Você está na página 1de 18
9 A historia é uma escola! O paradigma do nacional na literatura didatica de Viriato Corréa! José Ricardo Oria Fernandes _ Nadécada de 1970, com a reedigio do primeiro livro de crénicas historicas | deViriato Corréa (1884-1967), intitulado Terra de Santa Cruz, 0 escritor e critico literério A franio Coutinho fez uma andlise da obra do maranhense & de sua importancia para a formulagdo de um saber hist6rico escolar afinado como discurso da identidade nacional brasileira. Disse ele: “Est veo fz parte do ciclo de cronicas histricas em que o autor utiliza o eeu ‘gosto pelos fatos e vultos do passado brasileiro, Reunindo o senso do bero- smo a0 do pitoresco, sabe ele como poucos encontrar na Histéria os tipos e cos episodios cheios de significado segundo o seu ponte de vista. Viriato Cor 18a procura retirar dos fatos analisados a ligdo de heroismo que descreve com ‘um sabor de comicidade. Desea forma, alcanca atingir o pblic, despertando rele, sobretudo entre as adolescentes, o gosto do passado nacional. Para ele, a ++ Histéria é uma escola, onde devemos abeberar-nos para enriquecer nosso pa~ triotismo e 6 amor das nessas coisas (Corea, 6/49, grifos nosso O livro Terva de Santa Crus foi originalmente langado no ano de 1921, juntamente com outro livro, no mesmo estilo, Histérias da nossa histéria. Es- "Bite texto & parte integrate das concludes contac na tee de doutoade defendia junto 4 Faculdade ‘de Edacagho da Universidade de So Paulo (USP), sa orienta da pof Circe Bittencourt, A tse ‘ei publica com seguinte Uta, O Brasil contads ds cranes: Vivato Cora e lieratursexclat nasa (1934-1961) Sto Pau: Annabtume, 205% José Ricardo Os Fernandes sas edigdes inauguraram no pais um géneroliterdtio que foi bastante cons ido pelos leitores da época — a erOnica historica, bem como os romance hist6ricos, cuja maior expresso foi a obra do escritor paulista Paulo Setibal Viriato Comréa propiciou, por meio de sua obra, maior divulgasio de noss historia, seja por meio de exénicas ¢ contos histéricos, seja por meio de ua § literatura infantojuvenil, que aborda fatos e personagens da historia nacional § ‘Nesse mesino ano de 1921, Viriato, atendendo ao apelo de um grupo professores do Rio de Janeito, langou seu primeiro livro destinado a0 ui escolar. £ 0 préprio autor que assim se refere na Introducao: manifestaram desejos de adotar os dois livros nasescolas, paraa leitura civic § das ciangas. [..] Besta a razao de ser dos Contos da historia do Brasil [Gor sia, 1924011] : Assim, seu primeiro livro escolar, que teve como tema a histéria nacio: nal, foi Contos da histéria do Brasil (para uso das escolas), de 1921. Nele, Vi) rato adotou a periodizagio seguida por Silvio Romero,’ que divide ahistéria nacional em séculos. A partir de entao, Viriato Corréa, ao lado de suas cr nicas histéricas e pecas teatrais, produziu varios livros de historia do Bras destinados as criangas e aos jovens. ’ Neste texto, pretendemos analisar a presenga do nacignalismo nos livros | escolares de Viriato Corréa, dando destaque a Histéria do Brasil para crianjas (1934) que, a exemplo de Cazuza (1938), foi também sucesso editorial. Pars tanto, adotamos uma concepsio ampliada do que seja livre didatico. A partic das contribuigées tebricas de Alain Choppin (2004), consideramos que livros escolares (livzos didéticos) so todas as obras cuja intencéo original & | stadt explicitamente voltada para o uso pedagogico e esta intengo ¢ max pelo autor ¢ editor. Nesta concep¢: comuns, também denorainados de compéndios ou manuais escalares, se inserem, além dos livros didéticos } Ver Romero (1890), Para Romero, a histéria do Brasil pode ser divider cinco sels «saber suo do descbrimentoe da conguista; sui da expansio da esstincia; svulo do desenvelvimesto 9 ttutondenico,séulo ca independenca e scalo da Repiblice. Sobre esse mantal cdi eo papel iia Romero na bistcogeaa bras, consular o excelente traballo de Gomes (2005) Nele aa tors acl a importcia do Istituto Hvtcicoe Geogeaco Brasileiro (HGP) na formlagao demi ‘Guise da hist sys atculayio com uma eduogSo cfiea nas exo, po meio da trade wentidae ‘acinal, educago ciica e hietria pti ‘A istria& uma escoal coleténeas de literatura produzidas as obras conhecidas como paradi para as escolase ainda atlas, dicionétios especialmente editados para uso pe- dagégico [Guia... 2008:7) Assim, 0 que € visto pelos especialistas como literatura infantil, para és, em virtude de seu uso escolar, passa a ser considerado literatura didé- tien, Muitos livros infantis de Viriato Corréa foram adotados em escolas, @ exemplo de Histéria do Brasil para eriangas, recebendo inclusive a chancela do Ministério da Educagao, conforme veremos adiante. ‘Antes, porém, de proceder essa anélise, faremos um breve retrospecto dos primeitos livros destinados a inféncia brasileia, que veicularam fatos © rersonagens de nossa bistéria,seja em cartihas, livros de leitura ou seletas eantologias escolares. literatura escolar e ensino de historia: onacionalismo impresso CO antropélogo Nestor Garcia Canclini considera quea construgao da identida- de nacional esteve diretamente relacionada ao projeto educacional dos estadlos na busca de sua legitimaggo e insersio na histéria. Nesse contest, os livros di- diticos, juntamente com os museus, o ensino da historia, as datas comemora tivas, as efernérides nacionais eos rituais civicos, foram elementos decisivos da cultura escolar no fortalecimento do sentimento de naga (Canelini, 1995:139), igsa assertiva é reiterada ao se analisar a trajet6ria do ensino de historia em nosso pais, Segundo Bittencourt (2003:185), “o ensino de historia do Brasil estd associado, inegavelmente, a constituigéo da identidade nacional Nacionalisino patridtico, cultos a herdis nacionais e festas civicas sao alguns dos valores que, na escola, se integram ao ensino da hist6ria do Brasil ‘Nesse sentido, os historiadores so undnimes em afirmar que o ensino de historia no Brasil esteve atrelado ao processo de formagao do estado na- ional, envolvendo, também, a participacdo de importantes instituigSes aca~ démicas e culturais, que viam na educagiio fator decisivo para a insergio do Brasil no concerto das nagées civilizadas (Bittencourt, 1990; Abud, 1998). [Essa constatag&o é também compartilhada por historiadores estrangeiros: Desde a incluséo da disciplina historia na escola, a relacio entre seu ensino a forrnagiio da identidade nacional tem sido forte e esteta, Precisamente, 153 | José Ricardo Or Fernandes a histéria se estabeleceu na escola, entre finais do século XIX e comecos do século XX, como um insirumento ideologico de cariter doutrinal para forte lecer os estados nacionais (Carretero e Gonzélez, 2004:174) No Brasil, na tentativa de se forjar uma identidade nacional do pais recém-independente, recorreu-se ao ensino e divulgacao da hist6ria. Essa tarefa coube, inicialmente, ao Instituto Historico e Geogréfico Brasileiro (IHGB) eao Colégio Pedro IT, ambos criados no ano de 1838, na entdo capi- tal do Império brasileiro — Rio de Janeiro. O THGB? forneceu as bases da historiografia brasileira no século XIX, 40 reunir expressivos nomes da intelligentsia nacional, responsaveis pela produgao de obras e textos pautados em uma historia oficial. Alem de esere ver uma histétia nacional que legitimasse a monarquia constitucional, sob (08 auspicios de dom Pedro II, e mantivesse a unidade territorial do pais, 0 THGB, por meio de seus membros, foi responsavel também pela producio de livros escolares. A caréncia de manuais didaticos no idioma patio para o ensino secundirio brasileiro fez.com que esses intelectuais, politicos elitera- tos — todos eles imbuidos do espitito nacionalista — passassem a dedicar- -se descrita de livros escolares, sobretudo de histéria, Um desses foi o escri- tor romantico Joaquim Manuel de Macedo, professor de histéria do Colégio Pedro II e autor dos seguintes livros: Ligies de histéria do Brasil para uso dos alunos do Imperial Colégio Pedro II (1861-1863) e Ligdes de histéria do Brasil ara uso das escolas de Instrugéo Priméria (1865) (Mattos, 2000), Por sua vez, o Colégio Pedro Il foi a primeira instituigao de ensino secun dario do pafs, que formava os quadros da burocracia estatal e que serviu de modelo para os liceus e colégios provinciais de todo o pais (Gasparello, 2004). Aescrita da historia para criancas: os livros de leitura* Oslivros escolares ¢ infantis usados pela inféncia brasileira até a segunda metade do século XIX eram, em sua grande maioria, de autores estrangei- . er Fernand (200 * Segundo Cire Bittencourt (2008), Hoo de tna € um tipo ecco de eta para infin, que deverafornecerconbecimentce variados incentva o gota pein leitura Alem dco, cas ives dove cular precitos moras cisiosindipenasves i formacio da crlaoya, bem com ett de acirdo ‘com os programas de easing. Nessa fae nacionalista da iteratura infant basis, exes livros e ‘ura deicavamn especial tengo aos conteddos de hstria do Brasil. Sobre essa mevlatidade de iterate ‘scolar, consular também Batsta (maia/jun ul /ago. 200235), pesos do ra forta: Ho pais Essa sileiro, capi. XIX, pela pscre- 1, sob, ais, 0 lucio 140 era car ésio bdos sil ne de M4). ‘A histria€ uma escola 10s. Assim, meninos € meninas liam livros traduzidos, sem qualquer iden- tiicagdo com a realidade social brasileira. Exemplo disso fi o livro italiano Cuore: libro par I ragazzi (1861),* de Edmundo de Amicis, que, traduzido por Joto Ribeiro em 1891, foi leitura obrigatoria de varias geragoes de bra sikiros (Gontijo, 2009:51). Ocsctitor e criticoliterério José Verissimo preconizava que urna das ta- ‘efas mais urgentes no campo educacional brasileiro seria a reforma do livro escolar, sobretudo 0 chamado “livro de leitura”. Diaia ele: “Cumpre que ele sa brasileiro, no s6 feito por brasileiros, que no é 0 mais importante, mas brasileiro pelos ascuntos, pelo espirito, pelos autores trasladados, pelos poetas reproduzidos e pelo sentimento nacional que os anime” (Verissimo, 1906:6) Jé entre meados do século XIX e primeicas décadas republicanas, ocorre uma nacionalizagao da produgao editorial de livros escolares, cujos autores sio predominantemente integrantes da intelligentsia brasileira da época, que tinham assento nas academias cientificas e literarias, nos institutos histori os, nas escolas politécnicas e militares e no Colégio Pedro II (Bittencourt, 2004), Isso se explica pelo fato de que a atividade do magistério era, em grande parte, exercida por esses homens de sciencia e de letras, ja que no ha. viaainda uma profissionalizagao do educador, o que veio a ocotrer somente apattir dos anos 1930, com a criagao dos primeiros cursos de formacio de professores no ambito das faculdades de filosofia, ciéncias ¢ letras. Um dos espagos dessa produsiio diditica, além do IHGB e do Colégio Pedro II, foi a Academia Brasileira de Letras (ABL), criada, em 1897, no Riode Janeiro, por um grupo seleto de escritores e intelectuais Machado de Assis, Silvio Romero, Joaquim Nabuco, Affonso Celso, Olevo Bilac, Coelho Neto, entre outros —, nos moldes de sua congénere francesa, © papel exercido pela ABL, seja na defesa da lingua patria, seja na di- fusio de uma escrita da historia, seja na divulgacdo de fatos e personagens, ctiou 0 que se convencionou chamar de uma “pedagogia do cidadkio”. Para os académicos, o ensino, além de proporcionar conhecimentos necessérios Ainstrugao do aluno, deveria preocupar-se com os valores civicos e patrié ticos, necessirios a formagao do cidadao republicano. Nesse sentido, 03 es 50 veo nara em forma de um dit vida ccclar do menino Barco na époea do Rizorginent (ps ssifeago da Itlia)eseu conceit fundamental éo devckaars mente eo cara dos ove cmt exer plosde viru, deabnegazto ede cragem, lem de difundi valores moras clvicose patito, “Este lwo ¢ particulatmeantedeicado aos meniaoe das escola primase, que an entre nove etreze anes, «podet--ia initulr: Histria de wm ano escolar, eserita pom aluno de tercriro ano, cum escola ‘imira da Tia" (De Amici, 19748), Jase Ricardo Ona Fernandes critores e imortais Silvio Romero, Olavo Bilac, Coelho Neto, Joao Ribeiro, Rocha Pombo, Afranio Peixoto, entre outros, pertencentes aos quadros da ABL, escreveram livros escolares, que passaram a ser adotados nas escolas Primatias ¢ lidos pela inf’incia brasileira durante grande parte do perfodo republicano até a década de 1950. Em 1900, por ocasitio das comemorag6es alusivas aos quatrocentas anos do descobrimento do Brasil, o conde Affonso Celso, um dos fundadores da ABL emembro do JHGB, escreveu Porque me ufano do meu pais, dedicado a seus filhos Affonso Celso e Carlos Celso, onde faz uma explanagio lauda: ‘t6ria das riquezas e potencialidades do pais. As paginas que ai vio — escrevi-as para ws, meus filhos, 20 celebrar nos sa Patria © quarto centenitio do seu descobrimento,(..] Consiste a minha primordial arsbicio em vos dar exemplos e conselhos que vos fagam ites 8 vossa familia, & vossa nagio e a vossa espécie, camando-vos fortes, bons felizes, Se de meus ensinamentos colherdes elgum fruto, descansarei sai feito de haver cumprido a minha miss4o, Ente esses ensinamentos, avulta 6 patriotismo (Celso, 1997.25} © conde mostra as razies pelas quais devemos nos orgulhar do Brasil grandeza territorial, recursos naturais, amenidade do clima, auséncia de ca- lamidades, cardter cordial do povo, miscigenagio racial pacifica e sua histé- tia admiravel. A partic desse livro de leitura, cunhou-se a palavra wfanismo ara designar um sentimento ingénuo e conservador de amor A patria, Nas primeiras décadas da Reptblica, os poetas Olavo Bilac? e Coelho Neto,' também movidos pelo nacionalismo, escreveram obras que passaram Caso (1860-1938). bo do monerquitavsconde de Ouro Pet, bacharel em dni lids 10 Pato Liberal defendeu a aboliao da enrwvatura eo rege tepublicano, Foi cleo deputsdo oy apenas 22 anos obteve quatro mnandatos consecutiv. ‘Olav Bilac (1865-1918) a grande gu triad Bele Epoque carioc, tendo também ve deckcado a quests sonia educacionais de seu tempo. Foi dsr intetino do Fedagugtum,lnatitats de Pe, gusts Educacionais criado em 1860, cinupetor de ensine, na gestio de Manoel Borin, Tastrigs Pblice do Distrito Federal. Envolveu-cetarmbséin em campunas cvcas pla instragao pitino servigomilitrobrigatcio cro a Lig da Defoa Nevional, * Gorlho Neto (1861-1938), escritor maranhenae, fi parclto de Bilac i edigto de lizosexclaes. Mernbno-fundador da ABL, dedicos ae a virion gencrositeriio, tendo tevcbidoo tule de "Principe dos peotadaresbrasilsioe”. Foi deputado federal em des mandates consecutiv seretiio eral a ‘Liga de Defesa Nacional. Coctho Neto mbm escievey outa liv esclar no nto oneal in tulad Brevirin cnc 1921). 156 Mell princ Gio li Foran: obras "Letour Fouillé) Ribeiro, iadros da es escolas petiodo tos anos dores da Hedicado. io auda- rar nos: eminha zen titeis bons € pei satis javulta 6 Brasil: jade ca- ia histo {fanismo |Coelho, issaram i, fiado do com dada de Poe nseugso ica, pelo alas, ‘ocipe ral da id i Aistvia € uma escolat ser amplamente adotadas pelas escolas primarias de todo o pais, a saber: Cantos patrios (1904) ¢ A patria brazileira (1908). Olavo Bilac € o escritor sergipano Manoel Bomifim escreveram a obra ‘Através do Brasil: pratica da lingua portuguesa. Narvativa. Impresso em Pa- tis, como de costume, e langado pela Livraria Francisco Alves em 1910, 0 ivro fez muito sucesso nas escolas. Inspirado no livro francés Le tour de la France par deux enfants,° narra as aventuras dos irmios Carlos e Alfredo em busca de seu pai. Na viagem, sio mostradas a paisagem do territério, os cos- tumes eas tradigdes de diversas repises do pais, bem como sua historia. Teve sucessivas edigies, fazendo a cabeca de geragiies de brasileiros. Foi olivro de Jeitura mais utilizado durante 50 anos nas escolas brasileiras, De modo geral, podemos considerar que os livros de leitura das décadas iniciais do periodo republicano serviram como alicerce para a construgao de dada identidade nacional, assentada no patriotismo ufanista que, de tempos em tempos, povoa o imaginério popular, ao exaltar as dimensdes continen- tais do pais e afirmar o mito fundador de nossa histéria, resultado de uma miscigeriagdo racial pretensamente harmdnica e sem conflitos ou contradi- bes socials, Viriato Corréa e a vulgarizacao da historia Em meio ao nacionalismo que grassava no ambiente intelectual brasilei: +10, 08 anos 1920 assistiram a uma proliferagao de obras de cunho civico-his- térico. Em 1925, foi fundada a Companhia Editora Nacional (CEN) pelo escritor paulista Monteiro Lobato e pelo empresirio Octalles Marcondes Ferreira (Hallewell, 1985:268). Ao lado da Livratia Francisco Alves e da Melhoramentos, editoras jé existentes no mercado, a CEN notabilizou-se, principalmente, pela edigao de livros escolares ¢ infantojuvenis ‘Além de Monteiro Lobato, considecado um divisor de aguas na produ- <0 literdtia para criangas, escritores como Paulo Settibal e Viriato Corréa foram responsiveis pelo trabalho de vulgatizacio da historia, com varias obras publicadas pela CEN. “TLetow de lu Pance pour deus enfnts: drovirepatve (1877), de. Brno (pseudonimne de Augustine Fuld, considera un dos maiones sear da itecatra escolar cidental devas 0 tempos, com enienas de edge, chegendo aatingir amazca de miles de fpias vendida na Europ. 457 José Ricardo Ora Fernandes Corréa optou pela crénica histérica, com o objetivo de atingir um piblice maior, inclusive o seamento infantojuvenil. Mas quem era Viriato Cotréa? Qual a relagio entre sua obra literdria ¢ o ensino de historia para criangas ¢ Jovens? Qual a concepgao de histéria veiculada em seus livros? O nome de Vitiato Corréa esté indelevelmente associado ao sew livrode maior sucesso, Cazuza: memérias de um menino de escola (1938), um clés sico da literatura infantil. O livro Cazwza é uma espécie de romance auto- biografico, Esse livro pode ser considerado uma leitura canénica na escola” brasileira, pois foi lido por varias geragdes de brasileiros, O livro, ao narrar | 6s fatos da infincia do autor no Maranhao, mostra o cotidiano escolar na segunda metade do século XIX. Segundo o proprio Viriato, o livro foi ins- pirado num classico da literatura infantil, Coragéio, do italiano Edmundo de Aniicis: “[..J Estou a trabalhar num outro livro infantil. O titulo ainda ndo achei. E um livro, no digo nos moldes, mas nas intenges do Coragio, de Amicis, mas um Coragao verde e amarelo, bem brasileiro, bem nosso. Deve- x estar conclufdo em abril, para sair lé pelo Natal” (Carta..., 1936). ‘O que poucos conhecem & que Corréa, além de esctitor, jornalista e ba- charel em direito, escreveu diversas livros de crénicas histéricas e, princi: ape ran ce palmente, livros infantojuvenis com tematica histérica, que passaram a ser hd adotados em escolas e serviram também para a formacio de professores que do Iecionavam na escola primadria Nascido em 23 de janeiro de 1884, no povoado de Pirapemas, estado ae do Maranhao, Viriato deixou sua terra natal para fazer 0s cursos primérioe put secundlrio em Séo Luis. Sua veia literdria ja ge fazia presente aos 16 anos, con quando escreveu os primeiros contos e poesias. Mudou-se para Recife a fim de cursar a Faculdade de Direito, que frequentou por trés anos. Sob o pre- Bra texto de terminar o curso juridico na capital do pais, Viriato mudou-se para pate © Rio de Janeiro, onde passou a ter contato com a geracio botmia da Belle Epoque, que marcou a intelectualidade brasileira no comego do século XX. mice Por interferéncia de seu amigo Medeiros e Albuquerque, Viriato Corréa aitin obteve colocagéo na Gazeta de Noticias, iniciando, portanto, uma proficua dest: carreira jomalistica que estender-se-ia por longos anos. Nesse periédico, pas cons: sou acolaborar na coluna destinada as criancas, “Fafazinho” ,o que ja revelava Mine * Gaza fi langado em 1988 pela Compsnhia Eitare Nacional, tule, encontease em us 62 «vio (2004), “Gontimuamentereditado apevarde mais de meinsulo de vids, Caruz sive quero tovelbesi" (Cost, 2008 830) Tm 158 Hato ico, a? se Ahistva 6 uma escola! seu pendor em escrever para o piiblico infantil. Viriato também foi colabora- dorda primeira revista de quedrinhos genuinamente nacional, O Tico-tico. Muitas de suas obras surgiram no ambito das redagdes de jornais para, posteriormente, serem transformadas em livros. E 0 caso, por exemplo, de "Gaveta de sapateiro”, originalmente uma coluna semanal de crénicas his tricas do Jomal do Brasil que, por sugestio de leitores, converteu-se em livro homénimo, com o seguinte titulo: Gaveta de sapateiro: miudezas de- sarnumadas da histéria nacional (1932) Em parceria com Paulo Barreto, 0 Joao do Rio, esereveu seu primeiro livro infantil, intitulado Era uma vez... contos infantis (1908). No entanto, Viriato consagrou-se no campo da narrativa hist6rica. Escreveu, nesse géne ro, mais de uma dezena de titulos, entre os quais destacam-se Terra de Santa Cruz (1921), Historias da nossa histéria: crbnicas ¢ contos histéricos (1921), Brasil dos meus avis (1927), Bali uelho: roupas antigas da histéria brasileira (1927), Aleovas da historia: cantinhos, esceninhos e recesso da vida histérica ddo Brasil (1934), Casa de Belchior (1936), O pats do pau de tinta: oriicas histovicas da terra do pau-brasil (1938) e 0 romance histérico A Balaiada: romance do tempo da regéncia (1927) Em suaatividade jornalistica, Viriato dedicou-se a critica teatral e escre- veu cerca de 30 pecas, entre dramas e comédias. Foi também professor de historia do teatro na Escola Dramitica do Rio de Janeiro e membro funda- dor da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat) Como homem de seu tempo e antenado com as questées sociais e politi- cas do pais, Viriato dedicou-se também a vida piblica, tendo sido eleito de. putado estadual, em 1911, e deputado federal (1927-30), ambos mandatos como representante do estado do Maranhao. Em 1938, apés quatro tentativas frustradas, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira de mimero 32, criada por Carlos de Laet, cujo patrono € Araiijo Porto Alegre e hoje 6 ocupacia pelo escritor Ariano Suassuna. Viriato Corréa faleceu em 1967, ano em que a escola de samba Acadé- micos do Salguero prestou-the uma homenagem ao tomar como enredo seu ‘timo livro publicado Histéria da liberdade no Brasil, de 1962. Nele, Viriato destacou o carter libertirio do povo brasileiro, ao mostrar fatos historicos j& consagracios pela historiografia, como a Revolta de Beckman, a Inconfidéncia Mineira, a Conjuracio Baiana, a Confederagao do Equador, entre outros. "Unga ands dost timo livia de Viiato Cora encontra-zem Gomes eCavaleante 2003}. 159 Jos Ricard Ori Femandes Viriato Corréa e a historia contada as criangas ‘Apés Cazuza, ainda hoje editado, olivro de maior sucesso junto ao segmen- to infantojuvenil foi Histéria do Brasil para criangas, de 1934, publicado pela Companhia Editora Nacional e que circulou no mercado editorial du- rante 50 anos (28 edges). O trabalho de divulgagao da propria editora contribuiu para esse suces: s0, Vejamos 0 que dizia o Catalogo Geral da Companhia Editora Nacional: Historia do Brasil pata criangas — se hi-um livre que vai contaibuir podero camente para vulgarizare tomar atraente @ bistéria do Brasil, € esse que es creveu Virato Coméa, Ele pos a histéria patria 20 nivel das criangas, mas com tanta fidelidade e tamanha arte de fixar o essenciel, que acaba interessando também os adultos, Livro delicioso, admiravelmente ilustrado por Belmon- te, de um extruordinério aleance educative ¢ destinado a realizar por ss, nas escolas, uma grande obra de brasilidade e de espirito nacional. Grosso vvoluene com 59 ilustages de paginas solidamente cartonado, 4 edigio, 20° smilheiro..108000 (Catalogo... 1935:30 mesma editora langou uma colegdo coordenada pelo educador Fer~ nando de Azevedo e intitulada Biblioteca pedagégica brasileira (BPB): litera- tura infantil, Nessa colego, cuja maior parte das obras so de Monteiro Lo- bato, constam dois livros de Viriato: Histéria do Brasil para criancas (1934) e Meu torr: contos da histévia patria (1938). Embora Histéria do Brasil para criangas tenba sido elaborada paraa série de literatura infantil da BPB, acolesao teve seu reconhecimento oficial como livro escolar pelo Ministério da Educacio, na década de 1960, por meio do registro n? 966 da Comissio Nacional do Livro Didatico, podendo assim ser adotado em todas as escolas primarias do pais." Uma leitura mais atenta de seus livros de histéria, especialmente His- téria do Brasil para criangas, permite-nos elencar caracteristicas marcantes {Visite Conta dedica exe lives Monteiro Lobato: “A Montiro Lobsto, meste de todos ns que revemon para cranga.” Segundo Vict foi Montzze Lobato quem olevou part « Conspania Editor, ‘Nacional. onde l publicos vires ios infantis de exénias histric °° A Camissdo Nacional do Livro Dita fo crada pelo Decreto- Len 1,006, de 30 de dezembro de 1938, consserado a prmeiea leilago federal de controle da produgoeczeulazodolivro didtico pain Ambito da elite educaconal orntralzadora do Estaio Novo (1987-45) tendo frente iu Sd rinistro Gustave Cupane 160 ‘A tistéia& uma esclal de sua concepgio de historia, bem como sua preocupagao com o ensino de historia que era ministrado a nossas criancas ¢ jovens nas escolas brasileiras. Logo na abertura de seu livro, Viriato faz algumas consideragées sobre como deveria ser 0 ensino de historia para criangas: Ascriancas 66 interessa o que é vistoso. [..] Na bistoria, mesmo na da Caro- chinha, o que lhes fere a imagingio é o lado aparatoso. O aspecto filos6fico produz-Ihes enfado e sono, Neste livro, procura-se dar as crianges apenas a \ superficie vistosa da histéria brasileira, Nada de filosofia. Nada de profundos —* | aspectos histéricos que Ihes possam causar bocejos [Cortéa, 195711 Em muitas de suas crénicas historicas, Viriato ja fazia criticas & forma | como a historia era produzida e concebida: “A histéria do Brasil €a historia enfadonha de capites-mores, de governadores gerais, de vice-reis circuns- pectos, de cartas régias, de sesmarias. E uma historia pesaca, porque toda dla gravita erm derredor de homens. Falta-Ihes a centelha romanesca de tan- {as outras historias porque Ihes faltam mulheres” (Corréa, 1936:121-122), Historia do Brasil para criangas foi dedicado ao educador Paulo de Albu- querque Maranhvio" que, segundo Viriato, foi quem 0 convencew a escrever ahistéria patria para criangas. Trax também uma pequena carta do escritor eamigo Rodolfo Garcia,"! que tece elogios a obra: Com 0 método adotado, conseguiste fazer um livro magnifico, nto s6 para criangas, como ainda para a gente grande, Deves ter ouvido muitas vezes, como eu, de ilusires cavalheiros a cindida declaragio de que nao gostam da histéria do Brasil, porque € matéria érida e desinteressante: por isso, deixam-na de lado, nao a estudam, néo a saber, A semelhanga do que fizeste com 2s criancas, devias ter dedicado também teu listo a esses & prazere, sobretuco, com proveite [Goréa, 1957.9], valbeios. Porque, estou certo que o ler com muito iPhoto de Allwqueraue Maren foi wn dos igntivos do Manifesto dos Pioneinoe da Edurasso ‘Nove no Brasil, em 1932, e fain pct do grupo diigido por Anisio Tessra a gesto da instrayso bla do Distrito Feder * Rodklo Gai (1873-1949) ere membro do THGB e asrumiu acadeira 39 da ABL, anterirmente tnupada por Rocka Pome, Ean 1950, exrere o cargo de distor do Museu Histrico Nacional, em ‘ubwiuigo a Gustavo Buroso rlando nessa inttuigioo “Curso de Moseus. Em 1932, ansumin ‘deeedo da Pibiotca Nacional. untamente com Capistrano de Abees, Garcia fi responsivel pela ano tasioda ¥edgio de Histona grado Brasil de Varnhagen. 161 José Ricardo Ord Fernandes Gavea, cidade do Rio de Janeiro: ‘Umea vez, pela mana, ele [vows] nos disse que tinha uma histéria bent ¢ ‘muito compricia para nos contar. Néo era, porém, histéria de bichos nem de princesase principes encantados. (Que histéria 6 — perguntamos Ba Hist6ria do Brasil, afirmou (Coréa, 1957:17} O vovd é uma especie de testemunha ocular da hist6ria a0 narrar as rian | 428 fatos importantes de noseo passado, como dia da assinatura da LeiAu rea pela princesa Isabel, em que participou: Vow assist a ele? — interroguei — Assisi. Nao posso descrever 0 que foi a solenidade, Hi coisas que nin | gguém descrove. A praga eas mas vizinhas do palécio estavam assis de gate Na sala ninguém podia mover-se. Ao terminar a assinatura, Isabel choy 8 porta do palicia, Ao me lembrar disto sinto ainda os cabelos antepiados A praca inteira, a uma 86 voz, aclamou o nome da princesa que acabava de tomar os brasileros iguais (Cornea, 1987:226-227] Allis, as “ligées de historia do vovs” seus livros infantis, tais como Meu torrao (1935), A bandeira das esmeraldas (1943), As belas historias da histéria do Brasil (1948) e Curiosidades da hist ria brasileira (para criangas) (1952). Viriato Corréa considera quea historia é fonte de infinitas ligdes paraas novas geragies, que deveriam espelhar-se no exemplo de brasileiros patti tas que, em vida, dedicaram-se A causa nacional: Bim eearents na arts infil rs inch de um persoagem ros bo gucci hia raga. Tl eat hevia io sdotada por Monti Lob, a cr «gua de det Bent, propitra do sto de pica pas marl, que conta histria para seston (Nato e Pe denho). Anda hoje, ta foraula era € usd. prinipalmente em se wtando de obras deck Isic Vovele 2007), 162 ‘A histria 8 uma esclat ‘A grandeza do Brasil depende de voces, meus meninos, Ascriangas é que sto futuro de um pais. Se vorés seguirem o exemplo dos grandes homens que eu acabei de nomest, se trabalharem, se estudarem, se cultivarem a inteligtn- cia, o Brasil arnanhi poderi ser a mais bela, a mais sica, a primeira nagao do [Comrea, 1957:235] Assim, a historia, por meio das “liges do vové", possui um carater forma- tivo, ao fornecer elementos «que servem para a construsio de valores morais €

Você também pode gostar