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“O Sol Vermelho que ilumina os nossos corações”

Mao Tsé-Tung e a Revolução Chinesa

Wilson do Nascimento Barbosa

Maio de 2015

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Antecedentes

A China talvez seja ou haja sido – em algum momento – a região mais


importante do mundo. Um dos mais antigos centros de civilização, quase
todas as invenções que se tem como europeias são cópias ou evolução de
soluções criativas elaboradas anteriormente pelas diferentes civilizações ao
longo da história da China. A Europa desfruta em relação à China de uma
posição similar a da Grécia, em relação ao Egito e Oriente Próximo. Quase
tudo que se conhece como “grego”, veio de uma daquelas regiões. Da
mesma maneira, a Europa até o século XVIII era caudatária de muita
civilização chinesa. Certamente até, ignora isso.

No entanto, a Revolução Industrial e o desenvolvimento de armamentos a


ela associados, permitiu a matança em escala de multidão. Tal levou a
Europa, no século XIX, a instalar-se como força colonizadora por toda parte,
impondo seus métodos e interesses, quando necessário, pela força bruta e
pela violência.

A fim de poder comerciar com a China sem desfazer-se de ouro ou de


prata, os comerciantes europeus – à frente a Inglaterra – introduziram ali o
comércio do ópio em grande escala. As mercadorias trazidas da China se
pagavam assim com a importação de ópio pelos chineses.

Quanto às autoridades chinesas que não queriam se prestar a semelhante


jogo, eram afastadas pela força e pela violência. Na virada do século (XIX
para XX), um massacre de grandes proporções foi perpetrado pelas
potências europeias, para impedir que os governantes chineses retomassem
o poder político na China. Semelhantes crimes - é óbvio – não foram
esquecidos. O século XX viu nascerem numerosas novas sociedades
secretas que, ao lado das antigas, conspiravam para expulsar os
imperialistas estrangeiros e restabelecer a independência da nação chinesa,
com um novo e eficaz poder governante.

As diferentes potências imperialistas haviam repartido a China em “esferas


de influência”. Os capitalistas estrangeiros haviam-se apossado de todas as
atividades altamente lucrativas, como as finanças locais, os transportes e o
comércio exterior. Em teoria, o governo central da China ainda existia. No
entanto, tratava-se de fantoches, ali mantidos para efetuar o diálogo com as
classes dominantes locais e para enganar a massa do povo, que julgava

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ainda existir um governo soberano. Na verdade, o jogo das potências
estrangeiras, valendo-se da luta das camarilhas locais, havia desagregado
politicamente a China, a ponto de conduzir suas elites à inação.

Dessa forma, na massa do povo das diferentes províncias começou a


nascer um novo nacionalismo, a que não raro se via adicionado o desejo de
reformas sociais e econômicas, capazes de fomentar uma vida nova para a
maioria.

Com o apoio das forças estrangeiras, a China havia sido repartida entre
grupos e chefes militares, representantes de interesses localizados, mas
incapazes de representar as grandes maiorias do país. Tratava-se dos
“senhores de guerra”. Grupos feudal-militaristas mantinham exércitos
próprios, capazes de se guerrearem entre si e por si, conforme a conjuntura,
a serviço de interesses externos. Tais grupos não obedeciam ao governo
central. A terra se encontrava na posse de famílias de proprietários ligados
a tais senhores de guerra ou membros do governo-títere, sendo seu único
interesse preservar o “status quo” e viver da exploração e da miséria da
massa de centenas de milhões de camponeses. A estrutura social,
econômica e cultural de tais camponeses estava longe de ser homogênea.
Isso dificultava as trocas culturais e o estabelecimento de objetivos comuns
de luta.

Embora a China fosse muito rica em métodos artesanais e a difusão de


tecnologias com base em metal, madeira, etc, fosse de âmbito geral, a
indústria nacional no sistema fabril era fraca e reduzida. A jornada de
trabalho podia chegar a 14 ou 18 horas e os salários eram incrivelmente
reduzidos. Não havia direitos trabalhistas e o trabalhador podia sofrer
castigos corporais, ou até ser assassinado por motivos de trabalho. As
mulheres e crianças também eram submetidas a jornadas extensas e
destrutivas. Em algumas regiões, podiam ser raptadas impunemente e,
mesmo, vendidas. Aqueles que arrendavam a terra eram muito explorados.
A “meia” (50% do produto como pagamento de “direitos” do senhor) era o
pagamento mais comum, chegando não raro a mais que isso. Nas colheitas
magras, que eram periódicas, a fome epidêmica matava milhões de
indivíduos. A maioria da população não dispunha de recursos para tomar
uma xícara de chá. No lugar da mesma, instituiu-se o hábito de tomar como
“chá” apenas água morna. Para escapar da fome, a população aprendeu a

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comer todo tipo de inseto e de plantas. Quando o Partido Comunista da
China (PCC) tomou o poder, em 1949, viu-se obrigado a mudar o seu
programa, adotando a divisa de “assegurar uma refeição diária a cada
chinês.” Foram necessários 10 anos para materializar esta divisa, Instituiu-
se um sistema de contagem de calorias, para assegurar a cada camada
profissional a ingestão média diária de calorias que sua profissão requeria.

A extrema miséria era produto da presença e da ação conjunta das


potências imperialistas externas e o desespero da opressão e da exploração
das classes dominantes locais.

O Processo da Revolução Chinesa

As forças dominantes locais eram os senhores de guerra, os latifundiários,


a alta burocracia do serviço público e elementos da chamada burguesia
compradora (classe comercial intermediária). Esta última, formada por
banqueiros, lojistas e grandes comerciantes, compreendia também
industriais e mineradores que eram testas-de-ferro, estando todos a serviço
do capital usurário.

As camadas mais pobres e mais conscientes da população uniram-se no


período 1890-1920 em fortes movimentos locais de tipo democrático, de
objetivos anti-imperialistas e anti-oligárquicos. Este movimento popular
compreendia professores, estudantes, profissionais liberais como médicos e
advogados, operários, camponeses pobres e sem terra, desempregados das
cidades e empregados de serviços, elementos pequeno-burgueses,
camadas religiosas, etc.

O movimento popular chinês atingiu a culminância de uma onda de


protestos no período de maio e junho de 1919. Foram ações de massa em
várias localidades, que assumiram um claro conteúdo anti-imperialista.
Saíram às ruas os estudantes de Pequim a 4 de maio, para protestar contra
a decisão da Conferência de Paz, reunida em Paris. Era uma resolução que
mandava entregar ao Japão, territórios que anteriormente se encontravam
“arrendados” à Alemanha, na península de Chan Dun. O protesto foi mal
recebido pelas autoridades.

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O governo mandou abrir fogo contra os manifestantes, gerando enorme
indignação. Em Tien Tsin, Nanking e Shangai ocorreram choques de rua,
greves políticas, etc. Desencadeou-se no país uma campanha de boicote às
mercadorias japonesas. Em Paris, a delegação chinesa, refletindo a
indignação no país, recusou-se a assinar o Tratado de Versalhes. Assim, o
movimento de 4 de maio encarnou um espírito novo na nação chinesa,
situando os problemas da China num contexto internacional e
contemporâneo. Desse ponto de vista, a China surgia com vastas
possibilidades de propor-se uma nova direção política, compatível com o
mundo em marcha.

A propaganda política que exigia uma nova China espalhou-se como um


braseiro debaixo da cinza. Quando se olha para o número de greves, ele vai
em ascenso para 1920-1922. Em janeiro de 1922, uma greve muito forte de
marinheiros e operários dos estaleiros de Hong Kong (então colônia
britânica), veio à tona. Mais de cem mil operários abandonaram Hong Kong,
obrigando assim os patrões a conceder um aumento salarial para pôr fim à
greve.

Assim, como resultado do Movimento 4 de Maio, começaram a surgir


sindicatos entre os trabalhadores. Surgiram como cogumelos círculos e
agrupamentos socialistas e marxistas. Surgiram traduções para o chinês do
Manifesto Comunista, de Marx e Engels, e O Estado e a Revolução, de Lênin.
A proliferação dos círculos de pensamento socialista constituiu fonte de
avanço na compreensão das tarefas de transformação da sociedade
chinesa. Grande número dos jovens participantes do Movimento 4 de Maio
compreenderam as propostas democráticas do grupo do Dr. Sun Yat-Sen e a
ele vieram se unir. Outros adquiriram percepções ainda mais radicais,
passando a entender o processo chinês como um processo encadeado de
diversas revoluções necessárias, que levariam o país a um novo tipo de
sociedade.

Foi nesse novo ambiente que se reuniu em Shanghai uma conferência de


delegados de diferentes círculos marxistas e comunistas de todo o país, com
o intuito de debater a situação da China revolucionária. Foi ali, em julho de
1921, aprovada uma resolução para a criação do Partido Comunista da
China. Reconheceu-se a necessidade de uma prolongada luta pelo
socialismo e o caminho para estabelecer uma ditadura libertadora do

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proletariado. Os valores democráticos dos revolucionários chineses
contemplaram também amplamente os direitos de centenas de milhões de
camponeses, no programa que então estabeleceram. Em maio de 1922,
numa segunda conferência de todo o país, estabeleceu a estratégia que
propunha: (a) a derrubada do domínio feudal-militarista; (b) a expulsão dos
estrangeiros da China; (c) a criação de uma República democrática; (d) a
melhoria efetiva das condições de vida dos operários, dos camponeses, e
das camadas do povo em geral.

Umas poucas centenas – e logo milhares – de comunistas era o pequeno


núcleo que se propunha à tarefa de transformar toda a China. No entanto,
este pequeno coletivo tomou a direção correta para se vincular com as mais
amplas massas do povo. Iniciou-se a organização de sindicatos na maioria
das categorias profissionais; ativistas mobilizaram estudantes de todos os
níveis e trataram de trazê-los para a discussão política; criou-se a estrutura
da juventude comunista. Em maio de 1922, efetuou-se em Cantão o
primeiro congresso de toda a China (panchinês) dos sindicatos operários.

Um fato importante no nascimento da nova vanguarda revolucionária


chinesa era a mesma formada dentro da perspectiva leninista. Não havia
direções de trabalhadores e de estudantes que professassem o reformismo.
Assim, o PCC logrou estabelecer uma hegemonia completa na condução
ideológica das lutas populares.

Havia, contudo, o governo republicano de Sun Yat-Sen, estabelecido em


Cantão desde o outono de 1917. O Dr. Sun Yat-Sen era um raro democrata,
autenticamente progressista, mas tinha que se apoiar na burguesia nacional
e na pequena burguesia radical, cujo partido era o Kuomintang. Tal partido
representava a primeira aglutinação revolucionária na China do século XX
(1900-1915) e seus objetivos estavam ancorados na visão nacional e
democrática. À medida que a luta foi se intensificando e desdobrando,
dentro do Kuomintang revelaram-se elementos reacionários e outros
conciliadores, capazes de negociar com as camarilhas pró-imperialistas. A
intensificação política e a emancipação nacional da China não eram
encaradas de maneira tão drástica como na visão dos membros do P.C.C.

Desde logo, o Kuomintang se manteve como uma estrutura


conspiracionista, distante do povo a que julgava representar e fechada às

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manifestações revolucionárias populares. Olhavam seus membros para o
povo chinês com um olhar superior e sombrio. Sun Yat-Sen se esforçava
para costurar acordos com a reação feudal-militarista, que, no entanto,
eram frequentemente violados da parte desta. O governo nacionalista do
Sul se tornava instável. Nos choques e entreveros, Sun Yat-Sen via-se
obrigado a fugir de Cantão, mas as massas sempre o traziam de volta.

Os elementos vacilantes temiam Sun Yat-Sen também porque este era


simpático à Revolução de Outubro e a estudava com interesse, montando
boas relações com os soviéticos. Sen elaborou os chamados “Três Princípios
do Povo”, que foram divulgados desde 1907, ganhando enorme apoio das
pessoas comuns. Estes princípios expressavam a importância da união das
forças democráticas para assegurar uma linha de reformas na sociedade
chinesa: (1) o nacionalismo devia combater a dominação externa; (2) o
democratismo devia assegurar os direitos e a liberdade da maioria; (3) o
bem estar popular significava o fim da exploração feudal e a limitação do
poder do latifundiário e da burguesia compradora. Estas divisas eram
amplamente apoiadas pelos membros do P.C.C.

Era natural, portanto, que se desenvolvesse uma frente única anti-


imperialista, entre as classes mais significativas, o proletariado, as massas
camponesas, a pequena burguesia e a burguesia nacional, com o intuito de
obter as reformas profundas desejadas pela maioria dos chineses. Nesse
caminho, o II Congresso do PCC, reunido em junho de 1923, foi favorável à
criação de um bloco entre o PCC e o Kuomintang, com base no programa de
Sun Yat-Sen, dos “Três Princípios do Povo”. Os dois movimentos atuariam
em conjunto, mas cada qual devia preservar sua estrutura autônoma como
partido e como programa interno. Sun Yat-Sen foi completamente favorável
a tal resolução, iniciando-se uma colaboração mais profunda entre os dois
movimentos revolucionários.

Ao priorizar as tarefas da revolução democrático-burguesa perseguidas


pelo Kuomintang, o PCC impulsionou o avanço político daquela organização,
vindo a se desencadear o que a História chamou de Primeira Guerra Civil
Revolucionária (1924-1927).

Caracterizaram-se alguns traços particulares da revolução democrático-


burguesa da China, de acordo com o PCC e sua leitura marxista-leninista. A

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saber: o centro da etapa da revolução era anti-imperialista e antifeudal. As
forças motrizes básicas da aliança revolucionária eram o proletariado e o
campesinado. Só a hegemonia dessas forças através das organizações que
elas viessem a criar podia decidir do destino da luta revolucionária. Havia
também outras forças sociais, capazes de participar parcial ou totalmente
do processo de luta daquela etapa: a burguesia nacional tinha interesse em
sua sobrevivência social e econômica; as diferentes camadas da pequena
burguesia, particularmente aquelas urbanas, contrapunham-se à oligarquia
burocrática, ao latifúndio e aos senhores de guerra. Assegurar a hegemonia
da aliança operário-camponesa no plano físico da luta; assegurar a
hegemonia do proletariado na condução política estratégica da luta; tais
eram as missões do PCC e de seus militantes.

A direção do PCC compreendia cabalmente que as forças sociais vacilantes


passariam aqui e ali ao campo da contrarrevolução, com estreitamento
eventual da frente revolucionária. Por isso, a condução independente da
aliança operário-camponesa, através de seu sistema político e de seu
sistema institucional, adotando sempre as formas-de-luta que se tornassem
necessárias, era a fonte de vitórias sucessivas e duradouras na luta.

Nos diferentes planos do CC e do PCC, definiu-se também a forma como se


desdobraria o processo revolucionário. Haveria prolongadas guerras civis
revolucionárias, requerendo flexibilidade tática e firme orientação
estratégica. Estas guerras foram estimadas durar cerca de 25 anos, com
altos e baixos, num complexo caminho. De fato, o processo ocorreu de
acordo com esta previsão, indicando o acerto fundamental da direção
revolucionária chinesa. Com um movimento de fluxo e refluxo temporário,
ocorreram mudanças no processo de luta e no alinhamento das forças
sociais, captadas no “quadro leninista de relações de forças”.

A Revolução Chinesa não se processou de forma isolada, mas num


contexto internacional de grave crise de poder das potências imperialistas e
sob o impacto mundial da revolução soviética. A extensão da fronteira
soviética constituía importante ponto de apoio a favor da luta
revolucionária.

O Congresso do Kuomintang efetuado em janeiro de 1924, na cidade de


Cantão, aprovou a aliança com os comunistas e a reorganização do

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movimento. O novo Comitê Executivo Central do Kuomintang possuía em
seu seio comunistas de prestígio, como Mao Tsé-Tung (Mao Zedong). O
manifesto que o Primeiro Congresso emitiu baseava-se nos novos três
princípios estabelecidos pelo presidente Sun Yat-sen, a saber: (1) aliança
com a União Soviética; (2) aliança com os comunistas no plano de ação; (3)
apoio ao movimento operário e ao movimento camponês.

Estas novas diretrizes convertiam o Kuomintang em movimento


revolucionário nacional e democrático, um bloco entre burguesia nacional,
pequena burguesia, proletariado e campesinato que podia tornar-se sólido e
enfrentar as forças reacionárias na China. No entanto, o genro do Dr. Sun
Yat-Sen, secretário do mesmo, de nome Chiang Kai-shek, era um elemento
de direita, que organizava não só uma ala direita do movimento, como
possuía ambições de poder pessoal. Chiang Kai-shek opunha-se com
veemência à colaboração com os comunistas.

Com a nova coordenação, o Kuomintang fortaleceu o seu controle na


província de Kuomintang, e criou ali um núcleo de forças armadas capaz de
servir de apoio à luta revolucionária. Criou-se na ilha de Huan-Pu, uma
escola de guerra. Chou En Lai, destacado dirigente do P.C.C., foi ali
encarregado do trabalho político. Formaram-se ali, assim, centenas de
oficiais para as tropas do Kuomintang. As unidades militares foram
primeiramente espalhadas pelo governo de Cantão, para serem
reagrupadas com um comando central em 1925, sob o nome de Exército
Nacional Revolucionário. Os diferentes escalões deste exército possuíam
comissários militares e estruturas políticas. A maioria de seus instrutores
políticos era formada de comunistas.

Em virtude do gradual fortalecimento do governo de Cantão, que seguia


uma política correta de unidade, persuasão e acumulação de forças, os
elementos reacionários externos ao Kuomintang trataram de intentar em
Cantão um golpe, lançando à rua bandos armados. Os ingleses de Hong-
Kong armaram os sublevados e colocaram a seu serviço uma frota
numerosa de barcos de transporte. O povo de Cantão apelidou os lacaios
sublevados da burguesia compradora de “tigres de papel”. A escola militar
de Huang-Pu e os operários de Cantão esmagaram em breve a sublevação.
Nesse mesmo ano de 1924, a União Soviética e o governo nacional de
Cantão estabeleceram relações diplomáticas.

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Com a morte de Sun Yat-sen em março de 1925, fortaleceu-se na direção
do Kuomintang o grupo de Chiang Kai-Shek, que dissimulava então a sua
estratégia para fazer abortar a aliança com os comunistas. A morte de Sun
Yat-Sen serviu de estimulador da luta de massas, ocorrendo um forte
movimento anti-imperialista e anti-oligárquico em maio-agosto de 1925.
Ocorreram greves nas fábricas têxteis sob controle dos japoneses e a polícia
japonesa disparou, matando muitos trabalhadores. O cônsul norte-
americano determinou receber a bala os manifestantes estudantis em Fu
Chow. Em Shangai, foi assassinado em uma fábrica um dirigente comunista
e feridos outros. Tornou-se grande a indignação dos trabalhadores chineses.

Em 30 de maio de 1925, uma demonstração anti-imperialista organizada


pelos comunistas em Shanghai foi recebida com fogo de metralhadoras
pelas polícias inglesa e norte-americana. Novos massacres, sucedentes
naquela cidade, levaram a uma greve generalizada local, com a
participação de centenas de milhares de trabalhadores. Com efeito, esta
luta se propagou a outras cidades da China, com greves, comícios e
demonstrações. Houve boicote às mercadorias japonesas por toda a China.
Tien-Tsin, Nanking e Hankow viveram fortes manifestações. Em Cantão e
Hong-Kong, a greve atingiu as empresas estrangeiras ali localizadas: ela
durou dezesseis meses (até outubro de 1926). Os latifundiários do
Kwantung tiveram que enfrentar lutas e agitações.

Esse enorme movimento popular (maio, junho, julho) ficou conhecido como
“Movimento 30 de Maio” e foi um passo adiante no processo de mobilização
das massas chinesas. Milhares de pessoas despertaram para a vida política.
Foi um episódio que demonstrou o potencial de luta do proletariado chinês
para a luta revolucionária. Tais acontecimentos, por outro lado, não
assustaram apenas os membros da burguesia compradora e do campo
imperialista. Elementos vacilantes da cúpula da burguesia nacional, com
Chiang Kai-shek à frente, viram nas jornadas de maio-junho o indicador de
um gigante que despertava o povo chinês.

Em maio de 1926, após algumas medidas preparatórias, elementos de


direita, ligados a Chiang, apossaram-se do Comitê local do Kuomintang,
detendo mais de cinquenta dirigentes comunistas. Diante de forte pressão
popular, os homens de Chiang libertaram seus prisioneiros e se retiraram do
local. A polarização dentro do Kuomintang avançava com rapidez. Esta

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tentativa de golpe em Cantão tinha por finalidade sabotar a marcha que se
programara – após longa preparação – da campanha militar em direção ao
Norte, que logo deveria se iniciar. A ofensiva para o Norte visava derrotar
membros do campo feudal-militarista e enfraquecer as posições políticas
dos latifundiários na China.

Assim, em julho de 1926, 60 mil homens do Exército Nacional


Revolucionário marcharam para o Norte, para combater as forças
reacionárias ali agrupadas. O senhor de guerra U Pey-Fu, aliado da Grã-
Bretanha e dos EUA, perdeu forças em diversos recontros. Já em setembro,
o E.N.R. ocupava uma ampla frente, sobre o rio Yang-Tsé. O governo
nacional pode transferir-se de Cantão para Ujan (nome das três cidades
locais reunidas: Uchan Han-kow e Hanian).

O Exército Nacional recebeu nesta campanha amplo apoio da população,


por onde passava. Isso facilitou certamente as suas vitórias. A maioria dos
comandantes de suas unidades eram comunistas ou nacionalistas
simpáticos ao comunismo, o que facilitava suas relações com o povo
comum.

Enquanto o E.N.R. fazia suas operações, na retaguarda de seu inimigo


surgiam greves, paralisações, sabotagem ao transporte de armamentos e
de tropas, etc. Foram ali organizadas inúmeras sublevações parciais. Apesar
de forte repressão, o povo lutava e apoiava o avanço do exército
nacionalista. Muitos operários e camponeses desertaram de seus postos de
trabalho, para se alistar nas fileiras do ENR. Seus efetivos cresceram a 170
mil homens. Em março de 1927, em Shanghai, ocorreu uma revolta popular,
sob organização dos comunistas. Assim, o ENR entrou na cidade, tendo sua
tarefa enormemente facilitada. O ENR também entrou em Nanking.

A campanha ao Norte resultou, portanto, na liberação de um enorme


território da China das mãos do conservadorismo e da reação. Cerca de 250
milhões de habitantes passaram a viver no território da República. Ali, sob o
sopro das vitórias, intensificava-se a luta de operários e camponeses. Em
Han-Kow, a concessão inglesa foi tomada pelos operários da cidade. Por
toda parte as massas buscavam se organizar. O número de trabalhadores
sindicalizados saltou no ano de 1927 de 500 mil para três milhões. Em
Hunan, sob a direção de Mao Tsé-Tung, fortaleceu-se muito a organização

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dos camponeses. Elas compreendiam em maio de 1927, dez milhões de
pessoas. Nesse ano, o PCC atingiu 60 mil membros.

No entanto, o formidável avanço da luta popular intimidara os elementos


vacilantes dentro do Kuomintang. Os elementos da burguesia compradora e
do latifúndio que se viam prejudicados pelo avanço revolucionário
assumiam agora uma postura humilde, e corriam a queixar-se ante os
direitistas do Kuomintang, apontando “excessos” do povo. Tais elementos de
direita, assustados, buscavam por todos os meios frear a revolução e
desviar os pobres de seus objetivos legítimos, em busca da justiça social. A
direção central do PCC, colocada assim sob forte pressão dos chefes
direitistas do Kuomintang, adotou uma postura vacilante “não querendo
espantar a burguesia” nacional.

Chen Du Ziu (Che Duxiu) (1879-1942)

Chen Duxiu, co-fundador do PCC em 1921 ao lado de Li Dazhao, era


secretário geral do partido. No entanto, talvez devido ao rápido e favorável
desenvolvimento da situação política, com as vitórias revolucionárias, haja
perdido confiança nas forças próprias do movimento trabalhador e
camponês. Chan foi uma personalidade chave no Movimento 4 de Maio, mas
julgou que não se devia resistir à destituição do governo Wang em Wuhan,
ato praticado pela direita dominante do Kuomintang. Os generais alinhados
com Chiang Kai-Shek não aceitaram a reforma agrária ali levada a efeito e a
demora da direção do PCC em resistir aos nacionalistas-direitistas é quase
sempre apontada como a razão do chamado massacre de Shanghai (1927),
ou “incidente de 12 de abril”. Chiang e seu grupo deram um golpe e
assassinaram milhares de comunistas naquela cidade e, em seguida, em
outras partes da China. Dentro do C.C. do PCC, ocorria uma luta interna,
com Chen Duxiu sustentando a posição hegemônica a Mao Tsé-Tung
defendendo estratégia alternativa. A linha então trilhada pelo PCC via uma
identidade entre (1) a aliança operário-camponesa e (2) uma decorrente
estratégia político-militar, da cidade para o campo. Chen Duxiu era o
homem por trás das vitórias do Kuomintang e acreditava que sucessivas
campanhas militares, apoiadas por ampla mobilização urbana, seriam

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suficientes para mudar o poder de mãos na China, assegurando a vitória da
etapa nacional e democrática da revolução. Por isso, talvez haja aceitado a
queda do governo de Wang Jingwei em Wuhan como “um mal menor”, no
processo da aliança necessária com o Kuomintang.

Mao Tsé, que havia elaborado o informe “Uma Análise de Classe na


Sociedade Chinesa”, defendia outra posição. Para ele, a estrutura de classes
da sociedade chinesa dava um papel maior e mais complexo às diferentes
camadas do campesinado, o que tornava necessário (a) criar instituições
revolucionárias mais amplas e independentes para o curso da revolução de
modo (b) a assegurar a independência e a autonomia da aliança operário-
camponesa na luta nacional. Tratava-se do lado “antifeudal” da luta, que
estaria sendo subestimado por Chen Duxiu e sua direção, para Mao,
“esquerdista”.

Chen liquidou esta discussão com a proibição de divulgação e debate no


partido da posição de Mao. No entanto, o massacre de Shanghai colocou na
ordem do dia o problema da organização autônoma. A cidade era um
ambiente que havia caído na mão dos nacionalistas e para o povo era uma
tarefa difícil distinguir prontamente quais nacionalistas eram
“revolucionários” e quais eram “traidores”.

O próprio Mao Tsé escapou de ser fuzilado, no campo, porque fugiu do local
(pelo teto) de onde fora preso. Centenas de quadros do PCC que escaparam
do massacre tiveram que se refugiar no campo junto á base camponesa de
Mao, o Soviet de Jiangxi. A crença de Chen Duxiu de que a burguesia
nacional tinha um papel maior a desempenhar, certamente contribuiu para
bloquear seu apoio à descentralização do PCC do espaço urbano, indo rumo
ao trabalho rural. Esta insistência em manter-se junto de Chiang Kai-Shek,
levou Chen a ser afastado da direção do partido, em função do massacre
feito pelos nacionalistas.

Com o golpe de Chiang Kai-Shek, o Exército Nacional caiu nas mãos dos
elementos de extrema direita, dificultando sobremaneira o trabalho político
entre os soldados nacionais e fazendo atrasar o valor revolucionário do
mesmo. Chiang Kai-Shek e seus associados julgavam suficiente apossar-se
do poder e negociar com as forças contrárias à revolução, apresentando-se
como “um mal menor”. Centenas de barcos dos imperialistas que haviam se

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concentrado nos portos chineses exigiam o massacre dos comunistas,
bombardeando Nanking, com centenas de mortos. Em menos de um mês
(abril de 1927), milhares de operários revolucionários foram mortos em
Shanghai.

Desagregada a frente unida, com a passagem da intelectualidade


pequeno-burguesa e da burguesia nacional ao campo contrarrevolucionário,
impunha-se a hegemonia da aliança operário-camponesa como o único
caminho da luta, já a expressar uma etapa ainda mais alta de luta. Uma vez
que os latifundiários, a burguesia compradora e os feudais-militaristas só
podiam aceitar a luta armada, a guerra civil prolongada impunha-se como a
forma principal de luta da aliança operário-camponesa. Uma vez que a
burguesia nacional e a intelectualidade pequeno-burguesa não aceitavam
conviver com a liberdade das massas populares, rejeitando greves,
manifestações, etc, impunha-se para os revolucionários a criação de novas
instituições populares que assegurassem a autonomia e a vitória do povo
revolucionário. A criação e o desenvolvimento de bases rurais, livres da
burguesia, com a criação e o desenvolvimento do exército operário-
camponês então se impunha. E foi este o caminho tomado pela revolução.
Colocava-se uma nova etapa, a segunda guerra civil revolucionária (1927-
1937). A formação do exército vermelho foi declarada a principal tarefa para
a organização e a luta de massas.

Van Tan-Wei, chefe do governo de Shanghai, tomou partido de Chiang e


dos imperialistas, participando dos massacres. Desta forma, os comunistas
mais notórios que escaparam aos assassinatos, tiveram que passar à
clandestinidade ou escapar dos grandes centros urbanos.

Chiang Kai-Shek (1887-1975) afastou-se por completo da linha de Sun Yat-


Sen, e reforçou os laços do Kuomintang com as potências imperialistas. Com
o afastamento de Chen Duxiu (agosto de 1927), o partido comunista
organizou a revolta de tropas do ENR em Nanchang, derrubando o governo
local do Kuomintang. Sem a possibilidade de vencer caso continuasse ali,
tanto Chou En Lai quanto seu aliado Chou Teh preferiram se retirar. Teh foi
aliar-se ao senhor de guerra Fan Shiseng e Chou En Lai e Liu Bocheng
trataram de chegar ao Soviet dirigido por Mao em Jiangxi.

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O partido passou então a organizar o Exército Vermelho Chinês,
promovendo em várias províncias a guerra de guerrilhas e a formação de
companhias militares aptas à guerra de movimento. Destacaram-se nessas
atividades uma plêiade de oficiais, muitos dos quais vinham do ENR, outros
totalmente novos na ação (1927-1937).

Como exemplo, citaremos alguns dos homens de Mao que mais tarde
formariam o quadro dos seus famosos “dez marechais”.

Peng Dehuai (1898-1974)

Peng nasceu em uma família de camponeses pobres, indo à escola até os


dez anos, quando se tornou um trabalhador manual. Aos 16 anos, tornou-se
um soldado profissional. Serviu durante dez anos nas tropas dos senhores
de guerra de Hunan, sendo gradualmente promovido até chegar ao posto de
major. Em 1926, ingressou no Kuomintang e conheceu a concepção
comunista. Participou então da expedição “campanha do Norte” e da
tentativa de Wang Jingwei para fazer a reforma agrária em Wuhan. Após a
derrota de Wang, Dehuai juntou-se de novo às tropas de Chiang Kai-Shek,
até partir para ligar-se a Chou Teh e Mao Tsé-Tung. Assim, combateu em
defesa do Soviet de Jiangxi contra as forças de Chiang, sendo ali um dos
generais mais antigos do Exército Vermelho. Na hierarquia chinesa, seria
mais tarde o segundo dos marechais, só atrás de Chou Teh (Zhu De).

Apoiou Mao Tsé-Tung na conferência de Zunyi, contribuindo para leva-lo à


chefia da revolução. No campo de batalha, suas ações só eram igualadas
pelo brilhantismo manobreiro de Lin Piao (Lin Biao). Durante a Segunda
Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), defendeu a tese de estabelecer-se um
cessar-fogo com o Kuomintang, para concentrar as ações contra a invasão
japonesa. Foi daí o mais antigo comandante comunista na frente unida e na
resistência de Shanxi à ocupação nipônica (1937). Em 1938, era o principal
comandante do 8º Exército de Rota. Comandou em 1940 a “Ofensiva dos
100 Regimentos” uma tentativa de pouco sucesso para destruir as bases
logísticas dos japoneses do Norte. Combateu contra o Kuomintang no
Noroeste, derrotando-lhe as forças e capturando grande quantidade de
armas e equipamentos. Após a libertação da China, Dehuai foi um dos
chefes militares mais fiéis às orientações de Mao. Ele apoiou o líder na

15
opção por intervenção da China, quando se estendeu o conflito coreano, a
uma guerra de proporções mundiais (1950-1953).

He Long (1896-1969)

O futuro marechal He Long nasceu de uma família rural pobre, dentro de


uma minoria étnica, na província de Hunan. Long não recebeu educação
formal, mas tornou-se líder de um pequeno bando, quando teve que fugir
por haver cometido uma vingança pela morte de seu tio. Alistou-se mais
tarde no exército do Kuomintang e participou da vitoriosa Campanha do
Norte. Quando Chiang ordenou a supressão dos comunistas, Long rebelou-
se com outros militares e participou da mal sucedida insurreição de
Nanchang.

Fugindo das tropas de Chiang, Long organizou primeiro um Soviet na área


rural, em Hunan, deslocando-se posteriormente para Guizhou. As
campanhas de Chiang de cerco e aniquilamento o forçaram, contudo, a
abandonar as duas tentativas e juntar-se a Mao. Durante a Longa Marcha,
em 1935, ele apoiou Mao, ao discordar de Zhang Guotao, e as forças por
este comandadas. Com as novas bases do Exército e do partido assentado
em Shaanxi, Long combateu no Nordeste da China e na Segunda Guerra
Civil. No fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, após dez anos de campanhas
guerrilheiras, comandava um exército de 170 mil homens, sendo posto
então sob o comando de Peng Dehuai. Enviado para o Sudoeste da China,
participou ali da destruição das forças de Chiang Kai-Shek, sendo nomeado
na Reconstrução, após 1949, para cargos militares e civis.

Liu Bocheng (1892-1986)

Liu Bocheng nasceu em uma família camponesa, no Sichuan. Sua aldeia


natal está hoje submersa pelas águas da represa de Três Gargantas. Liu, um
dos marechais de Mao, tornou-se conhecido como o “Dragão Caolho”, sendo
um dos grandes estrategistas e táticos da China, um dos fundadores do
Exército Vermelho. Cresceu na pobreza, com grande esforço de sua família
para que fizesse os estudos básicos. De notável inteligência e firme
seguidor de Sun Yat-Sen, dedicou-se à causa de uma China democrática. Foi
escoteiro e depois ingressou na escola militar de Chongqing. Participou do
exército que combateu Yuan Shikai. Sob a bandeira de Sun, fez 10 mil

16
prisioneiros em uma batalha (1914). Promovido a general-de-brigada,
perdeu um olho na batalha em Fengdu, no Sichuan.

Na luta contra o senhor de guerra Wu Peifu (1923), foi nomeado


comandante da Rota Oriental, sendo posteriormente promovido a
comandante-em-chefe em Sichuan. Demonstrando seu talento no campo
de batalha, derrotou vários “senhores de guerra”. Na luta contra o senhor
de guerra de Yunnan, Long Yun, Bocheng derrotou a força comandada por
Chou Teh, que estava a serviço de Yun. Mais tarde, os dois foram bons
amigos no Exército Vermelho. Ainda em 1923, Bocheng tornou-se amigo de
Yan Angong, o irmão mais velho de Yang Shangkun e de Wu Yuzhang.
Angong era um dos mais antigos comunistas de Sichuan. Esta influência
levou Bocheng ao PCC, em maio de 1926. Comissionado em Chongqing,
combateu senhores de guerra e apoiou a expedição ao Norte.

Como comandante do 15 Exército Revolucionário Nacional, assistiu ao


golpe dado por Chiang em 1927. Liu dirigiu então a insurreição de
Nanchang, com Chou Teh, He Long e Ye Ting. Dela participaram Li Lisan e
Chou En Lai, entrando o PCC em estado de guerra com o Kuomintang.

Bocheng foi assim o primeiro chefe de Estado-maior do recém-criado


Exército Vermelho. Após a derrota de suas forças, passou à clandestinidade.
Enviado para Moscou, aprendeu ali o russo e cursou a Academia Militar
Frunze. Estudando as táticas e estratégias militares ocidentais, Bocheng
traduziu um manual militar russo para o chinês. “Estratégia das Armas
Combinadas”, com um texto seu de comentário sobre “A Arte da Guerra”,
de Sun Tzu. Durante o 6º Congresso Nacional do PCC, ocorrido em Moscou,
Bocheng fez uma exposição sobre seu trabalho militar.

Voltou para a China no verão de 1930, como Comissário do Comitê Militar


do PCC, e Secretário Militar da região do Yang-Tsé. Foi então enviado para
Shanghai, como assistente militar de Chou En Lai. Diante das graves
derrotas de 1931, foi nomeado chefe da Academia Militar do Exército
Vermelho (janeiro de 1932). Uma vez que o PCC estava sob o controle dos
“28 Bolcheviques”, Bo Gu, Zhang Wentian e Li De (Otto Braun) controlavam
a Comissão Militar, e Bocheng estava sob a influência dos mesmos. Por isso,
tanto no Soviet de Jiangxi-Fujian, como durante a Longa Marcha, ele entrou
diversas vezes em conflito de posição com os partidários de Mao e com o

17
próprio Mao. Bocheng era partidário da tese de guerra de movimento para
levar a formas de guerra regular, com batalhas convencionais, certo
conceito para ataques frontais, tomadas de cidades e fortificações, etc. Mao
e os seus generais – destacadamente Lin Piao – favoreciam uma estratégia
de guerra de guerrilhas com rarefação dos objetivos, cenário global e
formação de bases para aglutinar camponeses e fazer reformas agrárias
locais.

Bocheng – segundo Zhang Guotao – considerava Mao pedante e não


gostava de seu estilo de direção, em que dava missões militares para seus
oficiais “no varejo”, não os colocando a par do movimento estratégico em
seu conjunto, mas tampouco os liberando para a condução autônoma da
guerra. Peng Duhai, que era considerado franco até a agressividade, entrou
em conflito sério com Bocheng, por receber recursos inferiores aos
necessários para as batalhas e sofrer com isso pesadas perdas nas mesmas.
No entanto, com as graves derrotas do Exército Vermelho na Quinta
Campanha (Chiangkaishequista) de Cerco e Aniquilamento, Bocheng
começou a se afastar de Bo Gu e de Otto Braun, considerando-os
responsáveis pelas graves perdas ocorridas.

Durante a Longa Marcha, Bocheng tomou com a Coluna Central o


Município de Zunyi, na província de Guizhou (dezembro de 1934). Ali se
realizou a famosa conferência de Zunyi, (janeiro de 1935) em que Mao
assumiu o controle do partido, com o apoio de Bocheng e de seus generais.

Chu Teh (Zhu De) (1886-1976)

Chu Teh nasceu de uma família pobre em Sichuan (1886-1976). Foi, por
sorte, adotado por um tio rico quando tinha nove anos, o que lhe permitiu
ingressar numa academia militar como aluno. Juntando-se ao exército
rebelado no fim de sua formação, Teh progrediu aos poucos para se tornar o
que se chamava na China de então, um “senhor de guerra”. Conta-se que
Teh tornou-se esquerdista depois de ler um informe elaborado por Mao Tsé-
Tung. Ele teria pensado nos erros de sua vida comum, e deliberou então
livrar-se do vício do ópio e “servir à China e ao povo chinês”. Após a sua
desintoxicação, decidiu aderir ao comunismo de Mao, com quem teve uma
entrevista que o teria impressionado fundamente. Em virtude de sua
sintonia com Mao e Chou En Lai, Teh tornou-se um general capaz de aplicar

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militarmente todas as decisões da direção partidária, com êxito na maioria
delas. Com o tempo, tornar-se-ia um dos “Dez Marechais” do Exército do
Povo da China, gozando de prestígio em todo o mundo, por sua firmeza
política e habilidade militar.

Em sua juventude, Teh tornou-se professor de ginástica e tinha habilidade


em artes marciais. Como professor de jovens, terminou por ser demitido,
sob a alegação de “ideias ocidentais” e “ensino político” aos seus alunos.
Isso o levaria de volta à Academia Militar de Yunnan, em Kunming. Ali aderiu
ao Exército Beiyang e à Sociedade Secreta Tongmeghui, associação política
que depois fundaria o Kuomintang.

Em Yunnan, Teh fez aproximação com o célebre brigadeiro, revolucionário


nacionalista, Cai E (ou seja, Tsai Ao). Como parte do corpo de oficiais de Cai,
Teh combateria no período 1911-1915, quando se tornou comandante de
regimento na campanha para liberar Yuan Shinkai (1915-16). Com a morte
de Yuan, Cai tornou-se governador de Sichuan (junho de 1916) e Teh foi
promovido a comandante de brigada. O futuro marechal entrou em
depressão após a morte de Cai (novembro de 1916) e de sua primeira
esposa, tornando-se adicto ao consumo do ópio. Só em 1922 iria curar-se
deste hábito, após um tratamento em Shanghai. Empurrado por tropas
inimigas para a fronteira do Tibete, obteve por negociação um cargo de
segurança pública no governo provincial, o que lhe permitiu retornar para
Yunnan. No entanto, a segunda esposa de Teh e o seu filho foram
assassinados por “senhores de guerra” rivais, o que se diz haver sido o
motivo pelo qual Teh se retiraria da China para estudos militares na
Alemanha. Durante o seu tratamento em Shanghai, antes de dirigir-se à
Europa, Teh conferenciou algumas vezes com Sun Yat-Sen, naquela
metrópole chinesa. Em 1922, Chu Teh pediria ingresso no P.C. da China, mas
seu pedido foi recusado por se tratar de um “senhor de guerra”.

Teh morou em Berlim (1922-1925) e frequentou a Universidade de


Göttingen. Afirma-se que participou de cursos militares alemães, à época,
encobertos como atividade acadêmica, devido ao Tratado de Versalhes. O
fato é que Teh terminou expulso da Alemanha, por participar do movimento
estudantil, e protestos. Havendo se encontrado com Chou En Lai (Zhou
Enlai), este obteve sua adesão probatória ao PC chinês, o que lhe permitiu
ser enviado da Alemanha para a União Soviética, rumo a uma academia

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militar. Um ano depois, Teh foi enviado à China, para mediar a adesão do
então senhor de guerra Sichuan, Yang Sen, para que apoiasse a “Expedição
Nortista”. A missão não foi bem sucedida.

Em 1927, quando fracassou a Primeira Frente Unida, o comando do


Kuomintang ordenou que Teh atacasse Chou En Lai e Liu Bocheng, por causa
da insurreição da Nanchang. Teh desertou do Kuomintang com suas tropas e
obrigado a abandonar Nanchang, aliou-se ao senhor de guerra Fan
Shisheng, com o nome falso de Wang Kai. Em 1928, Teh, em contato com
Lin Piao (Lin Biao) e Chen Yi, afastou-se de Fan Shisheng e marchou com seu
exército de dez mil homens para Jiangxi e para as montanhas Jinggang. Ali
aderiu ao Soviet formado por Mao Tsé-Tung (Mao Zedong) no ano anterior, e
juntos criaram o Exército Vermelho, ampliando as áreas do Soviet.

Sua identificação com Mao tornou-se tão estreita que muitos camponeses
julgavam tratar-se da mesma pessoa. Criaram para esta identidade única a
expressão “Zhu Mao” aproximadamente “pelagem de porco”. Sob forte
pressão militar de seus inimigos, Mao e Teh tiveram que retirar-se para
Ruijin. Formando ali o Soviet de Jiangxi, Teh foi feito o comandante do
Exército Vermelho. Dirigiu assim a “Quarta Campanha contra o Cerco e o
Aniquilamento”, desencadeada pelo Kuomintang. Derrotado na “Quinta
Campanha”, a direção do PCC e trinta mil soldados foram obrigados a iniciar
a “Longa Marcha”. Isso era, na verdade, resultado da guinada dos
partidários de Chiang Kai-shek para a direita, e dos“vinte e oito
bolcheviques” para o oportunismo de esquerda, ao menos uma parte deles.

Em virtude das derrotas políticas e militares para o Kuomintang, que vinha


de sofrer a direção do PCC (assessorada pela IIIª Internacional), o nascente
Exército Vermelho de Teh e Mao viu-se obrigado a abandonar o território do
Soviet, sem fazer um plano de retirada estratégica, nem – é óbvio – atribuir-
lhe objetivos positivos possíveis. A “Longa Marcha”, sob a liderança dos
“Vinte e Oito Bolcheviques”, era uma retirada sem projeto e sem um eficaz
comando (Mao fora afastado). Estrategistas incompetentes, como Bo Gu
(Qing Ban Xian: 1907-1946) e Otto Braun (Li De: 1900-1974), haviam-se
imposto ao comando do Soviet de Jiangxi, depois de arruinar com suas
táticas insurrecionais, a luta nas cidades. Chou En Lai – aparentemente em
acordo com Mao – viu-se na contingência de aliar-se a Bo Gu e a Li De (Otto
Braun), acompanhando-lhes a direção desastrosa, até que a situação se

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tornasse madura para que Mao pudesse obter aliança com Wang Jiaxiang e
a maioria dos generais, de modo a fazer a conferência de Zunyi. Mao,
naquela conferência, obteve a seu favor a defecção de alguns importantes
membros do “Vinte e Oito Bolcheviques” (Wang Jiaxiang, Zhang Wentian e
Yang Shangkun). Foi possível, com esse arranjo, contragolpear e afastar a
dupla de “organizadores de derrotas” (Bo Gu e Otto Braun). Uma nova
direção foi articulada, com Mao, Chou En Lai e Wang Jiaxiang. Zhang
Wentian tornou-se secretário-geral no lugar de Bo Gu (Qing Bangxian), mas
este ainda ficou como membro do Politburô.

Em julho de 1935, Teh e Liu Bocheng ficaram com o 4º Exército Vermelho,


enquanto Mao e Chou En Lai comandavam o 1º Exército Vermelho.
Enfrentando situações extremas, o 4º Exército logrou sobreviver e foi
reorganizado em Yan’An sob a liderança de Mao e Teh.

Teh aumentou seu prestígio, como comandante em chefe no período 1935-


1940, na Segunda Guerra Sino-Japonesa e na Guerra Civil Chinesa. Junto
com Peng Dehuai, seria o organizador da “Ofensiva dos Cem Regimentos”
(20-08 a 5-12-1940), que causou sérias perdas para o Exército Imperial
Japonês na China Central. Em 1949, Chou Teh, seria nomeado comandante-
em-chefe do Exército de Libertação. Serviu mais tarde como Vice-chefe do
PCC (1956-1966) e Vice-Presidente da República Popular da China (1954-
1959).

A sabedoria da direção do P.C.C., mesmo em alguns raros momentos de


vacilação estratégica de camaradas dirigentes como Chen Duxiu, foi jamais
perder de perspectiva o acerto potencial da abordagem marxista e manter-
se no firme terreno da defesa do proletariado e dos pobres na luta de
classes. O período de desenvolvimento da revolução chinesa encerrava
tantos desafios graves, como oportunidades promissoras. O aventurismo
imperialista atingiu um ponto máximo naquela fase do entre-guerras (1918-
1939), com algumas potências de segunda ordem a desejar ocupar o lugar
deixado por outras, derrotadas no primeiro conflito de escala mundial. No
desespero para melhorar sua posição, cada potência acirrava ao máximo
suas contradições com outras, pretendendo substituí-las. O PCC encontrou-
se entre os partidos que mantiveram desde o princípio sua percepção
leninista, sem degenerar para as posições do reformismo ou bandear-se por
alguns vinténs para o campo do inimigo. O conceito de guerra justa foi

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invariavelmente aplicado, sem capitulacionismo e semn falso humanismo. O
PCC entendeu que a derrota na Primeira Guerra Civil revolucionária impunha
a plena aceitação da luta armada como elemento estratégico, sem o que a
burguesia nacional, o latifúndio, a burguesia compradora e a burocracia
feudal-militarista continuariam a escravizar o povo da China.

As derrotas políticas e militares para o Kuomintang não foram usadas como


desculpa para algum tipo de capitulacionismo, nem para colocar-se a
reboque deste ou daquele setor social inimigo. O PCC promoveu as guerras
de libertação, compreendendo que a libertação social era uma oportunidade
que residia dentro da libertação nacional.

Com a adoção de uma linha política clara em sua fronteira de classe, os


dirigentes do PCC tomaram o caminho de aperfeiçoar o seu entendimento
estratégico e tático exigido pelas diferentes conjunturas, exigido pelo fluxo
e refluxo do processo da luta nacional e da luta de classes.

Dessa forma, a aliança operário-camponesa viu-se materializada no


Exército Vermelho da China, instrumento de defesa da China, colocado nas
mãos do povo da China. Semelhante coragem e visão dos elementos
dirigentes do processo chinês – tendo à frente o gênio de Mao Tsé-Tung –
teria que levar no partido e na luta à formação de uma geração
incomparável de quadros, cuja expressão se vê no corpo de oficiais do
Exército Vermelho.

Lin Piao (Lin Biao) (1907-1971)

Lin nasceu como Lin Yurong, numa família de mercadores bastante rica, na
província de Hubei. Seu pai era fabricante de equipamentos para oficinas
industriais, mas desistiu da atividade na década de (19)10, em virtude dos
impostos e outros percalços. Lin, durante seus estudos tornou-se
simpatizante comunista e entrou na Academia Militar de Whampoa, no
Guangzhou. O diretor da Academia era Chiang Kai-Shek, que obteve a
admiração do jovem Lin. Lin foi então colega de Chou En Lai, oito anos mais
velho que Lin. Ambos se reencontrariam em Yan’nan, no processo da luta de
libertação, nos anos (19)30. Como membro do Exército Nacional
Revolucionário, Lin participou da “Expedição Nortista”, indo no período de
comandante de pelotão a comandante de batalhão. Aderiu então ao PCC, e
em 1927 chegou ao posto de coronel. A adesão ao comunismo abertamente

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e a vida incerta que assim se aproximava, arruinou o casamento de Lin,
então bastante recente, com uma moça de família Ong, que havia sido
arranjado tal casamento por seus parentes.

Com o “racha” entre nacionalistas e comunistas em 1927, o comandante


de Lin, que era Ye Ting, aliou-se a He Long e participaram da insurreição de
Nanchang (01-08-1927). Lin foi então comandante de companhia de
regimento de Chen Yi. Em fuga após a derrota, foi para o remoto território
dirigido por Mao Tsé-Tung, no Soviet Juangxi-Fujian (1928). Ali, se tornaria
um dos homens mais próximos de Mao. Assumiu o comando do Grupo do 1º
Exército chegando a uma posição militar então similar a de Peng Dehuai.
Quando Mao foi removido do comando pelo grupo dos “28 bolcheviques”,
coube a Lin apresentar-lhe as posições no grupo de comando, defendendo-
as com determinação, apesar de inferiorizado na decisão numérica. Graças
à mobilidade e eficiência das tropas de Lin, o 1º Grupo tornou-se a melhor
força atuante do Exército Vermelho.

Por exemplo: Lin defendeu que o Exército evitasse a guerra regular durante
a “Quinta Campanha de Cerco e Aniquilamento” (1933-34). Para Lin, o
exército devia maximizar as operações guerrilheiras e não oferecer frentes
estáveis ao inimigo. A visão de Bo Gu e Otto Braun era oposta. Dessa forma,
Lin e Mao estavam perfeitamente afinados e puderam se fortalecer
politicamente, enquanto membros dos Vinte e Oito aplicavam uma
estratégia que levava a derrotas. Quando as tropas de Chiang ameaçaram
aniquilar o Exército Vermelho, Lin foi o primeiro a preconizar o abandono do
território do Sudoeste de Jiangxi. No entanto, Braun e Peng Dehuai não
aceitaram esta posição, atrasando perigosamente o movimento de refluxo.
Na retirada do território no final do ano, Lin demonstrou-se o mais
competente em sua implementação, o que se manteve por toda a Longa
Marcha.

Finalmente, o Exército Vermelho alcançaria a remota Yan’an, na província


de Shaanxi, em dezembro de 1936, podendo ali dedicar-se à reorganização.
O seu prestígio alcançava toda a China, mas seu poder real encontrava-se
então no momento mais baixo.

Lin Piao tinha boas relações com Peng Dehuai. Não rivalizavam entre si
nem se hostilizavam, sendo os melhores chefes do Exército Vermelho no

23
campo de batalha. Assim, na conferência de Zunyi (janeiro de 1935) ambos
apoiaram a reviravolta, que trouxe Mao de volta ao poder. Nesta época, Lin
é em geral descrito como uma pessoa reservada,sem expansões pessoais,
ou visivelmente afetivas, e totalmente ao dispor de Mao Tsé-Tung. Lin
revelou-se um especialista em mascaramento, movimento guerrilheiro e
organização do terreno, evitando nessa época, ataques frontais e confiando
fortemente no trabalho antimil e no recrutamento dentro da tropa derrotada
pelo esclarecimento político. Havendo Lin travado mais de cem batalhas
(1927-1937), pessoalmente num período de dez anos, jamais havia sido
ferido. Tal só ocorreu em 1937. Chiang Kai-Shek pusera um prêmio de cem
mil dólares por sua cabeça e Lin costumava combater sempre em
movimento, no meio de suas tropas. Nunca puderam então achá-lo.

Entre 1930 e 1940, Lin derrotou todas as tropas contra as quais se bateu.
Considerado excelente tático no campo de batalha, apresentou sempre
profunda concordância com as estratégias de Mao, das quais pode ser visto
como um coautor. Os textos de Lin – que falava apenas chinês – foram
estudados não apenas pelos nacionalistas, mas também por japoneses,
soviéticos e franceses. Dirigiu a “Universidade Anti-Japonesa” em Yan’nan
(1937) e ali se casou com Liu Ximin, estudante daquela universidade. No
comando da divisão 115 do 8º Exército de Rota, derrotou os japoneses em
Sanshi (09-1937).

Um episódio bizarro quase pôs fim aí à sua vida. Soldados japonese que
haviam aderido ao Exército Vermelho apreenderam em campo de batalha
um uniforme japonês e uma espada (katana), com que presentearam Lin.
Este vestiu o uniforme, pôs a katana e “foi dar uma volta a cavalo”. Um
atirador das forças de Yan Xishan, julgando-o um japonês, atirou, atingindo
sua cabeça. Lin lesionou também a coluna, ao cair do cavalo. Devido à
gravidade de seu estado, foi enviado à União Soviética para tratamento,
onde permaneceu até 1942, como representante do PCC.

Ao regressar a Yan’an, dedicou-se à formação e treinamento de tropas.


Após a derrota do Japão, Lin foi nomeado comandante do Distrito Militar
Nordeste, na Manchúria. Recebendo equipamento apreendido pelos
soviéticos com a rendição japonesa, Lin pode equipar adequadamente suas
tropas. Com 280 mil homens, Lin pode aplicar suas táticas guerrilheiras
amplamente contra as tropas do Kuomintang. Por ordem de Mao, Lin tomou

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Siping, em Jilin (15-04-1946) e sustentou a praça até ser autorizado a
abandoná-la em 19 de maio. Mao desejava prosseguir a luta na Machúria,
mas Lin ponderou que as tropas não estavam ainda preparadas, dando-se
um cessar-fogo. Du Yuming, o comandante do Kuomintang, tentava lutar em
duas frentes, contra os coreanos e contra Lin Piao, mas não recebeu
reforços para prosseguir.

Lin então decidiu sua ofensiva geral contra o Kuomintang, conhecida como
as “Três Grandes Campanhas”. Na chamada Ofensiva de Verão derrotou as
tropas de Chiang Kai-Shek, obrigando-os a se retirar para Changchun e
Siping; apossou-se das áreas rurais e restabeleceu o contato com as tropas
comunistas ao sul de Liaoning. Sitiando Siping, apesar de desprovido de
artilharia (só tinha 70 peças), Lin travou ali ferozes combates rua a rua. Com
a chegada de tropas nacionalistas, Lin teve que retirar-se para o Norte.
Chen Cheng, comandante nacionalista, marchou para o Norte, mas não
pôde derrotar as manobras da guerra de movimento de Li, retirando-se para
os pontos fortificados e as cidades maiores da região. Lin também não podia
desalojá-lo e assim terminou a Campanha de Outono (1947). Lin Piao
intentou então a Ofensiva de Inverno, com uma tentativa de repetição de
um plano anterior. Iria atacar Fakui, Xinlitu e Zhangwu, conseguindo manter
o cerco desta última cidade. Ela caiu a 28 de dezembro. Lin dispensou então
suas tropas, julgando Chen Cheng que isso expressava fraqueza suficiente
para deixa-lo passar à ofensiva. Atacou assim Liaoning (1-01-1948), do que
se aproveitou Lin Piao para cercar o 5º Exército Nacionalista. Seu
comandante, Chen Linda, autorizado por Cheng a se retirar, foi derrotado e
desbaratado (7-01-1948). Wei Lihuang recebeu o comando das tropas de
Cheng, mas não pode evitar a captura de Liaoyang por Lin Piao (6-02-1948),
com a destruição da divisão 54 e a perda do controle da ferrovia, com os
portos do Mar Bohai.

Lin avançou, tomando as guarnições da Manchúria ocidental quase todas,


e bloqueando aquelas que não podia no momento atacar. Reorganizando
suas tropas como o Exército de Campanha do Nordeste, Lin assaltou e
tomou Siping (13/14-03-1948). Estava terminada a Ofensiva de Inverno.

Mao desejava que Lin tomasse novos alvos ao Sul, mas Lin não se sentia
confortável em deixar o inimigo à sua retaguarda. Por isso, a 25 de maio
cercou Changchun, com seu aeroporto e o comandante nacionalista ali

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estacionado, Zeng Tongguo. A luta se arrastou e Lin enviou tropas para
atacar Jinzhou, no rumo Sul, o que deu começo à Campanha Liaoshen.
Diante da defesa de Jinzhou pela força aérea nacionalista, Lin foi ordenado
por Mao a fazer um ataque decisivo para tomar a cidade. Tal foi feito, mas
Lin perdeu 10% de seu exército (20 mil mortos), embora capturasse 90 mil
prisioneiros e o comandante nacionalista Fan Hanjie.

Chiang Kai-Shek mandou assim um exército de meio milhão de homens


em socorro da frente Manchu, mas o mesmo foi cercado e destruído (21/28-
10-1948). O exército de Chiang retirou-se em desordem da região, sendo a
maioria de suas tropas capturadas.

Após tomar as províncias manchurianas, Lin voltou-se para o Norte da


China. Atormentado pela tuberculose, Lin obteria duas das três maiores
vitórias do dispositivo maoista. Então com um milhão de soldados, cercou
no Norte as forças de Chiang, na Campanha Pingjin. Em dois meses, tomou
Beijing e Tianjin. Ao tomar esta cidade pela força, Lin persuadiu o general Fu
Zuoyi, com seu exército de 400 mil homens, a entregar Beijing sem batalhas
(janeiro de 1949).

O PCC ofereceu esta negociação e rendição aos chefes do Kuomintang,


mas as negociações fracassaram. Lin viu-se compelido a combater no
Sudoeste, à frente de um exército com 1,5 milhões de homens. A última
vitória deu-se na ilha de Hainam. Lin foi o mais jovem dos “Dez Marechais”
de Mao nomeados em 1955.

Quando os exploradores não conseguem controlar a luta política das


massas, com as manifestações, greves, processos participativos e um sem
número de formas criadoras de associação e pressão sócio-econômica,
então tais exploradores desencadeiam a mais feroz repressão, buscando
intimidar a massa. Quanto aos quadros que organizam as lutas, buscam
exterminá-los moral e fisicamente. Nessas condições, os exploradores e
repressores buscam empurrar pela arbitrariedade a luta popular para um
beco-sem-saída, com o uso aberto da violência.

No caso em que a direção revolucionária não se deixa intimidar, toma


então ela as medidas organizativas necessárias para fazer face à opressão
aberta. As classes e os povos oprimidos tomam as armas quando são
forçados a tal pelos inimigos do povo. Cria-se então uma situação de

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embate de vida e de morte. Outra não foi a situação da guerra prolongada
revolucionária na China. As classes opressoras e seus aliados estrangeiros
aplicaram os níveis mais elevados conhecidos de repressão aos movimentos
populares. Devido à firmeza da direção revolucionária, contudo, criou-se o
Exército Vermelho como o instrumento de libertação e de luta do povo
chinês. Por este caminho, a vitória final foi a vitória do povo e não daqueles
que esperavam se perpetuar em sua exploração. O critério, portanto, na
aceitação da guerra na luta de classes é um critério objetivo: nenhum
partido ou movimento operário ou popular pode-se recusar a enfrentar os
inimigos do povo, não importa qual seja a forma de luta que os opressores
logrem impor. Este é o grande ensinamento, por certo, da revolução
chinesa e de seus dirigentes.

Luo Ronghuan (1902-1963)

Luo nasceu na província de Hunan, tendo sua família meios para prover
sua educação. Cursou a escola média de Xiejjn, e entrou na Universidade de
Shandong (1924), formando-se em Indústria e Comércio (1926). Em abril de
1927, entrou na Liga da Juventude Comunista e no ano seguinte no PCC.
Durante a Longa Marcha, foi o chefe de segurança do Exército Vermelho.
Encarregado do trabalho clandestino e de segurança, tornou-se
praticamente desconhecido para as vistas externas ao PCC. Depois da
Segunda Guerra Mundial, foi Comissário Político de Lin Piao no Nordeste da
China, durante a campanha que levou à criação da República Popular.
Ronghuan é reconhecido como homem de intenso trabalho político de
construção do partido e do exército, dentro das premissas leninistas e
maoístas.

Chen Yi (1901-1972)

Homônimo de um general nacionalista (homem de Chiang Kai-Shek), este


outro Chen nasceu em Sichuan e se tornou oficial de Lin Piao, participando
da Longa Marcha. De biografia pouco conhecida, foi tido como excelente
chefe guerrilheiro, desempenhando sucessivas missões difíceis para Lin, no
curso das guerras de libertação. Durante a guerra anti-japonesa, Yi
comandou o 4º Novo Exército, com êxito. Também derrotou as forças
nacionalistas na companha de Huaihai, libertando a região inferior do Yang
Tsé (1948-1949). Chen Yi, embora menos intensamente que Ronghuan,

27
também se dedicou ao “trabalho especial” (espionagem, contra-
espionagem, eliminação e desagregação do inimigo). He Zishu, um dos
membros dos “Vinte e Oito Bolcheviques” que estudaram na Universidade
Sun Yat-Sem em Moscou, contava que Chen Yi tinha uma grande
preocupação com temas de informação e contra-informação. E que daí lhe
hajam atribuído tarefas nessa delicada área.

Ye Jianying (1897-1986)

Mais tarde tornado um dos marechais de Mao, Jianying nasceu de uma


família de mercadores no Guangdong. Após os estudos básicos, graduou-se
na academia militar de Yunnan, em 1919. Como partidário de Sun Yat-Sen,
ingressou no Kuomintang. Foi professor da academia militar de Whampoa,
ingressando no PCC em 1927. Participou na insurreição de Nanchang, que
foi esmagada. Logrou então fugir para Hong Kong com Chou En Lai e Ye
Ting. Chamado pela direção para participar do levante no Guangzhou,
Jianying o fez, embora manifestasse sua discordância quanto à correção da
tentativa. Derrotados os insurretos, teve que fugir uma vez para Hong Kong.
Desta feita, na companhia de Ye Ting e de Nie Rongzhen. No balanço feito
pelos delegados da Internacional, Ye Ting foi punido, tendo que fugir e
exilar-se, mas Jianying foi considerado sem culpa na derrota e enviado a
Moscou para estudos militares.

Retornou em 1932 para servir como chefe do estado-maior de Zhang


Guotao, no Exército 4 de Frente, no Soviet de Jiangxi. Na junção com as
tropas de Mao Tsé-Tung (Mao Zedong), Zhang pretendia que se dirigissem ao
Sul, e estabelecessem uma nova base junto às minorias Qiang e Tibetana.
Mao achou isso uma má ideia, mas Zhang seguiu com seu plano, em que
perdeu 75% de sua tropa e teve que retirar-se por fim para Shaanxi. Apesar
de estar sob o comando de Zhang, Jianying concordava com Mao Tsé.
Passou-se então para o quartel-general de Mao com os livros-de-código e os
mapas de Zhang, deixando este sem comunicação com a direção e com
Moscou. Mao usou tal aparato para assumir junto ao Comitê Executivo da
Internacional a condição de ponto de apoio no desenvolvimento da situação
na China.

Nie Rogzhen (1899-1992)

28
Nasceu no Sichuan (hoje Chong Qing), de uma família muito rica e
internacionalizada. Com isso, logrou estudar como bolsista em Charleroi, na
Bélgica, nos anos (19)20. Estudou Ciência na Universidade do Trabalho, com
uma bolsa do Partido Socialista. Ingressou no PCC em 1923, havendo Chou
En Lai o transferido para a França, onde estudou Engenharia. Cursou depois
o Colégio Militar do Exército Vermelho Soviético, e a academia militar de
Whampoa. Durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, comandou a divisão
115 do Exército Vermelho de Rota, sob Lin Piao.

Nos anos (19)30, comandou o complexo de fortificações de Xishan Shanxi.


Enviado na Guerra Civil Chinesa (1945-1949) à região Norte da China,
derrotou as forças de Fu Zuoyi em Tianjin, cooperando para a tomada desta
e de Beijing (Pequim). Participou do Estado-Maior que dirigiu a participação
chinesa na Guerra da Coreia (1950-1953), na formação das decisões,
planejamento das operações militares e mobilização de efetivos. Foi diretor
do Programa de Armas Nucleares.

Xu Xiangqian (1901-1990)

Filho de uma família de ricos proprietários de terra, Xu aderiu a Chiang-Kai-


Shek em 1924, contrariando a vontade de seus pais e parentes. Em 1927,
rompeu com o Kuomintang e levou suas tropas para Sichuan, sob o
comando ali de Zhang Guotao. Quando este foi afastado, após a desavença
com Mao, Xiangqian foi servir sob Mao, mas em posição menos importante.
Na Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), Xu serviu em diversas
unidades vermelhas no Norte da China, dirigindo e construindo ali diversas
bases militares. Na última Guerra Civil Chinesa (1947-1949) suas tropas
tomaram a cidade de Taiyan, que era poderosamente fortificada. Exerceu
numerosas posições políticas e militares depois da Vitória (1949) e após a
Revolução Cultural apoiou Deng Xiaoping em suas reformas.

Ye Jianying e Xu Xiangqian apoiaram a queda da chamada “Gangue dos


Quatro”, após as mortes de Mao Tsé-Tung e Chou En Lai. Muitos outros
chefes militares se destacaram nas campanhas do Exército Vermelho, como
Xu Shiyou e Yang Dezhi, por exemplo. Citamos o caso dos marechais de Mao
apenas para indicar a importância da chefia militar, na estrutura geral do
PCC. A adoção da construção do exército como linha principal da ação

29
revolucionária teria que resultar no mesmo como o centro político da vida
da China, durante a guerra prolongada e depois dela.

Na verdade, a associação entre o poder nacionalista de Chiang e a velha


burguesia compradora gerou uma nova burguesia compradora, coadjuvada
por uma pequena burguesia de direita, agressiva e anti-democrática. Esse
tipo de poder, depois de 1927, tornou-se o ambiente das cidades
irrespirável. Toda vida política progressista teve que passar à
clandestinidade. Os partidários do Kuomintang estabeleceram uma ditadura
brutal, com a caça e eliminação física dos comunistas ou de seus associados
políticos. O PCC viu-se obrigado a montar redes de atuação clandestina,
com trabalho forte de desagregação, de informação e de contrainformação,
que consumiu dezenas de milhares de quadros. No entanto, o PCC tinha que
efetuar este tipo de trabalho, para (1) evitar seu isolamento na guerra e na
área rural, (2) assegurar uma arte operativa superior e (3) minar as bases
sociais de expansão do Kuomintang.

O trio dirigente do PCC depois da derrota de 1927, constituído por Zhang


Guotao, Li Lisan e Qu Qiubai (Chu Ki-Bai) teve dificuldades para manter o
PCC vivo nas cidades, com a intensa repressão do Kuomintang (1927-1933).
Zhang foi enviado para Moscou e retornou em 1931, tendo que apoiar-se
nos “28 Bolcheviques”. A direção decidiu, para sobreviver, mudar-se para a
área rural, concentrando-se na base de E-Yu-Wan. Derrotada a base em
1932, Zhang levou o 4º Exército Vermelho para Sichuan. Esta base também
sofreu dificuldades, levando Zhang e 80 mil homens a se unir na Longa
Marcha com as tropas de Mao. Zhang marchou para o Sul, enquanto Mao
marchou para o Norte, rumo a Shaanxi. Mao aí ganhou o apoio de Ye Janying
e de Yang Shangkun, o que lhe permitiu sobreviver a um expurgo que Zhang
preparava.

Desta forma, concentrando-se a maioria dos dirigentes do PCC na área


rural, a fusão do aparato do partido e do Exército Vermelho seguiu uma
tendência natural.

Yang Shang Kun e Ye Jenying fizeram a ponte com a Executiva da


Internacional que Mao precisava para ser aceito como dirigente máximo do
PCC. Assim, o poder político do Bo Gu, Otto Braun (Li De), Zhang Guotao e
Wang Ming começou seu ocaso decisional na estratégia do PCC. A cisão dos

30
“28 bolcheviques” permitiu a Mao assumir o comando supremo e impor sua
política de guerra de movimento que levaria no longo prazo à vitória. A
Longa Marcha durou 370 dias e percorreu 9.000km. Atravessou todo o
território ocidental da China, rumo a Shaanxi. A Conferência de Zunyi (15/17
de janeiro de 1935) alterou a estrutura do Politburô, dando uma
oportunidade a Mao Tsé-Tung de aplicar sua própria estratégia
revolucionária. Na conferência, Zhang Wentian apoiou os pontos de vista de
Mao e fez uma ponte crítica dos erros até ali cometidos, que expressavam
as ideias de Bo Gu, Otto Braun e outros. Isso permitiu a Mao “detonar” as
concepções desses dirigentes em seguida, ganhando o apoio da maioria. A
política de zigue-zague que era seguida pelos delegados da Internacional e
seus seguidores, expressava as contradições e as lutas no seio do poder
soviético e pouco podiam contribuir para uma leitura necessariamente
chinesa, do curso da guerra revolucionária da China. As lutas de Zinoviev,
Tukatchevsky, Stálin e outros não tiveram grande valor para a revolução
chinesa e era assim que Mao pensava, embora não pudesse expressá-lo em
público. Como efeito da conferência, Zhang tornar-se-ia secretário geral em
março de 1935, e Mao tornou-se assistente de Chou En Lai na “troika”, o
que na prática lhe dava a elaboração da linha militar do partido. A tarefa
então era sobreviver na Longa Marcha, o que foi feito com enorme sacrifício.
Com a união dos três exércitos vermelhos, o partido obteve o isolamento
necessário ao seu trabalho de reconstrução militar, ao chegar ao Shaanxi.
Chou passou sua posição de comandante do exército para Mao, que passou
a presidir assim a Comissão Militar (Mao-Chou-En Lai-Deng Xiaoping).

A ascensão de Mao no PCC, na verdade ia dar uma oportunidade ao povo


da China para vitoriar-se. Ao contrário da confusão e vaivém dos falsos
teorizadores, o pensamento de Mao se expressa com clareza e possui
determinação estratégica:

“Do ponto-de-vista da organização, é preciso aplicar com rigor o princípio da


vida democrática sob uma direção centralizada, segundo as indicações
seguintes: 1- os órgãos dirigentes do Partido devem definir uma linha
diretriz justa, devem encontrar a solução dos problemas que surgem e
erguer-se, assim, em centros de direção; 2- os organismos superiores
devem conhecer bem a situação nos organismos inferiores e a vida das
massas, a fim de contar com uma base objetiva para uma direção justa; 3-

31
os organismos do Partido, em seus diferentes escalões, não devem resolver
os problemas superficialmente. Uma vez tomada a decisão, esta deve ser
executada com firmeza; 4- todas as decisões importantes dos órgãos
superiores do Partido devem ser rapidamente levadas ao conhecimento dos
órgãos inferiores e da massa dos membros do Partido; 5- os organismos,
inferiores do Partido e a massa dos membros do Partido devem discutir, em
detalhes, as diretrizes dos organismos superiores, apreendendo todos os
sentidos e determinando os métodos a seguir, para os executar.”

“A eliminação dos conceitos errôneos no Partido” (Dezembro, 1929), Obras


Escolhidas de Mao Tsé-Tung, tomo I.

A Segunda Guerra Civil Revolucionária (1927-1937)

O governo do Kuomintang, tornado reacionário e com sua capital em


Nanking, era o instrumento das velhas classes dominantes e do
imperialismo para formar uma nova carapaça de dominação e imiseração
contra o povo chinês. O Kuomintang degenerou em um partido da grande
burguesia, de ladrões dos cofres públicos e de latifundiários. Seus métodos
repressivos não conheciam limites. Basta dizer que alguns de seus chefes
utilizaram presos comunistas como lenha de locomotivas à carvão nas
ferrovias. No entanto, a esmagadora maioria do povo se opunha à barbárie,
concentrada nas forças armadas do Kuomintang e dos agentes imperialistas
estrangeiros. Pode-se compreender assim que as “razzias” promovidas pelos
latifundiários na área rural encontrassem crescente resistência da parte dos
camponeses, como a formação de milícias locais e pequenos destacamentos
armados.

Uma vez que o plano do Kuomintang – ou de seus elementos direitistas –


para destruir o PCC de surpresa houvesse fracassado, a política
generalizada de assassinato dos elementos progressistas da população não
poderia dar resultado muito melhor. A política do PCC melhorou com o
afastamento do núcleo ligado a Chen Duxiu da direção, tomando-se um
caminho mais claro de organização independente das forças do povo e
deixando de lado esperanças infundadas na burguesia nacional e na
intelectualidade pequeno burguesa, - forças necessariamente dúbias e
vacilantes – que não poderiam jamais desempenhar papel de hegemonia.

32
O desdobramento do plano estratégico militar do PCC era (a) retirar suas
guarnições e/ou forças políticas de cidades ou localidades que eram ou
podiam ser controladas pelo Kuomintang; (b) praticar levantes ou operações
armadas nas concentrações urbanas em que isso fosse possível; (c) na
impossibilidade de vencer e implantar soviets, retirar-se para áreas rurais ou
remotas, onde a perseguição do inimigo se tornasse mais difícil; (d) no
processo de retirada, ir concentrando as tropas disponíveis, para preparar a
hipótese de contra-ataques e de uma contra-ofensiva. Semelhante
estratégia foi aplicada com maior ou menor êxito, no período 1927.

Seguindo esta diretiva, Chou Teh levantou suas tropas, com outros oficiais,
em Nanchang, em agosto de 1927. Essas tropas foram tomadas do E.N.R. e
dirigiram-se para o Sul, desencadeando a guerra de guerrilhas em grande
escala. O Exército Vermelho assim criado seria mais tarde denominado
E.N.L., ou seja, exército nacional libertador. Sublevações de operários e
camponeses, chamadas “colheitas de outono”, ocorreram ao mesmo tempo
em toda a China Central. Mao Tsé-Tung, em Hunan e no Tzian-Si logrou com
isso criar a primeira base revolucionária do PCC.

Em dezembro, ocorreu a insurreição operária na cidade de Cantão, com a


formação de um governo operário-camponês. Foram ali anulados todos os
convênios que expressassem direitos desiguais. As terras foram tomadas
dos latifundiários e divididas entre os camponeses. Foi instituída a jornada
de oito horas de trabalho. No entanto, as forças do Kuomintang lograram
vencer os insurretos. Nos três primeiros dias, fuzilaram sete mil deles. Em
toda parte, os elementos sobreviventes das lutas fugiam para as áreas
rurais, onde era menos forte o poder repressivo do Kuomintang e dos
latifundiários. Na região de Ching Kanshan, área montanhosa, o general
Chou Teh juntou suas forças às de Mao Tsé. Formaram então o 4º Corpo do
Exército Vermelho. Desta forma, a Segunda Guerra Civil Revolucionária
combinou uma série de levantes organizados localmente com ações
guerrilheiras de diferente envergadura.

Com o processo de unificação das forças revolucionárias nas áreas rurais,


impunha-se ao PCC duas tarefas: (a) acumular e ampliar suas forças
armadas; (b) escolher a estratégia mais adequada para fazê-lo com sucesso.

Crescimento das Bases Revolucionárias

33
A política de formação de bases revolucionárias nas áreas rurais foi em
expansão nos anos (19)28 e (19)29. O PCC fortaleceu-se nas províncias de
Hunan, Ju-Bey, Fu-Tzian e Tzian-Si, entre outras. O Kuomintang começou a
desenvolver o que chamava de “estratégia de cerco e aniquilamento”, com
ela empurrando as frações do exército vermelho que encontrava nas
diferentes bases camponesas. Nos primeiros anos, a vida de tais bases era
instável, sendo eventualmente destruídas, o que obrigava as forças
revolucionárias a migrar para outros pontos.

Contudo, pouco a pouco o exército vermelho foi formando um corpo de


oficiais acerado na luta guerrilheira, capaz de apoiar-se e apoiar
solidamente a população revolucionária. A vida do exército de Chiang Kai-
Shek tornou-se cada vez mais difícil. Era em cada base constituído um
governo de operários e camponeses, com delegados eleitos pela população
local. Era feita uma reforma agrária parcial, que assegurava uma efetiva
melhoria de vida para os trabalhadores e da qual estava apartada a
preocupação com o lucro. Organizavam creches, postos de saúde e escolas.
A população aprendia a não viver como antes e formava milícias, que
ajudavam os combatentes do exército vermelho a enfrentar o verdadeiro
inimigo.

Tal poder revolucionário expressava uma ditadura democrática dos


trabalhadores da cidade e do campo, em que as decisões eram garantidas
pelo voto delegado majoritário. As tarefas da revolução anti-imperialista e
antifeudal eram ali apresentadas – sem rodeio – na ordem do dia.
Eventualmente, as empresas ali existentes eram – quando estrangeiras –
tomadas; quando nacionais, postas a trabalhar para o povo, mas
preservados os direitos de seus proprietários. Desse modo, o PCC não se
deixava educar pela burguesia nacional, mas, ao contrário, a educava para
viver com o povo chinês. Estabeleceu-se a jornada de oito horas, férias
anuais e descanso semanal. A selvageria era expulsa das relações sociais.
As mulheres recebiam os mesmos salários e os mesmos direitos que os
homens. Criavam-se tribunais populares. Desse modo todos aqueles que
viviam numa base revolucionária, mudaram a perspectiva de sua vida para
sempre.

Em 1931 (dezembro, reuniu-se na cidade de Chzhui-Tzin o Primeiro


Congresso dos Sovietes (Chineses), com representantes de todas as bases

34
revolucionárias do país. Foi eleito um governo central operário-camponês,
tendo à frente Mao Tsé-Tung (Mao Zedong). O fortalecimento de um poder
popular independente foi motivo de profunda irritação para Chiang Kai-Shek
e seus generais. Por isso reforçaram as “campanhas de aniquilamento”
contra as regiões libertadas (4 campanhas em 1930-32). No entanto, em
1933, viviam sob o poder vermelho dos Soviets cerca de 50 milhões de
chineses. O exército vermelho possuía mais de trezentos mil combatentes.

A invasão japonesa no Nordeste da China

Dando curso às suas pretensões imperialistas e iludido com o apoio


aparente da Grã-Bretanha e dos EUA, o Japão – no caminho do suicídio –
invadiu a Manchúria, território do Nordeste da China. O “ultra-patriótico”
governo de Chiang Kai-Shek nada fez para rechaçar o suposto inimigo.
Dessa forma, o Japão inventou ali um Estado independente, o Manchu-Kuo
(1931).

Em resposta, o PCC e o governo soviético chinês lançaram um manifesto,


convocando a uma guerra nacional-libertadora contra o imperialismo
japonês. Com isso, moveu-se uma vez mais o “pêndulo do oportunismo” da
intelectualidade pequeno burguesa, que passou a criticar a covardia do
Kuomintang e elogiar a inteireza moral da luta revolucionária. Chiang
deliberou então primeiro “exterminar” os comunistas, para depois bater-se
com os japoneses. Desencadeou apoio à “5ª Campanha de Cerco e
Aniquilamento” contra as bases revolucionárias, atacando na China Central
e meridional com mais de um milhão de soldados. Em virtude da
desproporção de forças, o exército vermelho passou à retirada em todas as
frentes locais. Na verdade, o PCC havia ingressado em uma linha militar que
subestimava o inimigo, pois passara a priorizar ataques de guerra regular a
praças cada vez maiores em mãos do Kuomintang. Esta agressividade
precoce, levada a cabo por uma orientação identificada no debate como
“esquerdista”, de aventuras, não permitiu igualmente resistir à brutal
ofensiva do Kuomintang com a “5ª Campanha”. Chou En Lai aliou-se então
a Mao Tsé para mudar a política militar que punha em risco toda a
estratégia do PCC. Em outubro de 1934, o exército vermelho conseguiu
romper o cerco montado por Chiang e iniciou a Longa Marcha de 9.000 km
para o Norte, tomando a rota das províncias ocidentais. Sob a nova direção

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liderada por Mao Tsé-Tung, iniciava-se o fim dos erros do PCC e se abria o
período de sucessivas vitórias, até o desfecho da luta.

A mudança das bases do Exército Vermelho para o Noroeste permitiu


corrigir os erros anteriores e iniciar uma nova fase de efetiva acumulação de
forças revolucionárias. Foi estabelecida uma sólida retaguarda encostada na
fronteira soviética e criou-se uma nova direção, liderada por Mao e
efetivamente de compreensão leninista. Mao Tsé-Tung, eleito presidente do
Comitê Central garantiu a aplicação de uma linha de princípios, marxista-
leninista. Acabou-se o ziguezague, para a esquerda e para a direita. O PCC
tornou-se capaz de saber o futuro do povo chinês. Iniciaram-se assim
medidas para enfrentar a agressão japonesa. O PCC ofereceu ao
Kuomintang a cessação de ações na guerra civil, para ambos enfrentarem o
perigo japonês. Chiang, no entanto, preferiu silenciar todo o tempo que lhe
foi possível.

As forças japonesas passaram à ofensiva no Norte da China, em julho de


1937. Nessas novas condições, Chiang viu-se obrigado a admitir
verbalmente a luta conjunta contra o Japão. Contudo, não apareceram as
medidas organizativas necessárias À defesa do país e do território.

Assim se expressou Mao sobre as características daquela conjuntura:

“A guerra, que começou com o aparecimento da propriedade e das classes,


é a forma suprema de luta para solucionar, em determinada etapa de seu
desenvolvimento as contradições entre as classes, Nações, Estados ou
blocos políticos.”

“Problemas estratégicos da guerra revolucionária na China.” (Dezembro, 1936),


Obras Escolhidas de Mao Tsé-Tung, tomo I.

Ou seja, Mao reconhecia a objetivação dos interesses sociais que levam de


forma inevitável as diferentes formas de guerra. Observaria ainda, dois anos
depois:

“A história mostra que as guerras se dividem em duas categorias: as


guerras justas e as guerras injustas. Toda guerra progressista é justa e toda
guerra que entrava o progresso, injusta. Nós outros, comunistas, lutamos
contra todas as guerras injustas que entravam o progresso, mas não som os
contra as guerras progressistas, as guerras justas. Nós, comunistas, não só

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não lutamos contra as guerras justas, mas delas participamos ativamente. A
Primeira Guerra Mundial é um exemplo de guerra injusta; os dois partidos
combateram por interesses imperialistas, e por isso os comunistas de todo o
mundo foram decididamente contrários. Eis como é preciso lutar contra tais
guerras: antes que se deflagre, necessário é fazer todos os esforços
possíveis para impedi-lo, mas uma vez começada, é preciso, sempre que
possível, lutar contra a guerra pela guerra, opor a uma guerra injusta uma
guerra justa.”

“Da guerra prolongada” (Maio, 1938), Obras Escolhidas de Mao Tsé-Tung, tomo II.

Ou seja, o PCC jamais se amedrontaria, a ponto de evitar conduzir a justa


guerra popular contra os exploradores de todo tipo e os invasores
imperialistas em seu país. A luta do povo chinês e a consequência do PCC
na relação entre sua teoria e sua prática social é uma lição que deve ser
aprendida por todos e por qualquer um.

Chu En Lai (Zhou Enlai) (1898-1976)

Chou é uma dessas personalidades extraordinárias, que só podem se


formar em circunstâncias extremas, como aquelas vividas pelo povo chinês,
nos séculos XIX e XX. A imagem que dele ficou é o de um diplomata
elegante e habilidoso, capaz de dominar os vários aspectos da questão em
debate, sem fazer em sua luta política, inimigos pessoais. Contudo, uma
análise mais próxima indica muito mais que isso. Incansável trabalhador
clandestino, com controle quase absoluto de seus nervos, excelente
organizador, revolucionário sistemático, chefe civil e militar sempre apoiado
por seus subordinados. Sua prestação de trabalho ao PCC e à China podem
ser ditas incomensuráveis.

Chou nasceu na Jiangsu, em 1898. Sua família era tradicionalmente de


funcionários públicos. O avô de Chou governou o município onde viviam e
sua mãe era filha de um importante funcionário. Sendo de uma família
tradicional respeitada e honesta, não possuíam bens importantes,estando
na verdade empobrecidos ao longo do século XIX, pela crise gerada pela
dominação imperialista. Por motivos de herança na infância En-Lai foi
adotado por seu tio mais novo, que se encontrava tuberculoso. Após a
morte deste, foi criado pela viúva do mesmo, Zhou Yigan, a senhora Chen.
Esta pertencia a uma família de letrados, educando En-Lai na literatura

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chinesa e na ópera. Já muito pequeno podia ler e escrever. Leu a famosa
“Jornada ao Ocidente”, quando tinha seis anos. No entanto, Chou perdeu
tanto sua mãe quanto sua tia até os dez anos de idade. Desta vez, depois
de voltar por um breve período para junto de seus irmãos, foi adotado pelo
tio mais velho, que o levou para a Manchúria, em Shenyang. Ali, foi aluno da
academia Gongguan, que entre outras coisas, lecionava inglês e ciências.
Tomou assim conhecimento dos escritos de reformadores e pensadores
radicais, como Lang Qichao, Chen Tianhua, Zhang Biglin e outros. Escreveu
aos 14 anos que seu objeto de vida seria “tornar-se um grande homem que
assumisse as pesadas responsabilidades do país no futuro.”

Em 1913, seu tio foi transferido para o Tianjin e En-Lai foi estudar na
escola média Nankai. Quando se graduou, foi para o Japão para estudos
posteriores (1917). Na escola Superior Preparatória para a Ásia Ocidental
permaneceu dois anos, financiado pelos seus tios. Ali se afastou das ideias
de elitismo e do militarismo, bem como se irritou com o desprezo que os
japoneses dedicavam aos chineses.

De volta ao Tianjin, aparentemente participou do meio de imprensa que


apoiava o Movimento 4 de Maio. Editou um boletim periódico junto com Ma
Jun, eventualmente proibido como “hostil à ordem” pelo governo local. Na
universidade Nankai, participou da “Sociedade do Despertar”, que contava
25 membros. Os membros eram conhecidos pelos números e não pelos
nomes. O “número 5” (Chu) teve a oportunidade de convidar o marxista Li
Dazhao, da universidade de Pequim (Peiping), para pronunciar uma palestra
no tema. Participante ativo do boicote contra o comércio japonês terminou
sendo preso, quando lutava pela libertação de membros do movimento.
Solto, seis meses depois, juntou-se a Li Dazhao e Zhang Shenfu, mantendo
ao trio contato com Chen Duxiu em Shanghai.

Dedicado agora à organização de bases comunistas clandestinas, decidiu


viajar para a Europa para reforçar sua formação. Chegando a Marselha em
dezembro de 1920, dedicou-se integralmente a atividades revolucionárias,
pois tinha recursos para não trabalhar. En-Lai não se considerava um
marxista à época, mas um revolucionário que queria aprender como
resolver problemas sociais. Trabalhou assim como um correspondente de
jornais chineses em Londres e Paris, dedicando-se aa estudar a revolução
russa. Em 1921, ingressou na França na organização comunista de Zhang

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Shenfu. A rede comunista chinesa logo compreendia futuros quadros como
Cai Hesen, Chen Yi, Li Lisan, Nie Rongzhen, Deng Xiaoping e outros. Eram
mais de cem, entre os estudantes chineses. Entrando em choque com a
administração local chinesa do programa de bolsas, ocuparam-lhe as
instalações em Paris, do que resultou prisões e deportações. Chou foi para
Berlim e esteve conectado com o Secretário Europeu Ocidental da Terceira
Internacional (Comintern). Como trabalho de construção do PCC, viajava
frequentemente entre Paris e Berlim. Como um dos vinte e dois membros da
Juventude do PCC, foi eleito diretor de propaganda do Comitê Executivo.
Entre suas tarefas, manter ativos revistas e jornais entre os migrantes e
recrutar estudantes para enviá-los a Moscou. Em 1923, veio a diretiva do
Comintern para o PCC juntar-se ao Kuomintang (KMT). Chou En Lai fundou
então o ramo europeu do Partido Nacionalista (KMT). De volta à China, em
1924 (setembro), entrou no Departamento Político da Academia Militar de
Whampoa. Tornou-se então também secretário do PCC de Guadong-Guamxi,
e detinha o grau de general-de-divisão. Aparentemente, em Whampoa era o
segundo, dirigindo-se sempre a falar depois do comandante Chiang-Kai-
Shek. O sistema de departamento político do exército nacionalista foi por
ele elaborado e adotado desde 1925. Graças a Chou En Lai, um número
elevado de comunistas, tornou-se instrutor e delegado político na academia:
Chen Yi, Nie Rongzhen, Yu Daiying, Xiong e outros. Criou-se a Associação de
Jovens Soldados. Criou também a estrutura clandestina do PCC na
academia.

Como militar, participou da 1ª e da 2ª Expedição Orientais (1925).


Destruíram então as forças de Chen Jongming, líder militar cantonês que
antes havia sido batido por Sun Yat-Sen. Com a vitória, Chou atingiu o ápice
de seu poder junto a Chiang Kai-Shek. No entanto, em 1926, quando
comunistas levaram um barco armado de Whampoa para o Guangzhou,
Chiang suspeitou que não tivesse conhecido e aprovado tal manobra. Chou
foi preso, e numerosos comunistas, afastados da academia. Chou liberado,
aparentemente se juntou ao regimento de Ye Ting. Durante a expedição
conhecida como “Campanha do Norte”, havia aberto uma disputa entre a
esquerda nacionalista aliada aos comunistas, e a direita nacionalista,
liderado por Chiang Kai-Shek. Com a derrota dos senhores de guerra, ambos
os dispositivos iniciaram uma corrida entre si para ver quem controlava o
maior número de cidades e as cidades mais importantes. Os comunistas

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fizeram três insurreições em Shanghai, para ver se tomavam a cidade de
Sun Chuanfang. (outubro 1926; fevereiro 1927; e março, 1927). Chou
participou das três tentativas. Grigori Voitinsky, delegado do Komintern, em
Shangai, dera “luz verde” à insurreição. Chen Duxiu, secretário geral do
PCC, coordenou as tentativas. Na terceira, participaram 600 mil
trabalhadores. Eles expulsaram as tropas de Sun Chuanfang, mas no dia
seguinte o exército nacionalista entrou na cidade (22 de março). O conflito
rompeu quando os comunistas intentaram instalar o Soviet de Shanghai (12
de abril). O general nacionalista, Bai Chongxi (1893-1966), com o apoio da
chamada “Gangue Verde”, atacou os comunistas e os desbaratou. Teve
início o massacre. Wang Shouhua, chefe do Comitê do Trabalho do PCC, foi
estrangulado quando convidado para uma reunião. O comandante Si Lie
convidou também Chou para um jantar de negociação e quando se
preparava para matá-lo teve ordem de Chiang para soltá-lo. Outros dizem
que Chiang pusera um alto preço pela cabeça de Chou, mas o general Bai
Chongxi é que mandou soltá-lo à revelia de Chiang. Esta segunda versão
parece ser a verdadeira, pois Bai muitas vezes haveria de contrariar Chiang,
até apoiando senhores de guerra contra ele. Chiang queria o massacre, mas
sem matar os chefes comunistas de primeira linha, para evitar eventuais
represálias soviéticas. Zhao Shu, comandante do 26º Exército, mandou
soltar Chou En-Lai, dizendo aos outros oficiais que a sua prisão se dera por
erro.

Ao escapar de Shanghai, Chou foi para Hankou. Com o massacre, o partido


nacionalista se dividiu em dois. Wang Jing-Wei, chefe da ala esquerda, pôs o
seu governo em Hankou. Chiang Kai-Shek, chefe da ala direita, pôs seu
governo em Nanking. Mas o governo de Wang não resistiu aos ataques dos
senhores de guerra agora aliados a Chiang. Seu governo se desintegrou e os
nacionalistas desencadearam uma caça aos comunistas em Hankou.

O núcleo dirigente comunista com Chen Duxiu à frente, interpretou que a


maré revolucionária não havia ainda atingido o auge e determinou uma
série de revoltas e insurreições locais, como Nanchang. As derrotas militares
relacionadas aos levantes foram sérias. Os dirigentes sobreviventes tiveram
que fugir, e Chou – com malária – foi tratar-se em Hong-Kong. Em junho-
julho de 1928, o PCC realizou o seu 6º Congresso em Moscou, por razões de

40
segurança. Chou defendeu passar a uma estratégia defensiva e montar-se
Soviets rurais, como aquela que Mao e Teh haviam criado em Jiangxi.

Enviado para coordenar o trabalho clandestino do partido em Shanghai,


Chou ali chegou em 1929. Cumpriu estritamente as regras do trabalho
clandestino, tais como: (1) trocar de nome, identidade e personalidade com
frequência; (2) mudar de endereço ao menos uma vez por mês; (3) jamais
usar transporte público coletivo; (4) nunca demorar em um prédio onde
houvesse outros revolucionários; (5) não ter mais de duas pessoas que
conheçam as proximidades de onde se encontra; (6) usar disfarces bem
elaborados; (7) jamais dispensar códigos, senhas de emergência, etc. A
“Teke” (seção de trabalho especial) de Shangai procurava à época infiltrar-
se na polícia secreta do Kuomintang e era dirigida por Chou.

A “Teke” possuía quatro seções operacionais: (a) uma protegia a segurança


dos membros do partido; (b) outra coletava informações; (c) a terceira
facilitava as comunicações internas; (d) a quarta, o chamado “esquadrão
vermelho”, era encarregada de eliminar fisicamente inimigos indigitados
para tal.

O segundo homem da rede “Teke”, Gu Shunzhang, passou para o inimigo,


provocando grandes estragos em Shanghai. Chou colaborou com Chen
Geng, que foi bem sucedido na infiltração do serviço secreto do
Kuomintang, “plantando” quadros de confiança lá dentro. Shunzhang,
quando preso (1931), passou a colaborar com o inimigo, entregando a
estrutura do partido em Wuhan e dez líderes do PCC naquela cidade. As
delações dele em Shanghai levaram ao maior número de mortes, desde o
massacre de 1927. Após um intenso jogo de gato-e-rato com o serviço
secreto do Kuomintang, Chou abandonou Shanghai com o partido
relativamente estruturado e foi para o Soviet de Jiangxi como um dos
homens mais procurados da China.

Chou En-Lai participou do Soviet de Jiangxi como o mais importante quadro


do PCC ali. Mais tarde, durante a Longa Marcha, colaborou para a ascensão
de Mao à chefia do partido, participando da Troika formada com ele e
Zhang.

O incidente de Xi’an

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Era desejo do PCC ganhar o maior número possível de dirigentes do
Kuomintang para suspender a guerra civil e encontrar uma frente única para
expulsar os japoneses. Wang Ming, em agosto de 1936, lançou um
manifesto propondo tal frente única, e o marechal de Chiang, Zhang
Xueliang, que era forte opositor da invasão japonesa, entrou em
negociações secretas com Chou En-Lai para evitar choques entre suas
tropas e as do Exército Vermelho, para se concentrarem no combate aos
japoneses. No entanto, Chiang Kai-Shek desconfiou da inatividade daquele
front e ordenou a Xueliang um forte ataque aos comunistas. Chou e
Xueliang ordenaram para tal uma guerra “de mentirinha”, com Xueliang
reportando êxitos fictícios ao Comando Nacionalista.

Chiang resolveu comandar em pessoa o “ataque final” contra os


comunistas e dirigiu-se a Xi’an, para o ataque a Shaanxi. A 12 de dezembro,
Xueliang enviou uma força a Xi’na, que tomou o QG de Chiang Kai-Shek,
matou seus seguranças e fez daquele prisioneiro. Que fazer? Fuzilar Chiang?
(Opinião de Mao e Xueliang). Obrigar Chiang a aceitar a frente única?
(Opinião de Chou En-Lai e Zhang Wentian). Finalmente, um telegrama de
Stálin mandava soltar Chiang e tentar impor-lhe a frente única. Ao perceber
que só os comunistas queriam deixa-lo vivo, Chiang deu sua palavra a favor
da frente única. Jamais tomou, contudo, qualquer medida para implementá-
la, limitando-se – por sua palavra dada – a não atacar durante a guerra a
base comunista de Shaanxi e evitar choques com o Exército Vermelho. O
marechal Xueliang foi posto em prisão domiciliar por uma Corte Marcial e
seus oficiais e soldados que participaram do “incidente de Xia’n” foram
executados. Chou ficou em Nanking (Nanjing) como “delegado do PCC na
frente única” que nunca foi formalizada. Nessa condição, viveu terríveis
peripécias. Escapou, por exemplo, de ser linchado por um grupo de oficiais
de Xueliang, que consideravam o incidente de Xi’an uma “traição
comunista”. Salvou Chou sua firmeza pessoal e sua capacidade de
argumentação. Quando os japoneses tomaram Nanking (13-12-1937), teve
que retirar-se com o governo nacionalista para Wuhan. Aproveitou essa
situação de “delegado” para estabelecer contato com as redes do PCC nas
áreas controladas pelo Kuomintang.

Quando Zhang Guotao, um dos fundadores do PCC, desertou para o KMT,


Chou intentou demovê-lo, porém, sem sucesso. Em 1938, Chou foi nomeado

42
pelo Kuomintang diretor do Departamento Político do Comitê Militar, no seu
antigo cargo de general-de-divisão. Assim, durante a frente única de fato,
Chou era o único comunista a ter um cargo no comando do Kuomintang.
Após uma série de episódios da guerra antijaponesa, Chiang Kai-Shek
começou a irritar-se com a presença de Chou, e este voltou para Yan’an
(1943). Durante dois anos Mao demonstrou suspeitar de Chou, mas
terminou por aplacar tais suspeitas inclusive devido a interferência de
Georgi Dimitrov. No 7º Congresso do PCC, em 1945, Chou voltou a ser um
dos dirigentes principais do PCC.

Com a derrota dos japoneses e o fim da Segunda Guerra Mundial, o PCC –


inclusive por pressão soviética – fez enorme esforço para entrar em coalisão
com Chiang Kai-Shek e evitar a Terceira Guerra Civil. Após todo um ano de
negociações, o general norte-americano Marshall via dificuldades em que
Chiang aceitasse qualquer convivência com os comunistas. Este, que se
dizia “acostumado a derrotar os comunistas”, convocou a Assembleia
Nacional sem aceitar quaisquer delegados comunistas e ordenou a
preparação de uma nova carta constitucional. Em 11 de outubro,
determinou Chiang ao Exército Nacional tomar a cidade de Zhangjakou, sob
governo comunista. Após certa preparação, o exército nacionalista tomou
Yan’an em março de 1947. No entanto, graças ao trabalho prévio de Chou e
seus camaradas, o PCC estava de posse dos planos de guerra dos
nacionalistas e lançou contra eles uma forte campanha guerrilheira, na qual
obteve um bom punhado de vitórias. Em maio de 1948, Peng Dehuai obteve
rendição de contingentes nacionalistas, obtendo centenas de milhares de
fuzis e peças de equipamento. Na contraofensiva conduzida por Lin Piao,
Tianjin e Peking (Beijing) foram cercadas em janeiro de 1949.

Como resultado da derrota do Kuomintang na Terceira Guerra Civil


Revolucionária (1947-49), desencadeada pela insistência das forças
reacionárias, foi estabelecida a República Popular da China em 1 de Outubro
de 1949. Chou En-Lai foi nomeado primeiro-ministro do Conselho
Administrativo de Governo. Assim, se cumpria a promessa feita quando
menino, aos 14 anos de idade.

Mao Tsé-Tung (Mao Zedong) (1893-1976)

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Mao tornou-se famoso por ter dado às teorias marxistas-leninistas um novo
plano, colocando o “Maoísmo”, seu modo característico de pensar a política,
ao lado do “Stalinismo” ou talvez acima deste. Como um dos principais
líderes revolucionários do século XX, inimigo jurado dos ricos, latifundiários,
capitalistas e banqueiros, tornou-se um homem odiado por tais e por toda
sua chamada “imprensa livre”, sendo caluniado – à maneira de Lênin e
Stálin – por todas as formas e por todos os meios.

A razão disso é simples. Uma vez que – segundo os marxistas – a


consciência da classe trabalhadora vem de fora da classe trabalhadora, ou
seja, é produto de uma elaboração filosófica e cultural, é muito importante
para todo burguês ou dominador econômico ou político difamar cada
dirigente socialista “provando” que se trata da “encarnação” de um
demônio e não de um libertador do pobre ou de quem trabalha.

Semelhante distorção era feita no Brasil também com a escravidão.


Recordo-me quando era pequeno que a Igreja Católica ensinava às crianças
negras o seguinte: (a) não havia “religião negra”; todas as crenças dos
negros eram elaboradas pelo demônio, que também era negro e africano;
(b) os brancos salvaram os negros do inferno, ao batizá-los no Catolicismo,
mas os negros ainda deviam expiar as suas culpas, por isso eram pobres e
sofriam; (c) Zumbi, na verdade, nome de um herói negro que combateu a
escravidão imposta pelos brancos, era – segundo estes – um dos nomes do
demônio.

Uma tal palhaçada não deveria poder enganar um porco no chiqueiro.


Contudo, a maioria absoluta dos negros brasileiros, lá pelos anos 1950,
acreditava em semelhantes piadas. Como hoje acreditam nas piadas da
igreja pentecostal.

“Mentir, mentir e mentir ainda uma vez”, a divisa dos nazi-fascistas é


base da imprensa ocidental, das igrejas, etc. Sem mentiras, os pobres
adquiririam consciência sobre o mundo em que vivem e deixariam de viver
como carneiros ou porcos, nesse mundo governado à base da palhaçada.

Mao foi o fundador não só do “Maoísmo”, como utilizou o seu pensamento


como uma ferramenta de política aplicada para orientar a revolta do mais
numeroso povo da Terra e fundar a República Popular da China. Só esses

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dois feitos já lhe garantem um dos lugares mais proeminentes da história da
humanidade.

Nasceu ele na família de ricos fazendeiros de Shaoshan, no Hunan, e já


criança apresentava ideias nacionalistas e aintiimperialistas. Mao jamais
apresentou qualquer admiração por algo que fosse estrangeiro, exceto o
marxismo-leninismo, o que alguns também interpretam com um ceticismo
diplomático.

Aos 18 anos, Mao participou como massa popular dos acontecimentos da


Revolução Xinhai (1911) e mais tarde do Movimento 4 de Maio (1919). Mao
tornou-se marxista-leninista, quando era aluno da universidade de Peking,
sendo um dos membros fundadores do PCC. Conta-se que Mao tinha uma
boa instrução em Língua Chinesa, tendo muita facilidade para fazer versos,
dentro de diferentes estilos. Havendo sido mestre-escola na sua juventude,
utilizava verso e um grande número de fábulas, para educar com sucesso as
crianças e seu encargo.

Aqui revela-se um lado da sua personalidade: alegre, sorridente, brincalhão


e piadista. Mas não era esse o único lado: havia um outro Mao, como
caracterizavam os seus contemporâneos: solene, concentrado, sombrio,
brilhante e de decisões rápidas; autoritário, professoral e dominador. Era
capaz de ficar em silêncio por longos períodos. Em qualquer debate,
apresentava de pronto sua opinião, sem corrigi-la jamais. Seu arqui-
adversário, Guotao disse que Mao era uma pessoa “cruel, de uma intuição
quase infalível e rápida como um raio.”

Mao conduziu, em 1927, a Insurreição da Colheita do Outono, em que as


forças populares se apossaram de uma série de localidades rurais. Conta-se
que “se sentava sobre os calcanhares” (hábito camponês) em qualquer
lugar, podendo assim conversar horas com “os seus camponeses”. E que
preferia conversar com os trabalhadores pobres iletrados do que com os
intelectuais de seu meio. Mao dizia que a sabedoria do povo é infinita, que o
povo tem respostas para tudo, e que só o povo faz a história. Certa vez,
durante a visita do presidente francês Pompidou, travou com este o
seguinte diálogo:

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P – Como elabora a política econômica do seu planejamento? Consulta-se o
povo primeiro e levam-se as reivindicações para cima ou elabora-se um
plano e se leva o mesmo para discutir na base, com o povo?

M – Não me meto em Economia Política. Os intelectuais não entendem nada


disso. Deixo meus camponeses resolverem os problemas e o governo
coordena o que eles decidem.

É evidente que tal não era o procedimento do governo. No entanto, Mao


desejava pontuar que não existia para ele um “saber técnico” que fosse
mais importante que as decisões locais tomadas pela própria massa do
povo. Se ele deixasse os camponeses agirem a partir das próprias decisões
de classe nas assembleias locais, então o povo resultaria abastecido ao
menor custo possível. Essa crença absoluta na sabedoria do povo é,
certamente, o centro e o motor daquilo que se chama “Maoísmo”.
(Rousseau tinha a mesma concepção). Apesar desse profundo respeito pelo
povo comum, Mao sempre deu muita importância à elaboração teórica, que
ele via como único caminho para a compreensão da totalidade, fosse
“conjuntural” fosse “estrutural”. É praticamente impossível explicar a
riqueza das relações do marxismo-leninismo, enquanto processo teórico em
construção e a revolução chinesa. Para tal entender-se, deve-se ler uma
vasta bibliografia. No entanto, deve-se ter uma aproximação por exemplos.

Diz Roxane Witke, em seu brilhante livro:

“A fim de promover a rápida coletivização da agricultura, em agosto de


1958 o Politburo realizou três reuniões na cidade de Chenghow, em Honan,
China central, para discutir a “excessiva requisição de propriedades” (com
excessivas taxas em espécie) e outras variedades de “cegas exigências do
alto”. Votou ainda decretos contra a persistente noção de economia
individual e cultura individual da terra; isto é, contra qualquer espécie de
agricultura que não fosse coletivizada. Para fazer-se entender
perfeitamente, o Presidente Mao perguntou brutalmente:

- Vocês acreditam em marxismo ou não acreditam? Acreditam na


teoria do valor ou não?

Continuando sua campanha pessoal no interior, de 4 a 13 de agosto,


visitou aldeias e cidades nas províncias de Honan, Hopeh e Shantung, e a

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cidade de Tientsin, vizinha de Pequim. A cada parada, reunia os funcionários
locais e fazia propaganda da comuna como modelo pelo qual todos deviam
lutar. A ideia foi apresentada com vigor e, em alguns lugares, adotada com
entusiasmo. De 28 de novembro a 10 de dezembro de 1958, o VIII Comitê
Central realizou sua VI Sessão Plenária em Wuchang, onde se adotaram
várias resoluções sobre os problemas do comunismo. A esse tempo, Mao
elaborou sua primeira advertência contra o medo, em Os Imperialistas e
Todos os Reacionários São Tigres de Papel. A mesma sessão plenária adotou
a decisão do Presidente Mao de não ser “Presidente do Estado”. Chiang
Ching mencionou esse fato tranquilamente, embora a decisão desse
margem a outras interpretações.”

Roxane deixa aí, claro o intento processo de luta com que era abordada
cada decisão, cada tentativa de reforma. Mao sempre declarou que as
“Duas Linhas” (uma pró-capitalista, outra pró-comunista) lutariam no PCC e
na sociedade chinesa por quatrocentos anos (!). Queria com isso dizer que
as tarefas da mudança social nem haviam começado. Diz Roxane na mesma
página (254) e seguinte:

“Num retrospecto histórico, podemos ver agora que as reuniões de julho e


agosto de 1959, que terminaram com a reorganização da liderança,
abriram, talvez, à carreira de Chiang Ching insuspeitadas perspectivas
políticas. Essas reuniões, como muitas outras da alta direção do Partido,
foram realizadas na etérea Lu Shan, estância de montanha na margem
ocidental do lago Poyang, na província de Kiansi. O momento histórico era
tenso. A afiliação à União Soviética, da qual os chineses tanto dependiam,
ideológica e materialmente, estava a ponto de ser cortada. O Grande Salto
para a Frente trouxera fome e sofrimentos, coisas que para os tradicionais
representavam um declínio no ciclo dinástico.

Mas por “arrepiados que estivessem os cabelos” de Mao, com a tensão e a


humilhação, ele ainda não estava disposto a ceder sua supremacia a rivais,
aceitar sentença de homens de entendimento literal ou abrir-se à vingança
popular.

E, não obstante, cautelosos reajustes foram feitos na cúpula. Mao demitiu-


se da chefia do Estado, ostensivamente para poder devotar o melhor do seu
talento à filosofia revolucionária. Embora Liu Shao-chi se tivesse também

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comprometido com a tese de primazia da agricultura e promovido,
entusiasticamente, o Grande Salto para a Frente, de Mao, a comunidade dos
líderes responsabilizava Mao, e não Liu, pelos recentes retrocessos. Na
reunião de Lu Shan, em que Liu substituiu Mao como chefe do Estado,
velhas tensões não resolvidas entre esses dois homens e seus respectivos
partidários emergiram com crescente clareza. Como sempre, Mao se
distanciou dos perigos da hora por um sentido da história. Reconstituiu o
conflito entre personalidades dominantes como se fora uma confrontação de
classe.”

Disse Mao, na época da luta pelo (contra) o Grande Salto Adiante:

“A luta que se delineou em Lu Shan é uma luta de classes. É o


prosseguimento de uma luta de vida ou morte entre dois grandes
antagonistas, a burguesia e o proletariado, em processo de revolução
socialista na última década. Na China, e no nosso Partido, parece que tal
luta se prolongará por outros vinte anos mais, e possivelmente até por meio
século. Em suma, as classes devem estar completamente eliminadas para
que a luta cesse. Com o fim da velha luta social, nova luta social aparecerá,
Pois que, segundo o materialismo dialético, contradições e lutas são
perpétuas, de outra forma não haveria mundo... A luta interna, no Partido, é
apenas um reflexo da luta de classes na sociedade.”

E assim comentou Roxane Witke em seu livro: (pp 255):

“Num verão extremamente quente, esses homens e suas contendas eram


fato remoto para Chiang Ching, que convalescia na vila reservada ao
Presidente e sua mulher Pei-tai-ho, estação balneária a leste de Pequim. Ela
recorda como o prazer das águas tépidas e da brisa suave do litoral foi de
súbito quebrado por um bilhete do Presidente. Incluía o rascunho de sua
resposta a Peng Te-huai, ministro da Defesa Nacional, que acabava de
apresentar sua “demolição” – a chamada Carta de Dez Mil Palavras, que
repudiava a linha geral, até então vigorosamente implementada pelo
Presidente, de transição para socialismo. Peng entregou sua carta a 14 de
julho, ao mesmo dia, lembrava-se ela (por ter lido a respeito), em que foram
votadas resoluções contra os “crimes” de Huang Ko-cheng e examinaram-se
questões relativas às Três Bandeiras Vermelhas (a linha geral, as comunas, o
Grande Salto para a Frente). Uma vez que lhe era impossível fazer

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comentários fundados sobre o texto do Presidente antes de ler a carta
original de Peng, telefonou ao Presidente para dizer-lhe que voaria
imediatamente para Lu Shan a fim de saber mais sobre o que havia por
detrás da confrontação.

- A luta é de faca – disse-lhe Mao. E proibiu que tomasse o avião e Chiang


Ching foi assim mesmo e, para consternação do Presidente, assistiu à
reuniões subsequentes. O choque de homens e ideias, mais violento do que
via há anos, agravou o seu estado de saúde. Isso preocupava o Presidente.
Logo que tudo terminou, levou-a para o seu retiro em Hangchow, onde
descansaram juntos, planejando os próximos lances da luta.”

Quanto à sofisticação intelectual de Mao (e da direção chinesa em geral)


pode-se ver o comentário de Roxane: (conversando com a “Madame Mao”)

Sorrindo, estendeu a mão para uma fina caixa de brocado de ouro de onde
extraiu um pequeno leque delicadamente trabalhado em madeira de
sândalo. Afagando-o carinhosamente, contou-me que o tinha há muitos e
muitos anos. Um lado da capa de seda era pintado à mão, com botões, cor-
de-rosa, de ameixeira. O outro lado tinha inscrito o poema de Mao Tsé-Tung
Nuvens de Inverno (Tung-yun), com a data de 26 de dezembro de 1962,
quando ela fez setenta sui (a maneira tradicional chinesa de calcular a
idade, contando o dia do nascimento como primeiro aniversário). O poema
diz:

Nuvens de inverno pesadas de neve, bolas de algodão no ar.


As flores caídas são poucas ou nenhumas.
Frias ondas tocam o céu vertical,
Mas o hálito da terra é quente e doce.
Só o herói desafia o leopardo e o tigre
E não se intimida em face do urso feroz
Os botões da ameixeira sorriem à neve dançarina.
Como esperar que as moscas não pereçam de frio?

Enquanto eu examinava superficialmente os versos de Mao, ela me


assegurava que aquilo não era uma amostra original de sua caligrafia. A
letra de Mao era uma obra de arte, e seu estilo “relva” (cursivo), famoso,
digno de ombrear com o de Wang Hsi-chi.* Se alguém imaginava ter a
oportunidade de possuir uma peça original da caligrafia do Presidente,
deveria arriscar a vida para consegui-la. Gesticulando com vigor, ela se
voltou para exibir a larga reprodução escrita arrojada, por vezes errática, de

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Mao, que pendia da parede, atrás de nós. Voltando ao leque, disse que tinha
encomendado um para mim, que seria entregue em breve, mas que, no
momento, eu poderia usar aquele. Momentos depois decidiu presenteá-lo à
minha filha.” (Em “Madame Mao” – de Roxane Witke, pp254 e 53).

A Linha de Massas

O grande ensinamento leninista para todo organizador revolucionário é


que seu trabalho se divide em duas frentes: (a) uma frente interna, de
construção do partido, ou seja, de construção das forças revolucionárias. E
(b) de uma frente externa, ou seja, da relação entre o partido e as diferentes
camadas do povo. Lênin preconizava que o centro da frente externa é a
construção da luta das massas populares. A linha de mobilização das
massas populares, simplesmente, a “linha de massas”, se constitui (1)
Tomar o nível mais baixo das reivindicações populares em qualquer lugar
concreto e organizar a luta dos interessados para a solução efetiva dessa
reivindicação. (2) Defender sinceramente cada pequena reivindicação local
de modo intransigente, até obter efetivamente a vitória nesse pequeno
ponto. (3) Jamais abandonar a massa em luta, quaisquer que sejam as
circunstâncias, desde que as decisões de luta hajam sido efetivamente
tomadas pela massa local envolvida. Somente por este caminho de (1) por a
massa em movimento; (2) identificar-se com a luta que ela escolheu; (3) e
lutar até o fim, haja o que houver, pode um movimento que se propõe a
construir um partido de vanguarda chegar a ser um partido de vanguarda.

Mao Tsé-Tung, leninista desde suas primeiras atuações no PCC, deu um


completo desenvolvimento à linha de massas no movimento da revolução
chinesa.

“O povo, só o povo é a força motriz, o criador da história universal.”

“Do Governo de coalizão” (24 de abril, 1945), Obras Escolhidas de Mao Tsé-Tung,
tomo III.

Mao deixa clara sua compreensão de que o povo seja o autor da História,
não reservando sequer um pequeno lugar para supostos elementos
dirigentes:

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“As massas são os verdadeiros heróis, enquanto nós somos, com
frequência, de uma ingenuidade ridícula. À falta de compreendê-lo, ser-nos-
á impossível adquirir os conhecimentos mesmo os mais elementares.”

“Prefácio e posfácio das Pesquisas no Campo” (Março e abril, 1941), Obras


Escolhidas de Mao Tsé-Tung, tomo III.

Esta visão de Mao não se reduz ao processo da luta revolucionária, Não se


prende a um certo fator excepcional, mas compreende todo e qualquer tipo
de sociedade:

“As massas populares são dotadas de um poder criador ilimitado. São


capazes de se organizar e dirigir seus esforços em todos os domínios e
todos os ramos, nos quais podem desdobrar suas energias; podem
acometer-se à tarefa da produção, em extensão como em profundidade, e
criar um número crescente de obras para seu bem-estar.”

Nota sobre o artigo: “Uma solução para o problema da mão-de-obra excedente”


(1955), O Progresso do socialismo nos campos chineses.

Aqueles que conheceram Mao pessoalmente chamavam à atenção sua


aparente frieza, seu bom humor e a chama interior em suas crenças, ou
quando desafiado. Cumprir a tarefa que para si definiu é o traço
característico da personalidade de Mao:

“A guerra é a continuação da política.” Nesse sentido, a guerra é a política;


ela é, pois por si mesma, um ato político; desde os tempos imemoriais,
jamais houve uma guerra que não tivesse caráter político...

Mas a guerra tem também suas características específicas. Nesse sentido


não é idêntica à política em geral. “A guerra é continuação da política por
outros meios”. Uma guerra estoura para fazer desaparecer os obstáculos
que se erguem no caminho da política, quando esta atingiu certo estágio
que não pode ser ultrapassado pelos meios habituais... Quando o obstáculo
é transposto e o objetivo político alcançado, a guerra termina. Enquanto o
obstáculo não for completamente superado, é preciso prosseguir a guerra
até que ela atinja seu fim político... É por isto que podemos dizer que a
política é uma guerra sem derramamento de sangue e a guerra, ,uma
política com derramamento de sangue.”

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“Da guerra prolongada” (Maio, 1938), Obras Escolhidas de Mao Tsé-Tung, tomo II.

Para Mao, a luta armada é um desfecho natural da luta de massas, é uma


forma da luta de massas e todas as massas populares devem ser
convocadas naturalmente para semelhante tarefa:

“Na China, sem a luta armada, não haveria lugar para o proletariado, nem
para o povo, nem para o Partido Comunista, nem vitória para a revolução. É
através das guerras revolucionárias destes 18 anos que nosso Partido se
desenvolveu, consolidou e bolchevizou e, sem a luta armada, não haveria o
Partido Comunista de hoje. Os Camaradas do Partido jamais devem
esquecer esta experiência, paga com nosso sangue.”

“Pelo aparecimento da revista O Comunista” (4 outubro 1939), Obras Escolhidas


de Mao Tsé-Tung, tomo II.

A natureza de semelhante tarefa é uma resolução não apenas de


consciência política de cada militante, quanto tarefa na escala de massas de
todas as forças sociais dos trabalhadores e do povo que se vejam envolvidos
neste processo de mudança:

“Cada comunista deve assimilar esta verdade – que “o poder está na


ponta do fuzil.”

“Problemas da guerra e da estratégia” (6 de novembro, 1938) Obras Escolhidas de


Mao Tsé-Tung, tomo II.

“A tarefa central e a forma suprema da revolução é a conquista do poder


pela luta armada, é resolver o problema pela guerra. O princípio
revolucionário do marxismo-leninismo é válido em toda parte, na China
como nos outros países.”

“Problemas da guerra e da estratégia” (6 de novembro, 1938), Obras Escolhidas de


Mao Tsé-Tung, tomo II.

O pensamento de Mao não pode ser associado – como o de Chen Duxiu,


por exemplo – com nenhuma forma de conciliação com a burguesia e com a
intelectualidade pequeno-burguesa.

Bibliografia

(1) Mao Tsé-Tung (Mao Zedong) – Obras Escolhidas – 4 vols (diversas edições).

52
(2) Mao Tsé-Tung – Citações do Presidente Mao Tsé-Tung. José Álvaro Editor, RJ.
1967.
(3) Madame Mao – A Mulher Que Mandou em 800 Milhões de Homens. Roxane
Witke. Ed. Nova Fronteira, RJ, 1977.
(4) Peter Carter – Mao – London, O.V.P. 1976.
*

53

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