maiores incentivos aos docentes no âmbito da pesquisa
(principalmente em âmbito de carga horária-aula), possibilitando
um ambiente mais propício à publicação dos seus resultados. Dessa
forma, reunimos quatro tipos de publicação científica (artigos em
periódicos, capítulos de livros, livros e organização de livros) e
somamos em cada ano analisado, realizado tal procedimento,
dividimos pelo número de professores (34) para saber a média de
publicação anual, conforme se visualiza no Gráfico 5.
Os resultados indicam um bom volume de publicações por
professor. Evidentemente, trata-se de uma média, tendo
professores com publicações anuais que ultrapassam a marca de
três publicações, a um conjunto significativo de professores que não
atuaram do ponto de vista das publicações, pois em 2010, a grande
maioria do corpo docente atual não estava vinculado ao magistério
superior e alguns não possuíam nem o título de mestre e, assim, o
compromisso em realizar pesquisa era menor. Ainda assim, houve
média de 1,3 publicações por docente pesquisado para aquele ano.

- 103 -
Nos dois anos subsequentes houve certa estabilidade na produção.
Entretanto, a partir de 2013, verifica-se aumento considerável do
número de publicações, indo para 1,9 em 2013; 2,1 em 2014 e; 1,4
em 2015.
Assim, o corpo docente tem aumentado bastante sua
produtividade em resultados de pesquisa nos últimos três anos.
Com o crescimento da pós-graduação nos próximos anos (o Campus
Erechim começou recentemente seus primeiros cursos de
mestrado) a tendência é que exista considerável aumento de
produtividade como também uma maior exigência por periódicos
com maior nota de avaliação pelo qualis da CAPES.
A maior preferência de meios para publicação dos resultados
das atividades de pesquisa dos sujeitos pesquisados – padrão este
encontrado em todos os anos – é, em ordem: artigos em periódicos,
capítulos de livros e, por último, organização ou publicação de livros,
o que segue, inclusive, a ordem de pontuação Qualis/Capes para as
atividades de pesquisa.

- 104 -
Gráfico 5. Média anual de publicações de artigos científicos, capítulos de
livros, livros e organizações de livros entre 2010 e 2015 (até julho) por
professor

2,1
1,9

1,5
1,4 1,4
1,3

2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado


pelo GT3.

Outra forma de publicação dos resultados de pesquisas são


os trabalhos publicados em congressos, seminários, eventos em
geral. Estas publicações desempenham papel também importante
na vida acadêmica, especialmente pelas oportunidades de diálogos
entre os pares que ela permite. Da mesma forma que no
procedimento anterior, também calculamos a média de publicação
de trabalhos em eventos por professor no mesmo período. Os
resultados demonstram gradual aumento de publicações deste tipo
até atingir o pico em 2013, com média de 1,6 trabalhos publicados
por professor. No entanto, há uma acentuada queda em 2014 para
somente um artigo publicado por professor, mesmo patamar de

- 105 -
2011. Cabe lembrar que em termos de retorno acadêmico, como,
por exemplo, a pontuação para eventuais processos seletivos,
trabalhos em anais de eventos pontuam menos que artigos em
periódicos com boa qualificação pela Capes. Talvez, isto explique,
em parte, uma menor participação desta forma de pesquisa
comparativamente a anterior.

Gráfico 6. Média anual de publicações de artigos em eventos entre 2010 e


2015 (até julho) por professor

1,6

1,2
1 1
0,9

0,6

2010 2011 2012 2013 2014 2015


Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado
pelo GT3.

Outra das análises possíveis para uma menor publicação de


trabalhos em eventos pode estar no alto custo de tempo e de
deslocamento para estes eventos. Nesse sentido, o próximo gráfico
indica o quanto os professores apresentaram de trabalhos em
eventos ao longo dos últimos anos. Da mesma forma que nos
gráficos anteriores, o procedimento adotado foi o mesmo. O gráfico
- 106 -
é muito similar ao do número de trabalhos publicados em anais de
eventos. Em verdade, na maioria dos casos, a publicação do paper
no evento é acompanhada da sua respectiva apresentação. Com
exceção dos anos de 2012 e 2013, os outros anos foram de poucos
trabalhos apresentados. Isto reforça a hipótese de que o custo para
este tipo de apresentação pode ser muito alto para os professores.

Gráfico 7. Média anual de apresentações de trabalhos em eventos entre


2010 e 2015 (até julho) por professor

1,9

1,4

1,1 1,1 1,1

0,6

2010 2011 2012 2013 2014 2015


Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado
pelo GT3.

A participação dos professores das licenciaturas em bancas


de trabalho de conclusão de graduação ainda é incipiente, pois as
primeiras turmas da UFFS começaram a se formar somente em
2014. A participação anterior a este ano se deve a experiência prévia
destes professores em outras universidades, seja como professor,

- 107 -
seja como convidado. Assim, a média por professor em bancas no
período analisado é de pouco mais de quatro bancas. Alguns
docentes ainda não tiveram tal experiência. Quanto à pós-
graduação, a participação em bancas de especialização, mestrado e
doutorado ainda é muito pequena, com média próxima de uma
banca ou inferior a isso. No caso de bancas de doutorado, reunindo
todos os 34 docentes pesquisados, houve participação em apenas
nove bancas ao longo de todo o período. Com o tempo e a
institucionalização e a criação de cursos de pós-graduação (strictu
sensu e lato sensu) na UFFS a tendência é que exista um rápido
crescimento na participação destas bancas.

Gráfico 8. Média de participação em bancas de graduação,


especialização mestrado e doutorado por professor entre 2010-
2015 (até julho)

Doutorado

Mestrado

Especialização

Graduação

0 1 2 3 4 5

Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado


pelo GT3.

- 108 -
Da mesma forma que a participação nas bancas, o número
de orientações ainda é muito pequeno, pois a universidade é muito
nova. Ainda que o número de orientações na graduação não seja tão
baixo, isto se deve mais a alguns professores com experiência prévia
no magistério superior. Afinal, foram poucos os professores com
oportunidade de orientação, com muitos ainda não tendo efetivado
tal experiência. Da mesma forma, este processo ocorreu na
especialização, com um número pequeno de professores
concentrando este tipo orientação. A orientação em nível de
mestrado (um) é praticamente inexistente. No doutorado, ainda
não houve professor que tenha orientado a este nível.

Gráfico 9. Número total de orientações nos níveis de graduação,


especialização, mestrado e doutorado entre 2010-2015 (até julho)

90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Graduação Especialização Mestrado Doutorado
Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado
pelo GT3.

- 109 -
Para resumir o grau de participação docente em diversas
funções realizadas na universidade foi perguntado aos professores
sobre a sua participação em outras dimensões que excluem o ensino
em sala de aula para os alunos da UFFS. Boa parte da carga horária
docente acaba sendo ocupada por projetos de extensão, de
pesquisa e a ocupação em cargos de gestão da universidade. No
caso da extensão, quase dois terços dos professores já teve
participação em algum projeto. Já em projetos de pesquisa, mais de
70% dos professores já esteve envolvido, o que é condizente com o
bom número de publicações explicitadas anteriormente. Quanto
aos processos de gestão este número é menor, porém, quase
metade dos professores (44%) já ocupou algum cargo.

Gráfico 11. Participação docente em projetos de extensão, de pesquisa e


cargos de gestão

90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Extensão Pesquisa Gestão

- 110 -
Fonte: Perfil docente das licenciaturas UFFS, Campus Erechim, elaborado
pelo GT3.

Considerações Finais
Arroyo (2013), chama atenção para o fato de que, quanto
mais nos aproximamos da educação, mais nossos olhos e nos
análises enfocam ao professor, do seu ofício, da sua qualificação e
do seu profissionalismo.
Nesta esteira, também acreditamos que conhecer alguns
aspectos da formação e do trabalho docente no âmbito das
licenciaturas contribui para compreender as situações nas quais são
formados os novos professores (e, neste caso, uma nova instituição)
e propor políticas e práticas no sentido de potencializar o processo
formativo a partir do marco situacional da instituição e dos
diferentes cursos que ela abarca.
Desta forma, os dados apresentados na sessão anterior
permitem algumas sínteses e proposições, sobre as quais passamos
a discorrer.
O quadro docente das licenciaturas apresenta uma ampla
formação inicial (nas respectivas áreas do conhecimento) para a
docência, condizente com o perfil dos cinco cursos analisados. Além
disso, ao menos 70% dos professores destes cursos já foram
professores da educação básica, permitindo uma grande
possibilidade de integração profissional entre a docência no ensino
superior e a prática pedagógica nas etapas e níveis iniciais da

- 111 -
escolarização. Contudo, por ser uma universidade nova, o quadro
docente das licenciaturas da UFFS tem pouca experiência no
magistério superior, o que não é necessariamente negativo, uma
vez que tais professores ainda estão em um processo de
aprendizagem, permitindo novos métodos de prática docente, de
extensão, de pesquisa e de gestão.
O nível de escolaridade docente é alto, com mais de 40% dos
professores sendo doutores e mais de 25% sendo doutorandos.
Dessa forma, até 2020, a probabilidade de atingirmos um quadro
docente com mais de 70% de professores-doutores é alta.
Quanto à inserção destes sujeitos em atividades de pesquisa
o nível de produtividade é bom. Em média, os professores realizam
uma publicação anual em periódicos, livros e apresentam um
trabalho em um evento. Para que haja um aumento desta
produtividade – tanto em volume quanto em qualidade – é
fundamental o desenvolvimento de novos cursos de mestrado e
doutorado.
A maioria dos professores já participou de algum projeto de
extensão e de pesquisa e uma parte considerável já ocupou um
cargo de gestão.
Destarte, este estudo apontar uma perspectiva otimista para
os próximos anos no âmbito dos docentes na licenciatura, ainda
assim, alguns problemas existem e recomendações foram realizadas
pelos professores que compõe o grupo de trabalho.

- 112 -
Em face da baixa experiência em docência da maior parte do
grupo pesquisado (na UFFS ou fora dela), tanto no ensino superior
quanto na educação básica, surge a necessidade de atividades
institucionais que discutam com estes sujeitos a docência e os seus
diferentes aspectos constitutivos. Esta mesma característica, por
outro lado, pode ser facilitadora da construção de novos processos
ainda não institucionalizados, uma vez que, em instituições mais
consolidadas as mudanças são mais difíceis em função da existência
de culturas organizacionais já consolidadas.

- 113 -
Referências

ARROYO, Miguel. Ofício de Mestre: Imagens e autoimagens. 15 ed.


Petrópolis: Vozes, 2013

GATTI, Bernadete. Educação, escola e formação de professores:


políticas e impasses. Educar em revista. N. 50, 2013. P. 51-67

NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Instituto


de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal, 2009.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no


Brasil. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2001

PERRENOUD, Phillipe. Dez novas competências para ensinar. Porto


Alegre: Artmed, 2000.

PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: saberes da


docência e identidade do professor. Nuances, Faculdade de
Educação, USP, Vol. III, set/1997.

PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores, Identidade e


saberes da docência. In. PIMENTA, Selma Garrido (Org). Saberes
pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2002.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. São Paulo: Autores


Associados, 2003.

- 114 -
Capítulo 5 - A Formação do Professor de Ciências integrada à
Proposta de Educação CTS13

Tairone Lima de Sousa14


Maria da Conceição de Oliveira Andrade15

Introdução
Os debates na área de Educação em Ensino de Ciências
apontam especificidades relacionadas a esta área de ensino, tais
como a necessidade de uma educação científica dos educandos
numa perspectiva mais ampla e contextualizada, e a formação dos
professores para um ensino de ciências que promova a formação
destes alunos numa perspectiva científico-tecnológica, também
contextualizada e inter-relacionada ao contexto social.
Para o ensino de Ciências Naturais é necessária à construção
de uma estrutura geral da área que favoreça a aprendizagem
significativa do conhecimento historicamente acumulado e a
formação de uma concepção de Ciência, suas relações com a

13
Trabalho apresentado e publicado nos anais do III Congresso Nacional de
Educação – CONEDU, realizado no período de 05 a 07 de outubro de 2016 na
cidade de Natal – RN, com o título: Ciência-Tecnologia-Sociedade como arrimo à
formação do professor de ciências.
14
Mestrando em Educação, UFRN.
15
Doutoranda em Educação, UFRN. Professora do quadro efetivo da UFRN no
Núcleo de Educação Infantil – NEI.

- 115 -
Tecnologia e com a Sociedade. “[...] Portanto, é necessário
considerar as estruturas de conhecimento envolvidas no processo
de ensino e aprendizagem — do aluno, do professor, da Ciência
(BRASIL, 1997, p.27)”.
A formação científica na educação básica é uma
recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências
Naturais (BRASIL,1997), destaca-se que desde o início do processo
de escolarização “os alunos podem se apropriar de conceitos
científicos, mesmo conservando conceitos alternativos. E poderão
ser capazes de utilizar diferentes domínios de ideias em diferentes
situações” (BRASIL,1997, p.78).
Paralelamente à necessidade desta formação científica dos
alunos, o desenvolvimento científico e tecnológico vem crescendo
simultaneamente, e as mudanças geradas na sociedade, tais como:
a degradação ambiental; poluição do ar; crescimento populacional;
a fome no planeta; desigualdades sociais; acesso às tecnologias para
a população mais carente etc., necessitam de uma nova
problematização crítica frente a estas questões interligadas e
promovidas, em certa medida, pelo desenvolvimento científico-
tecnológico. Além do mais, a exacerbada legitimidade e confiança
creditada à ciência e a tecnologia como solução para todos os
problemas da sociedade e isentos de qualquer malefício, são
negligenciados ou encobertos pelas instituições que desenvolvem
pesquisas e pelo governo que não possibilita que a escola seja o

- 116 -
lócus de discussão destas questões, desenvolvendo um ensino
alienado e inconivente com a realidade dos alunos.
Tendo em vista esta importância atrelada à CT16 pela
sociedade que a vê numa perspectiva salvacionista de todos os
problemas presentes e futuros (AULER, 2002), sem que haja,
contudo, uma abordagem crítica que considere a importância da
participação dos atores sociais, no reconhecimento dos impactos
causados pela Ciência-Tecnologia em seu meio, urge como uma
necessidade, a implementação de propostas educacionais voltadas
para a problematização crítica da influência e dos impactos
causados pela CT na Sociedade. Entendemos que a escola é o local
para propusermos estes assuntos, e seus atores como sujeitos
sociais, devem ser colocados na frente e no meio destas discussões.
As mudanças geradas no currículo escolar, bem como da
necessidade em concebê-lo como sendo capaz de promover a
formação dos alunos numa perspectiva direcionada para uma
formação CTS, vem ganhando destaque, principalmente daqueles
preocupados com um ensino de ciências que vá muito além de uma
visão mecanicista e pueril da formação de mini cientistas. Apesar
desta consciência, a problemática CTS em sala de aula é uma
novidade para muitos professores, não se materializando em sala de
aula, devido a incipiência também de políticas públicas voltadas
para tal finalidade (AULER & DELIZOICOV, 2006).

16
Utilizaremos no texto a sigla CT para significar Ciência e Tecnologia.

- 117 -
Nessa perspectiva, buscou-se apresentar algumas
considerações acerca da formação de professores de ciências
evidenciando o debate crítico acerca da importância de se ter uma
formação de qualidade destes professores, com vistas à melhoria do
ensino de ciências a partir da educação CTS, de modo a proporcionar
um ensino que proporcione a formação de cidadãos, com a
consciência voltada para o desenvolvimento sócio sustentável, além
do desenvolvimento de um pensamento contextualizado com o
mundo globalizado.

O Surgimento da Proposta CTS


A proposta do enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS)
no campo da educação, e particularmente no ensino de ciências,
parte da premissa de que a educação científica deve promover ao
aluno sua inserção crítica na sociedade frente às questões que
envolvem a Ciência e a Tecnologia – CT, pois um aprendizado
descontextualizado da CT frente à realidade social não contribui
para o exercício da cidadania e de um exercício crítico. A CTS
corresponde ao estudo das inter-relações existentes entre a ciência,
a tecnologia e a sociedade, constituindo um campo de trabalho que
se volta tanto para a investigação acadêmica como para as políticas
públicas. Baseia-se em novas correntes de investigação em filosofia
e sociologia da ciência, podendo aparecer como forma de
reivindicação da população para participação mais democrática nas

- 118 -
decisões que envolvem o contexto científico-tecnológico ao qual
pertence. [...] o enfoque CTS busca entender os aspectos sociais do
desenvolvimento tecnocientífico, tanto nos benefícios que esse
desenvolvimento possa estar trazendo, como também as
conseqüências sociais e ambientais que poderá causar (PINHEIRO,
2005, p.29).
A inclusão da CTS nos assuntos ligados à educação, e
particularmente no ensino de ciências, vem requerer uma nova
concepção da CT frente às questões sociais, incluindo neste meio
uma maior participação dos cidadãos na tomada de decisão nos
temas sobre a CT. Compreendendo a CTS a partir do que diz a autora
acima, ela propicia a superação de uma visão puramente empirista
da ciência, promovendo no aluno uma melhor compreensão do seu
meio social, político, econômico e histórico. Fornecerá elementos
para uma nova postura dos modelos educacionais que visam
explicitamente à manutenção de uma visão simplista da Ciência-
Tecnologia, que a ver como salvadora dos problemas da sociedade
e descontextualizada do seu patamar social. A CTS além de ressaltar
a importância do patamar social da Ciência e da Tecnologia, segundo
Pinheiro et al., (2007, p.74), visa “[...] enfatizar a necessidade de
avaliações críticas e análises reflexivas sobre a relação científico-
tecnológica e a sociedade [...]”. O olhar crítico e criterioso da
sociedade sobre a CT, dispende esforços no entendimento da
influência que ela tem sobre suas vidas.

- 119 -
O estudo direcionado ao enfoque CTS, teve seu início
basicamente, a partir de meados do século passado (década de
1970), nos países capitalistas centrais, ensejando que os cidadãos
pensassem por si mesmos os atributos científico-tecnológicos, pois
que:

foi crescendo o sentimento de que o


desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico não estava conduzindo, linear e
automaticamente, ao desenvolvimento do bem-
estar social. Após uma euforia inicial com os
resultados do avanço científico e tecnológico,
nas décadas de 1960 e 1970, a degradação
ambiental, bem como a vinculação do
desenvolvimento científico e tecnológico à
guerra (as bombas atômicas, a guerra do Vietnã
com seu napalm desfolhante) fizeram com que a
ciência e a tecnologia (C&T) se tornassem alvo de
um olhar mais crítico (AULER & BAZZO, 2001,
p.01).

Segundo Auler (2002), esses aspectos estão assentados no


pressuposto da transformação de uma visão tradicional de Ciência e
Tecnologia, ou seja, no modelo linear de progresso, que não
desempenha uma visão crítica e contextualizada da influência do
fenômeno da CT na sociedade, favorecendo sua politização e a
compreensão dos seus impactos na vida das pessoas em sociedade.
Na visão de Auler (2002), neste modelo linear de progresso, “[...] o
desenvolvimento científico (DC) gera desenvolvimento tecnológico
(DT), este gerando o desenvolvimento econômico (DE) que

- 120 -
determina, por sua vez, o desenvolvimento social (DS - bem-estar
social)” (AULER, 2002, p.25). Um modelo desvinculado de uma
maior participatividade dos atores sociais nos fenômenos científico-
tecnológicos, partindo das tomadas de decisões sobre a CT, num
âmbito estritamente tecnocrático.
A CTS surgiu com esta proposta de promover a mudança
deste modelo tradicional linear de progresso, que associado a uma
visão positivista sobre a ciência, buscava na produção tecnológica
promovida pelo desenvolvimento científico, a chave para o sucesso
e de um bem estar social cada vez maior. A CTS passa a demandar
algum controle social sobre as questões de influência da CT na
sociedade, buscando reivindicar “[...] decisões mais democráticas
(maior número de atores sociais participando) e menos
tecnocráticas” (AULER & BAZZO, 2001, p.02). Inclui neste mote, uma
visão de que os sujeitos sociais devem participar e tomar
consciência dos problemas e benefícios que a CT implica em suas
vidas.
No âmbito educacional, uma educação científica que implica
em um ensino de ciências puramente técnico e instrumental,
visando o repasse de conceitos sobre a Ciência e a Tecnologia, e na
maioria das vezes concebe-se esta última como apenas uma ciência
aplicada, influencia na formação de visões deturpadas sobre a CT. O
letramento científico vai muito além do repasse dos conceitos
científicos de forma tradicional sem questionamento e/ou relação

- 121 -
com a sociedade. Para Santos (2007), a educação científica não visa
apenas alfabetizar no sentido de propiciar simplesmente e apenas a
leitura de conceitos científicos e tecnológicos, mas, de envolver no
conjunto de suas discussões a interpretação do seu papel social.
A visão da ciência como salvadora dos problemas sociais e a
tecnologia como mera aplicação da ciência, assinalado por Auler
(2002), promove e intensifica o engessamento de uma concepção
inadequada da CT e do significado real que a CTS desempenha no
âmbito escolar. A concepção salvacionista que se atribui a CT recai
em ideais direcionadas a ideologias, que endereça à CT, qualquer
resolução dos problemas da sociedade, sem interpretar seus
impactos na realidade. Desta forma,

A perspectiva salvacionista/redentora atribuída


à CT, outro pilar da concepção tradicional/linear
de progresso, pode ser sintetizada: 1) Os
problemas hoje existentes e os que vierem a
surgir, serão, necessariamente resolvidos como
o desenvolvimento cada vez maior da CT; 2) Com
mais e mais CT teremos um final feliz para a
humanidade (AULER & DELIZOICOV, 2006,
p.343).

Exclui-se nesta visão salvacionista da CT, o reconhecimento


de que nem a ciência nem tampouco a tecnologia desvinculadas da
sociedade e dos seus problemas sociais, favorecem uma
compreensão inteiriça sobre questões que envolvem a educação
cientifica e tecnológica. Daí que “o desenvolvimento científico-

- 122 -
tecnológico não pode ser considerado um processo neutro que
deixa intactas as estruturas sociais sobre as quais atua. Nem a
Ciência e nem a Tecnologia são alavancas para a mudança que
afetam sempre, no melhor sentido, aquilo que transformam”
(AULER, 2007, p.11).
Conforme destacado por Auler (2002), o problema da fome
no planeta, por exemplo, recaem sobre esta questão, muitas outras
dimensões que não devem ser desconsideradas. Vincular à CT à
fabricação de novos mecanismos em uma maior produção e
melhoramento de alimentos para suprir toda a demanda da fome
numa escala global, por si só, estaria caindo em uma visão alienada
e simplista, desconectada da sociedade por consequência. Questões
como o gerenciamento e aplicação destes recursos são muito mais
superiores do que a fabricação de tecnologias para a produção dos
alimentos. É preciso reconhecer a importância, como Auler &
Delizoicov (2006) apontaram, da negligencia em secundarizar as
relações sociais que a CT provocará nos circuitos da sociedade. As
discussões que o movimento CTS promove, é colocar em jogo as
discussões que a CT implica na sociedade, que envolvem a política,
a economia, a história, a cultura. Condicionantes inter-relacionados,
que não problematizados, geram visões corrompidas da CT.

precisamos de uma imagem de ciência e


tecnologia que possa trazer à tona a dimensão
social do desenvolvimento científico-
tecnológico, entendido como produto resultante

- 123 -
de fatores culturais, políticos e econômicos. Seu
contexto histórico deve ser analisado e
considerado como uma realidade cultural que
contribui de forma decisiva para mudanças
sociais, cujas manifestações se expressam na
relação do homem consigo mesmo e os outros
(PINHEIRO et al., 2007, p.73).

A sociedade como modelo organizado do convívio entre


sujeitos de diferentes culturas é condicionada por políticas que
gerenciam e comandam estas relações sociais, determinando a
influência que a CT desenvolve em seu meio. Desvincular a CT de um
projeto social demanda consequências perigosas e contribui para o
fracasso do seu potencial, frente aos problemas da sociedade, e que
realmente poderia ajudar no seu enfrentamento, se atrelada à
democracia e a participação popular em um nível democrático.
No campo educacional, os trabalhos direcionados para o
enfoque CTS, podem ser categorizados em três modalidades,
segundo Walks (1990), e Medina e Sanmartín (1990) citado por
Pinheiro et al., (2007, p.76): “introdução de CTS nos conteúdos das
disciplinas de ciências (enxerto CTS); a ciência vista por meio de CTS;
e CTS puro”. De acordo com Palacios (1996) et al., ainda segundo os
autores, os objetivos destas três categorias podem ser resumidos da
seguinte maneira; No enxerto CTS, é introduzido temas com
conteúdos CTS nas disciplinas de ciências, abrindo assim discussões
e questões do âmbito do que seria a ciência e a tecnologia. A CT vista
pela ótica da CTS, estruturam-se os conteúdos científicos por meio

- 124 -
da CTS, onde estes conteúdos, tanto podem ser trabalhados em uma
disciplina apenas, como por meio multi ou interdisciplinares. Já a
CTS puro, o ensino da ciência, da tecnologia e da sociedade é feito
pela intercessão da CTS, e os conteúdos científicos tem caráter
subordinado (PINHEIRO et al., 2007, p.76).
Para os autores, nas três modalidades, o professor é o
mediador e assume a postura de mediador dos saberes que surgem
por meio dos conteúdos CTS. Os alunos estabelecem relações com
as questões levantadas, nos patamares científico, tecnológico e
social. Mas, ressalta os autores que “o enfoque CTS que venha a ser
inserido nos currículos é apenas um despertar inicial no aluno, com
o intuito de que ele possa vir a assumir essa postura questionadora
e crítica num futuro próximo [...]” (ibid., p.77).
É a partir de uma visão de um ensino de ciências numa
perspectiva crítica e democrática, que o enfoque CTS almeja a
materialização de uma proposta educação científica contextualizada
com as questões da produção do conhecimento científico, que ora
são discutidos e em trânsito nas escolas. A educação CTS nesta
perspectiva busca um ensino de ciências diferente da abordagem
tradicional que ainda é praticada em demasia nas escolas, intenta a
formação de sujeitos que pensam a ciência e a tecnologia dentro de
um contexto sócio participante, alicerçados em um pensamento
mais complexo do que seria a CT e da sociedade.

- 125 -
A Educação CTS no Ensino e na Formação de Professores de
Ciências
O envolvimento do enfoque CTS no ensino de ciências requer
dos professores uma formação que esteja voltada para as demandas
e os problemas sociais, colaborando para um ensino que envolva os
conteúdos científicos e tecnológicos, capaz de contribuir na
construção de um conhecimento integral do mundo globalizado.
Entretanto, exigem-se para tal fim, políticas públicas com objetivos
concretos que favoreçam aos professores os elementos
condicionantes para que possam desenvolver um ensino voltado
para isso.
Para Delizocoiv, Angotti & Pernambuco (2002) os desafios do
mundo contemporâneo, particularmente os relativos às
transformações pelas quais a educação escolar necessita passar,
incidem diretamente sobre os cursos de formação inicial e
continuada de professores, cujos saberes e práticas
tradicionalmente estabelecidas e disseminadas dão sinais
inequívocos de esgotamento (DELIZOCOIV, ANGOTTI &
PERNAMBUCO, 2002). Daí que surge a inópia da inclusão de
conteúdos e de temas CTS na “[...] formação inicial e continuada dos
professores, para que estes possam contribuir mais adequadamente
para melhorar e inovar o ensino das ciências, visando conseguir uma
alfabetização científica e tecnológica mais ajustadas às suas
necessidades” (PINHEIRO et al., 2007, p.81).

- 126 -
Entretanto, Auler & Delizoicov (2006), apontam para a
incipiência de pesquisas que envolvam a compreensão destes
professores sobre as interações entre CTS, não se materializando
em programas institucionais que proporcionem o estudo e a
disseminação de pesquisas e práticas voltadas para a educação CTS
nas escolas.
Auler (2007) assinala para os objetivos da educação CTS, que
podem favorecer ao um ensino de ciências contextualizado e que
promova a construção da capacidade crítica dos alunos frente a uma
visão empirista de ciência, que não favorece um entender do
envolvimento e dos impactos que a CT causa nos eixos da sociedade.
É preciso, portanto,

promover o interesse dos estudantes em


relacionar a ciência com aspectos tecnológicos e
sociais, discutir as implicações sociais e éticas
relacionadas ao uso da ciência-tecnologia (CT),
adquirir uma compreensão da natureza da
ciência e do trabalho científico, formar cidadãos
científica e tecnologicamente alfabetizados
capazes de tomar decisões informadas e
desenvolver o pensamento crítico e a
independência intelectual (AULER, 2007, p.01).

Desenvolvendo o interesse dos alunos em relacionar a


Ciência-Tecnologia com a sociedade, a CTS promove a discussão de
questões que estão a todo o instante em trânsito no meio social e
também diretamente associado à Ciência e a Tecnologia, tais como:

- 127 -
a política; economia; a ética; questões ambientais e etc.,
colaborando na compreensão dos alunos sobre o caráter de que a
ciência tem sobre suas vidas, e como o trabalho científico-
tecnológico não estar distanciado de sua vivência. Além disso,
mostra que a CT é uma produção cultural, desconstruindo a
premissa de que a Ciência e a Tecnologia é algo extrínseco à
produção humana, restringindo-se seu uso apenas aos cientistas e
especialistas.
Nesta perspectiva, a educação CTS desenvolve o
pensamento crítico e a independência intelectual, como apontado
por Auler (2007), e consequentemente desperta nos jovens o
interesse pelo estudo da CT em relação direta com a sociedade,
compreendendo-os em sintonia e imbricação, na medida em que
almeja incluir nas discussões o caráter da inter-relação da Ciência –
Tecnologia + Sociedade = Uma visão crítica, contextualizada e ampla
sobre a CT e no seu desempenho dentro da sociedade e a influência
decorrente de tudo isso em suas vidas. Além do mais, para que
possamos almejar um ensino que produza novos pesquisadores na
área da ciência e da tecnologia, é preciso superar a visão de ciência
que atualmente engendra a educação científica no Brasil, a de que
os alunos são mini cientistas e de que a área das ciências naturais
são exclusividades dos grandes gênios.
O estudo da natureza da ciência e do entendimento do
processo histórico-filosófico de sua construção, aos nossos olhos

- 128 -
pode vir a desempenhar um papel primordial nas discussões sobre
a Ciência que se deseja ensinar nas salas de aula. De acordo com
Santos & Mortimer (2002), inúmeros trabalhos destacam a
importância de se trabalhar a questão da natureza da ciência como
forma do aluno compreender sua implicação social. Assim, “do
ponto de vista mais prático e aplicado, a HFC17 pode ser pensada
tanto como conteúdo (em si) das disciplinas científicas, quanto como
estratégia didática facilitadora na compreensão de conceitos,
modelos e teorias [...]” (MARTINS, 2007, p.115). Deste ponto de
vista, sua importância consiste na superação da visão precipitada de
encarar a Ciência como algo supremo com valor salvífico e de
proporcionar uma interpretação mais adequada sobre os
conhecimentos científicos. Incluem-se também nas discussões
sobre a HFC, a preocupação com os aspectos econômicos e políticos
da ciência (SANTOS & MORTIMER, 2002), indo muito além desta
postura simplista de encará-la como detentora de uma verdade
incontestável, passando a entendê-la em estado de mobilização
permanente, de construção e reconstruções sucessivas,
característica da ciência contemporânea (BACHELARD, 1996).
A HFC poderia contribuir nesta perspectiva, ao associar no
ensino de ciências uma compreensão diferenciada daquela outra,
admitindo a ciência como um produto social, e compreendendo-a
com os olhos de quem se constrói por meio de retificações dos seus

17
A sigla HFC, refere-se à História e Filosofia da Ciência.

- 129 -
erros (BACHELARD, 1996), e não isenta destes. Isso poderia ajudar
bastante os alunos a desenvolverem uma consciência crítica sobre
os conhecimentos científicos, entendendo que a Ciência não é
imune a falhas ou erros. Além do mais, compreendendo-a como
Bachelard muito bem apontou como uma área em estado de devir
permanente, influenciaria o interesse dos alunos a descobrir tanto
o produto como também o processo de produção dos saberes
científicos, não restringindo o ensino de conceitos e teorias já
formuladas. Esta perspectiva é adida de um trabalho docente
objetivado nesta perspectiva, entendendo a priori que os
professores já estariam devidamente capacitados e formados para
tal empreendimento.

Dessa forma, é imprescindível organizar


programas de desenvolvimento profissional em
serviço dos docentes. Isso equivale dizer que
reformas educacionais não dependem somente
do desejo dos docentes: é preciso que todas as
instâncias educacionais se unam: governo
federal, estadual, municipal, escola, funcionários
e professores em prol da mesma causa
(PINHEIRO et al., 2007, p.81).

Por conseguinte, a materialização de políticas públicas


visando à construção de propostas curriculares voltadas na
contemplação do ensino de ciências numa perspectiva que envolva
a educação CTS, é indispensável para a superação de práticas
educativas, voltadas exclusivamente para a restrição de um ensino

- 130 -
de CT, desvinculado do panorama social. Por isso, Santos &
Mortimer (2002), afirmam para a importância de considerarmos
alguns aspectos importantes na construção de um currículo, nesta
perspectiva, segundo eles:

Que cidadãos se pretende formar por meio das


propostas CTS? Será o cidadão no modelo
capitalista atual, pronto a consumir cada vez
mais, independente do reflexo que esse
consumo tenha sobre o ambiente e sobre a
qualidade de vida da maioria da população? Que
modelo de tecnologia desejamos: clássica
ecodesequilibradora ou de desenvolvimento
sustentável? O que seria um modelo de
desenvolvimento sustentável? Que modelo
decisionista desenvolveremos no nosso aluno, o
tecnocrático ou o pragmático-político?

Como percebido, o currículo que enseja incluir em seu bojo


a proposta aliada a educação CTS, deve ser um currículo voltado
para as discussões no entorno do que devemos/pretendemos
ensinar e qual aluno desejamos formar. As incipientes propostas
que encontramos no cenário educacional brasileiro mostram que,
precisamos começar pela formação do professor, voltada para o
fortalecimento da inclusão da CTS em seu viés profissional de
educador, e como modelo para o alcance de um ensino mais
aproximativo de uma abordagem dos conteúdos científico-
tecnológicos contextualizados com a sociedade, proporcionando a
formação dos alunos numa perspectiva cidadã e crítica frente às

- 131 -
possibilidades do mundo globalizado. Considerando isso, o fio social
deveria integrar as propostas dos cursos de formação de
professores, ressalta Vargas (1994) apud Santos & Mortimer (2002,
p.03) que “uma nação adquire autonomia tecnológica não
necessariamente quando domina um ramo de alta tecnologia; mas
quando consegue uma ampla e harmoniosa interação entre esses
subsistemas tecnológicos, sob o controle, orientação e decisão dos
‘filtros sociais’”.
Resumindo desta forma, a importância que o domínio social
deve desempenhar no currículo escolar em relação à abordagem
sobre a Ciência e a Tecnologia. Educar cidadãos, adequados a
representar, compreender e tomar suas próprias decisões a partir
dos discursos dos especialistas é o principal norte direcionador que
circula o debate do currículo CTS, sintetiza Santos & Mortimer
(2002). Para isso, é preciso direcionar forças para os currículos dos
cursos de formação de professores, na inclusão de temas voltados
para as discussões de assuntos sobre a Ciência e a Tecnologia em
inter-relação e integração direta com a Sociedade, partindo do
pressuposto de que, a CT é produto humano e, que, portanto,
necessita ser discutida e compreendida em meio a parâmetros
sociais.
Em suas pesquisas sobre a formação de professores de
Ciências, Carvalho & Gil Pérez (2011) afirmam que as necessidades
formativas dos professores estão relacionadas com a sua formação

- 132 -
inicial. Destacam as seguintes necessidades formativas do professor
de Ciências: a ruptura com visões simplistas; conhecer a matéria a
ser ensinada; questionar as ideias docentes de “senso comum”
sobre ensino e aprendizagem das ciências; adquirir conhecimentos
teóricos sobre a aprendizagem das ciências; saber analisar
criticamente o “ensino tradicional”; saber preparar atividades
capazes de gerar uma aprendizagem efetiva; saber dirigir o trabalho
dos alunos; saber avaliar; adquirir a formação necessária para
associar ensino e pesquisa didática (CARVALHO & GIL-PERÉZ, 2011).
Como possibilidade de superação das necessidades
formativas dos professores, os cursos de formação inicial e
continuada de docentes devem ser um espaço que favoreça a
reflexão individual e coletiva, o diálogo entre diferentes disciplinas
e a construção de práticas de sala de aula embasadas por teorias
sólidas de ensino/aprendizagem (AUGUSTO (2004) apud AUGUSTO
& AMARAL, 2015).

Considerações Finais
Ressaltamos neste trabalho a importante necessidade de um
ensino de ciências na perspectiva crítica e democrática, que
proporcione aos educandos uma formação cidadã, oferecendo-lhes
os subsídios necessários à sua inserção na sociedade como sujeito

- 133 -
participativo do meio produtivo, compreendendo a Ciência e a
Tecnologia como integrante e inter-relacionada com a Sociedade e
com seus indivíduos, e sua inclusão nas discussões no âmbito da
sociedade é conditio sine qua non para a democracia e a
participação social.
Contudo, este trabalho permitiu pôr em evidência a
relevância da perspectiva educacional CTS, para o ensino de ciências
de modo a possibilitar a formação dos alunos numa perspectiva
rumo à complexidade que caracteriza a sociedade contemporânea.
O modo como essa perspectiva é incluída nos currículos escolares,
sugere repensarmos as ações formativas dos professores de
ciências. Nesse sentido, é importante pensarmos a busca em
fortalecer políticas institucionais para a reestruturação de
programas de formação de professores para contemplar tanto a
formação inicial como a continuada, com enfoque na educação CTS,
possibilitando uma prática pedagógica no ensino de ciências visando
à discussão da Ciência e Tecnologia numa perspectiva direcionada à
Sociedade e com a participação de todos.

- 134 -
Referências

AUGUSTO, T. G. S. AMARAL, I. A. A formação de professores para o


ensino de ciências nas séries iniciais: análise dos efeitos de uma
proposta inovadora. Ciência Educação. Bauru, v.21, n.22, p.493-
509, 2015.

AULER, D. DELIZOICOV, D. Ciência-Tecnologia-Sociedade: relações


estabelecidas por professores de ciências. Revista eletrônica de
Ensenãnza de las Ciencias, vl.5, n2, 2006.

AULER, Décio. Enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade:


Pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino, vol.1,
número especial, Novembro, 2007.

AULER, Décio. Interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade no


Contexto da Formação de Professores de Ciências. Florianópolis,
248p., 2002. Tese (Doutorado).

AULER, D. BAZZO, W. A. Reflexões para a implementação do


enfoque CTS no contexto educacional brasileiro. Revista Ciência &
Educação, v.7, n.1, p.1-13, 2001.

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico:


contribuição para uma psicanálise do conhecimento / tradução
Esteia dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais.


MEC: Brasília, 1997.

CARVALHO, A. M. P. GIL-PÉRES, D. Formação de professores de


ciências: tendências e inovações. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2011 -
(Questões da nossa época; v. 28).

DELIZOICOV, D. ANGOTTI, A. PERNAMBUCO, M. Ensino de Ciências:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.

- 135 -
LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica /
Maria de Andrade Marconi, Eva Maria Lakatos. – 5 ed. – São Paulo :
Atlas, 2003.

MARTINS, A. F. P. História e Filosofia da Ciência no Ensino: Há


muitas pedras nesse caminho. Cad. Bras. Ens. Fís., v.24, n.1, p.112-
131, abr, 2007.

MORTIMER, E. F. SANTOS, W. L. P. Uma análise de pressupostos


teóricos da abordagem C-T-S (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no
contexto da educação brasileira. Revista Ensaio – Pesquisa em
Educação em Ciências, v.2, n.2, Dezembro, 2002.

PINHEIRO, N. A. M. et al. Ciência, Tecnologia e Sociedade: A


relevância do enfoque CTS para o contexto do ensino médio.
Revisa Ciência & Educação, v.13, n.1, p.71-84, 2007.

PINHEIRO, N. A. M. Educação crítico-reflexiva para um ensino


médio científico-tecnológico: A contribuição do enfoque CTS para
o ensino-aprendizagem do conhecimento matemático.
Florianópolis, 305p., 2005. Tese (Doutorado).

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento


como prática social: funções, princípios e desafios. Revista
Brasileira de Educação, v.12, n.36, set/dez, 2007.

- 136 -
Capítulo 6 - O Profissional da Educação Infantil no contexto
das políticas educacionais

Michelle Fernandes Lima18


Maria Letícia Neves19

Introdução
Caracterizar o profissional que atua na Educação Infantil no
âmbito das políticas educacionais exige a percepção das mudanças,
tanto na nomenclatura como na legislação que define os direitos e
deveres deste profissional para com a educação da infância na
sociedade atual. Sabemos que políticas públicas destinadas à
Educação Infantil, e principalmente aos profissionais que nela
atuam são bastante recentes.
Como afirma Kishimoto (apud Cerisara, 2002, p.7):

Ao longo da constituição da educação infantil, o


profissional enfrentou as contradições entre o
feminino e o profissional. Princípios como a
maternagem, que acompanhou a história da
educação infantil desde seus primórdios,
segundo o qual bastava ser mulher para assumir
a educação da criança pequena, e a socialização,

18
Professora da Graduação e Mestrado em Educação da Universidade Estadual
do Centro-Oeste (IRATI/PR). mfernandeslima@yahoo.com.br
19
Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(IRATI/PR). le_neves2007@hotmail.com

- 137 -
apenas no âmbito doméstico, impediram a
profissionalização da área.

Por volta do século XV, a educação das crianças era somente


responsabilidade da família e/ou do grupo social a que pertenciam,
caracterizando uma educação eminentemente doméstica. Neste
contexto, o século XX pode ser considerado um divisor de águas no
que se refere à Educação Infantil, a educação das crianças pequenas
que por muito tempo foi apenas responsabilidade da família requer
agora um profissional preparado para satisfazer as demandas de
uma nova realidade social.
Analisar a trajetória do profissional da Educação Infantil a
partir das legislações, o caminho percorrido desde o cuidador até o
professor, foi possível pela leitura de autores como Lanter (1999),
Cerisara (2002), Freire (1991), Tanuri (2000). Utilizamos também,
documentos legais no âmbito (municipal, estadual e federal), planos
de carreira do Magistério Público e editais recentes20 dos concursos
para contratação de professores para a Educação Infantil.
Para identificar o perfil das docentes que atuam na Educação
Infantil, no município de Irati (PR) nos pautamos na pesquisa
bibliográfica para a análise dos dados provenientes dos

20
Serão utilizados os editais dos concursos para professor de educação infantil, de
outros municípios, pelo fato de que na cidade de Irati-Paraná só teve um concurso
destinado a esta modalidade da educação básica, que foi no ano de 2009.
Utilizaremos os editais de concursos que aconteceram recentemente, serão
selecionados os editais das cidades de Fernandes Pinheiro, Teixeira Soares,
Imbituva, Palmeira, Rio Azul.

- 138 -
questionários. Em nossa coleta de dados priorizamos três Centros
Municipais de Educação Infantil, espaços estes que concentram as
crianças da faixa etária de 0 a 5 anos e duas escolas municipais por
terem as turmas de pré-escola, na faixa etária de 4 a 6 anos.
Organizamos os dados em duas tabelas, na primeira
abordamos as especificações exigidas no Concurso Público (2009)
para atuar na Educação Infantil no município de Irati-Paraná,
fazendo um comparativo com a tabela 2, que expressa às exigências
dos editais de concursos de cidades próximas ao município de Irati-
Paraná. Em seguida contemplamos o posicionamento de trinta
professoras que atuam nesta área, referente à identificação dos
aspectos que definem o perfil do profissional da Educação Infantil.
O presente estudo não teve a intenção de discutir a trajetória
da Educação Infantil, nem tão pouco ponderar sobre a visão de
criança e de infância no decorrer da história, mas sim, caracterizar o
profissional da Educação Infantil no contexto das políticas
educacionais, observando como ocorre atualmente o ingresso na
carreira docente na rede municipal de Irati (PR), bem como as
possibilidades de valorização dos docentes que atuam na Educação
Infantil neste município, buscando também perceber por meio de
seus discursos o perfil destas profissionais.

O profissional da Educação Infantil: aspectos legais

- 139 -
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9394/96) publicada em 20 de dezembro de 1996 passou a exigir
como formação mínima, em nível médio, o Magistério, para atuação
tanto na Educação Infantil como nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Esta lei apresentou avanços no que se refere à
educação das crianças pequenas, considerando a Educação Infantil
como a primeira etapa da Educação Básica. Definições que
contribuíram para o rompimento com a ideia de cuidador, e ainda
estabelecer os critérios para atuar na Educação Infantil.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na


educação básica far-se-á em nível superior, em
curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de
educação, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação
infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na
Modalidade Normal (BRASIL, 1996, p.35).

O artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB 9.394/1996) expressa que a formação docente em nível
superior está respaldada legalmente, contudo para o ingresso na
carreira docente aceita-se a formação mínima, sendo esta o
Magistério. À medida que o professor for se especializando, recebe
progressões em seu salário, segundo o que consta em seus Planos
de Carreira.

- 140 -
Mediante esta perspectiva, o art. 67 traz algumas
considerações referentes à valorização dos professores da Educação
Básica, assim expõe:

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a


valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive nos termos dos
estatutos e dos planos de carreira do magistério
público:
I – ingresso exclusivamente por concurso público
de provas e títulos;
II – aperfeiçoamento profissional continuado,
inclusive com licenciamento periódico
remunerado para esse fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação
ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
V – período reservado a estudos, planejamento
e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho (BRASIL,
1996, p. 36).

A presente lei determina as condições de ingresso e


permanência na carreira docente na Educação Básica, bem como
dita as condições necessárias para que o professor possa exercer
com eficiência seu ofício.
Neste contexto, a aprovação do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) em 1998 fornece suporte
a LDB 9.394/96 ao que se refere à educação dos pequenos.
No que diz respeito aos profissionais da primeira infância, no
RCNEI, volume 1, o então Ministro da Educação e do Desporto,

- 141 -
Paulo Renato Souza, na seção “O professor de Educação Infantil”,
tece algumas considerações referentes à formação essencial destes
profissionais, explana sobre a remuneração adequada, além de
refletir sobre as condições de trabalho destes docentes. O
documento adverte que estes profissionais necessitam dispor de
uma formação inicial adequada para o trabalho com crianças
pequenas, buscando estar sempre atualizados diante das novas
demandas de sua profissão.
Segundo o que consta nos Referenciais Curriculares para a
Educação Infantil o profissional da pequena infância, necessita
possuir “[...] prática educacional para que seja capaz de responder
às demandas das famílias e das crianças e saber trabalhar com
questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis
(RCNEI, 1998, p. 41)”.
As novas políticas para a infância exigem mudanças na
formação dos profissionais da Educação Infantil. Com a
obrigatoriedade de matrícula, explicitada primeiramente pela
Emenda Constitucional n° 59/2009, em caráter gradual, mas que,
todavia não se efetivou, foi aprovada em 04 de abril de 2013, a Lei
nº 12.796, fazendo com que a inserção das crianças de 04 anos,
procedesse de forma aligeirada. A efetivação da Lei nº 12. 796,
trouxe desafios pertinentes aos ambientes escolares e
consequentemente a prática pedagógica dos professores
acostumados a trabalhar com crianças maiores na pré escola. Fez-

- 142 -
se necessário que os professores se adaptassem para atender esta
nova demanda, e neste contexto a formação destes profissionais é
fator significativo.
As políticas públicas para a educação da infância necessitam
estar interligadas com a legislação que forneça respaldo a formação
e valorização dos profissionais que atuarão nesta área. O Plano
Nacional de Educação, mais especificamente a meta 16 aborda sob
outro viés a formação dos professores da Educação Básica, assim
expõe:

Meta 16: formar, em nível de pós-graduação,


50% (cinquenta por cento) dos professores da
educação básica, até o último ano de vigência
deste PNE, e garantir a todos (as) os (as)
profissionais da educação básica formação
continuada em sua área de atuação,
considerando as necessidades, demandas e
contextualizações dos sistemas de ensino
(Planejando a Próxima Década. Conhecendo as
20 metas do Plano Nacional de Educação, 2014,
p. 12).

A formação para atuar com a educação da pequena infância


está em processo de mudança, sendo que as demandas da
coletividade contribuem muito para que isto aconteça. A forma
como a sociedade percebe a Educação Infantil e os profissionais que
nela atuam, influencia muito na profissão e muitas vezes se reflete
nas condições do trabalho do professor.

- 143 -
Neste contexto, quando se trata da valorização dos
professores que atuam na Educação Infantil, percebe-se que as
progressões de sua carreira docente possuem características
particulares e diferenciadas.
A aprovação do Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005,
de 25 de junho de 2014, visa também, fortalecer os planos de
carreira de todos os níveis da Educação Básica.
A Meta 18 assegura que no prazo de dois anos, após a
aprovação deste Plano, proceda-se a existência obrigatória de
planos de carreira para todos os professores da Educação Básica
pública. Esta meta ainda define pela Lei Federal nº 11.738, de 16 de
julho de 2008, a obrigatoriedade do piso nacional para os docentes
do Magistério Público.
A Constituição Federal de 1988, no Art. 206, capítulo V já
destacava apontamentos referentes à valorização docente, como
salientamos:

V – valorização dos profissionais da educação


escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por
concurso público de provas e títulos, aos das
redes públicas;

Sabemos que as mudanças nas relações sociais e a ampliação


do espaço feminino no mercado de trabalho, contribuem para que
haja maior necessidade de políticas públicas para as crianças

- 144 -
pequenas, mas não somente de cuidado e guarda. Há uma nova
visão de infância e das necessidades das crianças de 0 a 5 anos, os
profissionais que hoje atuam na Educação Infantil necessitam ser
pessoas cada vez mais capacitadas com formação específica diante
da responsabilidade que esta fase requer.
Porém, a carreira docente do magistério público, a
valorização versus formação é um assunto complexo, demanda
análise dos sistemas municipais de ensino, observando de forma
breve a trajetória do Federalismo e o regime de colaboração entre
os entes federados.
Ponderar sobre as bases do federalismo, que norteiam toda
a distribuição de recursos entre a União, Estados e Municípios fez
com que refletíssemos sobre as disparidades nos salários dos
profissionais da Educação Básica, presentes nos editais para o
ingresso no Magistério Público.
Os municípios trazem em sua estrutura política,
administrativa e financeira como entes federados muitas
atribuições específicas às quais nem sempre conseguem se adequar.
“Hoje 80% dos municípios são considerados pobres ou muitos
pobres e dependem de transferências estaduais ou federais”
(ARELARO, 2014, p. 29).
Consequentemente sabemos que a Educação Infantil, fase
de inteira responsabilidade dos municípios é uma das etapas da
educação mais onerosas, e consequentemente difíceis de manter

- 145 -
pelos municípios mais pobres, estes precisam de organização e
administração coerente dos recursos públicos para que sejam
asseguradas as crianças de 0 a 5 anos creches e pré- escolas de
qualidade.

O município como Ente Federado e sua responsabilidade com a


Educação
O Brasil é o único país que os municípios são considerados,
entes federados. A partir do Federalismo, os municípios ficaram
numa situação de horizontalidade para com a União, Estados e
Distrito Federal.

Com um olhar a partir dos municípios evidencia


um quadro de condições e desafios, defendendo
a tese de que o fortalecimento local e a busca da
superação das limitações convergem para a
valorização dos sistemas municipais de ensino
(WERLE, 2006, p.12).

A autora levanta este posicionamento mediante observação


crítica sobre o regime de colaboração entre Estados e Municípios.
Em que estes, necessitam ter uma atitude de cooperação um para
com o outro, tanto de forma administrativa, como política e
financeira.
A Constituição Federal (1988), a Constituição Estadual (1989)
e a Lei Orgânica Municipal (1990), são o que regem a União, os
Estados e os Municípios, cada um deles possui um regimento que

- 146 -
consta as formas de gerir a educação, a saúde e demais elementos
que contribuem para a vida em sociedade. Todavia, há uma
hierarquia e uma interdependência entre elas. As alterações nas
esferas superiores implicam em mudanças nas demais esferas.
Tanto a Constituição Estadual como a Lei Orgânica Municipal
foram elaboradas pelo processo da Constituinte e possibilitam a
participação da sociedade civil. Isto faz com que estas esferas
políticas compartilhem de um regime de colaboração.
Werle (2006) define regime de colaboração, como sendo:

Regime vem do latim regimen, que significa a


ação de guiar, de governo, direção. Regime
significa modo de administrar, regra ou sistema,
regulamento. Colaborar implica trabalhar na
mesma obra, cooperar, interagir com outros.
Colaborar não significa concorrer, ou
desvencilhar-se de um trabalho ou de uma obra,
mas contribuir, assumir responsabilidades, ter
parte nos resultados e em compromissos e
despesas comuns (WERLE, 2006, p. 23).

Dessa forma, cabe aos municípios a responsabilidade sobre


os programas de ensino primário e a aspectos que permeiam a
Educação Infantil. Enquanto, o Estado responsabiliza-se pelos Anos
Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, todavia sob regime
de colaboração. Sendo assim, emitir um discurso sobre o regime de
colaboração é:
Discutir o regime de colaboração envolve,
portanto, a busca de definições, a

- 147 -
intencionalidade expressa por uma direção, por
uma proposta que explicite normas de
colaboração e de um modo de administrar a
educação que implique trabalho autônomo,
porém compartilhado, colaborativo entre as
instâncias do Estado (WERLE, 2006, p. 24).

A intervenção política do Estado, bem como dos Municípios


na organização dos sistemas de ensino, implica na distribuição de
competências no aparelho educativo ao que está vinculado, por sua
vez, no posicionamento dos sujeitos em diferentes ramos do ensino
e em diferentes ocupações no mundo do trabalho.
Dentre deste contexto os aspectos que direcionam a
organização curricular e estrutural dos sistemas de ensino nos
Municípios, exercem ação de redistribuição, baixando normas
complementares, assumindo o transporte escolar, autorizando,
credenciando e supervisionando os estabelecimentos de seus
sistemas de ensino bem como oferecer condições e espaços
adequados para as crianças que ingressam na Educação Infantil em
creches e pré-escolas. Além de garantir os subsídios financeiros para
que o profissional da Educação Infantil tenha o seu direito a
formação e remuneração respaldadas por lei.
A garantia de matrícula para as crianças de 0 a 5 anos nos
Centros de Educação Infantil, é recente bem como a formação do
profissional que irá trabalhar com estas crianças, pois até o ano de
2007, no município de Irati (PR) quem atendia a educação da
pequena infância eram as entidades assistencialistas, ou seja, eram

- 148 -
as Monitoras que trabalhavam com as crianças, que por vezes não
tinha formação específica para trabalhar com a fase da infância.
Com a aprovação da Lei nº 2. 806, de 25 de novembro de
2008, que trata sobre a nova denominação ao cargo de Monitor de
Creche, delega outras providências referentes à educação das
crianças pequenas e a formação mínima dos profissionais que
trabalham com esta etapa da Educação Básica, extingue-se o cargo
de Monitor de Creche, intitulando-se agora, como Professor de
Educação Infantil.
Em 06 de janeiro de 2009, foi realizado o primeiro Concurso
Público pautado na Lei n° 2.806/08, em seu edital nº 001.001/2009,
a exigência foi o Ensino Médio Completo na modalidade Normal –
Magistério ou licenciatura plena em Pedagogia ou curso normal
superior. Sendo pertinente esclarecer, que teve outro concurso,
anterior ao de 2009, todavia foi cancelado, por conter apenas
questões voltadas à prática do cuidar, desconsiderando totalmente
a história da Educação Infantil bem como as teorias que regem a
esta fase tão importante da infância. Todavia, é pertinente nos
atentar para os seguintes dados do plano de carreira destes
docentes:

Vencimento
Cargo Exigência para o cargo
inicial (R$)
Professor educação
700,00 Magistério/nível médio
infantil – nível A

- 149 -
Professor de Em nível superior licenciatura
educação infantil – 749,00 plena em pedagogia ou curso
nível B normal superior
Em nível superior licenciatura
plena em pedagogia ou curso
Professor de
normal superior acompanhado
educação infantil – 770,00
de pós graduação na área da
nível C
educação com no mínimo 360
horas
Quadro proveniente do Edital de Concurso Público nº 001.001/2009.
Fonte: https://www.pciconcursos.com.br/concurso/prefeitura-de-irati-pr-
418-vagas

O município, como ente federado recebe inúmeras


atribuições, além das leis e decretos provenientes das esferas
superiores, este precisa abarcar todas as necessidades que a gestão
pública compete. O lançamento de um edital para a contratação de
funcionários é uma tarefa de suma importância, contudo o
município precisa enquadrar o edital com a atual situação legislativa
do país, no que se refere à educação, e mais especificamente, as
condições de trabalho e remuneração dos docentes.
A aprovação do Piso Nacional Salarial para os Profissionais
do Magistério Público da Educação Básica, que trabalham 40 horas
semanais é um decreto nacional, em outras palavras, o salário dos
professores necessita estar adequado a um padrão único, nenhum
professor pode ganhar menos que o piso nacional, todavia a
situação é conflitante, pois em alguns editais de concursos,
encontramos muitas disparidades.

- 150 -
Venciment Exigência
Cidades Ano Cargo Vagas o inicial para o
(R$) cargo
Ensino
Médio –
Professo
Magistéri
r de
Fernande 201 o ou
Educaçã 02 1.727,17
s Pinheiro 4 Normal
Núcle o Infantil
Superior
o de (40h)
ou
Irati
Pedagogia
(PR)
201 Professo 05 Nível
Rio Azul 1.105,41
5 r (20h) 01 (PcD) Médio
Professo
r de Magistéri
Teixeira 201
Educaçã 01 1.673,55 o
Soares 4
o Infantil concluído
(40h)

Professo
r de Nível
201
Imbituva Educaçã 02 2.135,64 Médio
Núcle 6
o Infantil Completo
o de
(40h)
Ponta
Professo
Grossa
r de Cadastr
(PR) 201 Nível
Palmeira Educaçã o de 1.918,00
5 Médio
o Infantil Reserva
(20h)
Quadro elaborado pelas autoras, mediante dados dos editais dos
municípios.21

Percebemos que mesmo com a definição do Piso Salarial


Nacional para os Professores que trabalham 40 horas, ainda há uma
diferença significativa entre os municípios no que se refere ao
salário. Está presente nos editais dos concursos que à medida que

21
Edital nº 01/2015 do município de Rio Azul; Edital nº 001/2014 do município de
Fernandes Pinheiro; Edital nº 001/2014 do município de Teixeira Soares; Edital nº
01/2016 do município de Imbituva; Edital n° 001/2015 do município de Palmeira.

- 151 -
os profissionais foram se especializando, recebem um adicional em
seu salário. Porém em nenhum deles constatamos a lei do piso
nacional sendo cumprido até mesmo no edital.
No ano de 2015 começou a ser reformulado o Plano de
Carreira do Magistério Público no município de Irati (PR) para que
todos os profissionais da Educação Infantil sejam incluídos. Porém a
aplicabilidade deste direito das professoras de Educação Infantil
mais uma vez esbarra na falta de verbas, visto que os recursos do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)
que financia a Educação, já são aplicados quase que em sua
totalidade na folha de pagamento, mesmo as professoras que
trabalham 40 horas com as crianças pequenas, ainda estando fora
das progressões de salários.

Caracterização do profissional da Educação Infantil na rede


municipal de Irati- PR
Como já explicitado neste trabalho, até o ano de 2007, no
município de Irati (PR) as crianças de 0 a 5 anos eram atendidas nas
creches sobre a responsabilidade das entidades assistencialistas.
Com a extinção da nomenclatura de monitor muda-se o perfil
profissional de quem atua com a primeira infância, tentar
compreender quem é o profissional que está atualmente nas classes
de Educação Infantil, foi o que nos levou à campo de pesquisa.

- 152 -
Atualmente, no município de Irati (PR) temos o seguinte
quadro, referente aos dados de matrícula na Educação Infantil e a
quantidade de profissionais que atuam nesta área.
Nº de
Nº de
institui-
Quantidade de institui-
ções Nº de professores
crianças ções
(pré-
(creches)
escolas)
Pré escola
(valor
Creche (Dados Ensino
aproximado)
Fundamental)
0a3 4a5 Concur- Contra- Contra- Contra
anos anos sados tados tados tados
2.994 1.688 188 37 388 59
Nº de turmas de
pré-escolas
28
Total: 4.682 12 29
crianças
(valor
aproximado)
Dados 2010
Valores aproximados.
Nº de alunos
Dados atuais
2013-2016
728
Quadro elaborado pelas autoras.
Fontes:http://ide.mec.gov.br/2011/municipios/relatorio/coibge/4110706
http://educacao.irati.pr.gov.br/noticias/legislacaofederal/banner.pdf

De acordo com os dados levantados para o grande número


de crianças que integram a Educação Infantil, o número de
profissionais é pequeno para atender a quantidade de crianças
existentes em nosso município. Considerando que há dois tipos de
profissionais, os concursados e os contratados, ao encaminharmos
nosso instrumento de pesquisa, somente os concursados se
posicionaram. Em uma das escolas pesquisadas, a qual passou a ter
- 153 -
a pré-escola, uma das professoras era contratada, não sendo
possível que lhe fosse direcionado o questionário.
Para tentar responder as nossas indagações nos pautamos
nos questionários direcionados as professoras das instituições
pesquisadas do município de Irati-Paraná, tanto aquelas que estão
trabalhando nos Centros de Educação Infantil como aquelas que
estão trabalhando com a pré-escola nas escolas dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. Para este trabalho selecionamos três Centros
Municipais de Educação Infantil, que atendem crianças de 0 a 5 anos
e duas escolas que atendem crianças de 4 a 5 anos.
Registramos os dados referentes ao nosso questionamento
sobre a faixa etária das profissionais que atuam na Educação Infantil
no município de Irati (PR).

10
Idade1
8
Idade2
6
Idade3
4
Idade4
2
Idade5
0
18 a 24 a 30 a 35 a 40 a 45 a Acima Idade6
24 30 35 40 45 50 de 50 Idade7
anos anos anos anos anos anos anos

Gráfico elaborado pelas autoras.

Constatamos, com este gráfico, que a maioria das


profissionais que estão atualmente na Educação Infantil está acima
dos 50 anos, isto significa que muitas delas podem ter trabalhado
- 154 -
com a primeira infância ainda no período do assistencialismo como
Monitoras de Creche.
A caracterização da Educação Infantil como primeira etapa
da Educação Básica no município de Irati (PR) é recente, muitas
monitoras tiveram que cursar o Magistério para se adequar a nova
função. No quadro verifica-se a predominância da mulher na
Educação Infantil, e possivelmente a inexistência de professores
homens, apesar de que no edital do concurso para professor de
Educação Infantil (2009), constar três homens inscritos, a este
respeito nos pautamos em Cerisara (2002, p. 25-26):

Sem pretender uma definição acabada do perfil


das profissionais de educação infantil, pode-se
afirmar que elas têm sido mulheres de
diferentes classes sociais, de diferentes idades,
de diferentes raças, com diferentes trajetórias
pessoais e profissionais, com diferentes
expectativas frente à sua vida pessoal e
profissional, e que trabalham em uma instituição
que transita entre o espaço público e o espaço
doméstico, em uma profissão que guarda o traço
da ambiguidade (sic) entre a função materna e a
função docente.

O perfil profissional de atua na educação da primeira infância


na contemporaneidade perpassa por uma representação
totalmente feminina. A este respeito Cerisara (2002, p. 28) para
tentar compreender a predominância da mulher neste espaço, faz
uso dos apontamentos de Scott (1990, p. 18):

- 155 -
A constatação de que essa profissão tem sido
marcada por uma naturalização do feminino,
quando é enfatizado o predomínio de mulheres
como profissionais dessas instituições, significa a
compreensão de que a categoria gênero é uma
dimensão decisiva da organização da igualdade
e da desigualdade em nossa sociedade, já que ‘as
estruturas hierárquicas repousam sobre as
percepções generalizadas da relação
pretensamente natural entre masculino e
feminino’.

Portanto, a partir das considerações das autoras observamos


que a categoria gênero repercute ainda na escolha da profissão, pois
está intimamente ligado com as relações da sociedade, sendo que
este conceito determina as demandas sociais e profissionais da
escolha pela carreira.
Dentro deste contexto, abarca o nosso segundo
questionamento, quanto a formação das profissionais
questionadas. Das informações coletadas foi possível constatar o
seguinte quadro:

- 156 -
Nível de Formação Profissional

Magistério

Magistério e graduação em
Pedagogia

Graduação em Pedagogia e
pós graduação

Magistério, graduação em
Pedagogia e Pós Graduação

Magistério, outra graduação


e pós graduação

Graduação em Pedagogia e
Ensino prossional - Técnico
em Contabilidade
Magistério completo e
cursando Pedagogia

Magistério e outra graduação

Somente graduação em
Pedagogia

Gráfico elaborado pelas autoras, mediante dados oriundos dos


questionários.

A maioria das profissionais que atualmente estão na


Educação Infantil possui graduação em nível superior,
predominando a formação em Pedagogia, ou seja, das 30

- 157 -
professoras entrevistadas, 10 possuem a Graduação em Pedagogia.
Ao que se refere aos cursos de pós graduação, percebemos uma
pluralidade, especializações em Educação Infantil, como formações
em áreas mais específicas, como por exemplo, a Psicopedagogia
Clínica e Institucional, Gestão Escolar e Arte, Educação e Terapia.
Observamos que a maioria das profissionais estão
empenhadas a não permanecer na zona de conforto e buscando
cada vez mais cursos de aperfeiçoamento, e desta forma refletindo
constantemente sobre sua prática profissional. Como nos mostra
Lanter (2009, p. 133 apud Alves, 1986):

A autora privilegia duas fases: a primeira, de


meados dos anos 60 até 1980; e a segunda, a
década de 1980. Nesse período, a trajetória do
movimento de formação do educador identifica-
se teoricamente com a recuperação do conceito
de profissionais de ensino (grifos da autora,
2009, p. 133), pelo reconhecimento de sua
especificidade como educador e como categoria
profissional.

A colocação das autoras aponta que as profissionais da


Educação Infantil à medida que estão se especializando, estão
também tentando romper com o ranço do assistencialismo que faz
com que sua identidade profissional esteja em construção, fazendo
com que por vezes sejam vistas apenas como pessoas que cuidam
de crianças pequenas enquanto seus pais trabalham.

- 158 -
Como já salientamos a preponderância da presença feminina
na Educação Infantil é um aspecto concreto. Neste contexto nos
inquietou perguntar sobre os motivos que levou essas mulheres a
optarem por esta profissão. Obtivemos os seguintes resultados:
Penso que ser professor de educação infantil é 18 respostas.
uma questão de dom, em outras palavras,
vocação.
Escolhi ser professor de educação infantil porque 14 respostas.
durante o processo de formação, especialmente
estágios, me identifiquei com essa etapa.
Porque gosto e/ou sempre gostei de crianças 13 respostas.
pequenas.
Porque passei num concurso que me proporciona 03 respostas.
estabilidade no emprego e um salário razoável.
Porque, precisava trabalhar e o magistério era a 02 respostas.
função que melhor conciliava com as demais
atividades do cotidiano.
Nunca tinha pensado nesta questão. 01 resposta.
Quadro elaborado pelas autoras, mediante dados oriundos dos
questionários.

No que tange a esta interrogação, é pertinente considerar o


seguinte. O total neste quadro ultrapassou as 30 respostas, pois
cada professora assinalou mais de uma alternativa. Constatamos a
predominância da questão da vocação, como ser professor de
Educação Infantil é algo divino, nato. Uma das profissionais até
escreveu no espaço destinado as questões não contempladas,
novamente, que se tornou professora por uma questão de dom. De
acordo com as afirmativas apresentadas, fazemos uso das palavras
de Freire (1991, p. 32):

- 159 -
Ninguém começa a ser educador numa certa
terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém
nasce educador ou marcado para ser educador.
A gente se faz educador, a gente se forma como
educador, permanentemente, na prática e na
reflexão sobre a prática.

Entendemos que apesar da maioria das profissionais da


Educação Infantil terem formação em nível superior e especialização
em diversas áreas, algumas ainda têm uma visão de certa forma
equivocada de seu próprio trabalho. Esta visão de compreender o
ato de educar como questão de dom, pode por vezes considerar a
criança como um ser divino, em outras palavras angelical,
desconsiderando toda a trajetória que percorreu a educação da
infância até se tornar uma etapa da Educação Básica, essencial na
formação humana.
Necessitamos ainda levar em consideração a questão da
maternagem22 que pode ser atribuída ao exercício do magistério,
por esta ser uma formação básica para trabalhar principalmente
com as crianças pequenas. Até porque antigamente as mulheres
não careciam de tempo para formações mais específicas, pelo fato
de terem que conciliar seus estudos com as atividades domésticas.
Diante disto Tanuri (2000) afirma:

De um lado, o magistério era a única profissão


que conciliava as funções domésticas da mulher,

22
Termo utilizado por Cerisara, 2002, p. 33.

- 160 -
tradicionalmente cultivadas, os preconceitos
que bloqueavam a sua profissionalização, com o
movimento em favor de sua ilustração, já
conhecido nos anos 70. De outra parte o
magistério feminino apresenta-se como uma
solução para o problema de mão de obra para a
escola primária, pouco procurada pelo elemento
masculino em vista da reduzida remuneração
(TANURI, 2000, p. 66 apud TOZETTO;
MACENHAN; ALMEIDA, 2014, p. 34).

Nota-se com isso, que a forma como a sociedade de cada


época vê a mulher repercute nas funções educacionais. Esta função
incumbida somente à mulher demonstra certa desvalorização
perante ela, em relação ao homem, culminando com a
desvalorização por parte do salário.
Percebemos que a questão da remuneração talvez ainda seja
fator determinante para a presença totalmente feminina no
Magistério da Educação Infantil, e ainda poderíamos somar-se a isso
o fato desta fase ainda estar bastante pautada no cuidar das
crianças, tarefa ainda vista pela sociedade como função da mulher.
Além da questão do dom, esteve presente na fala das
profissionais o gostar de crianças, neste contexto, uma das
professoras se posicionou: “Porque tive oportunidade de trabalhar
com crianças dessa etapa e me identifiquei com elas. Gosto da
expontaneidade (sic) das crianças e do interesse que demonstram
pela aprendizagem”.

- 161 -
A referida professora leciona em uma escola, e conforme a
Lei nº 12. 796/2013, as escolas dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental passaram a receber a partir do ano de 2016 as crianças
de 04 anos. A questão da obrigatoriedade de matrícula das crianças
de 04 anos bem como sua entrada nas escolas, em um caso
específico de uma professora, esta salienta que foi novidade
trabalhar com a Educação Infantil, todavia demonstrou estar
gostando muito.
Contudo, além do gostar de crianças, tivemos também a
questão da estabilidade no emprego que converge para uma
importante consideração, que se refere ao emprego versus a
profissão. Assim sendo, ao falar desta dualidade nos baseamos nas
palavras de Cerisara (2002, p. 42): “A utilização desses dois termos,
emprego/trabalho X profissão/carreira, decorre da forma
diferenciada de como essas profissionais se referem à sua atual
profissão”.
Essa constante é explicada também pelo movimento da
sociedade e também da história, podemos dizer que a Educação
Infantil passou por duas fases, uma mais de cuidado, que pode ser
desta característica que institui-se a feminização da Educação
Infantil e atualmente com o envolvimento da tríade (cuidar-educar-
brincar).Podemos considerar que a educação está em um momento
de desenvolver o indivíduo integralmente, como constatamos em
uma fala quanto a escolha da função de profissional da infância:

- 162 -
Porque a Educação Infantil é a principal fase da
educação, por ser a fase em que se trabalha a
construção da identidade da criança e necessita
de uma atenção especial, pois além de educar é
necessário relacionar o cuidar e o brincar que
deve ser pautado na afetividade, confiança. Essa
relação do professor com a criança foi o que me
levou a escolher a Educação Infantil.

Percebemos com o relato que a escolha pelo trabalho com


as crianças pequenas, está aos poucos saindo de um caráter
assistencialista, e adentrando para uma forma de ensinar as
crianças, em que seu desenvolvimento integral seja seu eixo basilar.
Aliado ao carinho que esta fase da infância carece e aos conteúdos
que a criança precisa assimilar nessa fase, para prosseguir nas outras
fases da vida.
Nas palavras de outra profissional, temos a seguinte
consideração: “Acredito principalmente que não se pode pensar a
Educação Infantil sem ter amor e comprometimento com a
profissão”.
A questão da afetividade é presente no discurso das
profissionais da Educação Infantil, sobre a escolha da profissão. A
esse respeito Cerisara (apud Rosemberg e Amado, 1992, p. 70)
discorrem sobre as diferenciações entre a afetividade em oposição
à competência:

- 163 -
[...] o trabalho escolar desenvolvido por
mulheres nos diferentes níveis escolares indica a
presença predominante dos eixos da
socialização feminina: a maternagem e o
trabalho doméstico. Assim, a questão do afeto,
do carinho, do amor são parte essencial do
discurso pedagógico e, sempre que
comparecem, ocorrem em exclusão à
competência técnica ou à competência
profissional.

Consequentemente, a ênfase no carinho faz com que a


sociedade não compreenda a função deste profissional na educação
da primeira infância. A este respeito Cerisara apud Mello (1982, p.
70) apontam que: “[...] a condição feminina é, portanto, na minha
interpretação, um dos elementos que garante a perpetuação do
senso comum, no qual predominam o amor, a vocação e a ausência
de profissionalismo”.
Com isso ao considerarmos a dualidade entre emprego e
profissão, percebemos que esta conjuntura tem muito mais a ver
com a forma como as profissionais se identificam atualmente, do
que os motivos que desencadearam a escolha pela educação da
infância.

Considerações Finais
O tema de constituição do profissional da Educação Infantil
no contexto das políticas educacionais é a chave para a

- 164 -
compreensão da caracterização da profissionalidade da professora
de Educação Infantil.
Pois como afirma Kishimoto (2002, p. 7 apud Cerisara, 2002,
p. 7):

Pesquisas indicam que a qualidade da educação


infantil está relacionada diretamente com a
formação dos profissionais. Exigir uma
qualificação, em nível superior, de um
profissional centrado na pesquisa de sua prática,
é uma das condições para a profissionalização
desse segmento.

Diante dos apontamentos dos autores, acreditamos que por


meio da formação destes profissionais a sociedade passa a ver a
Educação Infantil e quem trabalha com a educação da infância, sob
uma nova ótica. Conforme as demandas das narrativas dos eventos
as quais a Educação Infantil passou, podemos afirmar que temos
uma visão mais ampla de sua trajetória, porém não podemos falar o
mesmo do reconhecimento dessas mulheres que atuam como
responsáveis pela educação basilar do ser humano.
A Educação Infantil passou por um longo caminho para
afastar-se do assistencialismo, fazendo com que as instâncias
políticas passassem a considerá-la sob um novo olhar. Porém, ao
que se refere à valorização dos profissionais que nesta área atuam
ainda há muitos desafios.

- 165 -
Se partirmos das considerações de Cerisara (2002)
poderíamos afirmar que ser professor de Educação Infantil está
longe de maternalização, mas sim do compromisso responsável de
trabalhar com crianças pequenas, no contexto da sociedade atual.
Atentando-nos para não cometer o exagero da
generalização, acreditamos que a predominância da mulher no
espaço da Educação Infantil justifica-se por essa crise da identidade
profissional, de não se saber bem o que é desenvolver a criança
integralmente. E quando ao aspecto da maternalização estar
atrelada a feminização é o que faz a presença ser eminentemente
feminina, esta história poderá mudar, porém será necessário
percorrer uma longa trajetória de conhecimento mútuo e
identitário.
Dos pontos aparentemente comuns, até as mais discretas
particularidades de cada uma, os discursos destas profissionais nos
permitem compreender um pouco mais as singularidades desse
campo de atuação. Contribuindo não apenas como resgate histórico
da sua função como responsável pela formação de sujeitos críticos,
mas com a possibilidade de reflexão sobre as mudanças e
permanências de sua função, perfazendo o contexto legal e também
social.
Ao que se refere aos aspectos legais, compreendemos que
estes mudam constantemente, por vezes temos a aprovação de
decretos expressando a formação para trabalhar com crianças

- 166 -
pequenas, no entanto esses regimentos convergem com a realidade
política do país, ao mesmo tempo em que estão em vigência podem
ser alterados imediatamente, porque a valorização destas
profissionais perpassa também por um maior investimento
financeiro na educação.
Essas mulheres são em sua maioria, de uma formação
específica formidável fator este que contribui para compreenderem
que trabalhar com a primeira infância exige-se uma educação de
qualidade, aliado ao respeito e principalmente ao carinho, se
confundir isso, como uma extensão da figura materna. Pois são
professoras, formaram-se para educar e isto que necessitam
compreender a sua função na sociedade contemporânea.

- 167 -
Referências

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- 169 -
Capítulo 7 - Diferentes vozes sociais que emergem nas
brincadeiras do tanque de areia

Viviane de Cássia Tassotti Barreira23


Milena Moretto24

Introdução
Com os anos de magistério e algumas experiências obtidas
através dos estágios realizados em razão da Graduação em
Pedagogia, foi possível perceber que as escolas de educação infantil
têm investido cada vez mais em espaços lúdicos que proporcionem
aprendizagens através do brincar e do socializar. Um deles,
encontrados nas redes municipais de Bragança Paulista, é o
conhecido “Tanque de areia”, lugar onde as crianças, além do lazer,
podem revelar suas percepções de vida e de mundo. Neste capítulo,
buscaremos analisar as interações que ocorrem nesse espaço a
partir das brincadeiras entre as crianças, considerando que ali, elas
podem desempenhar diferentes papéis sociais a partir de seus
conhecimentos de mundo e de suas relações com os outros.

23
Formada em Pedagogia (PARFOR) pela Universidade São Francisco e professora
da Educação Infantil do Município de Bragança Paulista.
24
Doutora em Educação e professora do curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Educação da Universidade São Francisco.

- 170 -
Como professora da educação infantil, tenho observado que
o tanque de areia tem se tornado um espaço de interação e, ao
mesmo tempo, de aprendizagem, pois mesmo sem a intervenção
direta do educador, constitui-se em um espaço dialógico onde pode-
se observar múltiplas vozes sociais. Nesse sentido, esse texto tem
por objetivo investigar que papéis sociais são assumidos pelas
crianças da educação infantil nas interações ocorridas no tanque de
areia e como essas crianças têm representado o mundo que as
cerca. Para essa investigação, a pesquisa foi desenvolvida por meio
da observação e de gravações dos momentos interativos durante a
brincadeira de 20 crianças no tanque de areia. Além disso, os
momentos ali observados foram registrados em um diário de
campo. Tendo como base teórica a perspectiva histórico-cultural
(Vigotski) e a perspectiva enunciativa (Bakhtin) discutiremos sobre
o desenvolvimento humano e a importância de concebermos a
linguagem como constitutiva e dialógica. Em seguida, discorreremos
sobre a relevância da brincadeira no trabalho com a educação
infantil para a construção e desenvolvimento humano.
Posteriormente, apresentaremos os procedimentos metodológicos
que direcionam a presente pesquisa para, finalmente, analisarmos
sobre os papéis sociais assumidos pelas crianças durante a
brincadeira nesse espaço da instituição escolar.

- 171 -
A interação e o desenvolvimento humano
Sendo a escola um meio social, cabe-nos afirmar,
primeiramente, que esse ambiente se constitui em um espaço de
intercâmbio social (VIGOTSKI, 1991). Para se comunicar com seus
semelhantes, o homem cria e utiliza-se de diversos signos que só
emergem no processo de interação verbal. De acordo com Bakhtin
(2010), esses signos são ideológicos por natureza, pois além de
pertencer à esfera de uma das ideologias (esferas de produção
imaterial), possui um caráter axiológico.
Não há, no entanto, como explicar a ideologia a partir de
raízes supra e infra-humanas. Sua especificidade reside na relação
de um eu com o seu outro, enquanto indivíduos socialmente
organizados que constroem a comunicação. Eles emergem na
interação, o que leva-nos a afirmar que a significação só é possível
se levarmos em conta os processos sociais.
Por isso, vivemos, de fato, num mundo de linguagem, signo
e significações (FARACO, 2009), o que nos permite dizer que nossas
relações somente acontecem semioticamente. Nesse sentido,
podemos afirmar que todo sujeito se constitui e é constituído pela
linguagem e, sendo assim, a linguagem não pode ser atribuída a um
sujeito isolado. Ao contrário, ela só tem sentido a partir da
dialogicidade. A dialogia, de acordo com os aportes bakhtinianos
decorre da necessidade da palavra ser ouvida, de forma que

- 172 -
[...] a significação não está na palavra nem na
alma do falante, assim como também não está
na alma do interlocutor. Ela é o efeito da
interação do locutor e do receptor produzido
através do material de um determinado
complexo sonoro. É como uma faísca elétrica
que só se produz quando há contato dois polos
opostos [...]. Só a corrente da comunicação
verbal fornece à palavra a luz da sua significação.
(BAKHTIN, 2010, p. 137).

Barros (1999) apresenta-nos duas concepções de dialogismo


que perpassam os escritos de Bakhtin: o diálogo entre os
interlocutores e o diálogo entre os discursos. Todo discurso não é
individual, pois se realiza entre pelo menos dois interlocutores e
porque se constrói a partir de vários discursos, isto é, todo discurso
é atravessado por diferentes vozes sociais, vozes essas relacionadas
aos discursos já existentes e àqueles que estão por vir. Na
perspectiva em que adotamos, portanto, deve-se compreender

[...] a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto


é, não apenas como a comunicação em voz alta,
de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja
(BAKHTIN, 2010, p. 127)

Escolhemos, portanto, discutir sobre o espaço tanque de


areia, na educação infantil, por acreditarmos esse ser um local que
favorece as trocas verbais entre as crianças e onde explodem
“múltiplas” vozes sociais, além de se configurar como um espaço de

- 173 -
desenvolvimento da criança. Cabe destacar que acreditamos que o
desenvolvimento humano se dá a partir das relações sociais e
culturais. Tais afirmações só podem ser devidamente
compreendidas se levarmos em conta o caráter histórico que
diferencia a concepção de desenvolvimento humano de Vigotski
frente às demais concepções de sua época que discutiam sobre a
formação do psiquismo humano.
A matriz que serve de referência às análises de Vigotski é o
materialismo histórico e dialético de Marx e Engels. Dizer que o
desenvolvimento humano é um processo histórico significa, nesse
construto teórico, dizer que ele é produto da atividade humana e
não um dado puro da razão nem a simples realidade das coisas.
Qualquer produção humana está, nesse sentido, ligada às suas
condições de produção. O conhecimento é, nas obras vigotskianas,
um processo histórico que segue as leis da dialética.
O materialismo histórico e dialético, base das construções de
Vigotski, permite-nos observar que o sujeito ao constituir o meio é
constituído por ele. O desenvolvimento social e cultural é histórico,
isto é, se dá a partir de um longo processo de transformação que o
homem opera na natureza e nele mesmo como integrante dessa
natureza (PINO, 2000).
Diante das considerações tecidas até aqui, é preciso
enfatizar que nesse intercâmbio social, “[a] interação com membros
mais maduros da cultura, que já dispõem de uma linguagem

- 174 -
estruturada, é que vai provocar o salto qualitativo para o
pensamento verbal” (OLIVEIRA, 1997, p. 47).
O desenvolvimento humano ocorre através da mediação
que, de acordo com PINO (1991), é toda intervenção de um terceiro
elemento que possibilita a interação, mas também é um termo
utilizado para designar a função dos signos na comunicação entre os
seres humanos na construção de um universo sócio-cultural. Os
sistemas de signos criados pelo homem permitem-lhes transformar
e conhecer o mundo, comunicar-se e desenvolver suas funções
psicológicas. A mediação dos sistemas de signos é denominada, nas
obras de Vygotsky, “mediação semiótica”.
Em sua obra, Vigotski (1991) distinguiu dois tipos de
elementos mediadores: os instrumentos e os signos, e a diferença
entre eles, segundo o autor,

[...] consiste nas diferentes maneiras com que


eles orientam o comportamento humano. A
função do instrumento é servir como um
condutor da influência humana sobre o objeto
da atividade; ele é orientado externamente;
deve necessariamente levar a mudanças nos
objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade
humana externa é dirigida para o controle e
domínio da natureza. O signo, por outro lado,
não modifica em nada o objeto da operação
psicológica. Constitui um meio da atividade
interna dirigido para o controle do próprio
indivíduo; o signo é orientado internamente.
(VYGOTSKY, 1991, p. 62)

- 175 -
Essa ideia de mediação e do uso de instrumentos está
fundada na teoria marxista de produção. O conceito de instrumento
inerente à teoria de Marx embasa a proposição da linguagem como
instrumento, cujo processo de produção de signos e significações
parte do dialético movimento de produção/produto (PINO, 1991;
SMOLKA, 1995). A função instrumental é elemento central nas obras
de Vigotski, pois a passagem da atividade prática dos animais à
atividade humana é sempre mediada pelos instrumentos e pelos
signos.
A distinção entre eles na obra vygotskiana é que os signos
são dirigidos para o psiquismo e se caracterizam pela não-
especificidade, e os instrumentos, ao contrário, são dirigidos para a
natureza e se caracterizam por sua especificidade (SMOLKA, 1995).
Ao referir-se ao caráter instrumental da linguagem, Vigotski enfatiza
e destaca o signo como instrumento. No entanto, segundo a autora,
somente a noção de instrumento não daria conta da complexidade
da linguagem, de maneira que “[é] para o homem produtor de
signos, de cultura, que Vigotski olha. É sobre o homem, que fala, que
pensa, que significa, que ele se indaga. E sobre o que o falar faz com
o homem” (SMOLKA, 1995, p. 13).
Portanto, a interferência desses mecanismos mediadores
afeta e provoca mudanças no processo de (trans)formação do
indivíduo, no seu desenvolvimento.

- 176 -
É, também, o conceito de mediação que permite explicar,
segundo Pino (1991), o processo de internalização, as relações entre
o pensamento e a linguagem, bem como a interação do sujeito com
o objeto do conhecimento. Contrariamente a outras teorias da
Psicologia, percebe-se que Vigotski e os demais autores da
perspectiva concebem o psiquismo humano como uma construção
social, “[...] resultado da apropriação, por parte dos indivíduos, das
produções culturais da sociedade através da mediação dessa
mesma sociedade” (PINO, 1991, p. 32). A apropriação é definida por
Pino (1991) como um processo de internalização das funções
psíquicas desenvolvidas ao longo da história. Essa internalização,
por sua vez, ocorre numa rede de inter-relações que articulam a
atividade social.
Esse fenômeno, denominado por Vigotski de internalização,
tem sido designado por diferentes termos, tais como interiorização,
apropriação, incorporação, etc., como menciona Smolka (1992). Em
geral, tais termos têm buscado referir-se a uma esfera particular do
indivíduo ou de seu movimento de aprendizagem relacionado a um
conteúdo específico que se reporta à atividade partilhada.
Esse conceito tão difundido nas concepções de Vigotski não
pode ser compreendido sem a noção de mediação simbólica e dos
processos semióticos que acabamos de descrever. Ao verificar que,
na visão de Vigotski, o homem é um “[...] agregado de relações
sociais incorporados em um indivíduo” (SMOLKA, 2000, p. 27), a

- 177 -
internalização refere-se a algo de fora – cultura, práticas sociais,
material semiótico – que é ressignificado pelo indivíduo.
Poderíamos associar, como diz a autora, o termo internalização ao
termo apropriação, também utilizado por Leontiev e Bakhtin.
Entende-se, nesse artigo, que apropriação refere-se, aos modos de
tornar seu, tornar próprio, tornar adequados aos valores
socialmente estabelecidos. Porém, de acordo com Smolka (2000),
tornar próprio nem sempre é o mesmo que tornar adequado, já que
existem modos de tornar próprio que não são adequados às
expectativas sociais.
A apropriação, segundo a autora, está relacionada a
diferentes modos de participação nas práticas sociais, diferentes
possibilidades de sentido. Parece haver entre o próprio (seu) e o
pertinente (adequado ao outro) uma tensão, tornando-a uma
categoria relacional. São as tensões que instalam várias
possibilidades de significações nos modos de apropriação: tornar
próprio, tornar pertinente, tornar adequado, desenvolver
capacidades, etc. podem ou não coincidir. Estas tensões possuem
diferentes sentidos dependendo da situação e da atuação dos
sujeitos nessas relações (SMOLKA, 2000). Nesse sentido,

[...] a apropriação não é tanto uma questão de


posse, de propriedade, ou mesmo de domínio,
individualmente alcançados, mas é
essencialmente uma questão de pertencer e
participar nas práticas sociais. Nessas práticas, o

- 178 -
sujeito _ ele próprio um signo, interpretado e
interpretante em relação ao outro _ não existe
antes ou independente do outro, do signo, mas
se faz, se constitui nas relações significativas.
(SMOLKA, 2000, p. 37)

Concebendo aqui que o homem é um ser eminentemente


social, acreditamos que o seu desenvolvimento se dá a partir da
apropriação dos modos de ação culturalmente elaborados.
Apropriação esta que se dá por intermédio do contato social, que
vai tornando seus modos de ação que, inicialmente eram
partilhados com os outros, próprios.
Nesse sentido, embora Vigotski não discuta especificamente
essa questão, podemos pensar que

[...] as relações sociais constituem um complexo


sistema de posições sociais e de papéis
associados a essas posições que definem como
os atores sociais se situam uns em relação aos
outros dentro de uma determinada sociedade e
quais são as expectativas de conduta ligadas a
essas posições. Por outra parte, dado que as
relações sociais são determinadas pelo modo de
produção da sociedade, as posições sociais e os
papéis a elas associados traduzem a maneira
como as formas produtivas se configuram nessa
sociedade (PINO, 2000, p. 64).

Nessas relações constituídas de posições sociais, destaque


especial é dado à linguagem. Bakhtin e o Círculo veem a linguagem

- 179 -
como constitutiva e dialógica, isto é, todo enunciado remete a
outros discursos, são vozes que estão em uma cadeia de
responsividade, isto é

[...] os enunciados, ao mesmo tempo que


respondem ao já dito (“não há uma palavra que
seja a primeira e a última”), provocam
continuamente as mais diversas respostas
(adesões, recusas, aplausos incondicionais,
críticas e ironias, concordâncias e dissonâncias,
revalorizações etc. (FARACO, 2009, p. 58).

Todo dizer, nesse sentido, é uma discussão cultural:


responde ao já-dito, discute, antecipa respostas, confronta etc. A
dialogicidade bakhtiniana, nesse sentido, deve ser compreendida
em três dimensões: todo enunciado é uma réplica, à medida que se
constitui do que alguns analistas do discurso denominam memória
discursiva25; todo enunciado espera uma resposta; todo dizer é
internamente dialogizado, isto é, é heterogêneo, uma articulação de
múltiplas vozes sociais – o ponto de encontro e confronto dessas
múltiplas vozes (FARACO, 2009).
Diante dessas considerações, acreditamos que, durante a
brincadeira das crianças, podem emergir múltiplas vozes sociais a
partir dos discursos e dos papéis assumidos por elas que, nada mais

25
A memória discursiva pode ser compreendida como constituição de
formulações que repetem, recusam e transformam outras formulações.
‘Memória’ não psicológica que é presumida por um enunciado enquanto inscrito
na história (MAINGUENEAU, 1997, p. 111).

- 180 -
são do que a apropriação que elas tomaram para si, diante da
interação com a família, com amigos, com a mídia, enfim, com o
outro.

A importância da brincadeira no tanque de areia


Conforme já discutirmos, a criança aprende quando interage
com o outro. Por isso, a brincadeira é fundamental, em especial, na
educação infantil. Só brincando é que a criança percebe o objeto
não da maneira que ele é, mas como desejaria que fosse. No brincar,
os objetos perdem a sua característica inanimada e se transformam.
A criança não vê o objeto como ele é, mas lhe confere um novo
significado a partir de sua imaginação (VIGOTSKI, 1991) e do
contexto em que as narrativas e histórias acontecem. Não é raro
observarmos crianças brincando com cabos de vassoura dizendo
que estão sobre cavalos em guerras, competindo etc.
Nesse sentido, a brincadeira funciona como um meio de sair
do mundo real e projetar-se a descobrir outros mundos. Para Freitas
(2003, p. 24), “a forma mais espontânea de pensamento é o
brinquedo ou a imaginação mágica, que faz com que o desejável
pareça possível de ser obtido”.
Mediante a isso, Garbarino e Colab (apud KISHIMOTO, 2009,
p.69) dizem que é através de seus brinquedos e brincadeiras que a
criança tem a oportunidade de desenvolver um canal de
comunicação, uma abertura para diálogo com o mundo dos adultos,

- 181 -
onde “ela restabelece seu controle interior, sua autoestima e
desenvolve relações de confiança consigo mesma e com os outros”.
No tanque de areia, baseando em suas experiências com o
outro, as crianças podem se transformar em cozinheiros,
engenheiros, arquitetos, exploradores, esportistas, botânicos,
bombeiros, artesãos, caminhoneiros, mágicos, detetives,
cabeleireiros entre outros. Transformam-se em quem querem ser
de acordo com as interações sociais que tiveram ao longo de suas
vidas.
Portanto, na escola,

[a]s propostas pedagógicas para a Educação


infantil deverão considerar que a criança, centro
do planejamento curricular, é sujeito histórico e
de direitos que, nas interações, relações e
práticas cotidianas que vivência, constrói a sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina,
fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a
natureza e a sociedade, produzindo cultura
(BRASIL, 2009, art. 4).

Foi pensando nessa proposta de dar voz aos alunos e fazê-


los interagir, que nos propusemos investigar os papéis sociais
assumidos pelas crianças durante a brincadeira no tanque de areia,
considerando que este espaço pode favorecer a imaginação, a
fantasia, os desejos bem como representar a cultura a qual elas

- 182 -
estão envolvidas. Partimos para a descrição dos procedimentos
metodológicos que utilizamos nesta investigação.

Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa foi realizada pela professora-
pesquisadora em uma escola municipal da região de Bragança
Paulista com aproximadamente 20 crianças de 4 a 5 anos. Para
darmos início à pesquisa, submetemos o projeto ao Comitê de Ética.
Logo após a aprovação, solicitamos a concordância da unidade
escolar e a assinatura dos pais ou responsáveis pelas crianças do
termo de compromisso livre e esclarecido. Conforme já fora
exposto, o objetivo primeiro desta pesquisa é investigar os papéis
sociais assumidos pelas crianças da educação infantil nas interações
ocorridas em espaços determinados como o Tanque de areia e como
essas crianças têm representado o mundo que as cerca durante as
brincadeiras.
Cabe ressaltar que o tanque de areia é um espaço lúdico,
onde as crianças utilizam para brincar sem a intervenção do
professor. As crianças participam de atividades no tanque de areia
duas vezes por semana por trinta minutos nesta escola.
As atividades ali desenvolvidas têm como objetivo
proporcionar o lazer e um momento de brincadeira. Não há um
trabalho pedagógico direcionado. No entanto, embora tenha esse

- 183 -
caráter lúdico, acreditamos que esse espaço pode se constituir em
um espaço social de desenvolvimento e aprendizagens.
Os dados foram coletados no segundo semestre de 2014 em
uma das aulas da professora-pesquisadora, momento este descrito
na rotina das atividades a serem realizadas naquele dia. Como esse
espaço parecia sempre se constituir como um dos momentos mais
prazerosos às crianças, algumas indagações apareceram: por que o
tanque de areia se constituía em um espaço tão prazeroso às
crianças se ali somente havia areia? Como eram as brincadeiras que
ali iam sendo construídas? Quais os papéis que os alunos assumiam
diante dessas brincadeiras? Tal situação nos motivou a buscar
respostas para esses questionamentos.
Utilizamos para a produção dos dados, a observação, a
audiogravação e registro em diário de campo dos momentos
interativos que ali ocorreram e das brincadeiras desenvolvidas.
Através desses instrumentos, buscou-se observar as interações que
ocorrem no tanque de areia da Educação Infantil e que papéis
sociais são assumidos pelas crianças nesse espaço.
Partimo-nos para as evidências encontradas nos dados
obtidos.

Os papéis assumidos pelas crianças no tanque de areia.


Conforme já mencionado, a atividade tanque de areia
acontece duas vezes por semana dentro da rotina. É uma atividade

- 184 -
que tem por objetivo a ludicidade, o prazer e a socialização das
crianças. No entanto, é um espaço em que acreditamos ser
importante para o desenvolvimento da linguagem, a construção de
hipóteses matemáticas e diversas representações do mundo em
que a criança vive.
As brincadeiras no tanque de areia – dentro da rotina escolar
– tem um tempo estimado de aproximadamente 30 minutos. No dia
vinte e dois de agosto de dois mil e quatorze, esse momento foi
utilizado para a produção dos dados da referente pesquisa. No início
da aula, a professora-pesquisadora já anunciou que a atividade seria
realizada. Fez isso a partir da leitura da rotina que colocara na lousa.
Eles ficaram eufóricos ao perceber que essa seria uma das atividades
em meio as tarefas daquele dia.
No momento da atividade, a professora forneceu aos alunos
diversos materiais que eram oferecidos todas as vezes que iam ao
tanque de areia: baldes, pás, peneiras, tratores e um regador de
água.
Correndo, uma parte delas foi ao tanque de areia; outras ao
parque. Observando o tanque de areia, algumas crianças se
reuniram e construíram uma situação de faz de conta para
começarem a brincadeira. C. e I. brincavam de casinha. Já de início,
observou-se que as crianças se organizaram e duas delas afirmam o
seguinte:

C: Mãe, eu vou recortar o bolo!


- 185 -
I: Não, filha, eu que vou cortar o bolo, pelo amor
de Deus!

Diante da cena observada, as crianças parecem trazer para o


cenário o cuidado que as mães costumam ter com os filhos.
Podemos observar que a aluna C. quando faz uso da palavra recortar
utiliza-se de um linguajar simples, de seu cotidiano, pois traz a
cultura e a voz de uma família trabalhadora, do campo, que não teve
estudo. Porém, quando I. repete a mesma frase automaticamente e
mostra-lhe como se diz na norma culta. O enunciado de I. parece,
mesmo que inconscientemente, a representação social da voz das
mães que corrigem o filho quando este diz algo que foge a norma
culta ou da professora. O papel social de mulher mãe fica mais
evidente na fala de I. após esse episódio:

I: Filha, vem comer!


I: Filha, vem comer!
I: Ah! Então eu vou comer!
I: Nhãn, nhã, nhanhã [imitando a mastigação]
I: Agora vou comer mais ainda!

Observa-se aqui uma insistência de I. para a suposta filha C.


para que viesse comer. Essa insistência reproduz, provavelmente, a
fala de sua mãe. Cabe ressaltar que a aluna I. apesar de ter cinco
anos completos pesa em torno de 15 quilos, peso esse bem abaixo
do esperado para idade e é uma criança que apresenta muita
resistência na hora da alimentação demonstrando não ter vontade

- 186 -
nenhuma de comer. Durante a reunião de pais, a mãe de I. contou-
lhe o fato de que a menina apresenta grande resistência para comer
e que muitas vezes ela tem que insistir para que a garota se
alimente.
O enunciado “Nhãn, nhã, nhanhã” ressignifica a situação
contada pela mãe à medida que a aluna, no papel de mãe, assume
o discurso de que é preciso que os filhos se alimentem, mesmo que
ela, enquanto filha, não faça isso. É preciso considerar que qualquer
palavra encontra o objeto a que se refere coberto de novas
significações e envolto em uma atmosfera social de discursos
(FARACO, 2009). De Acordo com Faraco (2009, p. 49), “a relação do
nosso dizer com as coisas (em sentido amplo do termo) nunca é
direta, mas se dá sempre obliquamente: nossas palavras não tocam
as coisas, mas penetram na camada de discursos que recobrem as
coisas”. Os signos, nesse sentido, não apenas refletem o mundo,
mas refratam o mundo (BAKHTIN, 2010).
Nessa refração, observamos que I. assume o papel de uma
mãe autoritária quando C. não quer comer.

I: Filha, vá pegar no micro-ondas.


I: Você vai apanhar é de chinelo e vai comer essa
comida todinha!

Nesse enunciado, percebe-se que I. representa sua mãe


quando fala que vai apanhar com o chinelo se a filha não comer.
Nota-se que I. traz para dentro do tanque de areia a voz social da
- 187 -
mãe, daquela que cuida, que preza pela boa alimentação, mas que
se torna enérgica quando ela não obedece.
Segundo Freitas (2003), a comunicação requer significado e
isso as crianças do ensino infantil retratam em seus discursos, pois
a todo o momento as brincadeiras vão ressignificando o real e os
papéis que àqueles com quem elas convivem representam.
Além de assumir as vozes dos outros, nas brincadeiras, a
criança percebe o objeto não da maneira que ele é, mas como
desejaria que fosse e lhe confere um novo significado. De acordo
com Faraco (2009, p. 50), os estudos bakhtinianos nos fazem refletir
que

[...] no processo de referenciação, realizam-se,


portanto, duas operações simultâneas dos
signos: eles refletem e refratam o mundo. Quer
dizer: com os signos podemos apontar para uma
realidade que lhes é externa (para a
materialidade do mundo), mas o fazemos
sempre de modo refratado. E refratar significa,
aqui, que com nossos signos nós não somente
descrevemos o mundo, mas construímos – na
dinâmica da história e por decorrência do
caráter sempre múltiplo e heterogêneo das
experiências concretas dos grupos humanos –
diversas interpretações (refrações desse
mundo).

Na interação com J., o suposto marido, I. dialoga a respeito


da comida do dia.

- 188 -
J: [Achou um saco plástico e encheu de areia
dentro representando que comprou arroz. Traz
para I.]
I: Que chato viu, que qué isso? Que porcaria é
essa? [olhando para dentro da sacola, I.
arremessa a areia longe].

Quando J. pega o saco plástico e enche-o de areia,


imediatamente, passa a fazer parte da história da casinha. Mas, o
tanque de areia se transforma em supermercado e a areia passa a
ser o arroz. Nesse caso, nota-se que J. assume o papel do pai e de
que o homem é o provedor do lar, afinal é ele quem compra o arroz.
A fala de I., por sua vez, pode revelar que ou a alimentação a
incomoda muito mesmo e, por isso, ela joga o arroz fora ou o
cotidiano de sua casa onde sua mãe é quem faz as escolhas de
compras e, supostamente, joga o que não lhe é conveniente fora.
De acordo com Vigotski (1991), a imitação não é cópia, mas uma
reconstrução particular daquilo que se observou em outras pessoas.
Acrescenta Faraco (2009, p. 51) que as

[...] as várias verdades equivalem aos diferentes


modos pelos quais o mundo entra no horizonte
apreciativo dos grupos humanos. Como
resultado da heterogeneidade de sua práxis, os
grupos humanos vão atribuindo valorações
diferentes (e até contraditórias) aos entes e
eventos, às ações e relações nela ocorrentes. É
assim que a práxis dos grupos humanos vai
gerando diferentes modos de dar sentido ao
mundo (de refratá-lo), que vão se

- 189 -
materializando e se entrecruzando no mesmo
material semiótico.

Como as significações não estão dadas no signo e nem


garantidas por um sistema abstrato e imutável (BAKHTIN, 2010),
não há a possibilidade de significação sem refração. As
representações sociais ficam explícitas todo momento e as crianças
assumem e reassumem vários papéis ressignificando-os nas
brincadeiras. Vejamos o quanto suas vivências são representadas
nesse espaço escolar:

I: Vamos brincar de areia?


C: Ainda não tá?
C: Você vai ser a mãe
I: Tá, vamos brincar de casinha?
C: Você vai fazer bolo pro papai?
I: Quem quer água?(mostrando o regador)
C: Eu quero, eu quero.

Ao ver esse diálogo podemos constatar que a menina está


sempre relacionada com brincadeiras de casinha e que as filhas
mulheres estão sempre ajudando a mãe repetindo assim o modelo
que a sociedade dizia ser o ideal. Conforme Lajolo e Zilberman
(1996), a mulher era educada para cuidar do lar, estudar religião,
fazer trabalhos manuais e economia doméstica. Esses discursos
ainda perpassam a sociedade. Através das vozes das crianças, em
momentos de brincadeira, notamos o quanto esses papéis ainda
estão muito presentes na sociedade.

- 190 -
Um pouco mais adiante dessa brincadeira, estava D.
assumindo o papel de motorista.

Professora: O que você está fazendo?


D: Vou entregar terra na construção para o
pedreiro e se precisar eu entrego mais terra.

O aluno apitava constantemente com a boca buscando


representar a buzina do caminhão e indicando que a professora
deveria sair da frente. Naquele momento, assumia a posição de um
motorista que tinha uma entrega de terra a fazer para o pedreiro. E,
considerando o diálogo com a professora, antecipa que o pedreiro
pode precisar de mais areia, o que revela uma compreensão de que
quando os adultos fazem um planejamento para construir algo,
muitas vezes ocorre de terem de gastar um pouco mais em relação
ao que fora planejado.
Na brincadeira, a criança assume papéis e aceita as regras,
executando e imaginando situações para as quais ainda não está
pronta para fazer no mundo real. (VIGOTSKI, 2009). Também
assumem papéis ligados ao cotidiano e ao conhecimento popular
conforme observamos nos enunciados de L. e T.

L: Olha T. o que estou fazendo, bolinho de


chuva.
T: Eu acho que vai chover!
L: Por que T?
T: Olhe o céu.

- 191 -
A aluna T. mostra uma prática comum, em especial, de
pessoas mais velhas (com as quais provavelmente convive) de que é
possível observar o céu para verificar se vai ou não chover. Além
disso, considera que quando chove, as pessoas fazem bolinho de
chuva. Percebemos, através dos dizeres das crianças, que o
dialogismo que perpassa a teoria bakhtiniana, as interações com o
outro e com outros discursos emergem nas brincadeiras – são vozes
sociais que os sujeitos vão assumindo para si e tornando-as próprias.
Nos dizeres do próprio Bakhtin (2010, p. 67), “[...] em toda
enunciação, por mais insignificante que seja, renova-se sem cessar
essa síntese dialética viva entre o psiquismo e o ideológico, entre a
vida interior e exterior”.
A seguir, observamos outro episódio na qual a aluna faz uma
estimativa de tempo colocando suas hipóteses matemáticas e
mostrando que apesar de não saber todos os números e a
cronologia de um relógio, mostra que sabe que o tempo é uma
contagem que os adultos fazem, que é algo presente no dia a dia das
pessoas e que tem uma função. Vejamos:

R: Olha,prô, já estão prontos, vou colocar no


forno, e depois chamar os convidados.
Prô: É, e quanto tempo para ficar pronto?
R: Quarenta.
Prô: Quarenta o quê?
R: Quarenta minutos.

- 192 -
De acordo com o Referencial Curricular (1998), foi
constatado que as crianças, desde pequenas, constroem
conhecimentos sobre várias áreas a partir do uso que faz deles em
suas vivências, da reflexão e da comunicação que realiza com os
sujeitos com quem convivem. Esses discursos também revelam as
representações da mídia, da TV, dos desenhos conforme podemos
notar nas brincadeiras e discursos de MV e M.

MV: Eu tô na nave e não tenho medo de altura!


Eu tenho muito poder!
M: Ei! Sobe aqui na nossa nave.
MV: Eu sou Capitão América.
R: Eu sou homem Aranha.
MV: Eu tenho poderes de mais.
M: Eu sou o Hulk e essas mué têm que leva para
delegacia! É aqui a delegacia, delegacia,
delegacia, delegacia.

Aqui os meninos assumem um papel em que se reporta a


nossa sociedade, na qual meninas não têm força, portanto não
podem brincar de heroínas. Devem, nesse caso, serem levadas à
delegacia. Eles, por sua vez, assumem uma força sobrenatural e
passam a não ter medo por estar na figura de super heróis. Quando
M. se reporta à delegacia, traz para a cena um fato que ocorreu há
poucos dias em sua residência – a de uma suposta briga familiar -
fato narrado por ele em sala de aula em um outro momento de
interlocução e confirmado por sua mãe na reunião de pais. Talvez
tenha a representação de que a delegacia é o lugar onde os

- 193 -
problemas podem ser resolvidos. No caso explicitado, a delegacia
poderia resolver o dilema das meninas quererem entrar na
brincadeira para se tornarem heroínas como a “mulher maravilha”
entre outras. Os meninos têm verdadeira adoração quando imitam
heróis, pois esses fazem parte de seus desenhos e imaginação e
nesses desenhos os papéis exercidos por heróis são de força e
poder. Eles salvam o mundo de qualquer coisa e derrotam os vilões.
Nessa brincadeira, nota-se

[...] que cada palavra se apresenta como uma


arena em miniatura onde se entrecruzam e
lutam os valores sociais [...] A palavra revela-se,
no momento de sua expressão, como o produto
da interação viva das forças sociais. (BAKHTIN,
2010, p. 67).

A palavra “delegacia”, por exemplo, representaria, nessa


situação de interação verbal, não apenas o espaço em que alguém
resolveria o problema, mas também a representação da luta de
classes – apenas os meninos podem ser super-heróis. A fala de M.
revela que o material semiótico é ressignificado – reflete e refrata
uma realidade e também está relacionado ao jogo dos poderes
sociais, isto é, conforme menciona Faraco (2009, p. 52),

[...] as vontades sociais de poder tentarão


sempre estancar, por gestos centrípetos, aquele
movimento: tentarão impor uma das verdades
sociais (a sua) como a verdade; tentarão

- 194 -
submeter a heterogeneidade discursiva
(controlar a multidão de discursos); monologizar
(dar a última palavra); tornar o signo
monovalente (deter a dispersão semântica);
finalizar o diálogo.

Contudo, para Bakhtin, não há palavra que seja a primeira ou


a última de um discurso. Não há sentidos que possam ser
encerrados, finalizados. Tanto os sentidos quanto as palavras
sempre se modificarão, ou seja, serão significados de maneira
renovada. Os signos, portanto, são espaços onde se confrontam e
onde se encontram diversos índices de valor, caracterizando-se
como uma realidade móvel. Dizer que a enunciação de um signo é
sempre uma enunciação de índices sociais de valor significa admitir
que a enunciação de um signo tem efeito de sentido diverso em
cada uma das esferas sociais de valor. E ao penetrar no horizonte
social de um determinado grupo, qualquer elemento da realidade
torna-se objeto do dizer daquele grupo específico. Dessa forma,
todo signo

[...] resulta de um consenso entre indivíduos


socialmente organizados no decorrer de um
processo de interação. Razão pela qual as formas
do signo são condicionadas tanto pela
organização social de tais indivíduos como pelas
condições em que a interação acontece
(BAKHTIN, 2010, p. 45).

- 195 -
Diante desta afirmação, todo signo remete a um índice de
valor que, mesmo na voz de um único indivíduo, constitui um índice
social de valor. O confronto de interesses sociais de uma mesma
comunidade semiótica determina a refração de um ser no signo
ideológico nos papéis assumidos pelas crianças durante a
brincadeira.
A diferença de papéis sociais, conforme o Referencial
Curricular para a Educação Infantil (1998) está presente sobre tudo
no faz-de-conta - quando as crianças brincam como se fossem o pai,
a mãe, o filhinho, o médico, o paciente, heróis e vilões imitando ou
inventando personagens observados e/ou convividos. Em suas
vivências, as crianças aprendem mais sobre as relações entre
pessoas, sobre o seu próprio eu e sobre o outro.
A partir dos dizeres das crianças, podemos notar que nas
brincadeiras no tanque de areia a todo momento surgem papéis
sociais que as crianças assumem e representam. São as vozes sociais
do pai, da mãe, do professor, do trabalhador, do desenho animado
etc. E é para esta perspectiva que o Círculo de Bakhtin olha, isto é,
“[...] a confrontação das diferentes refrações sociais expressa em
enunciados de qualquer tipo e tamanho postos em relação”
(FARACO, 1999, p. 60).
E quem é esse sujeito? Um sujeito social, histórico e cultural,
constituído de múltiplas vozes sociais, que caracteriza-se pelo
princípio da alteridade, não apenas da interação face-a-face, mas de

- 196 -
todo tipo de vozes que estão em constante confronto. É resultado
de um movimento dialógico que resulta no processo de
“monologização da consciência”, e que, segundo Smolka, Góes e
Pino (1995), faz com que os indivíduos se tornem sujeitos,
configurados pelo outro.
Diante dessas considerações, percebe-se o quão
fundamental são esses momentos em que os alunos podem
conviver com o outro no tanque de areia, que revelam as vozes das
quais esses sujeitos foram se apropriando ao longo da história e, que
de uma forma ou outra, influencia no seu processo de
desenvolvimento, interferem no curso do desenvolvimento. A
alteridade, o diálogo, a interação proporcionaram às crianças
momentos de imaginação, recriação e representação do cotidiano.
Poder participar de uma atividade escolar baseada na interação com
os pares passa ser um momento de grandes descobertas e vivências
onde múltiplas vozes emergem e através delas esses sujeitos vão se
constituindo e transformando o meio em que vivem.
Um ambiente livre de imposições é um palco perfeito para
que seus atores interpretem papéis vividos por eles na vida real e
tragam à tona desejos, mágoas, conquistas, personagens,
aprendizagens e falas que fazem parte de suas vidas. As pás e baldes
tornam-se objetos alheios às suas funções. Na verdade, as crianças
as veem como outros objetos e lhes conferem outras funções e
significados das que seus idealizadores pensaram para elas.

- 197 -
Os heróis, os personagens da vida real, soldados, piratas,
inventores, escultores, matemáticos, arqueólogos, cozinheiros,
cientistas, motoristas, pedreiros, sorveteiros, mães e pais e tantos
outros são apenas uma amostra de que o tanque de areia é um
campo que precisa ser disponibilizado para que a educação infantil
passe a ter momentos de brincadeiras reservadas ao seu
desenvolvimento e que seus educadores observem o quanto o
tanque de areia deve ser explorado, pois traz em seu interior
histórias a serem contadas, a serem revividas, a serem
transformadas.

Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo analisar os papéis sociais
assumidos a partir de interações de crianças de 4 e 5 anos no espaço
denominado “Tanque de areia”. Para isso, norteamo-nos pela
seguinte questão de investigação: Que papéis sociais são assumidos
pelas crianças nas interações ocorridas no tanque de areia? E como
essas crianças têm representado o mundo que as cerca?
A princípio, supomos que as crianças ao brincar no tanque
de areia iriam apenas interagir com baldes e pás e socializar
somente nesse sentido, mas verificamos que a criança transporta
para as brincadeiras do tanque de areia personagens do dia a dia e
assume papéis sociais com os quais convive: heróis que salvam o

- 198 -
mundo, confeiteiros, músicos, mãe e pai, sorveteiro, motorista e
tantos outros sempre ressignificando-os.
Diante das várias histórias ali contadas pelos alunos,
pudemos perceber o quanto o signo, social e ideológico reflete e
refrata a realidade. As brincadeiras infantis no espaço denominado
tanque de areia revelam os índices sociais de valor de uma
sociedade a partir dos dizeres dos alunos.
São múltiplos os papéis sociais assumidos, são múltiplos os
diálogos produzidos e ressignificados. Nas interações que ali se
formam, suas histórias de vida são transformadas: a menina que não
gosta de comer revela-se como aquela que discursa sobre a
importância do alimento. Isso só se torna possível se considerarmos
o princípio da alteridade, da troca, do outro – não de um diálogo
realizado face a face, mas de um discurso que remete a outros já-
ditos ou a aqueles que ainda estão por vir.
Os resultados desta pesquisa trouxeram-nos reflexões e,
consequentemente, novos questionamentos como: Que outros
espaços da escola podem favorecer essa interação e representação?
De que forma a intervenção de outros membros podem auxiliar
nessas representações? Como os conteúdos sistematizados podem
ser trabalhados nesses espaços sem que se percam esses momentos
de diálogo?
Diante dessas considerações, acreditamos que o tanque de
areia é um espaço privilegiado nas instituições escolares

- 199 -
considerando que, além de contribuir para interação e socialização
das crianças, permite que as mesmas façam emergir suas
representações de mundo, as vozes sociais com as quais conviveram
e foram se apropriando ao longo de suas vidas.

- 200 -
Referências

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- 201 -
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Fontes, 2009.

- 203 -
Capítulo 8 - Narrativas de professoras de Educação Infantil e a
construção de suas identidades

Márcia Tereza Fonseca Almeida26

Introdução
Tomando como referência o pressuposto de que a práxis
pedagógica das professoras é exercitada em grande medida tendo
como base sua experiência enquanto alunas, não podemos
esquecer que a prática docente das professoras27 que trabalham na
Educação Infantil está diretamente relacionada com a sua
concepção de criança e infância. Tendo em vista que se essas
profissionais considerarem a infância como uma época vivida no
início da existência do sujeito, e que se distancia do mundo dos
adultos, talvez encontrem dificuldade em se remeterem a essa
época refletindo sobre o momento presente.
Vale ressaltar que em minha experiência como formadora de
professoras em cursos de formação continuada e mesmo como
professora das disciplinas Estágio Supervisionado e Fundamentos da
Educação Infantil no curso de Pedagogia de uma universidade

26
Doutora em Educação. Docente da Universidade Estadual da Bahia, UNEB .E-
mail: marciatfa2@yahoo.com.br
27
Considerando que na Educação Infantil predomina a presença de mulheres,
neste trabalho sempre que for tratar desse segmento usarei a palavra
professoras.

- 204 -
pública pude perceber que existem ambivalências nas falas das
professoras e das alunas-professoras em relação à importância que
as mesmas atribuem a atuação de professoras que atuam na
Educação Infantil.
Além da desvalorização social e financeira a que são
submetidas, as professoras que trabalham com crianças pequenas
não conseguem estabelecer uma conexão entre as atividades de
cuidar e educar, ações que devem ser indissociáveis na Educação
Infantil. O fato da sua ação pedagógica não ser considerada ainda
por muitos, uma atividade que exige a atuação de uma profissional
qualificada, faz com que muitas dessas profissionais acreditem que
sua prática seja inferior àquela que é exercida pelas professoras de
outros níveis de ensino, e muitas vezes por causa disso não se
identificam com o que fazem e não percebem a necessidade da
construção de uma identidade de educadoras de crianças pequenas.

Identidade e identificação das professoras de Educação Infantil.


Na história da educação brasileira por muito tempo
prevaleceu a ideia de que bastava apenas ser mulher, jovem e ter
sido mãe ou ter vivenciado alguma experiência com crianças para
ser professora de Educação Infantil, processo que ficou conhecido
nos meios educacionais como feminização do magistério, e que até
os dias atuais ainda faz eco nos espaços educativos de caráter formal
ou informal destinados a educação de crianças de 0 a 5 anos de

- 205 -
idade, em que muitas educadoras assumem posturas que estão
diretamente relacionadas à sua identificação com o que fazem.
No caso das educadoras de infância, sabemos que a
formação inicial, mesmo quando acontece em cursos de Pedagogia
na modalidade presencial, e, sobretudo quando é feita à distância
não conta com uma matriz curricular que possibilite ao (a) professor
(a) estudos aprofundados sobre criança, infância e desenvolvimento
e aprendizagem infantil.
Dessa forma, a identificação das professoras com as
atividades que desenvolvem nas instituições de Educação Infantil
está ainda muito relacionada com a concepção de professora de
creche e ou pré-escola que essas profissionais construíram ao longo
de sua existência e que são provenientes dos discursos que circulam
no senso comum, e no caso da educação de crianças pequenas,
mesmo com todos os avanços decorrentes dos estudos no campo
da profissionalização docente, historicamente essas profissionais
tiveram sua identidade relacionada a figura da maternagem.

As relações entre casa-creche-escola


constituem-se como diferentes cenários em que
se desenvolvem ações de cuidado e de educação
de crianças, tanto no universo doméstico quanto
no público, onde atuam as personagens que, na
sociedade atual, são as responsáveis pelo
desenvolvimento destas ações: mães-
profissionais de educação infantil-professoras
do ensino fundamental, exercendo funções que
nada têm de naturais, pois são historicamente
construídas. (CERISARA,2002, p.45).
- 206 -
Nos últimos anos, as pesquisas sobre formação de
professores têm buscado entender de que forma os saberes
docentes tem se constituído, levando em consideração o percurso
pessoal e profissional de professoras e professores que exercem a
docência na educação básica a fim de buscar elementos que
apontem caminhos para compreender qual a concepção que o(a)
professor(a) tem da sua prática e de que maneira seu processo de
formação inicial e continuada tem repercutido em sua práxis e na
construção de sua identidade.
Para Tardif (2002), o saber do professor é atemporal, já que é
construído ao longo de sua história pessoal e profissional. Na sua
prática pedagógica, o docente precisa mobilizar uma ampla
variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e
transformá-lo pelo e para o trabalho.
Em suas pesquisas sobre a construção da identidade docente
de educadoras da Educação Infantil Oliveira (2006) ressalta que
buscou:

Estudar a construção da identidade docente


como um fenômeno em constante
transformação, que ocorre a partir de práticas
sociais específicas que medeiam a criação de
discursos conforme cada professora em
formação faz uso de instrumentos cognitivos,
afetivos e linguísticos, e cria motivos e vontades
em um ativo processo para se referir a aspectos

- 207 -
de um mundo partilhado intersubjetivamente.
(OLIVEIRA, 2006, p.550).

A formação docente tem sido considerada como elemento


indispensável para a garantia da qualidade da educação em todas as
modalidades e níveis de ensino, e no caso específico da educação de
crianças pequenas que, historicamente vem se constituindo como
uma atividade que poderia ser exercitada por qualquer sujeito sem
necessidade de uma formação específica, durante muito tempo
preponderou a ideia de que os cuidados com a higiene e
alimentação das crianças eram mais importantes do que seu
desenvolvimento cognitivo.
Com a evolução dos estudos sobre a criança e a infância,
aliada às pesquisas no campo da formação de professores, passou-
se a ter outra lógica sobre a profissional de Educação Infantil. Um
aspecto que contribuiu para uma nova visão sobre as educadoras de
infância foi a determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº. 9.394/96) ao estabelecer que a formação dos
professores de educação infantil deve ser realizada em nível
superior, apesar de admitir profissionais com a formação mínima de
nível médio, na modalidade normal, e para atender a demanda de
municípios que ainda contam com professores que não possuem o
curso normal, várias redes de ensino tem aderido ao Proinfantil.28

28
O Proinfantil é um curso oferecido pelo MEC em nível médio, à distância, na
modalidade Normal, destinado aos professores que atuam em classes de

- 208 -
Segundo Arroyo (2004), no decorrer da história da pedagogia
inúmeras metáforas relacionadas à profissão docente buscaram
conceituar o exercício em sala de aula das professoras:

[...] parteiras, jardineiras, artífices, bordadeiras.


Não foi fácil encaixar nossas identidades nessas
metáforas. A toda metáfora dos pedagogos e
dos mestres corresponde uma metáfora dos
educandos: plantinhas, massinhas, fios
maleáveis [...] (ARROYO, 2004, p.10).

Esse cenário aponta a diversidade histórica, cultural, social


e afetiva presente nos momentos turbulentos na construção da
identidade e identificação docente da educadora de infância que
espelham a forma que sua identidade foi se constituindo ao longo
da história da Educação Infantil na conjuntura internacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº.
9.394/96) estabelece que a formação dos professores de Educação
Infantil deve ser realizada em nível superior, mas ainda permite que
sejam admitidos profissionais com a formação mínima de nível
médio, na modalidade normal. Para a realidade do atendimento dos
serviços públicos de Educação Infantil de responsabilidade dos
municípios e, particularmente, para a rede de organizações sociais
sem fins lucrativos conveniadas com o Poder Público, como
associações e creches comunitárias, a LDBEN 9.394/96 impôs o
desafio da titulação de um contingente de milhares de profissionais,

educação infantil em creches ou pré-escolas das redes públicas e ou privadas sem


fins lucrativos e que não têm formação específica para o magistério.

- 209 -
desconsiderando a realidade educacional da maioria dos estados
brasileiros.
Entretanto, não adianta a legislação prever atendimento
gratuito para crianças de zero a cinco anos se o poder público não
oferecer atendimento que respeite as especificidades dessa faixa
etária, não só no que diz respeito as instalações físicas como
também no investimento na formação inicial e continuada dos
professores.
Devido à carência de professores com uma formação
adequada e à falta de investimento por parte dos poderes públicos,
ainda não contamos com a atuação de profissionais de Educação
Infantil de acordo com as exigências legais.
O problema da formação dos educadores tem dimensões
que ultrapassam o cumprimento da lei, pois não está relacionado
apenas com a necessidade de titulação acadêmica, nos moldes
exigidos pela legislação educacional, uma vez que, além do grande
número de trabalhadores a serem titulados, existe a necessidade do
investimento em formação continuada para esses profissionais,
tendo em vista que a prática pedagógica impõe desafios que a
formação inicial por si só não dá conta.
Sobretudo quando essa prática é desenvolvida com crianças
de zero a cinco anos que exige um (a) profissional habilitado (a) que
entenda como as crianças pequenas aprendem, se desenvolvem e
se relacionam com outras crianças e com adultos, respeitando sua

- 210 -
forma de comunicar-se e interagir com o mundo circundante,
apropriando- se das suas diversas linguagens.
Pensar em uma política de formação profissional para a
Educação Infantil requer antes de tudo questionar as concepções de
criança, infância, instituições de Educação Infantil e das agências
formadoras (Universidades, Secretarias Municipais e Estaduais de
Educação etc.).
Os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil
(1998), ao tratarem do perfil do professor (a) da Educação Infantil,
apontam para a necessidade de que esses profissionais sejam
polivalentes e atuem a partir de conteúdos provenientes das
diversas áreas de conhecimento. Reforçam que a construção de
projetos educativos para essa modalidade de ensino exige a
presença de educadores e educadoras capazes de responder às
demandas das famílias e às questões específicas relativas ao
cuidado e à aprendizagem infantil. Em contrapartida, de acordo com
as análises de Ens, Favoreto e Filipak (2013), as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) definem a
orientação das propostas pedagógicas para as instituições de
Educação Infantil sem tratar da formação do professor dessa
modalidade de ensino.
No entanto, acredito que para a efetivação de uma prática
docente que atenda as reais necessidades de meninos e meninas na
idade entre zero a cinco anos, o (a) professor (a) precisa conhecer a

- 211 -
criança, de onde ela vem, como ela pensa, seus valores, histórias de
vida, as representações que elas constroem sobre o mundo, para, a
partir de então, intervir de forma satisfatória, influenciando na
construção do sujeito, na formação de sua história e na contribuição
de sua existência na formação social.
De um modo geral faltam no contexto da formação dos
profissionais de Educação Infantil que hoje está sob a
responsabilidade de muitos cursos de Pedagogia, estudos mais
aprofundados sobre o desenvolvimento infantil, haja vista que a
carga-horária do componente curricular Fundamentos da Educação
Infantil na maioria das instituições de ensino superior é de apenas
60 horas, tempo bastante curto considerando que a disciplina só é
oferecida uma vez dentro do currículo.
Gatti e Barros (2009, p.153) em seus estudos sobre
Professores do Brasil (2009) afirmam que " poucos cursos de
licenciatura em Pedagogia propõem disciplinas que permitam algum
aprofundamento e formação de competências na área de Educação
Infantil". A pesquisa das autoras reforça a necessidade de uma
ampliação das discussões sobre criança e infância nas propostas
pedagógicas dos cursos de Pedagogia.
Essas reflexões são pertinentes, pois quanto mais os
educadores compreenderem como as crianças se desenvolvem,
mais subsídios terão para a efetivação de uma prática docente
coerente com as especificidades da infância.

- 212 -
Para tanto, faz-se necessária a inclusão de disciplinas que
ofereçam uma fundamentação teórica nos currículos dos cursos de
formação inicial, favorecendo uma atuação prática condizente com
as necessidades e especificidades das crianças de zero a cinco anos.
Nessa perspectiva, o currículo do curso de Pedagogia deve
ser repensado, de modo a possibilitar às futuras professoras e
aquelas que já estão na docência a construção e/ ou ampliação dos
conhecimentos sobre a criança e o seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Pautadas numa formação
compatível com esses saberes, acredito que as educadoras estarão
aptas a trabalharem com crianças pequenas buscando uma prática
mais significativa também do ponto de vista das crianças.
Silva (2003) enfatiza em seus estudos que o papel do
professor não se restringe à mera aplicação de conhecimentos
produzidos por outros, uma vez que o mesmo se constitui como um
profissional possuidor de conhecimentos advindos de sua própria
experiência. Dessa forma, a sua subjetividade não pode ser
desconsiderada no tocante ao seu discurso e a sua prática no que
diz respeito ao trabalho com crianças pequenas.

Descrição do estudo
O texto apresenta uma reflexão a partir dos dados de uma
pesquisa feita com seis professoras que lecionavam nos grupos 3, 4
e 5 de um Centro Municipal de Educação Infantil da cidade de

- 213 -
Salvador e uma coordenadora pedagógica, utilizando como
instrumento de coleta de dados a observação e as entrevistas
narrativas.
Para Rocha, Ferreira e Vilarinho (2002), a recolha das
memórias sobre a infância de professoras configura-se como um
dispositivo de formação, na medida em que tais narrativas podem
apontar como as profissionais se constituíram articulando suas
histórias de vida e formação.
Nessa perspectiva, as autoras reconhecem que a análise das
narrativas das professoras sobre o seu processo de formação
profissional possibilitaria uma análise crítica sobre suas práxis que
poderia ser revertida em um dispositivo de formação, considerando
que, a análise das narrativas das referidas professoras sobre o seu
processo de formação inicial e continuada possibilitaria uma
compreensão de como se deu o processo de construção das suas
identidades enquanto professoras de Educação Infantil ao logo do
seu desenvolvimento pessoal e profissional, visando inferir até que
ponto a história de vida e formação dessas profissionais influenciou
suas concepções e práticas na Educação Infantil, na medida em que
nesse tipo de entrevista o entrevistado é estimulado a narrar a
história de acontecimentos marcantes da sua trajetória pessoal a
partir de aspectos ou eixos temáticos que lhe são apresentados pelo
pesquisador, ao mesmo tempo em que favorece aos sujeitos
entrevistados a ressignificação de sua ação presente.

- 214 -
Nessa perspectiva, considero a entrevista narrativa como
uma estratégia de formação, corroborando com Souza (2006)
quando afirma que esse tipo de entrevista:

[...] configura-se como investigação porque se


vincula à produção de conhecimentos
experienciais dos sujeitos adultos em formação.
Por outro lado, é formação porque parte do
princípio de que o sujeito toma consciência de si
e de suas aprendizagens experienciais quando
vive, simultaneamente, os papéis de ator e
investigador da sua própria história (p.26).

Durante o processo de interlocução com as professoras


através das entrevistas narrativas, pude perceber como as mesmas
se davam conta de alguns aspectos marcantes na sua trajetória
pessoal e profissional que forneceram algumas pistas sobre a sua
prática docente atual.
A proposta de entrevista narrativa utilizada foi a sugerida por
Sandra Jovchelovitch e Martin Bauer (2002) De acordo com os
autores (2002, p.91) “através da narrativa, as pessoas lembram o
que aconteceu, colocam a experiência em uma seqüência,
encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de
acontecimentos que constroem a vida individual e social”. O
desenvolvimento da entrevista ocorreu através dos seguintes eixos:
Infância: brincadeiras preferidas (em casa e na escola); Ingresso no
Magistério; Sentido de ser professora de Educação Infantil; Limites
e possibilidades no trabalho desenvolvido com crianças;

- 215 -
Contribuições da formação inicial para a prática pedagógica na
Educação Infantil.
Após ter concluído o período de observação direta na
instituição, iniciei as sessões de entrevistas explicando para as
colaboradoras que o nosso processo de interlocução seria diferente
das entrevistas estruturadas na medida em que esse tipo de
entrevista não apresenta um conjunto de perguntas e respostas
como um questionário. e em seguida entreguei o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para a recolha das assinaturas
das mesmas.
Como forma de preservar a verdadeira identidade das
colaboradoras da pesquisa, as professoras entrevistadas cujas
respostas serviram de análise para escrita desse texto receberam os
pseudônimos de Maria, Catarina e Julieta. Pelo fato desse artigo
buscar discutir a construção das identidades das professoras,
apresentarei um recorte das discussões feitas sobre os eixos:
Ingresso no magistério e Sentido de ser professora de Educação
Infantil, a partir da análise da entrevista de duas professoras e da
coordenadora

Professora Maria
A professora Maria tinha vinte anos de atuação no
Magistério, sendo sete na Educação Infantil no Centro Municipal de
Educação Infantil lócus da pesquisa, já havia trabalhado com o grupo

- 216 -
02 e na época da investigação trabalhava com crianças de quatro
anos. Cursou o magistério e fez Pedagogia e encontrava-se na faixa
etária acima dos 45 anos.

Eu fiz magistério, tenho minha experiência toda


no Ensino Fundamental e tenho sete anos nesse
CMEI, na Educação Infantil. Já trabalhei com o
grupo 2, já trabalhei com o grupo 4 e 5.O grupo
4 é mais próximo do 5 que vamos dizer assim do
Fundamental. Próximo no sentido porque são os
maiores do CMEI.

Professora Catarina
A professora Catarina tinha quatro anos de atuação no
magistério e exercia a docência na Educação Infantil no Centro
Municipal de Educação Infantil lócus da pesquisa há um ano e estava
trabalhando com uma turma de crianças de quatro anos. Já
trabalhou com alunos da 3ª e 4ª série do Ensino Fundamental. Não
fez o curso de Magistério, Formou-se em Pedagogia e tem
Especialização em Gestão Educacional e encontrava-se na faixa
etária entre 35 e 40 anos.

[...]E aí, eu na faculdade ainda, comecei a


trabalhar com outras coisas... [...]. Porque a
oportunidade que eu tive na faculdade foi para
trabalhar na Alfabetização Solidária como
coordenadora [...]. Aí depois trabalhei em um
programa de qualificação profissional, também
fora da sala de aula. [...]fiz a seleção da UFBA e
passei em 1 lugar[...]. Então eu comecei a minha
experiência com o ensino superior. [...] eu
ensinava Organização da Educação Brasileira.

- 217 -
[...]A prefeitura chamou...[...[ Ai eu trabalhava
em uma escola com terceira e quarta série no
bairro da Paz porque nessa escola, eles dividiam
por disciplina, era diferente, não era um
professor para todas, então eu trabalhava com
terceira e quarta, no bairro da Paz era terceira,
depois eu trabalhei com a quarta-série[...]

A coordenadora
A professora Julieta formou-se em Pedagogia, encontrava-se
na faixa etária dos 30 a 35 anos, atuava no magistério há nove anos
e assumiu a coordenação pedagógica do CMEI no mesmo ano em
que a pesquisa foi realizada. Iniciou sua trajetória no magistério
como estagiária em uma turma do grupo 05 em uma escola
particular, mas disse que não gostou da experiência porque não
conhecia a realidade da Educação Infantil e não tinha habilidades
com trabalhos manuais, como cortar, pintar etc. No ano seguinte,
passou a trabalhar com História e Geografia nas turmas de 2ª a 4ª
séries na mesma escola e depois com Português, Redação e
Literatura, experiência que achou muito gratificante, mas como não
tinha formação em Letras não pôde continuar. Foi aprovada como
coordenadora e professora na rede municipal de ensino, mas foi
convocada para assumir a coordenação em uma escola do Ensino
Fundamental I, onde se identificou com a atividade de coordenação.
Ressaltou que naquele espaço tinha autonomia para colocar suas
ideias em prática porque tinha todo o apoio da direção, mas teve
que sair de lá devido ao fato de ter sido assaltada e ameaçada caso
continuasse trabalhando na região pois poderia identificar as
- 218 -
pessoas que praticaram o assalto. Posteriormente, foi encaminhada
para trabalhar em um CMEI, mas no início resistiu por conta da sua
primeira experiência na Educação Infantil. Entretanto, apesar de
reconhecer que precisava ampliar os seus conhecimentos sobre
Educação Infantil, estava se identificando com o trabalho que estava
desenvolvendo.

Quando eu estava estagiando eu já estava


atuando em uma escola no grupo 5, só fiquei um
ano foi o pior ano da minha vida. Eu tinha só
cinco crianças na turma, era uma escola de
bairro mas tem mais de vinte e cinco anos. Eu
cheguei lá como estagiária fui para o grupo 5,
tive muita dificuldade porque eu não conhecia a
realidade da Educação Infantil, eu não sabia
fazer uma rodinha, eu não gosto de cortar papel,
eu não gosto de montar bichinho, eu não gosto
de usar tinta, eu não gosto de nada daquilo, eu
gosto é do meu papel, da minha caneta, da
minha prova ,do meu texto, eu gosto disso
Márcia eu tive muita dificuldade, eu não sei
cantar, eu não sei dançar, eu não sei interpretar,
eu não sei Márcia, eu não gosto .Não é minha
praia ,não é isso que eu gosto de fazer. [...]no
ano seguinte eu disse a diretora, olhe se for para
eu ficar com a Educação Infantil, eu não quero eu
não me identifiquei, e ela como tinha gostado
muito do meu trabalho porque apesar de não
gostar Márcia eu fazia as atividades bonitinhas,
eu ia no google, eu montava, eu fazia
cruzadinha, eu fazia aqueles textos lacunados
para a criança identificar, eu fazia essas coisas
direitinho

- 219 -
Em relação ao trabalho que desenvolvia na Educação Infantil,
a professora Maria atribui a sua dificuldade no trabalho com
crianças pequenas ao fato de sua experiência profissional ter sido
iniciada no Ensino Fundamental como podemos constatar na fala a
seguir:

Mas assim, foi difícil no início para eu me


adaptar, eu venho de uma prática do Ensino
Fundamental, mas eu fui aos poucos me
adaptando, mas existe uma questão que às vezes
você vê uma criança de quatro anos, que eu
trabalho, são crianças que estão muito voltadas
para a brincadeira e nós temos uma demanda
que não é só de brincadeiras, a gente também
precisa estar... a rotina, obedecendo a rotina,os
limites e isso torna assim, a gente vai dividindo
o tempo deles em coisas, diversas atividades que
não só,brincadeiras" [...].

A professora Catarina atribui sua dificuldade na prática


docente com crianças pequenas ao fato de não ter feito o curso de
Magistério e não ter cursado nenhuma disciplina de Metodologia ou
feito algum estágio que subsidiasse a sua prática, bem como ao fato
de não ter estudado em escola pública.Entretanto, ressaltou que
apesar de ter ingressado na docência no ensino superior quando foi
professora substituta na Universidade Federal da Bahia logo após
ter concluído o curso de Pedagogia na mesma instituição estava
aprendendo a ressignificar a sua prática trabalhando com crianças
pequenas.

- 220 -
[..]. Até então eu não tinha experiência em sala
de aula porque a UFBA na época eles mudaram
o currículo, então a gente se formou sem estágio.
Então eu não fiz o Magistério, não fiz estágio e
não fiz nenhuma metodologia de nada. Você vê
meu histórico e não tem metodologia de nada.
Então para mim quando eu entre na prefeitura
foi muito difícil porque eu iniciei no bairro da Paz.
Então para mim foi um choque, primeiro porque
eu nunca tinha estudado em escola pública, eu
estudei a vida toda em escola particular, a gente
sabe que é diferente. Eu não fiz magistério, eu
não vi metodologia e nem fiz estágio, então eu
não tinha experiência absolutamente nenhuma
com criança, nem de estágio nem nada. Eu
sempre digo que bom que eu vim para um CMEI
porque eu gosto, eu ressignifiquei o que eu
tinha[...]. Então assim, essa nova experiência
para mim está sendo um novo olhar que eu
tenho da educação.

O perfil de uma boa professora de Educação Infantil definido


pela professora Maria reforça a imagem da maternagem que
durante muito tempo fez parte do imaginário social construído
historicamente sobre as professoras que trabalham com crianças
pequenas, ou seja, uma professora jovem e que tivesse muita
paciência. Outro aspecto que merece atenção é a forma que a
professora se refere as crianças do CMEI, tentando justificar que
existem diferenças no aprendizado entre crianças que pertencem a
classes sociais diferentes e que essas diferenças exigem uma
profissional mais habilidosa, sensível e carinhosa que nos remete

- 221 -
aos princípios preconizados pelas teorias do déficit29 defendidas na
década de 60.

Uma boa professora de Educação Infantil é


assim, acolhedora, teria que ser uma pessoa
sensível, que não tivesse dificuldades com a
crianças, com alunos de escola pública porque
minha experiência de escola pública são esses
anos aqui no CMEI. Eu sempre trabalhei em
escola particular, então eu vejo uma diferença
assim grande na questão das crianças. Aqui uma
boa parte são crianças muito carentes, são
crianças que tem muitos problemas familiares
além da carência sócio- econômica, juntando...
fica uma situação... mais constrangedora pra
elas. Então assim, …eu acho que uma boa
professora é aquela professora que interage, que
brinca, cheia de energias mesmo para ficar junto
das crianças dessa idade.

Já a professora Catarina argumenta que uma boa professora


de Educação Infantil precisa considerar as necessidades de cuidado
e educação da criança, não esquecendo da sua necessidade de
brincar:

Na minha cabeça uma boa professora de


Educação Infantil é uma professora que tem que
ter uma visão de educação mais ampla, não
apenas da educação formal e que trabalhe vários
aspectos na criança o que norteia o cuidar o
educar, o brincar que ela consiga contemplar
essas três questões da educação infantil[...]

29
Tais teorias buscava-se no aluno a razão de seu próprio fracasso atribuindo as
suas "dificuldades de aprendizagem" a sua condição sócio econômica.

- 222 -
Para a professora Julieta, coordenadora do CMEI, uma boa
professora de Educação Infantil, além de ser dinâmica e
extrovertida, deveria conciliar as atividades do cuidar e do educar e
precisava sentar-se no chão, no sentido mais amplo do termo, para
se aproximar mais das crianças, desenvolver atividades
diversificadas sem a necessidade de ficar presa ao papel o tempo
todo. E ao definir tais características, admitiu que não tinha esse
perfil quando assumiu uma turma de Educação Infantil no início de
sua trajetória profissional e de certa forma também fez uma crítica
ao trabalho desenvolvido por algumas professoras do CMEI.

Uma boa professora de Educação Infantil precisa


ser dinâmica, não precisa estar o tempo todo
presa a atividades escritas e deve conciliar as
atividades do cuidar com o educar. [...] ela
precisa, ela não pode ter vergonha como eu
tinha, então ela tem que sentar no chão sim pra
brincar, eu acho que uma boa professora de
Educação Infantil é essa que interage com o seu
aluno o tempo inteiro [...] elas têm que saber
falar é do jeito que eles gostam, elas têm que
saber contar uma história imitando as vozes,
sabe? Os gestos, então ela tem que ter todo esse
cuidado para que possa atrair as crianças de
Educação Infantil, eu não acho que o professor
de Educação Infantil tem que estar muito preso
ao papel, atividade escrita, apesar que eu vejo
muito aqui, eu não acho, porque eu acho que há
outras formas de a gente tirar aquele papel e
transformar em outra atividade legal, trabalhar
com um cartaz enorme, com tinta, massa de
modelar, eu adoro até hoje massa de modelar.
Então, eu acho que a professora precisa abraçar

- 223 -
mesmo a causa. Quando tiver que botar embaixo
do chuveiro, tem que botar, eu acho que você
não tem que dividir o que é o trabalho de ADI e o
trabalho da professora, eu acho que não, eu
acho que as duas têm que estar interagindo o
tempo inteiro. Para mim um professor de
Educação infantil tem que sentar no chão,
Márcia, se tiver que defender a palavra, acho
que sentar no chão, define muita coisa[...].

Acredito que garantir formação continuada em serviço para


os (as) professores (as) ainda se constitui em uma forma de
possibilitar que esses (as) profissionais reflitam sobre sua prática e
construam novos saberes e ou ressignifiquem seus conhecimentos
construídos ao longo da sua trajetória pessoal e profissional
trocando experiências com seus pares. As duas professoras e a
coordenadora ressaltaram a importância dessa formação
principalmente no trabalho com crianças pequenas:

Eu sinto falta dessa orientação, o que eu já sabia


é muito pouco de Educação Infantil, muito pouco
mesmo só o que está nos livros mais teóricos e
você quer estar se aprofundando né não pode
parar de estudar. [...]. Eu fiz o magistério voltado
para crianças de 1ª a 4 ª série[...], o magistério
não foi voltado para Educação Infantil, meu
pensamento era 1ª a 4ª, então eu tive toda
experiência de 1ª a 4ª. [...] Seria tão bom se a
gente tivesse uma pessoa assim que nos
orientasse porque ficamos cheias de dúvidas.
(Professora Maria)

[...]A disciplina de Educação Infantil eu fiz um


semestre só, com uma professora que passou
resenha. A disciplina foi dividida em resenha e

- 224 -
seminário, então quem dava aula eram os alunos
não era a professora. Foi uma única disciplina de
Educação Infantil porque o curso não era
voltado...como eu te disse eu não fiz
metodologia. [...]. Sinto falta porque eu não
tenho essas leituras" (Professora Catarina).

A minha formação foi toda Márcia voltada para


o Ensino Fundamental, toda e hoje eu sinto
muita falta do estudo voltado para a Educação
Infantil, não que eu não estude Márcia, mas com
essa vida corrida nossa eu não estudo da forma
que eu queria estudar. Então sinto muita falta
dessa minha formação, da Educação Infantil eu
não tive, eu não tive [...] (Coordenadora Julieta)

Prosseguindo nas reflexões sobre o processo de formação de


professores (as) para a Educação Infantil e sua consequente
influência no processo identitário com a profissão, é possível
apontar a reduzida carga horária destinada para questões
relevantes no contexto da formação dos profissionais de Educação
Infantil que hoje está sob a responsabilidade de muitos cursos de
Pedagogia. A análise de Pimentel (2014) aponta para a diminuição
das disciplinas de Psicologia, Sociologia e Filosofia nos novos
currículos implementados, que confirma a consequente redução de
estudos mais aprofundados sobre aspectos pertinentes ao
desenvolvimento infantil. Além disso, a carga-horária do
componente curricular Fundamentos da Educação Infantil em
algumas instituições de Ensino Superior, a exemplo da UNEB, é de
apenas 60 horas, tempo bastante curto, considerando que a
disciplina só é oferecida uma vez no currículo.

- 225 -
Essas reflexões são pertinentes, pois quanto mais os
educadores compreenderem como as crianças se desenvolvem, mais
subsídios terão para a efetivação de uma prática docente coerente
com as especificidades das diferentes infâncias. Para tanto, faz-se
necessária a inclusão de disciplinas que ofereçam uma
fundamentação teórica nos currículos dos cursos de formação inicial
e favoreçam uma atuação prática condizente com as necessidades e
especificidades das crianças de zero a cinco anos.
Analisando as respostas das professoras da instituição lócus
da pesquisa pude constatar que a expectativa por um investimento
na formação em serviço foi um aspecto comum nas narrativas das
docentes, principalmente pelo fato de muitas delas argumentarem
que a formação inicial não lhes deu suporte teórico metodológico
para o trabalho com crianças pequenas. O que remete uma reflexão
sobre os projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia que são
responsáveis pela formação dessas profissionais.
Ao mesmo tempo que, no processo educacional, ao tomar
como referência o pressuposto de que a prática pedagógica das
professoras pode ser exercitada em grande medida tendo como
base suas experiências enquanto alunas, podemos considerar que a
prática docente de professoras30 que trabalham na Educação
Infantil está diretamente relacionada com a concepção de criança e

30
Considerando que na Educação Infantil predomina a presença de mulheres,
neste trabalho sempre que tratar desse segmento usarei a palavra professoras.

- 226 -
infância que as mesmas elaboraram ao longo de sua caminhada
pessoal e profissional.
Por conseguinte, quando essas professoras são colocadas
diante de situações que lhes possibilitem recordar fatos vivenciados
durante seu processo inicial de escolarização, existe uma
possibilidade de as mesmas analisarem situações e posturas de suas
ex-professoras que apontem as concepções que as mesmas tinham
sobre criança, infância e, consequentemente, sobre o brincar e que
também estão presentes em suas práticas atuais.
Considerando que quando somos colocados diante de
situações que parecem inusitadas na rotina de uma sala junto a um
grupo de alunos e não conseguimos utilizar nenhuma estratégia
apresentada nos cursos de formação inicial e continuada que nos
possibilite estabelecer relação entre a teoria e a prática, existe uma
possibilidade de assumirmos algumas posturas que nossas(os)
professoras(es) utilizavam quando éramos estudantes. Pois, de
acordo com Oliveira, Ferreira e Barros (2011, p. 24), “todo professor
tem algum tipo de discurso sobre sua prática pedagógica, elaborado
a partir da apropriação de uma sabedoria relacionada a experiências
concretas que lhe dão pistas orientadoras para sua ação”.
Cerisara (2002), em um estudo realizado sobre a brincadeira
infantil, relatou a reação de “estranhamento” das professoras de
uma creche ao serem convidadas para participar de algumas
brincadeiras de faz de conta junto com as crianças. Após escutar a

- 227 -
resposta de uma professora, que argumentou que não sabia brincar
de faz de conta porque não tinha vivenciado aquela experiência em
sua infância, a autora refletiu que aquela professora só poderia
participar daquela atividade de forma prazerosa quando
descobrisse o prazer do brincar para ela mesma.
Andrade (1996, p. 97, 98) também ressalta que “é na
recuperação da sua própria infância (mesmo que aprimorada pelo
tempo, pela memória, mesmo que saudosista) que encontramos um
elemento muito forte na formação de educadores”. Para a autora, a
rememoração das experiências de brincadeiras das professoras
pode possibilitar que as mesmas desenvolvam outro olhar sobre o
brincar que pode fornecer pistas para compreender a sua atuação
em relação às brincadeiras.

Considerações
A análise das entrevistas que resultou na produção desse
texto, aliada com a minha experiência de formadora de professoras
de Educação Infantil, bem como a minha inserção no cotidiano de
uma instituição de Educação Infantil durante o período da coleta de
dados me possibilitou inferir que existe uma relação entre as
histórias de vida e a construção das identidades daquelas
professoras que foram sendo reveladas por elas enquanto narravam
suas histórias de vida e formação.
De acordo com Sarmento:

- 228 -
A identidade profissional corresponde a uma
construção inter e intrapessoal, não sendo, por
isso, um processo solitário: desenvolve-se em
contextos, em interações, com trocas,
aprendizagens e relações diversas da pessoa
com e nos seus vários espaços de vida
profissional, comunitário e familiar.
(SARMENTO, 1999, P.48).

A autora também nos chama a atenção de que não podemos


falar em identidade profissional docente, mas sim em identidades,
na medida que, mesmo tendo um núcleo comum (ter cursado o
Magistério, Pedagogia, ter iniciado a docência na rede pública de
ensino, e etc), por si só não asseguram que as professoras
estabeleçam a mesma relação com a sua profissão ou encarem a sua
prática docente e seus alunos da mesma forma.
Vale ressaltar que, tratando-se de profissionais formados
para esta etapa da educação, torna-se relevante o estabelecimento
da relação entre a teoria e a prática como um aspecto fundamental
para romper com hábitos consolidados que se mantêm a despeito
dos estudos que vêm sendo desenvolvidos no campo da Educação
Infantil.
Considerando-se que, em qualquer espaço profissional,
precisamos recorrer aos conhecimentos produzidos pelos estudos
para rever nossas práticas e promover as mudanças necessárias
para a melhoria das nossas ações e tratando-se da educação de
crianças pequenas, a prática pedagógica das (os) professoras (es)
precisa ser atualizada para acompanhar e entender a concepção de

- 229 -
infância e de criança, tal como tem sido revista pela Sociologia,
Psicologia, Pedagogia, Antropologia e História.
Estas reflexões ficaram mais evidentes a partir da
diversidade de significados e sentidos identificados nas respostas
das professoras. Foi possível constatar que existe uma relação entre
as histórias de vida e a construção das identidades daquelas
professoras que foi sendo revelada por elas, enquanto narravam
suas histórias de vida e formação. Contudo, sem citar referências,
acrescentaram também algumas relações entre o brincar e o
desenvolvimento das crianças.
Nesta perspectiva, no processo de formação inicial e
continuada de professores (as) devem ser considerados as histórias
de vida das professoras, bem como os aspectos constitutivos de
cada indivíduo, que vão sendo ressignificados e incorporados a sua
ação docente.

- 230 -
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- 232 -
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002

- 233 -
Capítulo 9 – Educação Infantil e inclusão escolar da pessoa
com deficiência

Francisco Arrais Nascimento31


Francisco Francinete Leite Junior32
Luciana Soares dos Santos33

Introdução
A instituição escolar apresenta-se enquanto espaço
fundamental no processo de formação do aluno, a possibilidade de
interação e a qualidade no ensino tem em si a tutela para o processo
de inclusão do sujeito. A legislação brasileira assegura por meio de
decretos e leis o acesso à educação regular sem distinção de
qualquer natureza por parte das instituições de ensino com relação
ao sujeito com deficiência. A exemplo se pode vislumbrar o texto da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) inscrita sob o nº
9.394/96 em seu Capitulo V, artigo 58, que assegura não apenas o

31
Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE. E-mail: francisco.arrais.nascimento@gmail.com
32
Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza,UNIFOR.E-mail:
freud.g@bol.com.br
33
E-mail: lucianasantossoares2010@hotmail.com

- 234 -
acesso a instituição escolar, mas resguarda sob a forma de aparato
legislativo o direito a Educação em sua forma mais ampla.
Para uma melhor compreensão do ponto de vista
apresentado neste estudo se faz necessário vislumbrar a
emergência da temática da Educação Inclusiva que insurge no
contexto global sobretudo a partir da segunda metade do século XX,
com a difusão da Declaração de Salamanca, oriunda da “Conferência
Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Acessibilidade”. Tal declaração estabelece entre outros
pressupostos que:

As crianças e jovens com necessidades


educacionais especiais devem ter acesso às
escolas regulares, que a elas devem se adequar,
já que tais escolas constituem os meios mais
capazes para combater as atitudes
discriminatórias [...], construindo uma sociedade
inclusiva e atingindo a Educação para todos
(UNESCO, 1994, p. 8-9).
A temática que insurge no final de década de 1990, começou
a ser debatida e consequentemente institucionalizada a partir das
demandas sociais que ecoavam nos movimentos em prol dos
direitos das minorias sociais, que despontaram no final das décadas
de 1960 e 1970, pessoas com deficiências, assim como outros
grupos que ocupam a zona de abjeção, passam a ter uma maior
visibilidade no âmbito social. Consequentemente, a instituição
escolar começa a se voltar ao atendimento de demandas
anteriormente ignoradas, a saber sujeitos com deficiência entre

- 235 -
outros que deixam a margem em direção ao centro das discussões
acerca da Educação no âmbito nacional, adentrando novos espaços
e galgando o espaço cerceado na construção histórica da educação.
Aspectos Metodológicos
O estudo terá como base uma pesquisa de natureza do tipo
qualitativa, que segundo Strauss e Corbin (2008) afirma que a
análise qualitativa pode se referir há diversos aspectos, como a vida
das pessoas ou experiência vividas, comportamentos, emoções,
entre outros. Esse tipo de pesquisa tem como objetivo analisar
conceitos e relações de dados colhidos pelos os pesquisadores, com
propósito de montar um esquema exploratório teórico.
Dessa forma, para melhor compreensão, foi escolhido o estudo de
caso como método de pesquisa. Segundo Yin (2015) o estudo de
caso tem diversas formas de utilidade, pois pode contribuir em
diferentes áreas como na psicologia, administração, ciência política,
educação entre outras. Este método permite que o pesquisador
foque em um “caso” e compreenda suas características em sua
totalidade, como também nos aspectos significativos da vida real,
tais como: ciclos individuais da vida, comportamentos de pequenos
grupos, processos organizacionais e administrativos.
A natureza dessa pesquisa será de campo para obter uma melhor
compreensão do objeto de estudo. A mesma se dá a partir de uma
coleta de dados diretamente ligada ao objeto de estudo, no seu
ambiente próprio, em “campo”. O pesquisador trabalhará com a

- 236 -
forma de observação, sem intervenção, pois os dados devem ser
descritos da forma natural com que se apresentam. (SEVERINO,
2007)
Inicialmente foi realizada uma busca por fontes bibliográficas entre
elas: livros e artigos científicos encontrados em portais eletrônicos:
Scielo (http://www.scielo.org/php/index.php) e o Google
Acadêmico (https://scholar.google.com.br/). Os descritores
utilizados para este processo foram: Inclusão; Pessoa com
Deficiência e Educação Inclusiva.
A coleta de dados será composta por a técnica de pesquisa
do estudo de caso. Pois proporcionará uma coleta de informações
da vida pessoal de um sujeito, que abrange várias formas, entre elas,
menciona-se o memorial, que através de um relato de memórias o
sujeito pode expressar sua trajetória de vida. (SEVERINO, 2007).
A análise de dados será fundamentada em uma análise de conteúdo
que se utiliza de procedimentos sistemáticos e objetivos para
descrição do conteúdo de mensagens. Essa análise tem como foco
duas etapas, a primeira é a descrição das informações coletadas e a
segunda etapa é a inferência e interpretação das informações.
(BARDIN, 1997).
Da Educação Escolar à Educação Inclusiva
A escola por muito tempo utilizou-se de uma perspectiva
homogeneizante, o que se percebe neste caso como algo
impossível, visto que somos diferentes em todos os contextos. Mas,

- 237 -
como na escola poderia ser diferente? Sabe-se que as instituições
buscam remanejar os alunos onde todos da turma estariam
supostamente no mesmo nível, com o objetivo de que houvesse
uma melhor apropriação dos conteúdos escolares (NEVES, 2005).
Neves (2005) afirma que muitos professores foram
preparados para ensinar em classes homogenias, ao se depararem
com algumas diferenças não sabem muito bem como agir, sendo
que os altos índices de reprovação e de evasão escolar mostram
uma realidade contrária ao que se espera.
Ao se falar em educação inclusiva, esta se apresenta como
um desafio para todos sendo necessário conhecer a realidade
escolar, assim como também todos os sujeitos envolvidos neste
contexto, independentemente de sua classe social, sua deficiência
ou sobre quais quer circunstâncias, sendo papel dos profissionais
defender os direitos que deste precisar, sem nenhuma
descriminação ou intolerância (GOMES; SOUZA, 2011).
Muitas vezes profissionais, como o da psicologia são
requisitados por educadores, estes não sabem o verdadeiro papel
destes profissionais dentro da instituição escolar, considerado como
alguém que pode “consertar”, solucionar os alunos “problema”.
(ANDRADA, 2005).
Por algum tempo as práticas dos profissionais da psicologia
no ambiente escolar fundamentavam-se em testes, como
instrumento de medição da aptidão dos alunos, como medida para

- 238 -
separar os alunos considerados aptos dos que não eram capazes de
aprender. Dando uma ênfase maior ao diagnóstico ou laudo,
esquecendo-se da força desse instrumento, deixando de lado os
reais motivos que levam os alunos a estarem naquela posição, ao
ver o aluno como uma peça isolada, atribui a este todo o problema,
sendo que inúmeros fatores estão envolvidos neste processo, como
a família, ou até mesmo a própria instituição (NENES, 2002).
Assim, o processo de inclusão escolar denota a todos
envolvidos neste processo, um conhecimento adequado, havendo a
necessidade de implementação das políticas, sendo este processo
possível quando se houver a consciência de uma mudança real das
atitudes e nos valores, sendo este necessário onde deve ser voltada
para dar um maior destaque a diversidade humana e as diferenças
(GOMES; SOUZA. 2011).
O papel docente
O docente, atuando como mediador no espaço escolar,
necessita de um processo de formação e informação ampla de
forma a facilitar a relação de ensino/aprendizagem estabelecido em
sala de aula. As dificuldades de aprendizagem apresentam-se
enquanto umas das variáveis mais complexas para os educadores,
pois apresentam naturezas distintas, variando de acordo com a
tipologia e o sujeito que a apresenta, onde o processo de elaboração
de estratégias com o intuito de sanar tais dificuldades de forma a
não consolidar estigmas e preconceitos, fazendo com que o discente

- 239 -
supere limitações impostos por dificuldades de aprendizagem ou
por suas condições sociais, fisiologias e psicológicas. Logo segundo
Paulon (2005, p. 21):
A formação do professor deve ser um processo
continuo, que perpassa sua prática com os
alunos, a partir do trabalho transdisciplinar com
uma equipe permanente de apoio. É
fundamental considerar e valorizar o saber de
todos os profissionais da educação no processo
de inclusão. Não se trata apenas de incluir um
aluno, mas de repensar os contornos da escola e
a que tipo de Educação estes profissionais têm
se dedicado. Trata-se de desencadear um
processo coletivo que busque compreender os
motivos pelos quais muitas crianças e
adolescentes também não conseguem
encontrar um “lugar” na escola.
Pode-se compreender que o desempenho do discente
vincula-se a atuação docente e da forma como ele transmite o
conhecimento. De fato, o processo de assimilação do conhecimento
é diferenciado de sujeito para sujeito, uma vez que cada aluno
apresenta uma necessidade especial específica, pois ela está
“intimamente relacionada à interação entre este aluno e a situação
de aprendizagem em que este se encontra” (GLAT & BLANCO, 2011),
diferentemente dos padrões esperados configurando-se enquanto
um grande desafio para os educadores. De modo geral, as crianças
- 240 -
com dificuldades de aprendizagem são descritas como menos
envolvidas com o cotidiano escolar em detrimento daqueles que
não apresenta limitações ou dificuldades diferenciadas.
Logo o papel docente de mediador e consequentemente, o
incumbe de acompanhar e avaliar o processo de aprendizagem do
aluno respeitando a necessidade de cada um seja ele deficiente
físico, intelectual ou não. As dificuldades de aprendizagem também
chamadas de necessidades especiais é um termo muito complexo
de se conceituar, pois existem várias teorias, modelos e definições
que visam esclarecer esses problemas. Segundo o documento
Marcos Político Legais da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2010, p. 21):
Consideram-se alunos com deficiência àqueles
que têm impedimentos de longo prazo, de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
que em interação com diversas barreiras podem
ter restringida sua participação plena e efetiva
na escola e na sociedade.
Os alunos com transtornos globais do
desenvolvimento são aqueles que apresentam
alterações qualitativas das interações sociais
recíprocas e na comunicação, um repertório de
interesses e atividades restrito, estereotipado e
repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com
autismo, síndromes do espectro do autismo e
psicose infantil.

- 241 -
Alunos com altas habilidades/superdotação
demonstram potencial elevado em qualquer
uma das seguintes áreas, isoladas ou
combinadas: intelectual, acadêmica, liderança,
psicomotricidade e artes. Também apresentam
elevada criatividade, grande envolvimento na
aprendizagem e realização de tarefas em áreas
de seu interesse.
Coll, Marchesi e Palacios (1994) apontam que se encontram
alunos cujas necessidades especiais se manifestam em problemas
da linguagem, em conflitos emocionais, em dificuldades na leitura,
na escrita e em atrasos na aprendizagem de diferentes matérias.
Essas dificuldades estão relacionadas a vários fatores. Ressalta-se
que, no ambiente estudado, uma vez que os professores e gestores
analisaram o comportamento dos alunos em condições
diferenciadas ou com problemas no processo de aprendizagem e
encaminharam os mesmos a uma avaliação médica, autorizados e
acompanhados pelos pais, foram confirmados os distúrbios, visto
que, a escola já havia recebido casos de alunos com o diagnóstico
confirmado, relatados pelos pais no ato das matrículas.
A Instituição de Ensino
A Escola atende o Ensino Fundamental e fora inaugurada no
ano de 1969, numa área rural. A estrutura escolar dispõe de uma
biblioteca com acervo de cerca de 500 obras destinadas ao ensino
fundamental I e 300 obras destinadas ao ensino fundamental II, com

- 242 -
espaço amplo para os alunos realizarem pesquisas de todas as
disciplinas que compõem a matriz curricular.
O estabelecimento de ensino apresenta ainda um
laboratório de informática com 05 (cinco) computadores que
deveriam estar conectados à rede mundial de computadores e
serviriam como extensão da sala de aula e na contextualização das
aulas, entretanto, o referido equipamento não está em boas
condições de uso.
O quadro de colaboradores é composto por 10 (dez)
professores distribuídos da seguinte forma segundo a formação
acadêmica: 06 pedagogos, 01 matemático, 02 magistérios, 01 letras,
01 (um) diretor, 01 (uma) coordenadora pedagógica, 01 (um)
secretário escolar, 02 (dois) agentes administrativos, 05 (cinco)
auxiliares de serviços gerais, 01 (um) vigilante e 01 (um) auxiliar de
sala.
A escola atende ao Ensino Fundamental regular do 1º ao 9º
ano, contendo as disciplinas da base nacional comum responsável
pela formação geral dos alunos. Atualmente atende 09 (nove)
turmas, do 1º ao 9º ano, que compõem um corpo discente de 243
alunos matriculados em dois turnos (manhã e tarde), sendo que
estes apresentam idade média entre 06 (seis) a 17 (dezessete) anos,
distribuídos da seguinte forma: 130 (cento e trinta) frequentes nas
séries do 1º ao 5º ano e 113 (cento e treze) nas séries de 6º ao 9º
ano.

- 243 -
Resultados e Discussões
Os professores e gestores da Escola, fizeram uma análise nas
séries iniciais cujo rendimento de alguns alunos não estava
atingindo os resultados esperados. Foram utilizadas fichas de
entrevista com questionários observatório para os pais desses
alunos e também para os mesmos a fim de descobrir a origem
desses problemas identificados pela instituição. Assim, chegaram à
conclusão de que esses alunos precisavam urgente de uma
avaliação médica. Ao ter a comprovação do diagnóstico feita por
uma equipe médica, a escola pôde elaborar estratégias e técnicas
adequadas para cada caso.
A população atendida na escola que apresentam algum tipo
de deficiência e/ou limitação segue a seguinte forma de
distribuição:
Tabela 1: Distribuição da população atendida na escola

Quantidade
Ano Condição discente Alternativas
de Alunos
Atividades diversificadas e uso de material
Prognóstico de Autismo34
2º 02 concreto
Sequela de hidrocefalia35 Ter um acompanhante auxiliar

34
Segundo a classificação do Código Internacional de Doenças - CID 10 o Autismo
Infantil é identificado pelo código F84.
35
O CID 10 classifica a malformação nas categorias Q00 – Q99, onde a Hidrocefalia
é identificada pelo código Q03.

- 244 -
Atividades de reforço com material
3º 04 Prognóstico de dislexia36
diversificado e concreto
Acompanhamento dos pais (uso de
4º 08 Prognóstico de autismo
medicamentos e médicos)
Fonte: Elaborado pelos autores, 2016.

Ao adentramos ao universo das deficiências e limitações,


tem-se por necessidade a compreensão de conceitos e patologias
que regem as condições apresentadas pelos sujeitos que podem vir
a adentrar ao espaço da instituição escolar. No caso analisado
identificou-se 14 (quatorze) sujeitos que apresentavam um
distúrbio ou condição que dificultavam o processo de aprendizado
e que necessitavam de uma alternativa eficiente de inclusão no
espaço escolar e na construção do conhecimento.
Conceitualmente o Código Internacional de Doenças (CID 10)
define o Autismo Infantil como:
Um transtorno do desenvolvimento definido
pela presença de desenvolvimento anormal
e/ou comprometido que se manifesta antes da
idade de 3 ano e pelo tipo característico de
funcionamento anormal em todas as três áreas

36
Ressalta-se que os distúrbios de aprendizagem decorrentes de transtornos
funcionais específicos, tais como: dislexia (dificuldade na leitura), discalculia
(dificuldade na matemática) disortografia e disgrafia (dificuldades na escrita)
transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH) entre outras condições, não são
considerados uma categoria a receber atendimento educacional especializado,
segundo os critérios e indicações do MEC.

- 245 -
de interação social, comunicação e
comportamento restrito e repetitivo. O
transtorno ocorre em garotos três ou quatro
vezes mais frequentemente que em meninas
Ainda segundo o CID 10 a Hidrocefalia ocorre,
[...] quando o liquido da medula não pode
circular normalmente e se acumula no cérebro.
Caso não seja controlado, pode prejudicar a
saúde do aluno. O que pode ser feito é colocação
cirúrgica de uma válvula para drenar o líquido
acumulado e envia-lo para a bexiga para ser
eliminado pele urina. A hidrocefalia não é uma
deficiência mas pode provocar o surgimento de
deficiência física, intelectual entre outras. Na
convivência escolar, é importante todos
conhecerem os cuidados que um aluno com
hidrocefalia deve ter, principalmente com
quedas e acidentes que envolvam batidas na
cabeça.
No âmbito da instituição de ensino analisada, relatos da
coordenadora pedagógica, registram situações em que crianças,
aparentemente brilhantes e muito inteligentes, têm dificuldades na
leitura e na escrita e não tem boa ortografia para a idade e
complementa afirmando que o melhor procedimento a ser adotado
para a identificação do problema é a permissão dos profissionais
qualificados para examinar a criança que apresenta ser disléxica.

- 246 -
Com isso objetiva-se compreender que devemos investigar como os
professores lidam com as dificuldades da leitura e da escrita. Sabe-
se que o processo de patologização é presente e adentra no
contexto da inclusão, o qual propõe que seja disponibilizado aos
alunos com deficiência um atendimento diferenciado, que os
possibilite uma aprendizagem significativa. Mas, para que a inclusão
seja verdadeiramente posta em prática os professores exercem um
importante papel, acolher as diferenças e singularidades de cada
aluno, entretanto essa prática embora bastante exigida continua
sendo alvo de muitas incertezas e limitações.
Em contato com os professores direcionou-se questões
básicas sobre as noções de inclusão e as principais dificuldades
encontradas em ambiente escolar. Sobre as noções de Inclusão
sabe-se que esta é vista como um direito, sendo indicado por Santos
(2013) como uma luta em prol dos direitos de uma classe que se
encontra em risco de exclusão, disponibilizando a esse grupo
oportunidades iguais, conforme as demais pessoas da sociedade, no
entanto levando em consideração as particularidades dos sujeitos.
Assim, não se trata apenas de pessoas com deficiência, embora seja
este um grupo bastante discutido dentro do processo de inclusão.
Nesse sentido embora não se utilizasse o termo inclusão, a
igualdade dos direitos no âmbito educacional vem sendo abordada
desde 1948 com a Declaração Universal dos Direitos dos Homens,

- 247 -
que no seu Art. 26 vem assegurar que todo homem tem direito a
instrução de forma gratuita (UNESCO, 1998).
Podemos assim definir de forma mais clara, a partir de
Mantoan (1997, p. 47), como sendo “o termo que se encontrou para
definir uma sociedade que considera todos os seus membros como
cidadãos legítimos. Buscando os ideais de uma Educação Inclusiva
Sassaki (1997) aponta as principais características deste processo de
inclusão que são:
1. Um senso de pertencer - Filosofia e visão de
que todas as crianças pertencem à escola e à
comunidade e de que podem aprender juntos;
2. Liderança - O diretor envolve-se ativamente
com a escola toda no provimento de estratégias;
3. Padrão de excelência - resultados
educacionais refletidos nas necessidades
individuais dos alunos;
4. Colaboração e cooperação - envolvimento de
alunos em estratégias de apoio mútuo;
5. Novos papéis das responsabilidades –
interdisciplinaridade - psicólogos, professores e
todo o pessoal da escola trabalham juntos e
fazem parte do processo de aprendizagem;
6. Parceria com os pais - essenciais na educação
de seus filhos;
7. Acessibilidade - todos os ambientes físicos da
escola são tornados acessíveis;

- 248 -
8. Ambientes flexíveis de aprendizagem –
respeito ao ritmo individual de aprendizagem,
diversidade de estilos;
9. Estratégias baseadas em pesquisas -
aprendizado cooperativo, adaptação curricular,
ensino de iguais, instrução direta, treinamento
em habilidades sociais etc.;
10. Novas formas de avaliação escolar - menos
de testes padronizados. Utilização de novas
formas de avaliar o progresso de cada aluno
rumo aos respectivos objetivos;
11. Desenvolvimento profissional continuado -
cursos de aperfeiçoamento contínuo aos
professores, visando à melhoria de seus
conhecimentos e habilidades para melhor
educar. (Sassaki,1997, p. 3).

Muitas vezes ocorre somente a associação de inclusão com


acessibilidade, ressaltando o direito ao acesso e permanecia na
instituição. Segundo sujeito de pesquisa inclusão é:

É tornar o ambiente escolar acessível para todas


as pessoas com necessidades especiais garantindo
assim os mesmos direitos para todos com
deficiência ou não respeitando o tempo e as
dificuldades de aprendizagem de cada um.

- 249 -
Essa associação leva-nos a pensar que há um consenso de que
crianças e jovens com deficiências devem ser incluídos em escolas
comuns, como a maioria das crianças. Essas recomendações
levaram ao conceito de escola inclusiva, cujo principal desafio é
desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de, com
sucesso, educar todas, inclusive as que possuem desvantagens
significativas de aprendizagens.
Verificamos assim que não é o aluno que tem que se adaptar
à escola, mas é ela que, consciente da sua função coloca-se à
disposição do aluno, tornando-se um espaço inclusivo. Entretanto,
verificamos que estamos muito distante da Educação Inclusiva como
um direito de todos, sendo facilmente comprovado no relato de um
dos sujeitos de pesquisa que afirma:
Inclusão não é apenas receber o aluno com
deficiência e sim adaptar o espaço escolar e fazer
com que o aluno interaja e desenvolva com mais
facilidade o seu aprendizado.

Assim percebe-se que a Educação Inclusiva engloba vários


fatores importantes na tentativa da melhoria do ensino, o que
requer a participação da sociedade. Uma boa escola pública é
aquela que possui um corpo de professores e diretores capacitados,
um currículo ligado ao cotidiano escolar, estruturas físicas razoáveis

- 250 -
e possibilita a vivência cultural dos estudantes e a participação da
comunidade. Outro sujeito de pesquisa complementa:
A inclusão não é simplesmente tornar o espaço
acessível e nem apenas receber o aluno com
deficiência e sim também garantir que de fato o
discente aprenda respeitando assim o seu ritmo
de aprendizagem

No entanto, percebe-se que não são concretizados


somente pela boa vontade, é preciso que os governos façam
investimentos direcionados para melhoria do ensino e a valorização
do professor, o sucesso da inclusão de pessoas com deficiências no
ensino regular, de uma sociedade inclusiva dependem, portanto da
ação conjunta de toda a sociedade. Acredita-se que quanto antes
adotar a inclusão, mais cedo se efetivará a construção de uma
sociedade mais igualitária para todos. Não deixando dúvidas de que
a escola como espaço inclusivo deve considerar como objetivo
desafiador o sucesso de todos os seus alunos, sem exceção.
Sabe-se que uma escola que trabalhe de forma inclusiva
deve propor uma educação que abranja a todos os alunos nas
classes do ensino regular, onde desenvolva um trabalho pedagógico
sem descriminação. Neste sentido, a “Educação Inclusiva é uma
atitude de aceitação das diferenças não é uma simples colocação em
sala de aula” (Sassaki, 1997, p. 122).

- 251 -
Diante disso, os sujeitos de pesquisa apresentam as
dificuldades encontradas:
A falta de profissionais qualificados para
atender ainda melhor algumas situações
mais complexas como no caso de baixa
audição e outros.

Sabe-se que a diversidade existente na comunidade escolar


deve buscar a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para
todos, bem como as perspectivas de desenvolvimento e
socialização. A escola, nesta nova realidade deverá buscar o respeito
às diferenças. Através do cumprimento da ação educativa, podendo
ser fatores de enriquecimento da comunidade, onde a participação
do professor é fundamental. Stainback e Stainback (1999) ressaltam
que:
Educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiência têm
oportunidade de prepararem-se para a vida na comunidade, os
professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade
toma a decisão consciente de funcionar de acordo com o valor social
da igualdade para todas as pessoas. (Stainback e Stainback, 1999, p.
21)
A diversidade existente na comunidade escolar deve buscar
a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, bem
como as perspectivas de desenvolvimento e socialização. A escola,
nesta nova realidade deverá buscar o respeito às diferenças. Através

- 252 -
do cumprimento da ação educativa, podendo ser fatores de
enriquecimento da comunidade. Stainback e Stainback (1999, p. 21)
ressaltam que:
Educando todos os alunos juntos,
as pessoas com deficiência têm
oportunidade de prepararem-se
para a vida na comunidade, os
professores melhoram suas
habilidades profissionais e a
sociedade toma a decisão
consciente de funcionar de
acordo com o valor social da
igualdade para todas as pessoas.

Sabe-se, no entanto, haver outros fatore, conforme relato


do sujeito de pesquisa:
Outra situação bem vista é a
questão dos pais dessas crianças
com dificuldades, pois, na maioria
dos casos eles acreditam que seus
filhos não são capazes de
aprender e acabam não os
estimulando, dificultando assim o
trabalho do docente. Nesse caso
os pais também precisam ser
assistidos e estimulados.

- 253 -
Para tanto, sabe-se que uma escola para todos requer uma
dinâmica curricular que permita ajustar a ação pedagógica às
necessidades dos alunos. Ver as necessidades especiais dos alunos
atendidas no âmbito da escola requer que os sistemas educacionais
de ensino se modifiquem, não apenas nas suas atitudes em relação
a esses alunos, mas que se organize para constituir-se em uma
escola para todos, dando conta de todas as especificidades.
Considerações Finais
Com base nessa pesquisa, objetiva-se dizer que de modo
geral, muitas vezes um aluno com dificuldades de aprendizagem não
tem bom desempenho escolar porque seus hábitos de estudo são
inadequados. É necessário que os profissionais que lidam com
alunos com essas dificuldades estejam em constante processo de
formação para atender de forma adequada esses alunos e também
seus pais. Buscar soluções conjuntas, com os demais professores e
gestores, é uma boa alternativa. Assim, a escola pode obter os
materiais necessários e cursos de formação junto à Secretaria de
Educação ou a outras entidades da área que existam na cidade.
Entende-se que a importância da escola não é apenas de transmitir
conhecimentos construídos em livros, mas também de ser um local
onde essas dificuldades podem ser identificadas e diagnosticadas
com maior facilidade e agilidade.

- 254 -
Com relação à Escola Padre Cícero, compreende-se que a
instituição tem uma boa relação professor-aluno, pois buscam
sempre estratégias de estudos mais eficientes que levam em
consideração o tempo disponível, o local de estudo e a matéria a ser
estudada. Esse trabalho é feito de forma diferente com cada tipo de
estudante, enfatizando as características pessoais do aluno, suas
necessidades imediatas e como ele se relaciona com seu ambiente
social e emocional abrindo assim espaço para a inclusão.
Referencias
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRASIL. Marcos Políticos e Legais da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva. MEC/SEESP, 2010.
COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento
psicológico e educação: Transtornos de desenvolvimento e
necessidades educativas especiais. 2. ed. Santana: Artmed, 2004.
GLAT, R.; BLANCO, L.de M. V. Educação Especial no contexto de uma
Educação Inclusiva. In: GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e
cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2 edição, p. 15-35, 2011.
MANTOAN, M. T. E. A Integração de Pessoas com Deficiência:
Contribuições para uma Reflexão sobre o Tema. São Paulo:
Memnon, Edições Científicas, 1997.
PAULON, Simone Mainieri. Documento subsidiário à política de
inclusão. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Especial, 2005.

- 255 -
SANTOS, M. P. dos. Dialogando sobre inclusão em educação:
contando casos (e descasos). 1. ed. Curitiba: CRV, 2013.
SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. Rio
de Janeiro: WVA, 1997.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico.
23. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.
STAINBACK, S; STAINBACK, W. Inclusão: Um guia para professores.
Porto Alegre, Artmed, 1999.
STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Pesquisa qualitativa: técnicas e
procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada.
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre
necessidades educativas especiais. Disponível em:
http://www.educacaoonline.pro.br, acessado em 05 de set. 2016.
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Brasília, 1998.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamentos e métodos. 5.ed.
Porto Alegre: Bookman, 2015.

- 256 -
Capítulo 10 - Tecnologias assistivas: instrumentos para a
inclusão dos deficientes visuais na educação básica

Miriam Alves de Oliveira37


Eliane Miranda Machado 38

Introdução
O assunto a ser tratado nesse trabalho vincula-se aos
instrumentos usados em prol da educação inclusiva com vistas a
efetivar o processo de inserção dos alunos com deficiências diversas
no ensino regular, aqui delimitando a inclusão dos deficientes
visuais, demonstrando as ferramentas a serem usadas no cotidiano
metodológico do professor em sala de aula com vista a garantir a
aprendizagem de cada aluno. Nesse aspecto, tais ferramentas vêm
aprimorar a qualidade do ensino e da troca de informação,
possibilitando a redução das barreiras encontradas pelos deficientes
visuais.
As políticas públicas acerca da acessibilidade e da inclusão
são temáticas bastante discutidas na contemporaneidade, uma vez
que já se trata de leis implementadas que, apesar disso ainda não

37
Especialista em Biblioteconomia, Faculdade Internacional Signorelli
38
Mestranda em Linguística e Literatura, UFT

- 257 -
tem surtido efeito na prática, considerando que não há assistência
técnica, tampouco de disponibilização de materiais para a
implementação dessa lei. Em algumas situações o que vemos são
equipamentos que apesar de instalados não funcionam e com isso a
acesso dos deficientes fica comprometido.
Além disso é possível constatar que as instituições de ensino
deveriam ser o local de redução de barreira, preconceitos e de
promoção da plena inclusão, tendo em vista que a legislação que
reza sobre isso propõe a inserção do aluno na rede regular,
obrigando assim a adequação da mesma e com ajuda do governo
por meio da disponibilização de materiais e formação continuada
para atender as diferentes necessidades. Mas é perceptível também
que ainda são poucas as literaturas adaptadas e poucos
equipamentos capazes de ajudar os cegos ou pessoas com baixa
visão a se tornarem mais independentes.
Nesta perspectiva a presente pesquisa busca analisar a
problemática relacionada a inclusão bem como fazer referência aos
instrumentos necessários a efetivação da inclusão e da
disseminação da informação para que as pessoas com deficiência
visual.
Para a realização dessa pesquisa optou-se pelo método
bibliográfico de caráter descritivo dos quais serão extraídos
dedutivamente os elementos essenciais a implementação do
trabalho, fazendo abordagem ideológicas a partir das concepções

- 258 -
dos autores selecionados para este aporte. A partir disso serão feitas
discussões sobre o deficiente visual e a educação, bem como os
meios que este pode usar para ter acesso a uma educação de
qualidade, tendo as mesmas possibilidades que uma pessoa que
enxerga, ou pelo menos reduzir e/ou amenizar as dificuldades
encontradas.

O Deficiente
Durante muito tempo os deficientes de qualquer natureza
eram tratados como inválidos tanto pela família quanto pela
sociedade. Existia a superstição que deficiente eram pessoas que
sofriam algum tipo de maldição, ou que estava possuído por algum
espírito maligno, isso na visão religiosa, o que era propagado de
maneira arrasadora, minando a sociedade de preconceitos e
reproduzindo a maldade e ignorância destinada a essas pessoas, que
não conseguiam se defender, já que a violência em sua grande
maioria começava dentro do âmbito familiar.
Essas pessoas eram abandonadas a própria sorte, tanto pelas
famílias quanto pelos governos, sociedade, não possuíam sequer o
direito à educação, ou de questionar, ou seja, eram tratadas como
“lixo” sem direito a nada, ou no máximo o direito que tinham era de
serem exploradas pelos se achavam superiores e que achavam que
estavam ajudando-os ao deixá-los fazer algo que em via de regra

- 259 -
não tinham competência e nem capacidade, ou seja, era a
exploração velada de compaixão.
Com o passar do tempo e com alguns órgãos que lutam
pelos direitos dessas pessoas, alguns conceitos começaram a ser
mudados e introduzidos na sociedade na esperança de que alguma
atitude fosse tomada por parte dos governantes. Essas lutas
surtiram efeitos, mas ainda caminham a passos lentos na aplicação
das leis para beneficiar os deficientes.
É inegável que muita coisa já melhorou, mas muita coisa
ainda tem que ser feito, em especial a conscientização da sociedade
em geral para respeitar os direitos e espaços destinados aos
deficientes, assim como reconhece-los como parte dessa mesma
sociedade, ou seja, é preciso que haja inclusão total para termos
uma sociedade mais justa com os que são diferentes. As pessoas
com deficiência precisam ser respeitadas e amadas no ambiente
familiar, para que na escola possa se exigir o mesmo respeito.

[...] A extensão dessa inclusão deve ocorrer na


escola, que precisa estar preparada para receber
este aluno. A falta de preparo para trabalhar a
diversidade dentro das escolas mostra que a
educação precisa de reforma. As instituições
trabalham e educam da mesma maneira há
décadas e é necessário buscar meios para
atender as necessidades da sociedade como um
todo. [...] Porém, a maioria dos professores não
procura adaptar o currículo como forma de
atender a diversidade. (FERREIRA, 2009).

- 260 -
O deficiente visual e a educação
A preocupação com a Educação da pessoa cega começou no
século XVIII na Europa. A primeira escola que se tem conhecimento
é o Institute Nationale des Jeunes Aveugles (Instituto Nacional dos
Jovens Cegos) que foi fundada em Paris, em 1784, por Valentin
Haüy, um homem que queria oferecer aos cegos o mesmo direito a
Educação que as pessoas que podiam enxergar.
Nos ensinamentos eram utilizadas letras em relevo como
método de leitura. Nesse aspecto, Mazzotta (2005) relata que o
sucesso de Haüy foi tão grande utilizando esse método que Luiz XVI
chamou-o à corte para que ele explicasse detalhadamente o seu
empreendimento pouco antes da revolução Francesa. Porém, logo
depois da Revolução, diversas escolas para cegos foram abertas em
Paris.
Após a abertura de novas escolas em Paris, outras escolas
para cegos foram abertas em vários países da Europa. Porém, em
1819, Charles Barbier oficial francês responsável por inventar um
método de escrita utilizado em mensagens nas batalhas, no qual
não precisava de iluminação para decodificar aas mensagens, já que
não podia atrair atenção dos inimigos.
De acordo com Mazzotta (2005, p.19) “tal processo de
escrita, codificada e expressa por pontos salientes, representava os
trinta e seis sons básicos da língua francesa”. Os professores se

- 261 -
interessaram e começaram a usar na aprendizagem dos alunos. Mas
foi somente em 1829 que um dos discípulos de Barbier, chamado
Louis Braille, um jovem que perdeu a visão aos três anos de idade,
decorrente de um acidente.
Ele fez a adaptação dos códigos, criando assim o sistema tátil
de leitura, possibilitando aos cegos o contato com o mundo da
escrita, despertando o incentivo pela leitura e o seu
desenvolvimento cultural e intelectual. A priori foi denominado de
sonografia e posteriormente chamado de braile, uma referência a
Louis Braille. O sistema braille possui 6 pontos salientes capazes de
fazer 63 combinações. É inegável a importância do Braille no
aprendizado da pessoa cega. Até hoje não foi descoberto nenhum
método melhor capaz de substituí-lo.

[...] o braille é um modelo de lógica, de


simplicidade de polivalência, que se tem
adaptado a todas as línguas e toda espécie de
grafias. Com sua invenção, Louis Braille abriu aos
cegos, de par em par, as portas da cultura,
arrancando-os à cegueira intelectual e cultural
em que vive e oferecendo-lhes horizontes novos
na ordem social, moral e espiritual. (RODRIGUES,
2007, p. 82).

No Brasil, o Braille foi introduzido em 1854, por José Álvares


de Azevedo, um rapaz cego, que estudou no Instituto Real dos
Jovens Cegos de Paris, e quando voltou trouxe na bagagem uma
enorme vontade de difundir o sistema Braille no País. Após uma

- 262 -
demonstração feita ao Imperador de como a pessoa cega podia ler,
deixando-o bastante sensibilizado, concordando assim com a ideia
de criar uma escola semelhante à de Paris, denominada de Imperial
Instituto dos meninos cegos, atualmente conhecido como Instituto
Benjamin. José Álvares não chegou a ver a inauguração do Instituto,
pois morreu seis meses antes.
Essa Instituição tem um papel de suma importância na
educação da pessoa cega. Nesse aspecto Sena (2007, p. 18) afirma
que “o instituto realizava a função de promover a socialização, a
educação e a reabilitação de pessoas cegas. Foi o primeiro passo
importantíssimo para que o nosso país prestasse mais atenção aos
seus cegos”.
É inegável que o sistema braille melhorou bastante a vida da
pessoa cega. Pois possibilitou o direito a educação, o que é
primordial para o crescimento do ser humano. Porém muitas
barreiras e preconceitos ainda precisam ser quebrados. Bem como
muito investimento para garantir dignidade à pessoa com
deficiência visual, seja ela leve ou severa.
Para isso é preciso dá condições ao deficiente visual para que
este tenha contato com o alfabeto que será mostrado a seguir, pois
esse será o primeiro passo para sair da escuridão da ignorância e
incluí-lo no mundo das possibilidades.
Fig. 1- Alfabeto em braille

- 263 -
Fonte: Google, 2016.

Equipamentos que auxiliam na educação e na inclusão


Assim como o código em Braille é de grande importância na
leitura através das mãos, existem também equipamentos que
ajudam na produção de textos, um deles é o Reglete, o método de
escrita é da direita para esquerda, isso na comum, porque já existe
a reglete positiva e a reglete de bolso, essas duas últimas produzidas
pela empresa TECE- Tecnologia e Ciência Educacional.
A Reglete e a punção são instrumentos de suma importância
para que o deficiente visual aprenda o Braille, pois, é com este
instrumento que o aluno inicia a sua alfabetização. É um
instrumento que possui um baixo custo, tornando-o assim bastante
acessível. Esse equipamento é o passo inicial para os deficientes
visuais, abrindo com isso novas possibilidades a utilizar outros
equipamentos que possam complementar o seu ensino. Esse
equipamento consiste de uma prancha, uma régua com 2 linhas, e

- 264 -
o punção (semelhante ao lápis). O papel era introduzido entre a
prancha e a régua, o que permitia à pessoa cega, pressionando o
papel com a punção, escrever os pontos em relevo. Esse método
também era usado por Louis Braille.
Já a reglete positiva escreve da direita para esquerda, ou
seja, escreve ao contrário da reglete convencional. A positiva tem a
cela braile de forma convexa, ou seja, já em alto relevo, sem a
necessidade de escrever da direita para a esquerda, o que é tido
como um entrave por ser bastante difícil, foi criada a punção
semelhante a uma caneta sem ponta e com concavidade fechada,
que ao pressionar o papel na reglete forma os pontos já em alto
relevo.

Fig. 2 Reglete comum Fig. 3 Reglete positiva

Fonte: Google Fonte: Google

Outro método usado no ensinamento de cálculos aos


deficientes visuais é o ábaco, um instrumento usado para calcular.
O Japão fez uma adaptação do ábaco chinês e o denominou de

- 265 -
soroban. Começou como um simples instrumento de soma e
subtração e servia também para registrar valores. Depois houve
uma evolução desse método sendo capaz de fazer multiplicação e
divisão completando as quatro operações matemáticas.
Hoje em dia já é possível fazer extração de raiz quadrada e
cúbica, faz operações também com números inteiros, decimais e
negativos. O soroban foi criado com o intuito de realizar operações
com o máximo de rapidez e perfeição sem perda de tempo. A
criação do ábaco não possui nenhuma relação com os deficientes. A
sua adaptação ao ensino da pessoa com deficiência visual só foi
possível porque os cálculos são feitos através do tato, além de
trabalhar com o raciocínio, a memorização, concepção e
coordenação motora.
O soroban “é um aparelho de cálculo de procedência
japonesa, adaptado para o uso de deficientes visuais. Tem aceitação
muito grande devido aos seguintes fatores: as contas são realizadas
com grande rapidez; tem baixo custo e possui grande durabilidade”.
Este aparelho é de grande incentivo para o cego entender de uma
forma criativa os cálculos matemáticos. No Japão ainda é muito
utilizado, pois os japoneses são bastantes tradicionais, mas isso não
significa que não utilizam as tecnologias inventadas com a finalidade
de fazer cálculos simples ou complexos.

- 266 -
Outro equipamento de grande importância para os cegos é a
impressora Braille, que pode ser adaptado a qualquer tipo de
computador e,

Transcodifica os caracteres convencionais ao


sistema de seis pontos do Braille. A mesma
emite um sinal sonoro diferenciado para
informar ao usuário cego se está conectada,
desconectada ou se falta papel. Modelos mais
recentes, de tamanho portátil, apresentam
sintetizador de voz, podendo ler textos
diretamente do seu computador. (HOGETOP;
SANTAROSA, 2001, p. 14).

Esse equipamento trouxe grande benefício aos seus


usuários, em especial aos dos Países de origem inglesa, no Brasil a
importação desse equipamento foi problemática, pois não tinha
quem instalasse e a empresa que vendia não se responsabilizava por
essa etapa, sem contar que a impressora braile não tem um valor
muito acessível. Porém, foi somente após a tecnologia do Dosvox,
que foi possível a criação do impressor Braivox, que é compatível
com todas as impressoras Braille

Fig. 4 – Impressora Braille

Fonte: Google

- 267 -
Mesmo após a utilização da impressora braivox, muitos
problemas eram encontrados, como pessoal especializado para a
manipulação e assistência técnica, além das pessoas que
trabalhavam na impressão ter pouco conhecimento do braile.
Devido à falta de profissional qualificado muitos equipamentos
foram adquiridos e pouco foi usado, em alguns casos nem chegaram
a ser usados. Borges; Chagas Júnior explicam que o DOSVOX foi o
grande disseminador dessa impressora
O Instituto Benjamim Constant adotou o DOSVOX, em cursos
de capacitação a partir de 1997. Borges; Chagas Júnior afirmam que
após 1997 houve um acordo entre o DOSVOX e empresas
revendedoras de impressoras no qual “estabeleceu que cada
impressora vendida levaria também uma cópia do DOSVOX
estudantil com impressor Braivox”, este fator foi determinante para
instalar o Braivox como padrão no Brasil já em 1999. A partir de
então o chamado Braille de 1º grau tornou-se a única alternativa de
impressão.
Esse passo foi muito importante para a impressão do livro
em Braille, que faz parte do projeto do livro didático do Ministério
da Educação e Cultura – MEC, e também para a criação do Braille
fácil. Este surge como uma extensão do Braivox, no qual possibilitar
editar em braile e visualizar em perfeita compatibilidade com os
textos outrora produzidos, ou seja, é similar ao tão conhecido word.

- 268 -
O sistema foi distribuído gratuitamente via internet e
substituiu o braivox nos cursos do Instituto Brasileiro de Cegos (IBC)
destinados a professores sem deficiência visual. Busca também com
o propósito de otimizar o tempo gasto com a impressão dos livros
em braile, além de auxiliar no projeto do livro didático. De acordo
com Borges; Chagas Júnior “a idéia do projeto é permitir que os
alunos deficientes visuais de primeiro grau recebam gratuitamente
uma cópia dos mesmos livros que os alunos de primeiro grau”, assim
como consta no Programa Nacional do livro Didático – PNLD, sem
haver diferença nessa distribuição, permitindo a todos direito
igualitário à educação.
A padronização desse sistema foi importante porque apesar
da dificuldade a princípio na adaptação, em pouco tempo já havia
sido absorvida pelos usuários do sistema. Esse programa é de fácil
manuseio, pelo fato de precisar apenas de conhecimento mínimo de
codificação braille. Assim é possível a impressão de textos corridos
sem maiores problemas.
Borges; Chagas Júnior constatam que a digitação pode ser
feita diretamente no braile fácil. Após a digitado o texto poderá ser
impresso em braille e/ou tinta. O programa possui nove partes que
é importante ressaltar que são:
editor de textos;
visualizador Braille;
impressor Braille;

- 269 -
simulador de teclado Braille;
desenhador Braille com mouse;
configuradores;
utilitários de embelezamento e reformatação;
pré-processador matemático;
sistema de ajuda online.
O programa permite ainda que caracteres de personalização
possam ser inseridos para dar uma aparência mais bonita ao texto.

Fig. 5 – Programa Braille fácil

Fonte: Google

- 270 -
Apesar desse programa suprir as necessidades em relação
aos textos, encontrou-se um problema em relação a imagens, pois
este não é capaz de reproduzi-lo de maneira eficiente uma imagem
de forma que o cego possa entender, pois não dá pra transcrever
imagem em texto. A questão das imagens é um problema que deve
ser ensinado as crianças em casa preferencialmente e/ou nas
escolas, ou seja, é importante a formação de uma imagem mental
com a ajuda de uma pessoa que possa descrever o tipo de imagem
que será detectada com as mãos para que esta consiga distinguir
através de pontinhos qual a imagem que está sendo formada.
Os cegos leem de forma linear e não em duas dimenções, por
isso que existe a dificuldade em identificar imagens. A partir dessa
problemática foi criado o pintor braille, capaz de reproduzir desde
um simples desenho até os mais complexos como por exemplo
mapas. Borges, Chagas Júnior afirmam que “Os desenhos criados
pelo Pintor Braille podem ser jogados direto em uma impressora
Braille ou então ser adicionados ao texto processado pelo Braille
Fácil”.

Fig. 6 – Pintor braille

Fonte: Google

- 271 -
Assim como o braile fácil, o pintor braile também é
disponibilizado gratuitamente pelo Instituto Benjamim Constant,
além de oferecer treinamento para os professores de todo o País
sobre as tecnologias braile. Os programas sofrem constantes
atualizações afim de acompanhar a evolução tecnológica, bem
como oferecer melhores serviços, a partir de sugestões dos
usuários.
Outro equipamento que importante para os deficientes
visuais é a máquina de escrever, que auxilia também na
alfabetização e na escrita. A máquina contém somente 7 teclas e
pode-se ler sem a necessidade de tirar o papel da máquina, já que
na máquina o braille é da esquerda para a direita, parecido com a
escrita da reglete positiva. Esse tipo de máquina foi inventada por
Frank H. Hall, em 1892 nos Estados Unidos da América.
Fig.7 – Máquina de escrever em braille

Fonte: Google

- 272 -
As Tecnologias aproximaram os portadores de deficiência
aos ambientes digitais, propiciando novas formas de acesso à
informação através de softwares especializados, dentre eles, o jaws,
virtual vision e o Sistema Nacional Dosvox. O último evoluiu a partir
do trabalho de Marcelo Pimentel Pinheiro, estudante de informática
cego, e que desenvolveu o editor de textos do sistema.
Marcelo é programador do NCE (Núcleo de computação
eletrônica), onde trabalha sob orientação de José Antonio Borges,
responsável pela coordenação do projeto Dosvox. Com o uso dos
computadores equipado com o DOSVOX, os deficientes visuais
adquiriram um alto grau de independência tanto no estudo quanto
no trabalho.
O áudio também é um recurso muito utilizado para a
aprendizagem do deficiente visual desde as series iniciais quanto
nas Universidades. Em muitos casos recorrem as gravações de áudio
para complementar na educação, haja vista, que existe uma
carência muito grande de documentos impressos em braille.
Com a criação do Dosvox abriu-se um leque de
oportunidades para os deficientes visuais, tornando possível ler e
escrever cartas, textos, livros e jornais; assim como acesso aos
recursos de multimídia, disquete e CD; jogos, fazer cálculos,
cheques, formulários e apresentações; além de proporcionar acesso
à Internet, envio de mensagem e bate-papo. Dessa forma é inegável

- 273 -
que as tecnologias ajudam e interferem diretamente na formação
do cidadão com deficiência.

Pensamos que tais softwares, mesmo com


algumas limitações facilitam muito o acesso dos
deficientes visuais ao computador, garantindo-
lhes um ótimo nível de independência e
autonomia, motivando-os e oportunizando sua
inclusão aos ambientes digitais no mundo da
comunidade dos cibernautas. (SONZA;
SANTAROSA, 2003).

Poder garantir aos deficientes, oportunidades de


crescimento perante a sociedade é um dever de todos. Do Estado,
através de políticas públicas que venham englobar essa parte da
população, que fica esquecida, da família respeitando e lutando
pelos direitos dessas pessoas, da Escola, oferecendo educação
especial, respeito e carinho e a comunidade em geral, respeitando
e aceitando as deficiências e limitações de cada pessoa.
Muitas pesquisas estão sendo feitas com o objetivo de
melhorar a vida dos deficientes visuais e muitos artefatos estão
sendo criados e testados, como é o caso dos óculos que “melhoram
as imagens de pessoas e objetos que estejam próximos das lentes,
o que dá ao usuário uma ideia mais clara do que o cerca” como
afirma Brimelow ( 2014).
Outro equipamento que está em estudo é o Portáctil de
propriedade do Instituto Federal do Ceará – IFCE, esse equipamento
permite que o deficiente visual leia por meio do tato qualquer obra,
- 274 -
bastando apenas captura-lo por meio de um tablete o que deseja ler
e o sistema faz a transferência para o navegador que possui três
células braille, possibilitando assim a leitura do texto.
Existe também a bengala inteligente criada na Índia, que
vibra quando identifica alguma obstrução na direção da pessoa
cega. O sensor é adaptável em qualquer bengala. A invenção tem
dado mais autonomia a deficientes visuais, e pode ser encontrado
em torno de R$ 120,00, ou seja, relativamente barato se comparado
a outros equipamentos.
Outra ferramenta utilizada para auxiliar os deficientes é o
podcast que é uma produção de áudio definida como

[...] como uma produção de áudio que difere da


rádio tradicional pela maior maleabilidade de
acesso e produção de conteúdo. É uma forma de
publicação de programas de áudio na Internet
utilizando, na maioria dos casos, o formato de
arquivos MP37, que podem ser ouvidos on-line
via streaming8 ou baixados para o computador
ou tocador de áudio digital do usuário. (FREIRE
2011, P. 196).

Acessibilidade
Quando falamos em acessibilidade, a ideia que nos vem a
mente de que é algo que possamos tocar, manusear, usar etc., ou
seja, é tudo aquilo que temos acesso fácil. Ferreira (1999, p. 30)
define como “qualidade de acessível, facilidade na aproximação, no
trato ou na obtenção. Condição de acesso aos serviços de

- 275 -
informação, documentação e comunicação[...]”. Atualmente o
termo acessibilidade está sendo amplamente divulgado, porém o
que pode-se perceber na prática é que muita coisa fica somente no
papel. D’Amaral (2014) afirma que “garantir acessibilidade é tornar
possível o exercício do direito à igualdade”.
Não adianta criar tantas leis se estas não forem colocadas
em práticas. Os deficientes não poderão usar se não saírem do
papel, o que beneficia essas pessoas é o resultado proveniente
dessas leis, isso sim é interessante para a construção de uma
sociedade mais igualitária. Permitir que a pessoa deficiente tenha
acesso aos locais e as informações deve ser primordial para o
crescimento humano e intelectual do indivíduo.

A acessibilidade é um processo ativo associado


não só as áreas do conhecimento tecnológico,
mas principalmente ao desenvolvimento social.
Se houver preocupação em garantir às pessoas
com deficiência o direito de participar da
elaboração e difusão do conhecimento,
certamente poderemos contar com a
participação dessas pessoas, de forma dinâmica,
em todos as divisões da sociedade. (FERREIRA,
2008, p. 288).

A acessibilidade aos deficientes tem sido uma luta constante


das comunidades que defendem os direitos dos mesmos, pois é
preciso permitir o livre acesso a essas pessoas, aos prédios, ruas,
educação, informação etc. Tratar dos deficientes como coitado não

- 276 -
resolve o problema, é necessário garantir o direito de escolha,
oferecendo-lhes novas possibilidades. E isso só será feito quando
estes forem tratados com respeito e direitos que tem todo cidadão,
independentemente de raça, sexo, limitações físicas e/ou mentais.
A acessibilidade é, portanto, a

possibilidade e condição de alcance para


utilização, com segurança e autonomia, de
espaços, mobiliários, equipamentos urbanos,
edificações, transportes, informação e
comunicação, inclusive seus sistemas e
tecnologias, bem como de outros serviços e
instalações abertos ao público, de uso público ou
privados de uso coletivo, tanto na zona urbana
como na rural, por pessoa com deficiência ou
com mobilidade reduzida (BRASIL, 2000).

Ao dar condições de acesso aos deficientes,


consequentemente possibilita-os a novos conhecimentos e novas
descobertas de mundo, pois permite-se ter autonomia, ou seja,
permite ter controle sobre sua vida tornando-os independentes. Os
deficientes visuais possuem suas habilidades desenvolvidas e as
utilizam de acordo com suas necessidades. Uma pessoa com
problemas visuais não é incapaz mentalmente, possui limitações
apenas, mas se for dado condições necessárias essa deficiência
torna-se apenas uma deficiência e não um impedimento para
construir seu futuro. É importante ressaltar uma pessoa com
deficiência pode ser capaz de prover seu próprio sustento basta ter

- 277 -
acesso aos meios que os preparem para tais atividades, como é o
caso da educação inclusiva.
Na educação é importante a atenção para que os
equipamentos supram as necessidades dos deficientes, começando
desde as séries iniciais até as Universidades, para isso é importante
investir na qualificação dos professores para aprenderem a lidar
com as pessoas que são diferentes e que precisam de um certo grau
de atenção. As bibliotecas devem oferecer livros especiais para
esses alunos bem como um profissional Bibliotecário para auxiliar
nas pesquisas, contribuindo assim para uma educação de melhor
qualidade.
Nesse aspecto é importante que haja investimento nas
políticas públicas e sociais, para que a construção do cidadão não
seja comprometida por falta de incentivos. Vale ressaltar que as
escolas são de suma importância nessa construção de cidadania, por
isso, qualquer tipo de preconceito deve ser desencorajado pelas
pessoas que constroem o ambiente escolar. Esse espaço deve ser
agradável para todos.
A Instituição tem que priorizar as reduções e/ou até eliminar
as barreiras que existem ou que possam aparecer e que sejam
capazes de prejudicar o aprendizado, a confiança e a amabilidade
entre todos que, de alguma forma trabalham naquele local. Nesse
contexto Casarin (2014, p. 223) explica que “ a mudança de
mentalidade é muito mais lenta que a mudança de paradigmas e

- 278 -
conceitos, talvez seja essa a razão para a distância entre a teoria e a
prática”.
Por isso é importante que haja palestras de conscientização
no ambiente escolar com o objetivo de diminuir o preconceito nesse
ambiente e para que o deficiente sinta-se inserido nesse espaço e
que seu aprendizado não seja comprometido ainda mais, pois,
permitir que o deficiente tenha uma educação melhor possibilita
também vida melhor tanto sua, quanto da sua família. Um ponto
importante e que deve sempre ser lembrado é o entrosamento da
família com a escola, pois transmite confiança e esperança a esses
alunos.
É muito importante a família ter conhecimento e se
interessar pelo aprendizado de seu ente, bem como tomar
conhecimento de que não pode discriminar essas pessoas no seio
familiar e nem permitir que outras pessoas façam, ou seja, tem que
passar confiança ao deficiente desde criança, para que este não
cresça cheio de traumas e com mais dificuldade no aprendizado.
Respeito é o ponto mais importante tanto dentro das Instituições,
governos, família e sociedade. Só assim construiremos um mundo
mais justo para todos.

Conclusões
O acesso à informação é um direito que compete a todas as
pessoas, assim como a educação, que no Brasil esses direitos são

- 279 -
garantidos por lei. Entretanto ainda existe muita gente que ainda
não é contemplada ou é pouco contemplada tanto pelo acesso à
informação quanto à educação. Nesse meio podemos mencionar os
deficientes visuais, que durante muito tempo tiveram sua vida
estagnada por ficarem as margens do acesso à educação.
Atualmente muito tem sido feito para permitir o acesso dos
deficientes visuais tanto nas escolas básicas quanto nas
Universidades, as tecnologias assistivas são de suma importância
para os deficientes, em especial aos deficientes visuais, porém ainda
é preciso que haja muito investimento e incentivo, principalmente
da sociedade e das escolas básicas, que é onde começa a vida
escolar do aluno com deficiência.
Esses ambientes devem se preparar para receber os alunos
com as mais diversas deficiências. E estar preparada quer dizer,
terem os espaços físicos adaptados e o quadro funcional qualificado
para receber a pessoa com deficiência. Nesse quadro inclui-se
principalmente professores, pedagogos e Bibliotecários que devem
ser capazes de lidar de maneira respeitosa com as diversidades, para
que os alunos não se sintam excluídos de qualquer atividade
educacional. Devem possuir sensibilidade para evitar a
discriminação entre os alunos do ambiente escolar.
O aluno com deficiência visual possui apenas limitações, mas
que se for tratado de maneira adequada terá o mesmo desempenho
de um aluno vidente. Os materiais educacionais devem contemplar

- 280 -
a todos, e para isso é necessário que haja investimento em
equipamentos que possibilite ao deficiente visual e/ou com baixa
visão ter acesso à leitura e as atividades da turma e da escola em
geral. Assim todos os espaços devem estar adaptados, entre eles a
biblioteca, que é um espaço de pesquisa e aprendizado quando
utilizada de maneira correta e com um profissional Bibliotecário
para auxiliar os alunos na pesquisa e na busca pela informação.
No ambiente escolar cada profissional possui a sua
importância a fim de proporcionar uma melhor educação a todos,
no caso dos deficientes visuais, os profissionais devem executar suas
funções de forma diferenciada, pois esses alunos necessitam de
equipamentos especiais e consequentemente um apoio maior.
Permitir que esse aluno tenha acesso a todos os meios de acesso a
informação e educação é primordial para uma vida digna.
As bibliotecas devem estar adaptadas e com um
Bibliotecário permanentemente nesse espaço, pois ele é
responsável por estabelecer um elo entre a informação e o usuário,
bem como tem a função de processar a informação para que os
usuários possam ter informações precisas e com qualidade.
Nesse aspecto esse profissional é de grande importância na
Biblioteca escolar e para o deficiente visual, pois com a dificuldade
que este possui, o bibliotecário pode auxilia-lo de forma mais
precisa ao seu objetivo de estudo, contribuindo assim na formação
escolar e acadêmica de qualquer aluno, pois aliado as novas

- 281 -
tecnologias e as tecnologias assistivas, é possível tornar disponível o
maior número possível de informação com qualidade a esses
usuários.
Portanto, levando em consideração as dificuldades que os
deficientes visuais encontram em relação a locomoção e ao acesso
à educação, vale ressaltar que a acessibilidade arquitetônica é parte
importante para tornar o deficiente visual autônomo e confiante,
pois sua locomoção nos espaços necessita dessas adaptações, assim
como o respeito os deixa mais inseridos na sociedade. É necessário
que seus direitos sejam respeitados tanto pela sociedade, quanto
pelo Estado para que essas pessoas tenham uma vida com qualidade
e dignidade, pois, somente assim poderão ter uma vida mais justa e
igualitária.

- 282 -
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- 285 -
Capítulo 11 - A carne mais barata do mercado não é a carne
negra: atividades na Educação Básica pública do DF contra o
racismo

Eduardo Dias da Silva39

Introdução
Através dessa pesquisa transdisciplinar, no qual sugerimos
atividades pedagógicas práticas reorganizadas de acordo com as
deliberações de grupo de professores de Educação básica pública do
Distrito Federal, em reuniões coordenadas para debater o tema em
tela, apresentamos um proposta multifacetado sobre i) o que é
racismo?, ii) racismo no Brasil, iii) racismo na escola, iv) consciência
e identidade negras. O tema tratado nessa pesquisa é relevante
porque abre as possibilidades de se pensar o racismo no Brasil e nas
escolas públicas do Distrito Federal, a consciência e identidade
negras que são fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo
crítico e da sociedade em geral. Estando na era da informação, e
para atender essa demanda, é necessário que se trabalhem as ideias
de miscigenação, igualdades racial e de gêneros, proporcionando

39
Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Professor
de Educação Básica na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEEDF). edu_france2004@yahoo.fr

- 286 -
condições favoráveis ao desempenho intelectual e social críticos dos
professores e dos alunos.
O presente trabalho se insere na tendência transdisciplinar
que vem marcando os trabalhos em Educação e Linguística Aplicada
(Crítica), nos últimos anos. Pois “a transdisciplinaridade diz respeito
ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias
disciplinas ao mesmo tempo”, segundo Vieira (2009, p. 8). Desta
forma, o estudo do objeto sairia enriquecido pelo cruzamento entre
as diversas disciplinas e o conhecimento deste objeto em sua
própria área seria aprofundado.
Ainda sobre este tema, de acordo com Leffa (2006, p. 15), a
transdisciplinaridade, numa adaptação livre da terminologia de
Nicolescu (1999), seria “o estágio final de uma visão evolucionista
de ciência que começa com a disciplinaridade, evolui para a
multidisciplinaridade, daí para a interdisciplinaridade, e, finalmente
para a transdisciplinaridade”.
A educação escolar, de caráter obrigatório, prevista nas leis
de ensino vigentes, deve, de acordo com Lopes (2005, p. 185-186):

a) caracterizar-se como processo de


desenvolvimento do indivíduo – dinâmico, em
permanente transformação e atualização –
identificando, portanto, um modelo educacional
não fechado, receptivo às mudanças que
ocorrem na sociedade e que,
consequentemente, se refletem na escola
(microssistema) e nela interferem; b) propor o
conhecimento como processo de aproximações

- 287 -
e produto de construções sucessivas, a partir da
realidade, como resultado do diálogo
permanente estabelecido entre os sujeitos, em
razão do objeto de aprendizagem, numa ação
contínua de troca e ampliação dos saberes. Isto
significa que não há conhecimento acabado,
pronto e que sempre, ao longo da vida, da qual
o tempo escolar é apenas um dos segmentos, o
homem tem oportunidades variadas de realizar
aprendizagens que se expandem e que se
completam, tendo o real como base a partir do
qual as aprendizagens acontecem e o diálogo
como estratégia principal de sustentação dessas
aprendizagens; c) preocupar-se em colocar o
professor na obrigação de romper com o papel
que, tradicionalmente, tem assumido – de
reprodutor de conhecimento – levando-o a uma
nova postura de agilizador da produção de
conhecimento em parceria com seus alunos e a
comunidade, na construção coletiva do saber, o
que se traduz pelo processo de ajuda mútua que
deve estabelecer-se entre professor e aluno; d)
entender e colocar o aluno como centro do
processo educativo, transformando-o,
efetivamente, em sujeito do conhecimento
construído/ produzido, sendo aquele que, com o
apoio do professor, aporta novos saberes aos
que já detém, invalidando a ideia de que o aluno
aprende porque o professor ensina.

Considerando o modelo de educação que ora é proposto em


âmbito nacional, essa nova ordem pedagógica coloca a
problematização como a forma adequada de abordagem
indispensável para que se construam efetivos conhecimentos
escolares, a partir do estabelecimento de relação crítica entre as
realidades – presente/presente, presente/passado – e expectativas

- 288 -
de futuro, com a possibilidade de, usando a criatividade, antever
alternativas de soluções para problemas existentes, como por
exemplo, os de racismo, preconceito e discriminação racial,
realidades em nosso meio.
Para tanto, deve-se garantir que os fatos que demonstram
que negros e indígenas não foram passivos, mas partícipes,
lutadores e, em diferentes situações, heróis, sejam incorporados à
nossa história. Os conteúdos propostos pelos documentos legais
devem, então, considerar estratégias de lutas e sobrevivência
trabalhadas de modo contextualizado, não permitindo a
manutenção dos sentidos folclorizados, estereotipados, exótico e
extravagante, que fazem parte do imaginário social.
O ambiente escolar público do Distrito Federal necessita
cumprir esse ideal de igualdade étnico-racial que tanto deixa a
desejar. Portanto, como os professores de Educação Básica estão
sempre em formação, é necessário que estes reflitam sobre como
vem sendo trabalhado o ensino da história e da cultura afro-
brasileira, africana e indígena em sala de aula. Com certeza, essa
reflexão irá contribuir para abrir caminho à conscientização do
objetivo maior que se compreende nessa pesquisa que é o de
formar cidadãos autônomos, críticos da sua realidade, nunca
menosprezando seu passado, e com perspectiva de mudanças para
o futuro.

- 289 -
Letramento(s)
Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever
dentro de um contexto no qual a escrita e a leitura tenham sentido
e façam parte da vida dos alunos dentro e fora do ambiente escolar,
de acordo com Rojo (2009).
O termo letramento pode ser considerado bastante atual no
campo da educação e da Linguística Aplicada (Crítica) brasileiras.
Conforme Soares (2009, p. 33), esse termo parece ter sido usado
pela primeira vez no país por Kato, no livro No mundo da escrita:
uma perspectiva psicolinguística (1986). Como parte de título de
livro, o termo apareceu nos livros Os significados do letramento
(1995), organizado por Kleiman e Alfabetização e Letramento
(2010), de Tfouni, autoras das quais nos utilizamos para embasar
esse trabalho.
A busca por uma definição única para o termo letramento
parece ser algo difícil, uma vez que se trata de um conceito amplo e
complexo. Conforme Soares (2009),

as dificuldades e impossibilidades devem-se ao


fato de que o letramento cobre uma vasta gama
de conhecimentos, habilidades, capacidades,
valores, usos e funções sociais; o conceito de
letramento envolve, portanto, sutilezas e
complexidades difíceis de serem contempladas
em uma única definição (p. 65).

- 290 -
Já Mortatti (2004) afirma que “até por ser uma palavra
recente, nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm
sendo atribuídos, assim como os objetivos com que é utilizada [a
palavra letramento]” (p. 11, grifo nosso). Traremos, a seguir,
definições que alguns autores utilizam para esse conceito.
Refletindo sobre os significados de letramento, Tfouni (2010)
sugere que não pode haver a redução do seu significado ao
significado de alfabetização e ao ensino formal. Para ela letramento
é um processo mais amplo que a alfabetização e que deve ser
compreendido como um processo sócio-histórico. Tfouni (2010, p.
23) relaciona, assim, letramento com o desenvolvimento das
sociedades. Nesse sentido, a autora explica que:

Em termos sociais mais amplos, o letramento é


apontado como sendo produto do
desenvolvimento do comércio, da diversificação
dos meios de produção e da complexidade
crescente da agricultura. Ao mesmo tempo,
dentro de uma visão dialética, torna-se uma
causa de transformações históricas profundas,
como o aparecimento da máquina a vapor, da
imprensa, do telescópio, e da sociedade
industrial como um todo.

Letramento seria, portanto, causa e consequência do


desenvolvimento. Assim, o significado atribuído pela autora ao
termo letramento extrapola o ambiente escolar e o processo de
alfabetização, referindo-se a processos sociais mais amplos.

- 291 -
O letramento focaliza os aspectos sócio-
históricos da aquisição da escrita. [Ele] tem por
objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, mas também quem não é
alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de
verificar o individual e centraliza-se no social
mais amplo (TFOUNI, 1988, apud MORTATTI,
2004, p. 89). (Grifos nossos).

O letramento também é compreendido como um fenômeno


mais amplo e que ultrapassa os domínios do ambiente escolar por
Kleiman (2008, p. 18). Segundo ela, “podemos definir hoje o
letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a
escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos”. O conceito da autora
enfatiza os aspectos social e utilitário do letramento.

As práticas específicas da escola, que forneciam


o parâmetro de prática social segundo a qual o
letramento era definido, e segundo a qual os
sujeitos eram classificados ao longo da
dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado,
passam a ser, em função dessa definição, apenas
um tipo de prática – de fato, dominante – que
desenvolve alguns tipos de habilidades mas não
outros, e que determina uma forma de utilizar o
conhecimento sobre a escrita (KLEIMAN, 2008,
p. 19).

No trecho supracitado, a autora se refere ao fato de que o


ambiente escolar, diante da perspectiva do letramento, enfatiza

- 292 -
apenas algumas práticas ligadas à escrita e ao uso da escrita. Assim
sendo, fora do ambiente escolar outros usos e práticas ligados à
escrita são vivenciados. Nesse sentido, Kleiman (2008, p. 20) afirma
que o “fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da
escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam
de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita”.
Desta forma, e de acordo com o que já foi exposto
anteriormente por esta autora, letramento seria um conjunto de
práticas com objetivos específicos e em contextos específicos, que
envolvem a escrita. O ambiente escolar, por sua vez, seria apenas
uma agência de letramento, dentre várias outras, e realizaria apenas
algumas práticas de letramento.
Para Mortatti (2004), o conceito de letramento se liga às
funções da língua escrita em sociedades letradas. Segundo esta
autora,

Letramento está diretamente relacionado com a


língua escrita e seu lugar, suas funções e seus
usos nas sociedades letradas, ou, mais
especificamente, grafocêntricas, isto é,
sociedades organizadas em torno de um sistema
de escrita e em que esta, sobretudo por meio do
texto escrito e impresso, assume importância
central na vida das pessoas e em suas relações
com os outros e com o mundo em que vivem (p.
98).

- 293 -
Assim, para a autora, em sociedades grafocêntricas, a escrita
possui uma importância de proporção muito grande, uma vez que
tudo se organiza em torno dela. Diante desse fato, o letramento
estaria relacionado aos usos da escrita nessa sociedade
grafocêntrica. O letramento também influenciaria a relação, não
somente dos sujeitos com a sociedade, mas também, com outros
sujeitos.
Soares (2009), mesmo apontando a dificuldade de abranger
toda a complexidade do significado de letramento em um único
conceito, também expressa uma definição para o termo. Segundo
ela, letramento pode ser definido como “Resultado da ação de
ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; O estado
ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas
sociais” (SOARES, 2009, p. 39).
Assim letramento está ligado aos usos, às práticas de leitura
e de escrita. Além disso, torna-se letrado o indivíduo ou grupo que
desenvolve as habilidades não somente de ler e de escrever, mas
sim, de utilizar leitura e escrita na sociedade, ou seja, para Soares
(2009), somente alfabetizar não garante a formação de sujeitos
letrados.
Para a promoção do letramento, é necessário que esses
sujeitos tenham oportunidades de vivenciar situações que
envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em um mundo

- 294 -
letrado. Conforme Soares (2009, p. 58), em realidades de países
como o nosso, o contato com livros, revistas e jornais não é, ainda,
algo natural e acessível, portanto, a realidade de alguns contextos
de nosso país não contribui para a formação de sujeitos letrados.

Novos caminhos pedagógicos


Almeja-se que as sugestões aqui elencadas sobre a relação
entre a formação de professores e o ensino-aprendizagem dos
alunos como mediadores na apropriação da equidade étnico-racial,
da consciência negra e das oportunidades de direitos sociopolítico-
econômicos de todos os brasileiros consigam contribuir para o
avanço sobre o conhecimento dos intervenientes desta alternativa
pedagógica.
Se a contribuição se efetivar, será possível concluir o
empenho ao longo da aplicação e a elaboração desse ensaio como
devidamente recompensado. É possível dialogar sobre alguns de
muitos aspectos que envolvem o empoderamento e o
desenvolvimento dos construtos supracitados na compreensão de
que a formação de alunos críticos não se limita às ideias de tarefas,
mas se perpetua como caminho para novas reflexões na construção
de uma sociedade na qual ninguém tenha que negar ou apagar sua
identidade étnico-racial.
A partir disso, a presença do ensino da história e da cultura
afro-brasileira, africana e indígena, desde que respeitado o caráter

- 295 -
da diversidade, pode ser apontado como excelente auxiliar do
professor sobre essa temática no ensino-aprendizagem dos alunos
e em sua formação cidadã crítico-reflexiva que se quer perene. Eis
algumas ideias de como se pode trabalhar com o tema em tela em
sala de aula e fora dela também. Propõe-se uma série de sugestões
de atividade-guia para os alunos de Educação Básica.
A) Discutir com os professores as diferentes matrizes
culturais na formação da identidade do brasileiro;
B) Articular as musicalidades africana e indígena, no
ensino das línguas vernácula e estrangeiras;
C) Explorar a oralidade como ferramenta de construção
da linguagem escrita dos contos e lendas de matrizes
africana e indígena;
D) Trabalhar na perspectiva das musicalidades africana
e indígena permitindo o acesso transdisciplinar à
geografia e à história das diferentes etnias desses povos.
No ensino de História pode-se explorar ainda a
vinculação entre a história da África e seus costumes e a
construção da sociedade brasileira
Por fim, chegamos à conclusão que este ensaio deve ser lido,
entendido e executado como um conjunto de pistas para ajudar o
professor na árdua tarefa de trabalhar com seus alunos questões de
racismo, preconceito e discriminação. Não pretendemos colocar o
professor em uma camisa-de-força, apenas ajudá-lo a encontrar

- 296 -
seus próprios caminhos, em que terá como parceiros seus alunos,
pois, segundo Silva,

no âmbito da possibilidade de reflexão sobre o


ensino-aprendizagem, faz-se necessário permitir
que o impulso, a intuição e a rotina se
transformem em ações orientadas pelo
pensamento crítico e, com isso, o entendimento
mais aprofundado da relação entre os próprios
comportamentos de ensino-aprendizagem e
seus respectivos impactos sobre os aprendentes
(2014, p. 13).

Como se pôde perceber, todas as atividades indicadas aos


alunos tendo em vista a miscigenação, a igualdades racial e de
gêneros são para seduzi-los e não para afastá-los da temática ora
em questão. Esse é o primeiro passo para a formação crítico-
reflexiva de professores e alunos que se almejam para a rede pública
de ensino da Educação Básica do Distrito Federal.

Considerações finais
Claro que não é só no ambiente escolar público de educação
básica que constrói e consolida valores. Há ainda a família, os meios
de comunicação, as igrejas, a comunidade e outros espaços de
convivência social. Mas não há como negar a importância do
ambiente escolar na formação dos alunos como cidadãos críticos:
na medida em que a aquisição de conhecimento contribui para as
pessoas ampliarem sua visão de mundo e entenderem os

- 297 -
mecanismos de funcionamento da nossa sociedade, elas se tornam
mais aptas a construir com autonomia sua própria vida e interferir
na realidade que as cerca.
Parafraseando Rubens Alves, conhecimento que não decifra
a vida e não ilumina o mundo não é conhecimento. É enganação.
Assim sendo, conhecer as histórias e a culturas africana, afro-
brasileira e indígena não é apenas uma obrigação imposta por força
de lei. É importante para combater a desigualdade, a discriminação
e para compreender verdadeiramente a história e a cultura
brasileiras.
Pretendemos, assim, acumular forças para a formação de
uma sociedade justa, igualitária e fraterna, livre de toda forma de
preconceito, discriminação e opressão, independentemente da
cultura, religião, raça e etnia, gênero e orientação sexual. Essas
temáticas devem estar presentes de forma transversal em todos os
níveis da educação básica pública. O objetivo desse artigo foi propor
alguns sugestões para contribuir para uma (re)leitura da prática
pedagógica, para que essas leis sejam aplicadas e façam sentido no
nosso dia a dia, para que a Educação básica pública do Distrito
Federal abra novos caminhos para a construção de uma verdadeira
cidadania, garantindo o cumprimento da legislação brasileira, que
assegura que todos devem ser iguais perante a lei. A ideia foi
superar os estereótipos e abordar as temáticas indígena e negra

- 298 -
mediadas pelos professores de Educação básica pública do Distrito
Federal em sua riqueza e diversidade.

- 299 -
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- 302 -
Capítulo 12 - O ensino de Língua Portuguesa na atualidade: O
que nos dizem os livros didáticos sobre a oralidade?40

Ailma do Nascimento Silva41


Francisco Romário Paz Carvalho42

“O homem pode ser definido como o ser que fala


e não como o ser que escreve” (MARCUSCHI,
2001, p. 17)

Reflexões Iniciais
No que tange ao processo de ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa, as escolas, no geral, detêm-se na “exploração da
gramática normativa, em sua perspectiva prescritiva” (BEZERRA,
2007, p. 39). Muito embora a língua oral seja anterior à escrita, esta
última acaba por constituir-se como o centro do estudo da língua,
visto que se acredita ainda que a escola é o lugar, apenas, do
aprendizado da escrita. O advento dos estudos linguísticos e a
consolidação da concepção de língua como interação foram

40
Este estudo é resultado de reflexões desenvolvidas no Projeto: O papel da
Oralidade nos Manuais didáticos de Língua Portuguesa executado sob a
orientação da Professora Dra. Ailma do Nascimento Silva.
41
Doutora em Linguística pela PUC/RS. Atua na graduação e no Mestrado
Profissional em Letras_ PROFLETRAS, da Universidade Estadual do Piauí. E-mail:
ailmanascimento@yahoo.com.br
42
Pós-Graduando em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e em Docência
para o Ensino Superior. E-mail: f.mariocarvalho@gmail.com

- 303 -
responsáveis por inserir diversas modificações no ensino tradicional
de língua materna.
Por esse ângulo, destacam-se as preocupações com a
Oralidade, sua relevância para o ensino de língua e para o cotidiano
dos alunos afim de que sejam desenvolvidas neles as habilidades
adequadas para o uso satisfatório desta modalidade e o
desenvolvimento mais efetivo da competência discursiva. Dessa
forma, reconhecida a sua importância, propõe-se com tal estudo
visualizar como está inserida a temática da Oralidade na
constituição dos Livros Didáticos, recurso que de forma mais
recorrente, se não único, é utilizado pelas escolas públicas na
condução do processo de ensino-aprendizagem de língua
portuguesa, visando investigar como se dá a elaboração das
atividades de oralidade nos livros.
O estudo em pauta envolveu a análise de uma coleção de
livros didáticos de Língua Portuguesa, destinadas a crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental (volumes 1 a 4), aprovadas no
Plano Nacional do Livro Didático - PNLD (2013). Para a análise, levar-
se-á em consideração os Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa (1998) e ainda estudos realizados por Fávero (1998);
Cavalcante & Melo (2006); Marcuschi (2001), entre outros que
apresentam estudos aprofundados sobre a temática.
Para iniciar esta discussão, opta-se por refletir,
primeiramente, sobre a natureza deste eixo: a linguagem oral,

- 304 -
identificando as diferentes dimensões do ensino da oralidade. Em
seguida, reflete-se sobre o que preconizam os PCN, no que diz
respeito à oralidade. Posteriormente, põem-se em pauta a análise
da coleção de livros didáticos e o tratamento da oralidade. Por fim,
faz-se as considerações finais.

A linguagem oral e sua relação com o ensino


A oralidade não tem ganhado espaço nas esferas
educacionais no mundo contemporâneo. Tal constatação se
confirma pelo privilégio concedido à linguagem escrita em sala de
aula. Os livros didáticos, por sua vez, pouquíssimas vezes instigam o
professor a trabalhar a modalidade oral e, quando o fazem, a
atenção volta-se única e exclusivamente à questões atreladas à
interpretação textual.
Em outros termos, o que se almeja afirmar é que não se
discute sobre a real importância do tratamento da oralidade em sala
de aula. Diferentes autores veem argumentando sobre a relevância
do desenvolvimento das competências orais na escola. Marcuschi
(2001, p. 22), por exemplo, afirma que: “[...] na sociedade atual,
tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se,
pois, de não confundir seus papeis e seus contextos de uso e, de não
discriminar seus usuários”.
Embora o referido autor fale em “contexto de uso” e em
“não discriminação dos usuários”, não é bem essa a realidade que

- 305 -
se presencia nas instituições educacionais de todo o país. Para
Antunes (2003), no que tange às atividades em torno da oralidade,
ainda se pode constatar:

[...] uma quase omissão da fala como objeto de


exploração no trabalho escolar; essa omissão
pode ter como explicação a crença ingênua de
que os usos orais da língua estão tão ligados à
vida de todos nós que nem precisam ser matéria
de sala de aula [...].
[...] uma equivocada visão da fala, como o lugar
privilegiado para a violação das regras da
gramática. De acordo com essa visão, tudo o que
é erro na língua acontece na fala e tudo é
permitido, pois ele está acima das prescrições
gramaticais; não se distingue, portanto, as
situações sociais mais formais de interação que
vão, inevitavelmente, condicionar outros
padrões de oralidade que não o coloquial [...].”
(ANTUNES, 2003, p. 24- 25, grifos nossos)

Por meio das posições assumidas por Antunes (2003), é


possível afirmar que em sala de aula, a oralidade está sempre
atrelada como o lugar do “caos”, é vista em relação à linguagem
escrita, como subalterna a esta. Contrária à essa posição de
submissão, Corrêa (2001, p. 27) nos diz que “a fala (oralidade) está
presente em diferentes esferas sociais e assume, nessas esferas,
papel crucial nas interações humanas, com maior frequência,
inclusive que a escrita”.
No geral, a posição assumida pelos professores é a de o que
é preciso ensinar nas escolas é a modalidade escrita da língua

- 306 -
porque, segundo eles, a fala sai naturalmente é espontânea flui
naturalmente, enquanto que a escrita é formal e necessita de todo
um cuidado com regras gramaticais e com a sua estrutura. É
importante salientar que, não estamos aqui desmerecendo a
linguagem escrita em relação à linguagem oral, muito pelo
contrário, estamos pontuando que o que nos chama atenção nas
escolas é a supremacia da escrita em relação à fala. Em outras
palavras, a oralidade assim como a escrita possui papel primordial
no ensino e como forma de linguagem que é merece, sim, destaque.
O professor de língua deve, acima de qualquer coisa, se
desprender do preconceito tão arraigado em sua mente de que sua
atuação docente deve centrar-se na modalidade escrita,
desprezando a modalidade oral. É preciso que o ensino da oralidade
tenha espaço em sala de aula, permitindo ao aluno um espaço de
contato também com a língua padrão. Sobre essa afirmação, Ramos
(1997) nos diz que o trabalho com a oralidade é colocar o texto
falado como um caminho para se chegar ao texto escrito, ou seja,
uma modalidade pode dialogar com a outra, o que não se pode fazer
é cortar caminhos.
Na mesma linha de raciocínio de Ramos (1997); Fávero
(1998, p. 83) adverte que “[...] a aplicação de atividades de
observação que envolve a organização de textos falados e escritos
permite que os alunos cheguem à percepção de como efetivamente
se realizam, se constroem e se formulam esses textos[...]”. É por

- 307 -
meio dessas atividades que o professor poderá diagnosticar se os
alunos apresentam dificuldades quanto à organização do texto, em
seguida, o professor poderá auxiliar seus alunos quanto à
construção de um texto adequado.
Cabe ao professor mostrar aos alunos a grandiosidade do
processo que envolve os usos efetivos da língua, ou seja, é missão
do professor de português ensinar seus alunos à adequar-se as mais
diversas situações sociocomunicativas que lhes são impostas e
mostrar acima de qualquer coisa que não há uma distinção entre
oralidade e escrita, não há uma supremacia entre ambas, mas sim
uma pode auxiliar a outra.

Estudos sobre a fala e a escrita


No século XX, diversos pesquisadores retomaram discussões
sobre a língua falada, enfocando na grande maioria das vezes as
características peculiares a essa modalidade afim de diferenciá-la da
modalidade escrita. Esses estudos se detinham na análise apenas do
código e apresentavam fala e escrita como atividades
completamente opostas, numa visão bem dicotômica mesmo. Por
essa linha de raciocínio, os estudos se depreendiam em apresentar
gráficos e tabelas que mostravam a oposição entre fala e escrita. À
guisa de ilustração vejamos o quadro a seguir:

- 308 -
Quadro 1: Características da fala e da escrita segundo os primeiros estudos
FALA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Não planejada Planejada
Informal Formal
Não possui regras Possui regras
Fragmentada Não fragmentada
Interlocutor presente Interlocutor ausente

Com o desenrolar dos estudos linguísticos, os pesquisadores


chegaram a conclusão de que a visão descrita no Quadro 1 era, na
verdade, um verdadeiro equívoco. Em trabalhos mais aprofundados
os estudiosos aboliram a visão dicotômica e passaram a defender a
ideia de que investigar fala e escrita pondo em cheque as diferenças
de ambas em nada contribui para a compreensão e percepção das
modalidades. A esse respeito, Neves (2010, p. 156) assim se coloca:

[...] esse estranhamento entre as duas


modalidades, colocadas em polos opostos, como
se não se implicassem mutualmente, como se o
funcionamento de uma não tivesse relação com
o funcionamento da outra, desrespeita a
essência da linguagem, com o desconhecimento
de que ambas as modalidades de desempenho
constituem, para o homem, interfaces do
exercício da faculdade da linguagem.

- 309 -
Estudos ainda mais recentes concluíram que a visão adotada
no Quadro 1, não podem, por sua vez, serem atribuídas as
modalidades da língua. Podemos citar como exemplificação, a
oposição “contextualizada X não contextualizada”. Hoje, acredita-se
que todo e qualquer tipo de texto, seja da modalidade oral seja da
escrita, está sempre ancorado dentro de um contexto.
Reflexões desenvolvidas por Ochs (1979), por exemplo, nos
mostram que tanto a fala quanto a escrita são atividades com alto
grau de planejamento. A diferença é mais acentuada na fala
informal, já que segundo o autor, o planejamento é on-line. Na visão
do autor, é que na escrita apagamos as marcas de planejamento, de
modo que, quando vemos um texto escrito pronto, não enxergamos
nele as inúmeras vezes em que o autor precisou apagar (deletar,
reformular) informações.
Um outro ponto adotado pelos pesquisadores era a tentativa
de investigar se a fala era menos complexa do que a escrita. As
primeiras conclusões afirmavam que a escrita era bem mais
complexa do que a fala. Por outro lado, estudos mais aprofundados
revelaram que a fala, se não é mais complexa do que a escrita, é pelo
menos, tão complexa quanto esta.
Em linhas mais concretas, podemos sintetizar as conclusões
dos estudos mais recentes por meio das seguintes constatações: A
fala e a escrita são compreendidas como;1) atividades interativas e
complementares, que sempre ocorrem no contexto das nossas

- 310 -
práticas sociais e culturais; e 2) atividades complexas, altamente
relevantes, cada uma com suas características e finalidades
próprias, sendo, ambas, modalidades diversas de um mesmo
sistema linguístico (MARCUSCHI, 2001, p. 21).
Frente ao que foi exposto sobre a fala e a escrita, passemos
agora para o que preceituam os documentos oficiais a respeito da
oralidade. Centraremos nossa atenção no que preconizam os PCN.

O ensino da oralidade: o que dizem as orientações curriculares


nacionais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua
Portuguesa para o 3º e 4º ciclos (5ª a 8ª série, atualmente 6º ao 9º
ano), floresceram com o objetivo de promover uma reflexão sobre
as implicações teóricas na prática pedagógica dos professores de
língua.
Após a criação dos PCN (precisamente em 1998), têm-se
notado um progressivo aumento nas discussões sobre a oralidade.
Nessa perspectiva, se faz necessário apresentar a concepção de
linguagem presentes no referido documento, no que diz respeito à
linguagem oral,

Ensinar língua oral deve significar para a escola


possibilitar acesso a usos da linguagem mais
formalizados e convencionais, que exijam
controle mais consciente e voluntário da
enunciação, tendo em vista a importância que o

- 311 -
domínio da palavra pública tem no exercício da
cidadania. Ensinar língua oral não significa
trabalhar a capacidade de falar em geral.
Significa desenvolver o domínio dos gêneros que
apoiam a aprendizagem escolar de Língua
Portuguesa e de outras áreas e, também, os
gêneros da vida pública no sentido mais amplo
do termo (BRASIL, 1998, p. 67- 68).

Ensinar a linguagem oral não significa afirmar que o


professor deverá ensinar seus alunos a falarem, nem muito menos
ensinar seus alunos a como se expressar em público. Trabalhar com
a oralidade no campo educacional significa dizer que deve haver
uma aproximação com os gêneros que fazem parte do cotidiano dos
educandos, deste modo deve-se inserir os alunos nas mais diversas
situações comunicativas nas quais seja possível usar a língua. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) nos discorrem sobre a
necessidade de se aplicar no contexto escolar atividades que
desenvolvam os diferentes modos de falar, no qual seja adaptado o
gênero oral que melhor trabalhe a modalidade oral.
Os Parâmetros Curriculares (1998), no que diz respeito à
forma de se compreender a oralidade no processo de ensino
aprendizagem nos esclarece que,

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a


linguagem oral no planejamento e realizações de
apresentações públicas, ou seja, trata-se de
propor situações didáticas nas quais essas
atividades façam sentido de fato, pois é
descabido treinar um nível mais formal da fala,

- 312 -
tomando como mais apropriado para todas as
situações (BRASIL 1998, p. 25).

É notório, então, que no intuito de desenvolver a oralidade


do aluno, não se deve primar por elaborar apenas um nível de fala
culto e empregá-lo em todas as situações. Em suma, concebe-se que
o papel do professor seja planejar e criar condições para que o aluno
possa desenvolver sua competência discursiva por meio da
diversidade de gêneros que possibilita ao aluno, em sua prática,
ampliarem sua competência discursiva sendo que o aluno é sujeito
da sua ação pedagógica, que por meio da linguagem, expressa
ideias, pensamentos, ou seja, o aluno é o objeto do aprender e de
suas práticas sociais.
Os avanços dos estudos linguísticos sobre o ensino da língua
materna contribuíram para uma reflexão acerca da necessidade de
uma revisão nas práticas de ensino e aprendizagem da Língua
Portuguesa. Com bases nestes estudos, os PCN são utilizados para
nortear o trabalho dos professores fornecendo uma nova roupagem
para o ensino da língua materna, que é o gênero oral.
Nessa linha de pensamento, é importante destacar a
utilização da oralidade nos livros didáticos, já que este é um
instrumento de grande valia para o professor. Pesquisas mostram
que o tratamento da oralidade nos livros didáticos ainda padecem
de muitos problemas. Na visão de Cavalcante & Melo (2006):

- 313 -
Os autores de manuais didáticos, em sua
maioria, não sabem onde e como situar o estudo
da fala. Muitas vezes, os livros dão a impressão
de que a fala figura apenas como curiosidade por
parte dos autores dos livros didáticos. São
recorrentes os exercícios que se limitam a
atividades do tipo: ‘Converse com seu colega’,
ou ‘Dê a sua opinião’, ‘Discuta em sala com o
professor’. (CAVALCANTE & MELO, 2006, p. 182)

As diretrizes estabelecidas nos PCN têm grande relevância na


formação de futuros professores de Língua Portuguesa, verificando
sua prática em sala de aula, buscando inovar e criar condições para
que o aluno faça uso de sua língua e tem por objetivo maior apoiar
os futuros profissionais em suas metodologias a serem aplicadas em
sala de aula sendo o mesmo método de inovação que torna a aula
mais prazerosa. É um documento oferecido como instrumento para
medir e refletir sobre a área de ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa no Brasil, descobrindo novas perspectivas de ensino e
ter consciência crítica da realidade.
Os PCN tratam da oralidade a partir destas considerações sobre o
ensino de Língua Portuguesa e seu papel na formação de um
cidadão, socialmente pleno, considerando as diferenças culturais
econômicas e níveis de conhecimento que serão mais acentuadas a
cada ano que o aluno avança para maturidade da convivência em
sociedade.

- 314 -
A oralidade nos livros didáticos: análise dos dados
O estudo em pauta envolveu a análise de quatro livros
didáticos de Língua Portuguesa, destinados a crianças dos anos
iniciais do Ensino Fundamental (volumes 1 a 4), aprovados no PNLD
(2013). Vale destacar que os livros são utilizados em instituições
públicas de ensino e foram recomendadas por especialistas do país
inteiro.
Ao analisarmos os livros, buscamos quantificar as atividades
encontradas, classificando-as quanto às diferentes dimensões do
trabalho com a oralidade, de modo a obter uma visão mais clara do
que cada livro oferecia em termos de ensino de oralidade. Em outros
termos, buscamos mapear quais dimensões do ensino eram
priorizadas, além de nos dedicarmos a analisar quantitativamente
as atividades, inferindo quais habilidades estariam sendo
contempladas pelos livros. Tal procedimento também tornou
possível uma comparação mais refinada entre os livros analisados.
A coleção analisada possui um tópico específico para o tratamento
da oralidade, intitulado “Produção Oral”, o problema reside no
seguinte fato: Cada livro, destinado a uma série específica (do 6º ao
9º Ano), possui 10 capítulos e somente 3 entre os dez abordam este
tópico. Este fato muito nos chama atenção, ou seja, embora os
autores da referida coleção avancem no tratamento da oralidade,
esta ainda é colocada em escanteio em relação à modalidade
escrita, que se faz presente em todos os capítulos. Porque, então,

- 315 -
não trabalhar a oralidade em consonância com a escrita? A
constatação acima nos leva a pensar que a oralidade ainda é pouco
trabalhada em sala. O Quadro 1, a seguir, nos mostra um panorama
mais explícito dos livros analisados.

Quadro 2: Livros da Coleção analisada (6º ao 9º Ano)


Abordagem da
Coleção
temática da
Linguagem:
Editora Autores Capítulos Oralidade nos
criação e
capítulos em
interação
%
Cássia
Gracia de
Souza &
6º Ano Saraiva 10 capítulos 70 %
Márcia
Paganini
Cavéquia
Cássia
Gracia de
Souza &
7ºAno Saraiva 10 capítulos 60%
Márcia
Paganini
Cavéquia
Cássia
Gracia de
Souza &
8º Ano Saraiva 10 capítulos 30%
Márcia
Paganini
Cavéquia
Cássia
Gracia de
Souza &
9º Ano Saraiva 10 capítulos 30%
Márcia
Paganini
Cavéquia
Adaptado de (LEAL, BRANDÃO & LIMA, 2012)

- 316 -
O Quadro 2 nos mostra um verdadeiro panorama de como
os livros da Coleção Linguagem: Criação e interação, estão
distribuídos. O nosso ensejo maior é o de investigar como se
processa o ensino da oralidade nesta coleção. Sendo assim,
podemos afirmar com base no quadro acima que a coleção explora,
embora minimamente, a temática. Exponencialmente o que se
atesta na análise é que há um decréscimo na abordagem da
temática, conforme os anos. Os percentuais ratificam esta
afirmação, pois vê-se que vai desde 70% no 6º Ano, chegando
apenas a 30% no 9º Ano do Ensino Fundamental.
Na segunda etapa da pesquisa, buscamos agrupar as
atividades de oralidade, considerando as suas possíveis
semelhanças e diferenças. Para isso, cada livro foi analisado por dois
juízes independentes, sendo discutidas as classificações propostas
com vistas a explicitar os diferentes tipos de atividades encontrados
em cada livro. Com base nesse procedimento, foram identificados
quatro tipos de atividades voltados para o ensino do oral, são ele:
i) Atividades de oralização da escrita;
ii) Atividades que estimulam a reflexão sobre o
vocabulário, a variação linguística e as relações entre fala
e escrita;
iii) Atividades que estimulam a produção dos gêneros
conversa/ discussão.

- 317 -
iv) Atividades que estimulam a produção de gêneros
orais secundários.

Para ficar mais claro, apresentamos, no Quadro 3, o total de


atividades, em cada livro, por tipo de dimensão de ensino da
oralidade, conforme tratamos anteriormente.

Quadro 3: Total de atividades por dimensão do ensino da oralidade


6º Ano 7ºAno 8ºAno 9ºAno
Dimensões
Contempladas
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %

Oralização do texto 0,81


8 5 0,5% 2 0,2% 2 0,2%
escrito %

Reflexões sobre a
variação linguística,
4 0,4% 3 0,3% 4 0,4% 2 0,2%
vocabulário e relações
entre fala e escrita

Produção e
compreensão de
5 0,5% 6 0,6% 3 0,3% 4 0,4%
gêneros informais/
coloquiais

Produção e
compreensão de 3 0,3% 4 0,4% 2 0,2 4 0,4%
gêneros secundários

Adaptado de (LEAL, BRANDÃO & LIMA, 2012)

O Quadro 3, nos mostra por porcentagem a quantidade de


atividades voltadas para o ensino da oralidade e ratifica o que

- 318 -
vínhamos afirmando: o ensino dessa modalidade ainda é pouco
explorado, embora as autoras ainda se voltem para o tratamento do
oral, a modalidade escrita ainda é muito mais trabalhada.

Considerações finais
Neste capítulo, pudemos refletir sobre a importância do
ensino da oralidade e sobre a diversidade de conhecimentos e
habilidades que podem estra envolvidos no trabalho pedagógico. É
oportuno destacar que nosso objetivo central não é defender uma
maior ênfase da oralidade em detrimento do ensino da modalidade
de língua escrita. Acima de tudo, reconhecemos o valor de ambas as
práticas sociais. Intentamos, na verdade, promover no professor um
ponto de equilíbrio entre as modalidades de ensino da Língua
Portuguesa.
Trouxemos as diretrizes estabelecidas nos PCN para
traçarmos algumas reflexões acerca da “construção de um currículo
que de fato, faculte o acesso dos estudantes às diferentes esferas
sociais de interação” (LEAL, BRANDÃO & LIMA, 2012, p. 34). É
necessário, no mínimo, contemplar as diferentes dimensões de
ensino do oral, fato que não constatamos de maneira satisfatória na
coleção em questão. Outrora, argumentamos que as autoras são
felizes em trazer um tratamento da oralidade mais amplo em
relação a outras coleções, mais ainda há muito o que se trabalha
com relação a modalidade oral nos livros didáticos.

- 319 -
Queremos por meio deste trabalho trazer à reflexão que
algumas habilidades importantes ainda se mostram pouco
presentes nas propostas dos livros, como bem nos comprova os
dados da pesquisa. Queremos, ainda propor que esse tema seja
objeto de atenção dos docentes, bem como daqueles que se
dedicam à produção de recursos didáticos para o ensino e a
formação inicial e continuada de professores.

- 320 -
Referências

ANTUNES, I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo:


Parábola Editorial, 2003.

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e


contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva;
MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. (Org.).
Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Estrangeira: 3º


e 4º ciclos do Ensino Fundamental / Ministério da Educação
Fundamental. Governo Federal, Brasília: MEC / SEF, 1998.

CAVALCANTE, M; MELO, C. T. Oralidade no ensino médio: em busca


de uma prática. In: BUZEN, C. MENDONÇA, M. (Orgs.). Português no
ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.

CORRÊA, M. L. G. Letramento e heterogeneidade da escrita no


ensino de Português. In: SIGNORINI, I. Investigando a relação oral/
escrito e as teorias do letramento. Campinas, Mercado das Letras,
2001.

FÁVERO, L. L; ANDRADE, M. L. C. V. O; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e


escrita: perspectiva para o ensino de língua materna. São Paulo:
Cortez, 1998.

LEAL, T. F; BRANDÃO, A. C. P; LIMA, J. M. A oralidade como objeto


de ensino na escola: o que sugerem os livros didáticos? In: A
oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco
de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de


retextualização. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

NEVES, M. H. M. Ensino de língua e vivência de linguagem: temas


em confronto. São Pailo: Contexto, 2010.

- 321 -
OCHS, E. Planned and unplanned discourse. In: GIVÓN, T. Discourse
and syntax. New York: Academic Press, 1979.

RAMOS, J. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.

Coleção analisada

SOUZA, C. G; CAVÉQUIA, M. P. Linguagem: criação e interação.


6ºAno. 6ºed. São Paulo: Saraiva, 2009.

SOUZA, C. G; CAVÉQUIA, M. P. Linguagem: criação e interação.


7ºAno. 6ºed. São Paulo: Saraiva, 2009.

SOUZA, C. G; CAVÉQUIA, M. P. Linguagem: criação e interação.


8ºAno. 6ºed. São Paulo: Saraiva, 2009.

SOUZA, C. G; CAVÉQUIA, M. P. Linguagem: criação e interação.


9ºAno. 6ºed. São Paulo: Saraiva, 2009.

- 322 -
Capítulo 13 - O Ensino Médio e suas peculiaridades

Sônia Ferreira de Jesús43


Maria Irene Miranda44

Introdução
Este artigo apresenta parte do referencial teórico de uma
pesquisa de Mestrado em Educação, a qual analisou os fatores
relacionados às dificuldades de aprendizagem e escolares no Ensino
Médio no Brasil, mais especificamente em Cursos Técnicos
Integrados Integrais de uma escola pública federal de ensino. Para
tanto foi realizado estudo de caso com abordagem qualitativa,
numa perspectiva psicopedagógica. Os participantes da pesquisa
foram os estudantes, os seus pais, professores e componentes da
equipe escolar, os quais participaram do instrumento a entrevista
semiestruturada. Ademais, foram aplicadas junto aos alunos as
técnicas projetivas psicopedagógicas, o “Par Educativo” e a “Família
Educativa”, como um complemento na construção de dados, pois os
adolescentes falam pouco de suas vidas estudantis, e as técnicas,

43
Mestre em Educação e Especialista em Psicopedagogia Escolar, UFU.
Atualmente Pedagoga no instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás; Bolsista do PIQS/IFG. E-mail: soniaferreiradejesus@gmail.com
44
Doutora em Educação (Psicologia da Educação), PUC-SP. Atualmente professora
efetiva da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail;
mirenemufu@gmail.com

- 323 -
por meio do desenho, colaboraram para emergir falas espontâneas,
antes não ditas no momento das entrevistas. Outro instrumento de
recolha de dados foi à análise documental. Os participantes foram
mencionados por nomes fictícios.
Por meio desse recorte pretende-se mostrar as
peculiaridades do Ensino Médio no Brasil, ressaltando os desafios
vivenciados na implementação do ensino Médio Técnico Integrado.
Justifica-se essa abordagem tendo em vista o foco da investigação
ser os alunos do Ensino Médio que apresentaram baixo
desempenho escolar, alguns em situação de reprovação em
disciplinas ou no ano letivo, e por isso, para melhor entendimento,
fez-se necessário contextualizar esse nível de ensino, traçar sua
identidade, explanar seus objetivos de formação, identificar os
educandos atendidos e expor os desafios vivenciados.
É de significativa importância que os educadores tenham
conhecimento a respeito do Ensino Médio, etapa final da Educação
Básica, tendo em vista que o mesmo tem suas particularidades.
Dessa forma estarão mais preparados para desenvolver um trabalho
de acordo com as necessidades dos educandos atendidos nesse
nível, reduzindo o fracasso escolar e as evasões culminando, assim,
com o êxito de um maior número de alunos em se tratando da
escolaridade obrigatória.

O ensino no Brasil: identidade e desafios atuais

- 324 -
Na trajetória do aprender, o Ensino Médio é um nível
desafiante, pois nele se vivem as escolhas para a vida futura,
profissional e, portanto, o sucesso é almejado pelos estudantes
inseridos nessa etapa da Educação Básica.
Os alunos do Ensino Médio estão na adolescência, período
compreendido entre doze e dezoito anos de acordo com o Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990). Os jovens, nessa
faixa etária, estão em um momento de escolhas e de descobertas,
e, por conseguinte, de ansiedades e busca por sua autonomia. São
curiosos, espontâneos e estão vivendo um processo de construção
de sua identidade pessoal.
Segundo os professores que atuam no Ensino Médio, é um
desafio trabalhar com esses jovens, mais especificamente,
tomando-se a disciplina (comportamento) como o elemento chave.
Essa afirmação remete a uma questão de relacionamento da escola
com o jovem, o que, quase sempre, representa um aprendizado
para ambas as partes.
Estudos indicam que

[...] os índices alarmantes de violência,


principalmente os homicídios, o tráfico de
drogas, o consumo de álcool e de outras drogas,
a ameaça da AIDS e a gravidez na adolescência
são fenômenos que contribuem para cristalizar a
imagem de que a juventude é um tempo de vida
problemático (DAYRELL; CARRANO, 2014, p.
106).

- 325 -
Em vista disso, o cuidado para não transformar os
adolescentes/jovens em sujeitos problemáticos precisa
desencadear em um reconhecimento de novas políticas e demandas
no que se refere aos diretos nessa faixa etária (DAYRELL; CARRANO,
2014).
A maioria dos educadores vê o jovem que frequenta o Ensino
Médio apenas em sua dimensão de aluno, e não o percebe como um
ser sócio-histórico; tendem a considerá-lo somente no aspecto
cognitivo, em detrimento de suas experiências sociais. É preciso
conhecer o jovem também em seu aspecto subjetivo e social, pois
ele é um sujeito que participa da sociedade, exerce e recebe
influências, e tem seus projetos de vida relacionados com as
experiências escolares.
As expectativas do jovem adolescente em torno da
escolarização estão articuladas ao mundo do trabalho; o desejo é o
de finalização do Ensino Médio e a continuidade dos estudos no
Curso Superior para, assim, ter acesso a uma profissão, apesar de
estar em uma idade recheada de dúvidas sobre o rumo profissional
a perseguir. Dentro de incertezas e sonhos está também a
constituição familiar, que, no final da adolescência já é pensada, por
vezes inspirada em um futuro profissional promissor, ou seja,
estabilidade financeira. Muitos jovens então se envolvem com os
estudos com pretensões de ingressar no Ensino Superior, outros
querem terminar apenas o Ensino Médio, com possibilidade de

- 326 -
disputar uma vaga no mercado de trabalho. Assim não há um único
perfil dos jovens, diante da diversidade dos modos de ser de cada
um, mas há uma característica comum entre eles: as incertezas
quanto aos seus projetos de vida, apesar de terem posturas quanto
ao futuro.
A escola, para os jovens adolescentes, representa inclusão
em uma sociedade desigual, mas igualmente exclusão diante dos
limites e dificuldades dessa sociedade em responder as suas
projeções. Nesse aspecto, as instituições escolares, para os jovens,
precisam melhorar sua qualidade de recursos humanos, materiais e
curriculares para propiciar o acesso a informação, competências,
habilidades e conhecimentos necessários para implementarem os
rumos de suas vidas (LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011).
Os alunos do Ensino Médio apresentam características
específicas, pois vivenciam uma fase de mudanças, em todos os
sentidos, sejam elas físicas, afetivas, sociais ou psíquicas. Estão
passando por alterações no corpo, a identidade se firma;
encontram-se em uma fase de mudanças comportamentais (ora
estão felizes por demais, ora depressivos) e são chamados nessa
idade a assumir deveres e papéis sociais. É o momento em que o
desenvolvimento corporal e do pensamento se consolidam. Ao
mesmo tempo em que são dependentes, querem assumir sua
independência e autonomia para lidar com as problemáticas
cotidianas. Reivindicam a todo o momento liberdade de expressão,

- 327 -
de escolhas, sejam pessoais ou profissionais, mas são ambíguos, em
outros momentos querem opiniões dos adultos na resolução de
conflitos internos. As relações consolidadas, sejam afetivas e sociais,
indicam conquistas nessa fase em que os adolescentes precisam
estar em uma relação de confiança para exprimirem seus
sentimentos, desejos, necessidades e dificuldades.

A entrada na juventude se faz pela fase da


adolescência e é marcada por transformações
biológicas, psicológicas e de inserção social. É
nessa fase que fisicamente se adquire o poder de
gerar filhos, em que a pessoa dá sinais de ter
necessidade de menos proteção por parte da
família e começa a assumir responsabilidades, a
buscar a independência e a dar provas de
autossuficiência, dentre outros sinais corporais,
psicológicos e de autonomização cultural
(DAYRELL; CARRANO, 2014, p. 111).

No Ensino Médio os jovens tendem a perder muito


rapidamente o entusiasmo pelos estudos. No primeiro ano, sentem-
se orgulhosos porque, em certa medida, venceram a barreira da
escolaridade de seus pais. No segundo ano, começa o desencanto,
principalmente, pelas dificuldades do processo de ensino, ao passo
que as amizades e a sociabilidade entre os pares passam a ser mais
importantes. No terceiro, a proximidade de um novo ciclo de vida
fica mais evidente, e os alunos se confrontam com um frustrante
universo de possibilidades: o ingresso na universidade não se
configura como uma realidade para a maioria e o desejo de

- 328 -
trabalhar ou melhorar profissionalmente também se torna muito
difícil de ser concretizado (KRAWCZYK, 2011).

A turma de amigos cumpre um papel


fundamental na trajetória da juventude,
principalmente na adolescência. [...]
geralmente, esse é o momento que os jovens
iniciam uma ampliação das experiências de vida,
quando alguns deles começam a trabalhar,
quando passam a ter mais autonomia para sair
de casa à noite e poder escolher as formas de
diversão. É quando procuram romper com tudo
aquilo que os prendem ao mundo infantil,
buscando outros referenciais para a construção
da sua identidade fora da família. É o momento
privilegiado de se descobrirem como indivíduos
e sujeitos, buscando um sentido para a
existência individual. (DAYRELL; CARRANO,
2014, 117).

Assinala-se, portanto, que, quando a escola incentiva os


agrupamentos, ela tem em mãos pontos positivos de trabalhar as
dificuldades que os adolescentes/jovens apresentam nos estudos. A
confiança nos pares e a troca de conhecimentos entre eles ajudam
no desenvolvimento e colaboram para o crescimento na
aprendizagem e para a construção de suas identidades.
Entretanto, se o próprio Ensino Médio convive com
problemas de identidade, como esse ensino vai contribuir para a
formação da identidade juvenil? Sabe-se que o Ensino Médio
Integrado surge com um propósito de dar identidade ao Ensino

- 329 -
Médio e acabar com a dualidade45 que perpassa esse nível desde
sua implantação no Brasil. E mesmo com o Ensino Médio Integrado
a Educação Profissional (EMIEP), ainda há muita confusão com
relação às suas finalidades. Não raramente, as escolas ofertantes do
nível médio técnico, sejam públicas ou privadas, tendem a
apresentar baixo rendimento, desempenho ruim, reprovação e
desistência dos estudos, devido às circunstâncias advindas de
projetos pedagógicos em desacordo com a formação dos cursos.
O aluno que busca sua emancipação por meio de sua
escolarização, quando adentra o sistema educacional, sente-se
desmotivado, pois, quase sempre, o próprio sistema trava sua
vontade de ir adiante, quando não considera a realidade
socioeconômica e cultural da maioria dos discentes. A expansão e
democratização consideraram a vaga para o aluno, mas não
dimensionaram mudanças para abraçar esse alunado que estava
chegando às escolas com perfis e identidades muito diferentes.
Ainda há muito o que fazer no que diz respeito a políticas públicas
para o nível médio que abarquem todas as dimensões, econômicas,
culturais, sociais, afetivas, e outras, pensando que o conhecimento
é direito de todos, de todas as classes sociais.
O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, é um nível
valoroso, tendo em vista suas finalidades; mas há de se ressaltar que

45
A dualidade no Ensino Médio se insere na questão da formação – formação
geral e/ou específica (profissionalizante).

- 330 -
o seu propósito definido em Leis, Decretos e Regulamentos
provocou debates durante décadas e ainda provoca discussões em
torno dos objetivos da sua formação. O artigo 35 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei 9394/96 estabelece as
finalidades desse nível de ensino e norteia que o Ensino Médio deve
propiciar:
I - a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no Ensino
Fundamental, possibilitando o prosseguimento
de estudos; II - a preparação básica para o
trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de
se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III
- o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico; IV - a compreensão dos
fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com
a prática, no ensino de cada disciplina. (BRASIL,
1996)

Ao observar as proposições indicadas nesse artigo da LDB


9394/96 entende-se que cabe ao Ensino Médio não somente
preparar o adolescente ou o jovem para o trabalho, mas propiciar a
cidadania do educando, capacitando-o para inserção na sociedade;
então não é formar para aptidões manuais, mas, sim, aprimorar o
sujeito com humanização, valorizando a pessoa e sua predisposição
para o desenvolvimento do pensamento crítico, de modo a
aprender e compreender os princípios sedimentados nos processos

- 331 -
produtivos. Assim, o sujeito terá acesso aos fundamentos teóricos e
práticos do mundo circundante, acessíveis nos meios formais de
aquisição do saber, por meio da escola, ou informais, nas
experiências cotidianas.
Garcia e Lima Filho (2004) discutem sobre a reestruturação
do Ensino Médio e da Educação Profissional, levantando indagações
sobre as suas finalidades e seus objetivos; assim afirmam que tanto
o Ensino Fundamental quanto o Ensino Superior têm claros seus
objetivos para formação, mas o Ensino Médio transita entre
formação geral e específica, com uma dualidade permeada entre
ensino propedêutico (saber teórico) e ensino profissionalizante
(saber prático), portanto tem dupla finalidade no grau de ensino, o
que culmina com contradições na construção de diretrizes em cada
momento de promulgação de Leis e decretos para esse nível.
Entre idas e vindas de vozes por uma identidade do Ensino
Médio no Brasil, está surgindo aos poucos um novo cenário, com
novos formatos organizacionais. Tem havido esforços para melhorar
as condições do ensino por meio da flexibilidade da organização
escolar e das trajetórias dos estudantes; da articulação curricular
entre formação geral e profissional; e do aumento do tempo
escolar, com novas propostas pedagógicas. A criação da modalidade
de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional técnica de nível

- 332 -
médio e o Programa Ensino Médio Inovador – PROEMI46 pelo
Governo Federal durante a gestão do ex-Presidente Luiz Inácio da
Silva (2003-2010) constituem-se de boas propostas de melhoria
nesse nível de ensino (KRAWCZYK, 2013).
Mas apesar do investimento do País com políticas públicas e
recursos financeiros no sentido de melhorar o Ensino Médio, o
progresso é bem tímido. Não houve avanços no desempenho dos
estudantes, como mostram os exames aplicados pelo Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e pelo Exame nacional do
Ensino Médio (ENEM). (PUENTES; LONGAREZI; AQUINO, 2012).
Puentes, Longarezi e Aquino (2012) realizaram uma
avaliação do desempenho da rede estadual de escolas regulares de
Ensino Médio de Uberlândia-MG e constataram que os índices de
reprovação e abandono escolar são altos. A partir de um panorama
da situação do Ensino Médio no Brasil, discutiram os formatos
metodológicos e curriculares estabelecidos nas legislações para esse
nível de ensino, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB/96), os Parâmetros Curriculares nacionais do Ensino
Médio (PCNEM), o Plano de metas pelo compromisso de todos com

46
“O PROEMI pretende a reestruturação dos currículos e a ampliação da jornada
escolar nos sistemas de ensino estaduais. Foram previstos investimentos
financeiros e técnicos do Governo Federal para os estados que aderissem ao
Programa. Um ano após a implantação, 19 estados e 355 escolas já tinham
aderido.[...]. O MEC oferece, aos estados que aderem ao PROEMI e que têm baixo
IDEB, um conjunto de atividades optativas, das quais a escola escolhe seis, e
acompanhamento pedagógico através do Programa Mais Educação, promovendo
a ampliação da jornada escolar” (KRAWCZYK, 2013, p. 13-14).

- 333 -
a Educação de 2007, a Reestruturação e expansão do Ensino Médio
no Brasil de 2008 e o Programa Ensino Médio Inovador. Os autores
salientaram que o Brasil não tem construído um projeto de Ensino
Médio que garanta a universalização, o acesso e permanência dos
educandos, mesmo ampliando a oferta de forma expressiva. Para
esses teóricos, ainda são preocupantes os índices de evasão escolar
e as altas estatísticas de repetência; e em relação à qualidade,
expõem o nível como o que menos cresceu entre 2005 e 2009.
Krawczyk (2011) explica o motivo da insuficiência do Ensino
Médio:

As deficiências atuais do Ensino Médio no País


são expressões da presença tardia de um projeto
de democratização da Educação pública no
Brasil ainda inacabado, que sofre os abalos das
mudanças ocorridas na segunda metade do
século XX, que transformaram significativamen-
te a ordem social, econômica e cultural, com
importantes consequências para toda a
Educação pública (KRAWCZYK, 2011, p. 754).

Ao examinar os resultados do Censo Escolar47 da Educação


Básica dos últimos anos, no que se refere à entrada de alunos no

47
O Censo Escolar da Educação Básica é uma pesquisa realizada anualmente pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
sendo obrigatório aos estabelecimentos públicos e privados de Educação Básica.
“Trata-se do mais relevante e abrangente levantamento estatístico sobre a
educação básica no País”. “Os dados coletados constituem uma fonte completa
de informações utilizada pelo Ministério da Educação (MEC) para a formulação de
políticas e para o desenho de programas, bem como para a definição de critérios
para a atuação supletiva do MEC – às escolas, aos estados e aos municípios”
(BRASIL, 2013, p.7).

- 334 -
Ensino Médio, incluindo-se o Ensino Médio Integrado, percebe-se
que o número de matrículas se manteve praticamente estável no
período de 2007 a 2013 no País (Tabela 2), apresentando queda de
0,8% (64.037 matrículas) no último ano (BRASIL, 2014).

TABELA 2 Número de matriculas no Ensino Médio no Brasil de 2007 a 2013.


Número de matrículas e população de 15 a 17 anos48
População por idade – 15 a
Ano Ensino médio
17 anos
2007 8369369 10262468
2008 8366100 10289624
2009 8337160 10399385
2010 8357675 10357874
2011 8400689 10580060
2012 8376852 10444705
2013 8312815 -----

Fonte: Inep (Sistema nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira)

De acordo com o Censo Escolar, em 2012 e 2013, houve um


decréscimo no quantitativo de matrículas da Educação Básica (em
torno de 1%,) equivalente a 427.569 e 502.602 matrículas
respectivamente, decorrente principalmente da retenção e altos

48
Não inclui matrículas em turmas de Atendimento Educacional Especializado
(AEE) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Inclui as matrículas do Ensino Médio
Integrado a Educação Profissional.

- 335 -
índices de distorção idade-série no Ensino Fundamental (BRASIL,
2013; BRASIL, 2014).
Com relação ao Ensino Médio, em 2013 as escolas estaduais
receberam a maior parte do alunado do País, sendo as responsáveis
por 84,8% das matrículas, as instituições municipais juntamente
com as federais 2,4% e as privadas 12,8%. Esses dados demonstram
que a população brasileira procura mais as redes púbicas de ensino
(BRASIL, 2014).
Apesar de políticas de expansão, houve quedas nas
matrículas nas escolas públicas, a oferta desse nível de ensino em
2012 totalizou 8.376.852 matrículas, 0,3% menor que em 2011; já
em 2013, houve uma queda de 1,9% em relação a 2012. Nesse caso,
a estimativa de entrada no nível médio era maior, pois a população
estava em torno de 10,4 milhões de jovens na faixa etária de quinze
a dezessete anos e houve 8,3 milhões de matrículas (BRASIL, 2013;
BRASIL, 2014). Diante disso, cabem mais pesquisas nesse âmbito
para a descoberta dos reais motivos de jovens em idade de
escolarização estarem fora da escola.
A Educação média, dos quatro aos dezessete anos, passou a
ser obrigatória a partir de da Emenda Constitucional nº 59/2009,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria. Com isso, o que se esperava era o
aumento significativo de alunos matriculados, fato não sucedido.

- 336 -
Krawczyk (2011) discute os desafios do Ensino Médio e
expõe sobre sua obrigatoriedade impulsionada pela demanda do
contexto econômico mais amplo ou de cada sujeito que busca por
empregabilidade. Segundo a autora, o Ensino Médio tem-se
expandido, ainda que aos poucos, por causa das políticas de
priorização do Ensino Fundamental, que demandam alunos para o
Ensino Médio; e pelas exigências da sociedade por escolarização
mais elevada para o exercício de qualquer ocupação. A autora ainda
ressalta que essa expansão não pode ser caracterizada como um
processo de universalização nem de democratização, devido às altas
porcentagens de jovens que permanecem fora da escola; atribui a
isso à falta de motivações para os alunos continuarem estudando,
de ordens internas (falta de ações institucionais para esse fim) ou
externas (o aluno não é cobrado pela família a continuar seus
estudos) à escola.
Ao falar de Ensino Médio, é preciso considerar a Educação
Profissional, que abrange os cursos de formação inicial e continuada
ou qualificação profissional, os técnicos de nível médio e
tecnológicos de Graduação e Pós-Graduação (BRASIL, 1996, grifo
nosso). Apesar de o Ensino Médio não ter crescido, com essa
modalidade (Educação Profissional), foi diferente, houve ampliação
da matrícula, que em 2007 era de 780.162 e atingiu, em 2012,
1.362.200 matrículas, crescimento de 74,6% no período. O aumento
deve-se às políticas MEC com ações de fortalecimento, expansão e

- 337 -
melhoria da qualidade da Educação Profissional no País. O Censo
Escolar 2012 revela que a participação da rede pública tem crescido
anualmente e já atende 53,6% das matrículas (BRASIL, 2013).
Ao considerar apenas os números em relação à Educação
Profissional, os anos de 2012 e 2013 apontaram a manutenção de
sua expansão. No ano de 2012, considerando apenas a Educação
Profissional concomitante e a subsequente ao Ensino Médio, o
crescimento foi de 7,1%, atingindo mais de um milhão de matrículas.
Incluindo o Ensino Médio Integrado, os números indicaram um
contingente de 1,4 milhão de alunos atendidos. Atua na Educação
Profissional um conjunto de estabelecimentos públicos e privados
que se caracterizam como escolas técnicas, centros de formação
profissional, associações/escolas, entre outros. Cabe destaque para
a forte expansão da rede federal. Nos últimos nove anos, essa rede
mais que dobrou a oferta de matrícula de Educação Profissional,
com um crescimento de 143%. Em 2013, atingiu 1.441.051
matrículas, crescimento de 84,1% no período (BRASIL, 2013; BRASIL,
2014).

Estratégias como a ampliação da Educação


Profissional integrada ao Ensino Médio – com a
apropriada flexibilização e diversificação
curricular, considerando as aptidões e
expectativas de formação profissional e
educacional dos estudantes e em sincronia com
os arranjos produtivos locais - podem tornar o
Ensino Médio mais atrativo, permitindo que o
aluno vislumbre nessa etapa não apenas o

- 338 -
caminho para a Educação Superior, mas também
uma possibilidade concreta de qualificação para
o trabalho. (BRASIL, 2014, p.23).

Ao se tratar do Ensino Médio de Goiás, Estado de localização


da escola contexto desta investigação, é possível averiguar, em
conformidade com a situação nacional, que houve um decréscimo
nas matrículas no Ensino Médio, considerando 2007 a 2014. Mas há
uma peculiaridade: pode-se afirmar com base na Tabela 3, que a
entrada de jovens adolescentes no nível de ensino da rede federal
aumentou em relação à estadual, na qual houve uma diminuição
expressiva.

TABELA 3 Número de alunos matriculados no Ensino Médio de 2007 a


2014 no Estado de GO
Número de Alunos Matriculados - Matrícula Inicial49
Ano Estadual Federal Municipal Privada Total
2007 236594 1565 518 33409 272086
2008 225168 1667 601 35099 262535
2009 227654 1962 468 35861 265945
2010 228830 2532 454 37087 268903
2011 220525 3674 447 38067 262713
2012 215045 4293 532 39957 259827
2013 213945 4526 551 40156 258243
2014 211215 4658 588 40141 256602
Fonte: Inep (Sistema nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira)

Lembrar-se-á que a Rede Federal de ensino oferta o Ensino


Médio Integrado a Educação Profissional. Nesse sentido, observa-se

49
Não inclui matrículas em turmas de atendimento educacional especializado
(AEE) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

- 339 -
um interesse da juventude em se inserir na Educação
Profissionalizante, recebendo uma formação técnica e a Educação
Básica. Em se tratando da rede privada, houve um aumento de
matrículas ano a ano; e da municipal, oscilações dependendo do
ano, ora um aumento, ora uma diminuição da entrada de
estudantes em escolas públicas municipais.
É bom lembrar que a Educação Profissional (EP), em
consonância a LDB/1996 Art. 39, poderá ser oferecida integrada às
diferentes formas de Educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia,
e deve conduzir ao permanente desenvolvimento de aptidões para
a vida produtiva. Será desenvolvida em articulação com o ensino
regular ou por diferentes estratégias de Educação continuada, em
instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Assim, na
mesma Lei, em seu Art. 36-B, é possível visualizar as formas em que
a Educação Profissional Técnica de Nível Médio poderá ser
desenvolvida: articulada com o Ensino Médio, ou subsequente em
cursos destinados àqueles que tenham terminado o Ensino Médio.
No Art. 36-C diz que, na forma articulada, pode ser oferecida de
forma integrada, ofertada somente aos concluintes do Ensino
Fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno
à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma
instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno,
ou seja, ele cursa o Ensino Médio juntamente com o ensino
profissionalizante na mesma escola; e de forma concomitante,

- 340 -
oferecida ao ingressante do Ensino Médio ou ao cursista, efetuando-
se matrículas distintas para cada curso; assim o aluno pode estudar
o Ensino Médio em uma instituição e o profissionalizante em outra
(BRASIL, 1996). O Decreto 5154/2004 regulamentou essas
observâncias da Lei 9394/96.
O Ensino Médio tem sido alvo de debates sobre sua
finalidade, principalmente ao se tratar da Educação Profissional.
Para contextualizar a Educação Profissional Integrada ao Ensino
Médio em outras localidades do Brasil, são pertinentes as
colocações de Cêa (2006), Cardozo (2008), Pontes e Oliveira (2012)
e Silva e Scheibe (2012).
Silva e Scheibe (2012) focalizam a política de Ensino Médio
Integrado à Educação Profissional (EMIEP), no que tange aos
princípios orientadores e ao percurso de implantação no estado de
Santa Catarina; relatam sobre a política de EMIEP como uma
possibilidade de uma escola socialmente mais justa, considerando a
politecnia e a escola unitária, características do ensino integrado;
assim abordam as categorias que fundamentam os cursos do EMIEP,
como o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia e citam a
importância da perspectiva interdisciplinar de currículo. Nesse
sentido dizem que

[...] o trabalho como princípio educativo é


central na organização dos cursos do EMIEP, que
tem por finalidade proporcionar a compreensão
das dinâmicas socioprodutivas de sociedades

- 341 -
modernas e habilitar seus alunos para exercício
autônomo e crítico das profissões (SILVA;
SCHEIBE, 2012, p.53).

As autoras afirmam, em se tratando da implantação do


Ensino Médio Integrado, que a viabilidade da proposta ainda é um
desafio ao pensar nos aspectos pedagógicos, administrativos,
financeiros e estruturais. A partir da análise da realidade de Santa
Catarina, verificaram princípios interdisciplinares na
fundamentação da prática pedagógica dos cursos; concluíram que
há oscilação na frequência dos estudantes, que pode ser justificada
pela dificuldade de adaptação às exigências dos cursos oferecidos,
no que se refere à aprendizagem dos conteúdos curriculares e à
conciliação do horário do trabalho, estágio e curso, entre outros
aspectos. E, ao falarem nos desafios vivenciados nesse contexto, a
partir da experiência de uma escola de Educação Básica em Santa
Catarina, citam a questão da formação e da capacitação para
gestores e docentes, que deve ser realizada de forma permanente e
não pontual; abordam o planejamento dos professores, que precisa
ocorrer por meio de uma proposta coletiva de trabalho,
considerando a integração entre as disciplinas; e por fim,
mencionam a urgência de investimentos para suprirem as
necessidades dos cursos, quanto à estrutura — laboratórios e
recursos pedagógicos, o que se reflete substancialmente na
qualidade do ensino, na retenção e na repetência escolar.

- 342 -
Faz-se necessário pensar e refletir sobre a implantação dos
cursos integrados nas escolas federais ou estaduais de ensino, em
um amplo debate com a comunidade educativa, para reduzir
dificuldades escolares decorridas de problemas relacionados à
estrutura física, curricular, didática, pedagógica e outras. Nesse
seguimento, alerta-se para a edificação de perspectivas educativas
no sentido de propiciar aprendizagens significativas por meio de
conteúdos teóricos e práticos integralizados; sistematizando uma
estrutura curricular e pedagógica fidedigna a proposta do Decreto
5154/2004 em uma gestão democrática que incentive o corpo
educativo à participação ativa em todos os processos de
implantação e prosseguimento dos cursos, diante dos desafios que
possam aparecer.
Cêa (2006) faz uma reflexão a respeito da Educação
Profissional e procura identificar os desafios a serem enfrentados na
retomada da vinculação entre formação para o trabalho e elevação
dos níveis de escolaridade. A autora analisa as condições de
implementação dos cursos de Ensino Médio integrado com base na
realidade da política educacional no estado do Paraná e explana a
questão da Educação Profissional, fazendo alusão ao Decreto
2.208/97, que estabeleceu a concomitância ou a sequencialidade
como únicas alternativas de articulação entre a Educação
Profissional e o Ensino Médio, não abrangendo a possibilidade da
formação integrada no período de 1998 a 2004. Nesse sentido,

- 343 -
relata que esse Decreto ganhou força para legalizar e legitimar o
movimento civil de fortalecimento dos espaços privados voltados
para a qualificação da força de trabalho, em uma redução em quase
todo o País da oferta da Educação Profissional nas redes públicas de
Ensino Médio, que passou a ofertar o Ensino Médio exclusivamente
de formação geral (propedêutica). Em 2004, por sua vez, o Decreto
5.154/2004, de 23 de julho, substituindo o Decreto 2.208/97,
aprovou a possibilidade de rearticulação do Ensino Médio com a
formação para o trabalho, por meio da oferta denominada
“integrada” em cursos, de modo a conduzir o aluno à habilitação
profissional técnica de nível médio. O Estado do Paraná retomou a
oferta dos cursos técnicos integrados a partir de 2004, mas não
correspondeu a uma distribuição uniforme dos cursos entre as
diversas áreas de trabalho, priorizando o curso Normal de nível
médio. A autora explicita, ainda, que houve um aumento
significativo do Ensino Médio Técnico nas redes federais de ensino
a partir de 2004:

Observa-se que, em termos absolutos, a oferta


de cursos de Ensino Médio integrado (51%)
superou a oferta de cursos subsequentes ao
Ensino Médio (49%). Ou seja, o Ensino Médio
Integrado, em menos de dois anos, passou a
representar, de fato, a maioria das matrículas na
Educação Profissional no Paraná, considerando
as escolas da rede pública paranaense em que o
Ensino Médio se articula com a Educação
Profissional nas duas modalidades adotadas
(integrada e subsequente) (CÊA, 2006, p. 12).

- 344 -
Cardozo (2008) citou algumas tentativas de integração entre
o Ensino Médio e a Educação Profissional construídas em algumas
localidades como experiências dos estados do Espírito Santo, do
Paraná, do Ceará e do Maranhão. As iniciativas no Espírito Santo e
no Paraná ocorreram mediante variadas ações como seminários,
estruturação física e material nas escolas, formação continuada dos
professores, o que propiciou a oferta dos cursos em conformidade
com o Decreto 5154/2004. Entretanto, especificamente sobre
Estado do Maranhão, a autora ressaltou que havia cursos sem
professores para ministrar algumas disciplinas, pois os contratados
tinham a formação técnica, mas não possuíam a pedagógica. O
depoimento de uma professora de uma das escolas da capital em
que foi implantado o Curso Técnico Integrado em Enfermagem
expressou preocupação com a demora da instalação do laboratório;
quanto aos tipos de materiais recebidos em desacordo com as
especificações e as necessidades do curso; em relação aos
problemas no que tange ao oferecimento do estágio; e a questão da
alimentação para os alunos do tempo integral; tudo isso gerava
desmotivação aos ingressantes. No caso do Ceará, a implantação
dos cursos não considerou a perspectiva do confronto à pedagogia
das competências. Assim, a autora destacou que o Decreto
5.154/2004 permitiu a abertura e o estímulo à formação integrada
nesses estados, mas, na prática, essa integração requer escolas bem
equipadas, com boa estrutura, laboratórios, bibliotecas, bem como

- 345 -
professores e demais profissionais preparados e em constante
formação e, sobretudo, garantia de financiamento, pois a falta de
recursos dificulta o funcionamento dos cursos em dois turnos.
Com base nas colocações de Cardozo (2008), em que foram
explícitos os problemas pedagógicos e estruturais em cursos do
Ensino Médio Integrado, afirma-se a necessidade de se pensar a
Educação Profissional de Nível Médio com mais cuidado,
primeiramente elencando as circunstâncias negativas
desencadeadas nos processos de ensino e aprendizagem na
inserção dos cursos e que podem influenciar na escolarização dos
jovens e causar problemas de aprendizagem e insucesso escolar e,
posteriormente, planejar soluções por meio de ações conjuntas.
Ressalta-se, também, que variados problemas de
escolarização que surgem nos contextos institucionais podem estar
ligados diretamente à construção e à reconstrução de projetos
pedagógicos sem uma ampla análise da escola e um debate
profundo e coletivo das demandas e necessidades dos cursos
ofertados e situações difíceis vivenciadas.
Pontes e Oliveira (2012) evidenciaram, em suas pesquisas, os
impactos da expansão dos institutos federais a partir de 2008, na
implantação do Ensino Médio Integrado nas instituições; seus
estudos focalizaram um Instituto Federal de Ensino não
mencionado. A transformação de Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET) em Instituto Federal de Educação, Ciência e

- 346 -
Tecnologia-IFET ordenou novas demandas de criação de estatutos,
regimentos e estrutura organizacional. Como os olhares estavam
voltados para a ifetização50 e a expansão, propostas e discussões em
torno das práticas didático-pedagógicas para o ensino integrado
ofertado no período ficaram postergadas e o fazer pedagógico,
esquecido. As ações priorizadas foram de cunho organizacional,
estrutural e pedagógico de alcance mais geral, não específico para
cada localidade. Com relação às implicações de ordem pedagógica,
muitos professores atendem a política de expansão em funções
gratificadas ou cargos comissionados, resultando em faltas de
docentes nas escolas em que trabalhavam, até ocorrer a
contratação ou a realização de concursos para essas vagas tidas
como ociosas. Didaticamente, esse aspecto é negativo, à medida
que a oferta da disciplina/conteúdos fica prejudicada e repercute na
aprendizagem dos estudantes.
Pontes e Oliveira (2012) concluíram enfatizando que é
preciso a Instituição investir continuamente em mecanismos
democráticos de discussão e estudos sobre os princípios e os
fundamentos do Ensino Médio Integrado e na avaliação sobre o seu
andamento; investir na formação e apoio técnico-pedagógico dos
professores; atentar para os eixos trabalho, ciência, tecnologia e

50
Termo utilizado para referir-se ao processo de transformação dos CEFETs
(Centros Federais de Educação Tecnológica) em IFETs (Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia) e ao conjunto de políticas públicas de expansão
da Educação Profissional, ou seja, criação dos IFETs.

- 347 -
cultura como norteadores de propostas, pois tais eixos são
anunciados em projetos, mas não são contemplados em estudos e
encontros de planejamento, posto que as necessidades da área
técnica destacam-se como referências para a organização da
sequência dos conteúdos curriculares de cada ano letivo e das
práticas integradoras (projetos, visitas técnicas e atividades
interdisciplinares diversas). Os autores terminam as proposições,
dizendo que a proposta do Ensino Médio Integrado deve considerar
a inserção crítica e criativa do sujeito não só no trabalho, mas na
vida social, cultural, artística, porquanto isso fica a desejar, uma vez
que a preocupação se efetiva mais na formação técnica.

Considerações Finais
Aponta-se que se não há um entendimento da proposta de
integração a partir do Decreto 5154/2004 e da própria Lei 9394/96,
todos partícipes do processo educativo terão dificuldades em
encaminhar as orientações pedagógicas para o Ensino Médio e
Ensino Médio Integrado, o que culminará com problemas de
escolarização, uma vez que as instituições poderão ter dificuldades
para efetivar as ações no interior das escolas. Diante dos entraves
que surgem no andamento das tarefas no cotidiano escolar em
consequência desses matizes educacionais, o jovem estudante é o
que mais sofre, já que pode apresentar uma aprendizagem
insatisfatória, e frequentemente a “culpa” é depositada nele, sendo

- 348 -
que o mesmo não recebe o apoio necessário para o seu
desenvolvimento.
Para Ciavatta (2005) a formação integrada remete a pensar
uma Educação para a emancipação humana acontecendo na
totalidade das relações sociais em que a vida é produtiva; a ideia
tem sua historicidade, está pautada na Educação socialista de ser
“omnilateral”, no sentido de formar o sujeito em todos os aspectos,
considerando sua integridade física, cultural, mental, política e
cientifica-tecnológica. A autora diz que o Brasil se tem caracterizado
por um dualismo de classes sociais, por desigualdades no acesso aos
bens e serviços; a ideia de integração, à vista disso, busca romper
com esse dualismo, no sentido de superar a divisão entre formação
geral e Educação Profissional; o trabalho passa a ser visto com
princípio educativo e a Educação tem a finalidade de transcender o
sujeito, capacitando-o para atuar, transformar e ressignificar sua
realidade. O sentido transcendente, segundo Ciavatta (2005), pode
estar oculto no dualismo impregnado nos currículos, separando a
formação geral da formação profissional e, por isso, é importante às
escolas produzirem de forma participativa seus currículos e
propostas pedagógicas. Nesse sentido, ela apresenta alguns
pressupostos para a realização de uma formação integrada e
humanizadora: a existência de projeto de sociedade visando à
superação do dualismo de classes; manutenção na Lei da articulação
entre Ensino Médio de formação geral e a Educação Profissional em

- 349 -
todas as modalidades; discussão e elaboração por gestores e
professores de forma coletiva de estratégias acadêmico-científicas
de integração; articulação da instituição com alunos e os familiares
por meio do diálogo; desenvolvimento de projetos de resgate da
escola como um lugar de memória; e garantia de investimentos na
Educação.

A ideia de formação integrada sugere superar o


ser humano dividido historicamente pela divisão
social do trabalho entre a ação de pensar, dirigir
ou planejar. Trata-se de superar a redução da
preparação para o trabalho ao seu aspecto
operacional, simplificado, escoimado dos
conhecimentos que estão na sua gênese
cientifico-tecnológica e na sua apropriação
histórico-social. Como formação humana o que
se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e
ao adulto trabalhador o direito a uma formação
completa para a leitura do mundo e para a
atuação como cidadão pertencente a um País,
integrado dignamente à sua sociedade política.
Formação que, nesse sentido, supõe a
compreensão das relações sociais subjacentes a
todos os fenômenos. (CIAVATTA, 2005, p. 85).

O ensino integrado, então, visa a romper com a dicotomia


entre formação geral e específica: a específica compreende os
fundamentos científicos que alicerçam a inserção do sujeito no
sistema de produção social; a geral é definida como os
conhecimentos nas áreas de linguagens, ciências humanas,
matemática e ciências da natureza, conteúdos estes vinculados à
Educação Básica, essenciais para o desenvolvimento do cidadão.

- 350 -
Integralizando essas duas vertentes, o aluno vai ter um leque de
oportunidades, tanto no mundo do trabalho, por meio da
habilitação técnica, como para continuidade aos estudos,
possibilitada pelos conhecimentos gerais.
Destarte, está explícito que o Ensino Médio não tem uma
identidade definida e atende estudantes também em fase de
construção da identidade; a par disso, assinala-se que contratempos
podem surgir no processo de ensino e de aprendizagem, tendo em
vista os objetivos do alunado no confronto com os objetivos desse
nível de ensino, tais como desajustes advindos da própria incerteza
dos rumos de formação do adolescente e da formação oferecida. Os
índices de fracasso escolar no Ensino Médio não são de se assustar,
tendo em vista que a formação oferecida apresenta muitos
problemas em relação ao almejado e necessitado pelo aluno. O
Ensino Médio tem suas peculiaridades e cabe à equipe conhecer
melhor o discente e fazer um trabalho de acordo com o seu perfil.

- 351 -
Referências

BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.069,


de 13 de julho de 1990.Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em
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07/05/2016.

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educação nacional. Disponível em
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______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e


Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo Escolar da Educação
Básica 2013 - Resumo técnico. Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2014. Disponível
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- 354 -
Sobre os Autores

Ailma do Nascimento Silva


http://lattes.cnpq.br/9221449106357481
Possui graduação em Licenciatura Plena Em Letras pela Universidade
Estadual do Piauí (1994), mestrado em Letras pela Universidade Federal de
Pernambuco (2002) e doutorado em Linguística e Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2009). Atualmente é professor
Adjunto II - dedicação exclusiva - da Universidade Estadual do Piauí. Tem
experiência na área de Latim, Fonologia e Teoria da Variação com ênfase
em Variação. É pesquisadora na área de Variação membro do Núcleo de
Pesquisas e Estudos Linguísticos - NUCEL/UESPI. Atualmente exerce a
função de Pró-Reitora de Ensino de Graduação. É professora permanente
do Programa de Mestrado Profissional em Letras(PROFLETRAS/UESPI).

Alcione Roberto Roani


http://lattes.cnpq.br/8176526425420820
Graduado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo - UPF / RS. Mestre
em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina -
UFSC . Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC. Graduando em Direito pela Universidade de Passo Fundo
- UPF. Atua como professor na UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul
- Campus Erechim. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em
Filosofia Contemporânea, em temas como: Ética, Metaética, Bioética e
Filosofia do Direito, Teorias da justiça, Hermenêutica, Filosofia Política e
Filosofia da Educação. Autores como: Immanuel Kant, Jürgen Habermas,
John Rawls, Ronald Dworkin.

Caroline Rippe de Mello Klein


http://lattes.cnpq.br/7893426515232490
Docente do magistério superior na Universidade Federal da Fronteira Sul,
campus Erechim (RS). Atua nos cursos de História e na disciplina de domínio
comum a todos os cursos da universidade - História da Fronteira Sul.
Licenciada e Bacharel em História pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS), Museóloga pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e Mestra em História pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS) com concentração em Estudos Latino-
Americanos. Estudos focados em história política e econômica
contemporânea do Brasil, atuando também na área da museologia em

- 355 -
memória e organização de acervos. Possui experiência como professora na
rede estadual de ensino (RS) no Ensino Fundamental, Médio e Educação de
Jovens e Adultos, lecionando História e Filosofia. Além de prestar serviços
a instituições museológicas no auxílio de construção do plano museológico
e organização de acervos.

Eduardo Dias da Silva


http://lattes.cnpq.br/5262032700960455
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA)
do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET) da Universidade
de Brasília (UnB) (2014), Especialista em Metodologia no Ensino de Língua
Portuguesa e Estrangeira pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER
(2013), Licenciado em Letras - Língua Francesa e respectiva literatura pela
Universidade de Brasília (2006) e em Pedagogia pela Faculdade de Ciências
de Wenceslau Braz (FACIBRA) (2015). Pesquisador do Núcleo e do Grupo
de Estudos Críticos e Avançados em Linguagem (NECAL/GECAL/CNPq),
membro da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), da Associação
de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e da Associação de Professores de
Francês do Distrito Federal (APFDF). Professor de Educação Básica na
Secretária de Estado de Educação do Distrito Federal - SEEDF (2014).
Atualmente, Diretor do Centro Interescolar de línguas do Paranoá (CIL-
Paranoá) pela mesma Secretaria. Tendo a Didática de Línguas, os Estudos
sobre Oralidade em Língua Estrangeira, Teorias Curriculares, Ensino e
aprendizagem de LE/L2, Práticas de Leitura, os Estudos sobre Gêneros
Discursivos/Textuais, os (Multi)Letramentos e Transculturalidade em
ambientes de ensino-aprendizagem, bem como a Formação de Professores
como norteadoras das minhas atividades e interesses de pesquisa e ensino
em perspectiva transdisciplinar com a Linguística, a Linguística Aplicada
(Crítica), a Literatura, a Educação e ciências afins.

Eliane Miranda Machado


http://lattes.cnpq.br/5187121815637281
Possui graduação em licenciatura plena em letras pela Universidade do
Estado do Pará (2006), Especialização em Educação do Campo pelo
Instituto Federal do Pará e Mestranda em Linguística pela Universidade
Federal do Tocantins - UFT. Atualmente é professora da rede estadual do
Pará - Educação Básica. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Língua Portuguesa.

- 356 -
Francisco Arrais Nascimento
http://lattes.cnpq.br/5422758405453978
Possui mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE (2015) e graduação em Administração pela
Universidade Federal do Ceará - UFC (2012). Tem experiência na área de
Ciência da Informação, com ênfase em Organização da Informação e do
Conhecimento, atuando principalmente nos seguintes temas:
sexualidades, análise documentária, tratamento temático da informação.

Francisco Francinete Leite Junior


http://lattes.cnpq.br/0928271518798636
Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Graduado
em História pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Graduado em
Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio (FALS), possui Especialização em
Psicopedagogia Clinica e Institucional (KURIUS), História Social (URCA),
Gestão Escolar (FJN) e Metodologia do Ensino Fundamental (FJN). É
Integrante do Geni - Grupo de Estudos sobre Gênero, Sexualidade e
Interseccionalidades na Educação e na Saúde (UERJ) e do LIEV - Laboratório
Interdisciplinar de Estudos da Violência (FALS).. Docente do Curso de
Psicologia Centro Universitário Dr. Leão Sampaio- UNILEÃO. Foi bolsista da
Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico
(FUNCAP). Atende em consultório particular e tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Gestão e Docência, atuando principalmente nos
seguintes temas: Corpo, Sexualidade, Estudos de Gênero, Direitos
Humanos, Psicologia, Educação, Ética, Perdas e Lutos, História.

Francisco Romário Paz Carvalho


http://lattes.cnpq.br/3856477574811318
É graduado em Pedagogia (2015) pela Faculdade Integrada do Brasil-
FAIBRA e graduando do Curso de Licenciatura Plena em Letras- Português,
pela Universidade Estadual do Piauí- UESPI. É pesquisador do GETEXTO
(Grupo de Estudos do Texto) e do Núcleo de Pesquisa NUCEL (Núcleo de
Estudos Linguísticos), da UESPI. Atualmente é bolsista de Iniciação
Científica do Cnpq, desenvolvendo o projeto "A INTERTEXTUALIDADE NA
CONSTRUÇÃO DE TEXTOS MULTIMODAIS DO FACEBOOK", sob a orientação
da professora Dra. Silvana Maria Calixto de Lima. Desenvolveu
anteriormente, também com o auxílio do CNPq, o projeto de pesquisa PIBIC
"PROCESSOS REFERENCIAIS NA PRODUÇÃO TEXTUAL DE ALUNOS DO
ENSINO BÁSICO DA REDE PÚBLICA DE TERESINA-PI", sob a orientação da

- 357 -
professora Dra. Silvana Maria Calixto de Lima. Os temas mais recorrentes
em seu currículo estão relacionados à Linguística Cognitiva, Linguística do
Texto, Sociolinguística, Gestão do Trabalho Pedagógico, História da
Educação e Letramento.

Ilma Maria Fernandes Soares


http://lattes.cnpq.br/2687423661980745
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia
(1994), Especialização em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em
Educação pela Universidade do Estado da Bahia (1997), Mestrado em
Educação pela Universidade Federal da Bahia (2005) e Doutorado em
Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia
(2015). Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da
Bahia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ludicidade e
docência universitária, atuando principalmente nos seguintes temas:
formação de educadores, crenças, cultura da escola, educação e políticas
educacionais.

Jair Moisés de Sousa


http://lattes.cnpq.br/1937979982636984
Professor Assistente na Universidade Federal de Campina Grande, Centro
de Saúde e Tecnologia Rural, Campus de Patos e Coordenador do
Laboratório de Epistemologia e História da Biologia - LEHBio. Possui
graduação em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela
Universidade Estadual da Paraíba e Mestrado em Genética e Biologia
Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Desenvolve
trabalhos nas áreas de: Ensino de Ciências e Biologia, História e Filosofia da
Biologia sob as bases do Pensamento Complexo e Epistemológico.

Luciana Soares dos Santos

Márcio Freitas Eduardo


http://lattes.cnpq.br/7611822617496149
Possui graduação em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (2004), mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (FCT-UNESP, 2008) e doutorado em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FCT-UNESP, 2014).
Atualmente é professor do curso de Geografia - Licenciatura na

- 358 -
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS - Campus de Erechim/RS),
atuando principalmente nos seguintes temas: abordagem territorial
geográfica, agroecologia, desenvolvimento territorial rural, movimentos
socioterritoriais e geografia socioambiental.

Maria da Conceição de Oliveira Andrade


http://lattes.cnpq.br/0277097360194661
Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2002), Especialista em Educação Ambiental pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (2005) e mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006). Atualmente é
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação da Infância,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação inclusiva,
educação ambiental, mídias e formação docente.

Maria Irene Miranda


http://lattes.cnpq.br/7012180124930804
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia
(1990), Especialização em Psicopedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia (1995), mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia (1998) e doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é
professor efetivo da Faculdade de Educação (graduação e pós-graduação)
da Universidade Federal de Uberlândia, coordenadora do GEPPE (Grupo de
Estudos e Pesquisa sobre a Psicopedagogia Escolar), coordenadora do
Curso de Especialização em Psicopedagogia. Tem experiência na área de
Psicologia da Educação, Psicopedagogia, Ensino Fundamental, Estágio
Supervisionado. Atua principalmente nos seguintes temas: Psicopedagogia,
Problemas de Aprendizagem, alfabetização e letramento. Autora de livros
e artigos que abordam principalmente a psicopedagogia e aos problemas
de aprendizagem na alfabetização.

Maria Letícia Neves


http://lattes.cnpq.br/3714809257215611
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste -
UNICENTRO. Atua no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência - PIBID, pela mesma universidade.

- 359 -
Maurício Michel Rebello
http://lattes.cnpq.br/9424916134359954
Professor Adjunto do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da
Fronteira Sul (Campus Erechim). Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS
(2007). Mestre (2009) e doutor (2013) em Ciência Política pela UFRGS. Atua
como pesquisador nas áreas de: representação política e accountability em
poliarquias, informação política, partidos políticos, eleições, Poder
Legislativo, reforma política (regras eleitorais e sua influência), legitimidade
do regime democrático e modelos de democracia. Trabalha com pesquisas
quantitativas. Contato: mmrebello@yahoo.com.br

Michelle Fernandes Lima


http://lattes.cnpq.br/3326773034222088
Professora da Universidade Estadual do Centro Oeste: Campus Irati (PR),
nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa em Ciências da Educação e
Políticas Educacionais. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação. Mestre em fundamentos da educação pela Universidade
Estadual de Maringá. Doutora em educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFPR. Professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro Oeste. Líder
do grupo de pesquisa Estado, Políticas e Gestão da Educação
(UNICENTRO/IRATI-PR), http://www2.unicentro.br/gepoge/quem-somos/.
Pesquiso nas linhas: Formulação, implementação e avaliação das políticas
educacionais (Ed. Básica e Superior); Pesquisa em Políticas Educacionais;
Política educacional em Gramsci; História da política educacional (educação
superior).

Milena Moretto
http://lattes.cnpq.br/7975946146874119
Possui graduação em Letras, Mestrado e Doutorado em Educação pela
Universidade São Francisco. Já atuou como professora dos anos iniciais, no
ensino fundamental de 6o. a 9o. ano e no Ensino Médio com as disciplinas
de Língua Portuguesa e Inglesa. Atualmente, é professora concursada no
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade
São Francisco. Participa do grupo de pesquisa ALTER-AGE da Universidade
de São Paulo, ALTER-LEGE da Universidade São Francisco e Relações de
ensino e trabalho docente da Universidade São Francisco. É coordenadora
do Programa de Leitura e do Programa de Formação Geral da Universidade
São Francisco. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua
Portuguesa, atuando principalmente com seguintes temas: Interlocução,

- 360 -
Produção de Textos, Reescrita, Gêneros Textuais, Análise do Discurso e
Sequências Didáticas.

Miriam Alves de Oliveira


http://lattes.cnpq.br/5930796421151861
Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará
(2013). Atualmente é bibliotecária da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará. Tem experiência em Biblioteconomia e Documentação.
Possui especialização em Ciência da Informação, com ênfase em
Biblioteconomia.

Robson Olivino Paim


http://lattes.cnpq.br/9236255481583535
Graduado em Geografia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina -
UNOESC - Campus de Xanxerê (2007). Especialista em Ensino de História e
Geografia pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó -
UNOCHAPECÓ - (2008). Mestre em Geografia pela Universidade Estadual
do Oeste do Paraná - campus de Francisco Beltrão, na linha de pesquisa
"Dinâmica, utilização e preservação do meio ambiente," e Doutorando em
Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, - Área de
concentração "Utilização e Conservação dos Recursos Naturais", Linha de
Pesquisa "Geografia em Processos Educativos". Atua como docente do
colegiado do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal
da Fronteira Sul - Campus de Erechim-RS.

Sônia Ferreira de Jesús


http://lattes.cnpq.br/4282430553707604
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, Pós-
graduada em Psicopedagogia Escolar pela Universidade Federal de
Uberlândia. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia
- Linha Saberes e Práticas Educativas. Atualmente Pedagoga no Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Goiás, Campus Itumbiara,
atuando como Coordenadora de Integração Escola-Empresa. Também
atuou como Orientadora Pedagógica dos Cursos bolsa formação
PRONATEC e Programa Mulheres Mil.

Tairone Lima de Sousa


http://lattes.cnpq.br/5271727454641030
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (2015).
Durante a graduação foi Bolsista de Extensão com o projeto intitulado:

- 361 -
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO EM VÍDEO pela PROEX/UECE. Bolsista de Iniciação
Científica com o projeto: OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA
UMA PEDAGOGIA DA ESPERANÇA: UM INCURSO NO PENSAMENTO DE
ENRST BLOCH E PAULO FREIRE pela FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio
a Pesquisa). Bolsista de Iniciação à Docência no subprojeto da UECE:
APRENDIZ DA DOCÊNCIA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA pela
CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa "FILOSOFIA E METODOLOGIA DA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO - FIMEPE/UECE-CECITEC desde 2012 e do Grupo
de Pesquisa Ensino de Ciências e Cultura vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRN. Trabalhou como Tutor presencial de
Língua Portuguesa na escola de E.M Liceu Lili Feitosa de Tauá-CE de agosto
de 2015 a novembro de 2015. Atualmente é Mestrando em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Atua e tem interesse
principalmente nas áreas de Fundamentos da Educação, Ensino de Ciências
e História da Educação.

Viviane de Cássia Tassotti Barreira

- 362 -
O novo perfil dos estudantes que
ingressam tanto na Educação Básica como no
Ensino Superior, a presença das tecnologias de
informação e comunicação, o cenário
socioeconômico e as teorias contemporâneas
de como o estudante aprende tem lançado
inúmeros desafios para professores e
pesquisadores. Para que o ensino corresponda
às necessidades e exigências apresentadas
pelo mundo atual de modo a
profissionalizarmos o ensino é necessário
estarmos atentos a essas e outras questões
que se apresentam nesse cenário que tem
provocado muitas inquietações nos
pesquisadores e professores.
Nessa direção, se quisermos dar conta
das demandas e exigências do mundo atual,
precisamos desenvolver propostas de ensino
que contribuam para a formação de
profissionais críticos para enfrentar as
exigências impostas pelo cenário educacional
vigente, de modo a problematizar e subverter,
quando possível, estas imposições.

- 363 -

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