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Resumo da resposta aos quesitos: A sociedade ‘Y Ltda.’ universal que não implica partilha de bens. Cotas
foi constituída na constância do casamento entre mantidas em mancomunhão entre a separação de
Sr. K e a Consulente no regime da comunhão uni- fato e a partilha, devendo ser partilhados os lucros
versal. As cotas de referida sociedade – ou o pro- distribuídos nesse período. Necessidade de sobre-
duto sub-rogado – compõem o monte partível do partilhar as cotas ou o produto sub-rogado. Con-
divórcio, independentemente do nome do cônjuge clusão: a Consulente, meeira das cotas sociais da
em que estejam tituladas e da prova de esforço co- ‘Y Ltda.’, mantidas em nome do Sr. K, faz jus ao re-
mum. Cessão de cotas entre os cônjuges na vigên- cebimento de 50% (cinquenta por cento) do preço
cia da sociedade conjugal pelo regime da comunhão de alienação.
Sumário: 1. Preâmbulo. 2. Breve síntese dos fatos. 3. Escopo do trabalho. 4. Parecer. 4.1. Do casa-
mento. 4.2. Da dissolução do casamento e do momento da partilha de bens. 4.2.1. Da partilha de
bens e sobrepartilha. 4.2.2. Da mancomunhão. 4.2.3. Dos frutos do patrimônio conjugal. 4.3. O
caso concreto. 5. Resposta aos quesitos.
1. Preâmbulo
Consulta-nos a Sra. xxxx (doravante denominada “Consulente”), representada
por seu procurador xxxx, a respeito dos efeitos do regime da comunhão universal,
do termo final da sociedade conjugal e da partilha de bens.
Para tanto, a Consulente encaminhou-nos os seguintes documentos: (i) Cópia
de f. xxxx dos autos da ação de divórcio, processo xxxx, que tramita na xxxxª Vara
da Família e Sucessões da Comarca de xxxx (continuação da demanda com pedido
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Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 16. ano 5. p. 235-261. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2018.
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3. Escopo do trabalho
Como dito, quando do divórcio, as partes reconheceram a incomunicabilidade de
alguns bens, partilharam outros e expressamente relegaram para sobrepartilha, den-
tre outros, a discussão quanto às participações nas empresas das quais eram sócios.
Dentre essas empresas encontra-se a ‘Y Ltda.’. Entende a Consulente que tem
direito à partilha das cotas ou mesmo do produto da venda.
O Sr. K, no entanto, sustenta o contrário, alegando, resumidamente, que a Con-
sulente deixou o quadro societário da empresa no ano de xxxx – oportunidade em
que teria recebido seus haveres –, mesmo ano em que teria ocorrido a separação de
fato do casal; que na ocasião o balanço da empresa era deficitário e foi com o esfor-
ço exclusivo do Sr. K que a empresa se recuperou; tudo a tornar incomunicável o
valor econômico das cotas (e seus acréscimos).
Como já mencionado, três demandas originaram-se diante dessa controvérsia:
(i) continuação (pedido de sobrepartilha) da ação de divórcio; (ii) ação de tutela de
urgência de natureza cautelar movida pela Consulente em face do Sr. K; e (iii) ação
declaratória na qual o Sr. K pretende seja fixada a data da separação de fato e, ainda,
que a Consulente não tem direito ao recebimento de qualquer quantia decorrente
da venda da ‘Y Ltda.’.
Interessa particularmente aos fins do presente Parecer pontuar os efeitos da
separação de fato e a natureza jurídica dos bens não partilhados, mais especifica-
mente sobre a obrigatoriedade ou não de o ex-casal sobrepartilhar as cotas – ou o
produto sub-rogado – da empresa ‘Y Ltda.’.
Passemos à análise do caso.
4. Parecer
4.1. Do casamento
A família é uma realidade que, por questões organizacionais de uma sociedade,
necessita atenção e normas que a regulem, seja em relação aos indivíduos integran-
tes, seja em relação à ordem social.
No Estado Democrático Brasileiro, a família, conforme disposição inserta no
artigo 226 da Constituição Federal (CF), é considerada como base da sociedade e
tem especial proteção do Estado.
Até não muito tempo, pensava-se em família como a união de um homem e
uma mulher, unidos pelo laço do casamento. É certo que, hodiernamente, diversas
mudanças na família surgem numa sociedade agora globalizada: novos modelos
familiares, igualdade de gênero, filiação socioafetiva, exercício do poder familiar,
entre outros.
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2. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo:
Método, 2010. v. 5. p. 108.
3. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações
ao novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2000. v. 6. p. 22-23.
4. São deveres de ambos os cônjuges: (a) fidelidade recíproca (inc. I); (b) vida em comum,
no domicílio conjugal – débito e crédito conjugal (inc. II); (c) mútua assistência (inc.
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III); (d) sustento, guarda e educação dos filhos (inc. IV); (e) respeito e consideração
mútuos (inc. V).
5. A título de esclarecimento, vale destacar os seguintes: fator de identificação social
(art. 1.565, CC), vínculo de afinidade (art. 1.525 CC), emancipação do cônjuge menor de
idade (art. 5º, parágrafo único, inc. II, CC), adoção do nome do cônjuge (art. 16 e 1.565,
§ 1º, CC), fixação de domicílio (art. 1.569, CC).
6. Os efeitos materiais decorrentes do casamento são: regime de bens entre os cônjuges e entre
estes e terceiros (art. 1.639 e ss., CC), assistência material mútua e recíproca (art. 1.568),
direito hereditário ao cônjuge sobrevivente (art. 1.829, CC), vantagens previstas na legis-
lação de servidores, da assistência e previdência.
7. CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o Có-
digo Civil de 2002. São Paulo: ed. RT, 2005.
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E ainda:
Por meio do pacto antenupcial, os nubentes podem estipular que o regime matri-
monial de bens será o da comunhão universal, pelo qual não só todos os seus bens
presentes ou futuros, adquiridos antes ou depois do matrimônio, mas também
as dívidas passivas tornam-se comuns, constituindo uma só massa. Instaura-se
o estado de indivisão, passando a ter cada cônjuge o direito à metade ideal do
patrimônio comum, logo, nem mesmo poderão formar, se quiserem contratar,
sociedade entre si (CC, art. 977).11
8. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 186-187.
9. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. São Paulo: ed. RT, 2006. v. 5. p. 173.
10. CARVALHO FILHO, Milton de Paulo. Código Civil comentado. 4. ed. Barueri: Manole,
2010. p. 1873-1874.
11. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. v. 5. p. 170.
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I – Tudo que há e que entra para o acervo dos bens do casal fica indistintamente,
como se fora possuído ou adquirido, ao meio, por cada um: os bens permanecem
indiviso na propriedade unificada dos cônjuges, a cada um dos quais pertence me-
tade imaginária que só se desligará da outra quando cessar a sociedade conjugal.
II – Tudo que cada cônjuge adquire se torna comum no mesmo momento em que
se operou a aquisição: é o casal, e não ele, que adquire. [...] Não seria erro dizer-
-se que o cônjuge, quando adquire, é “como” procurador do casal [...].
III – Os cônjuges são meeiros em todos os bens do casal, ainda que um deles
nada trouxesse, ou nada adquirisse, na constância da sociedade conjugal [...]. A
situação dos cônjuges é a de verdadeiros comunheiros ou societários, razão por
que – dissolvida a sociedade conjugal – se procede à divisão dos bens pela ação
de partilha.12
12. PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família. Atual. por Vilson Rodrigues. São
Paulo: Bookseller, 2001. v. II. p. 230-232.
13. “Os bens afastados da comunhão vêm discriminados expressamente. De modo que todos os
não incomunicáveis e não excluídos consideram-se comuns. Constituem os bens residuais,
não mencionados no art. 1.668 (art. 263 do Código anterior)” (RIZZARDO, Arnaldo. Direi-
to de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 644).
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Não obstante, está superada a discussão acerca dos efeitos que a separação de
fato produz, quer seja em relação a obrigações próprias do matrimônio (coabitação,
fidelidade, mútua assistência, etc.), quer seja em relação às repercussões patrimo-
niais decorrentes do casamento.
No plano dos interesses materiais, a separação de fato cessa o regime de bens,
passando a pertencer a cada cônjuge, particularmente, os bens adquiridos após a
desunião:
É da data da separação de fato que põe fim ao regime de bens. A partir de então, o
patrimônio adquirido por qualquer um dos cônjuges não se comunica, embora não
tenha sido decretada a separação de corpos, nem oficializada a separação de direito.15
“É a separação de fato que rompe, necessariamente, o casamento, inclusive o
regime de bens.”16
Como consequência do rompimento da sociedade conjugal, é colocado um ter-
mo final no regime de bens do casamento. Isso não implica, entretanto, partilha de
bens, que pode ser relegada para um momento posterior e oportuno.
14. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: ed. RT, 2009. p. 277.
15. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Op. cit., p. 191.
16. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2010.
p. 32.
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A separação de fato, por óbvio, não implica em não partilhar os bens adquiridos
na constância do casamento, ainda que a partilha seja relegada para um momento
posterior.
Isso porque a partilha de bens não é elemento obrigatório para o divórcio, que
pode ser concedido independentemente da divisão do patrimônio comum amea-
lhado durante o casamento (CC, artigo 1.581).
Essa questão, inclusive, já é objeto da Súmula 197 do Superior Tribunal de Jus-
tiça: “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja partilha prévia de bens”.
Portanto, como dito, conquanto a separação de fato ponha um termo final no re-
gime de bens, sua extinção só se dará com a efetiva partilha do acervo pertencente
ao casal, atribuindo-se a cada cônjuge sua respectiva meação.
Tanto isso é verdade que Rolf Madaleno19, na obra já citada, ensina que:
[T]rata-se de um princípio de ordem pública que não pode ser contrariado pela
vontade das partes e, portanto, não pode o cônjuge renunciar ao direito de perce-
ber a metade de seus ganhos aquestos, por conta da dissolução de sua sociedade.
Também não pode ceder esse direito (pois estaria renunciando), nem terceiros
podem se servir da meação para satisfação de créditos executivos. Porém, nada
impede a sua doação ou cessão depois da adjudicação do cônjuge, conquanto não
prejudique os herdeiros necessários.
Tem-se, portanto, que pode haver separação (de fato, judicial ou extrajudicial)
sem a prévia partilha de bens ou mesmo o divórcio sem que as partes atribuam uma
a outra a respectiva meação, relegando a partilha para momento posterior.
Pode ocorrer, ainda, a partilha parcial dos bens por ocasião da separação e do
divórcio, deixando para um momento posterior a finalização da divisão do patri-
mônio comum. Fala-se, nesse caso, em sobrepartilha de bens.
A sobrepartilha normalmente é utilizada caso os bens estejam em locais remo-
tos, sejam litigiosos ou de difícil ou demorada liquidação, ou mesmo nas hipóteses
em que existam bens cujo conhecimento só se dá após a partilha, em especial, os
sonegados (CC, art. 2.021 e 2.022).
Para a sobrepartilha, é necessária a abertura de nova divisão, incluindo-se os
bens que “ficaram de fora” quando efetivada a partilha. Nesse sentido:
4.2.2. Da mancomunhão
Antes da partilha, o patrimônio continua a pertencer, em comum, aos cônjuges,
sem possibilidade de disposição, distinção ou preferência, sendo certo que nenhum
deles poderá alienar ou gravar direitos derivados desse patrimônio indiviso até que
ultimada a partilha.
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[É] a expressão que define o estado dos bens conjugais antes da sua efetiva par-
tilha. Difere do estado condominial, em que o casal detém o bem ou coisa si-
multaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus
direitos, observando a preferência do outro.
Tem-se, portanto, que da separação de fato, até que ocorra a partilha ou mesmo
a sobrepartilha, o patrimônio comum subsiste, prevalecendo o regime de manco-
munhão, independentemente de sua titularidade: “É certo que, enquanto não rea-
lizada a partilha, subsiste de fato a sociedade conjugal no que concerne aos efeitos
patrimoniais do casamento, em consonância com o regime matrimonial de bens
em extinção.”22
Nesse sentido já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, pontuando que:
21. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São
Paulo: Saraiva, 2015. p. 447.
22. CAHALI, Youssef Said. Op. cit., p. 735.
23. REsp 3710/RS, rel. Min. Antônio Torreão Braz, 4ª T., j. 21.06.1996, DJ 28.08.1995, p. 26636.
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26. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. Rio de Janeiro: Reno-
var, 2010. p. 47-48.
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em parte (segredo de justiça) (TJRS, Ap. Cível 70.024.910.788, 7ª Câm. Civel, rel.
Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 10.09.2008, DJ 17.09.2008 – Código
Civil comentado, Min. Cezar Peluso e outros, 5. ed., Manole, p. 1919).
A estipulação feita no contrato social visa a regular relações com terceiros e con-
ferir poderes de administração, assim como certas preferências ao sócio majori-
tário, mas não altera a relação patrimonial deste com sua esposa, seja ela sócia
ou não. Metade de seus bens, respeitadas as exceções legais, serão também de
sua esposa, o que importa dizer que a sobrepartilha, uma vez já excluída a autora
da sociedade, deve levar em consideração a participação desta em 50% das cotas
sociais ao tempo de sua retirada (fls. 53/57). [...].
Ocorre que o Sr. K alienou as cotas e, alegando que houve acréscimo econômico
em seu valor apenas após a separação de fato do casal – acréscimo esse que seria
oriundo de esforço exclusivo dele –, recusa-se a partilhar com a Consulente o pro-
duto de sua venda.
Para tanto, sustenta que o patrimônio líquido da empresa era negativo quando
da vigência do casamento – o que equivaleria ausência de valor econômico –, realida-
de essa que teria se alterado após a separação de fato.
Tal alegação, consiste, em teoria, fato impeditivo, modificativo ou extintivo
do direito da Consulente e, por isso, o ônus da prova a ele incumbe, nos termos
CPC/15, art. 373, II. Vejamos lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery:
II: 15. Ônus de provar do réu. Quando o réu se manifesta pela primeira vez no
processo dentro do prazo para a defesa (CPC 335), abre-se-lhe a oportunidade de
alegar em contestação toda a matéria de defesa (CPC 336) e de propor, na mesma
peça, reconvenção (CPC 343). O réu deve provar aquilo que afirmar em juízo,
demonstrando que das alegações do autor não decorrem as consequências que pre-
tende. Ao réu cabe provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direi-
to do autor. “La posizione dei convenuto e naturalmente piùcomoda, perche non sorge
27. GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 196.
28. DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 301.
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29. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comenta-
do. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: ed. RT, 2016. p. 1083.
30. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. v. 1.
p. 203-204.
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Considerando que a Consulente não recebeu a meação a que faz jus na ‘Y Ltda.’,
quer quando da cessão de suas cotas sociais, quer quando do divórcio, quer quando
da venda da empresa, as cotas ou o valor sub-rogado devem ser sobrepartilhados.
Quanto aos frutos do patrimônio conjugal, uma vez não partilhadas as cotas
sociais da ‘Y Ltda.’, ou seu valor representativo, é de se reconhecer o direito da
Consulente também ao recebimento dos lucros distribuídos pela empresa, na pro-
porção de sua meação, desde a separação de fato até a partilha.
Isso porque, constituindo-se as cotas sociais bens comuns ao casal, os respec-
tivos frutos delas advindos são partilháveis. Ora, se o Código Civil admite e prevê
que são comuns os frutos de bens particulares (excluídos da comunhão) – artigo
1.669 – não se pode concluir diferentemente sobre frutos derivados de bens co-
muns, mantidos em nome de um dos cônjuges em estado de mancomunhão, tal
como sucedeu no caso narrado.
In casu, a distribuição de lucros advindo da participação societária mantida em
nome do Sr. K (embora em estado de mancomunhão) deverá ser apurada, mediante
análise de livros societários, desde a separação de fato até a alienação feita à ‘C S.A.’
(distribuições retroativas, respeitada eventual prescrição), atribuindo-se à Consu-
lente metade a que faz jus sobre esses valores.
Vale observar, ademais, as seguintes circunstâncias – todas verificadas na escri-
tura pública de xx.xx.xxxx (Livro xxxx, folha xxxx, xxxxº Tabelião de Notas da cidade
de xxxx):
Com efeito, os imóveis que foram vendidos em conjunto com as cotas sociais da
‘Y Ltda.’ eram de propriedade da empresa ‘B S.A.’ da qual a Consulente, apesar de usu-
frutuária das cotas de referida empresa, recebeu metade do preço da venda dos imóveis.
Então, não há razão lógica ou jurídica que justifique que a Consulente faça jus
ao recebimento de metade do preço da venda dos imóveis (titulados pela ‘B S.A.’),
mas não faça jus ao recebimento de metade do preço da venda das cotas sociais da ‘Y
Ltda.’, em especial porque decorre daquele negócio jurídico que a ‘Transação’ (com-
pra das cotas e fundo de comércio da ‘Y Ltda.’) está vinculada à aquisição dos imóveis.
4.2. As cotas sociais mantidas em nome de um dos cônjuges podem vir a ser
futuramente partilhadas ou liquidadas?
Resposta: As cotas sociais, ainda que mantidas em nome de um dos cônjuges,
desde que adquiridas na constância do casamento e sem que tenha havido prévia
partilha de bens, devem ser a qualquer tempo (sobre)partilhadas.
5. O patrimônio líquido negativo de uma sociedade civil significa que ela não
tem valor econômico?
Resposta: Não. O patrimônio líquido de uma sociedade é apenas um de vários
critérios que, em conjunto, compõem o seu valor econômico.
É o conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos – fundo de comércio; nome
empresarial; ponto comercial; aviamento e clientela – que constitui o fundo de co-
mércio e, por consequência, o valor econômico da sociedade.
O fato de uma sociedade possuir patrimônio líquido negativo, portanto, não
significa que ela não tenha valor econômico.
No caso em apreço, tem-se que a ‘Y Ltda.’ tinha patrimônio líquido negativo
quando da separação de fato da Consulente e do Sr. K, condição essa que se agra-
vou após a separação de fato e a alienação das cotas da empresa para terceiros (C
S.A.).
A existência de patrimônio líquido negativo, como visto dos documentos apre-
sentados, não foi impedimento para que, no laudo de aquisição elaborado por
empresa independente, existisse ágio de R$ 76.560.000,00 e mais valia de ativos
intangíveis e força de trabalho no montante de R$ 18.307.000,00.
6. A quem deve ser atribuído o ônus da prova de “eventuais ganhos” [e/ou ma-
joração do valor da sociedade constituída pelas partes] que tenham ocorrido após
a separação de fato (fim da sociedade conjugal) do casal?
Resposta: Ao impugnar o pedido de sobrepartilha de cotas sociais – ou o produ-
to sub-rogado – formulado pela Consulente, o Sr. K alega, como fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito da autora, que o produto da venda decorreu
de seu esforço exclusivo para recuperar a ‘Y Ltda.’, e que a venda foi posterior à
separação de fato do casal.
O ônus da prova de tais alegações, portanto, a ele réu incumbe (CPC/15, art. 373,
II), sob pena de todos os bens relacionados à ‘Y Ltda.’ (imóveis, cotas, valores sub-
-rogados, etc.) serem considerados adquiridos na constância do casamento, não
tendo sido apresentado qualquer elemento de prova nesse sentido.
7. A Consulente faz jus ao recebimento de sua meação em relação as cotas da
‘Y Ltda.’?
Resposta: Por tudo quanto exposto na presente consulta, e considerando que
(i) as cotas da ‘Y Ltda.’ foram constituídas na constância do casamento, com-
pondo o patrimônio comum do casal;
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(ii) mesmo com a cessão feita pela Consulente ao Sr. K, as cotas continuaram a
integrar o patrimônio comum;
(iii) após a separação de fato do casal, e à vista da inexistência de partilha, refe-
ridas cotas permaneceram em mancomunhão;
(iv) quando do divórcio, foram excluídos da partilha os bens particulares da
Consulente, sem qualquer ressalva quanto à existência de eventuais bens parti-
culares do Sr. K e, expressamente, relegadas para sobrepartilha as participações
societários do casal;
(v) inexistiu renúncia à meação;
(vi) a proposta de aquisição da sociedade e do fundo de comercio da ‘Y Ltda.’
estava vinculada à venda dos imóveis nos quais funcionava a sociedade; referidos
imóveis, pertenciam à “empresa coligada” [empresa ‘B S.A.’]; a Consulente, apesar
de usufrutuária das cotas de referida empresa, recebeu, pela venda dos imóveis, me-
tade do preço.
CONCLUI-SE que a Consulente, meeira das cotas sociais da ‘Y Ltda.’ mantidas
em nome do Sr. K, faz jus ao recebimento de 50% (cinquenta por cento) do preço
de alienação.
É a nossa opinião, salvo melhor juízo.
São Paulo, xx.xx.xxxx
Pesquisas do Editorial