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vAroR E A ARTICULAqÁO
DE POSSIBILIDADES
Um estudo do movimento dos
professores indígenas do Amazonas,
Roraima e Acre, a partir dos seus
encontros anuais
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A AUTONOMIA COMO VALOR
EAARTICULAqÁO DE
POSSIBILIDADES
Um estudo do movimento dos professores
indígenas do Amazonas, Roraima e Acre,
a partir dos seus encontros anuais
1ililil||ilffiüililililililil
Ediciones
Abya - Yala
1998
A AUTONOMIA COMO VAIOR
E A ARTICULAqÁo nn IoSSTBILIDADES
Rosa Helena Dias da Silva
Impresión: Docutech
Quito Ecuador
ISBN: 9978-04-459-0
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Resumo
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*r A partir do estudo do movimento dos professores indígenas do
Amazonas, Roraima e Acre, tendo como eixo de análise referencial seus
Encontros anuais e as próprias experiéncias dos professores indígenas
participantes deste movimento, na prática cotidiana em suas regióes, o
presente trabalho procura verificar o papel cultural, polltico e pedagó-
gico desta articulagáo/organizagáo indígena na construgáo de Escolas
Indígenas.
Tiabalha-se com a concepgáo de "escola indígena" como nova
forma de instituigáo educacional, definindo-se a servigo de cada povo,
enquanto instrumento de afirmagáo e reelaboragáo cultural. Ao mes-
mo tempo, uma escola que contribua na conquista de espago político
no campo da educagáo pelos povos indígenas, dentro do Estado Brasi-
leiro, buscando novas relagóes interculturais, no marco do reconheci-
mento do Brasil enquanto país pluricultural, assim como a superagáo
da perspectiva integracionista. Uma escola indígena que se contrapóe,
assim, á idéia e realidade das "escolas para os lndios".
O trabalho analisa ainda os limites e possibilidades das escolas
indlgenas, enquanto recurso político-cultural de afirmagáo das identi-
dades no confronto e/ou enfrentamento da realidade atual, no que se
refere ao contato interétnico, identificando os avangos, contradigóes e
tensóes deste processo.
This thesis was elaborated with the help of FAPESP and CNPq.
SUMÁRIO
RESUMO ..........7
ABSTRAT ..........9
suMARro ........11
SIGIASIITILIZADAS.... .......I3
AGRADECIMENTOS .....I5
l.APRESENTAQÁO
escolha
1.1. Definigáo do tema: justificando uma . . . . . . . .19
1.2.Opgóesteórico-metodológicas .......21
2. TNTRODUQÁO
2.1. Delimitagáo da temática: educagáo indlgena e educagáo
escolarindígena .......29
2.2.Brevehistórico da educagáo escolar indlgena . . . . . . . .33
2.2.l.llma proposta de delimitagáo: as diferentes fases
esuascaracterísticasprincipais .... .......33
2.2.2.Relagáo entre Povos Indígenas e Estado Nacional:
polltica e legislagáo indigenista no Brasil . .. .. . ...42
1-EntrevistacomBartomeuMeliá. .....265
2 - Entrevistas com quatro professores indígenas . . . . . . .270
3 - Participagáo de Gersem dos Santos Luciano no
II Congresso Ibero-Americano de História da Educagáo
Latinoamericana. .....288
4 - Relatório de Sebastiáo Duarte, representante no
/MEC
Comité Assessor do . . . .296
5-DocumentosproduzidosnosEncontros .....301
SIGLAS UTILIZADAS
ANAf Associagáo Nacional de Apoio ao fndio
ANE Articulagáo Nacional de Educagáo
CEDI Centro Ecuménico de Documentagáo e Informagáo
CESE Coordenadoria Ecuménica de Servigos
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CIR Conselho Indígena de Roraima
COIAB Coordenagáo das Organizagóes Indlgenas da Amazónia
Brasileira
COLE - Congresso de Leitura do Brasil
COPIAR Comissáo dos Professores Indígenas do Amazonas,
Roraima e Acre
CPI/AC Comissáo Pró-fndio do Acre
CTPCC Centro de Treinamento Profissional Clara Camaráo
FOIRN Federagáo das Organizagóes Indlgenas do Rio Negro
FUNAI Fundagáo Nacional do fndio
IER/AM Instituto de Educagáo Rural do Amazonas
ISA Instituto Sócio Ambiental
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educagáo Nacional
NEPE Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educagáo/Universidade
do Amazonas
MEC Ministério da Educagáo e Desportos
OPAN Operagáo Amazónia Nativa
OPIR Organizagáo dos Professores Indlgenas de Roraima
SIL Summer Institute of Linguistics
SPI Servigo de Protegáo ao fndio
UA Universidade do Amazonas
UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba
USP Universidade de Sáo Paulo
Agradecimentos
to do movimentol8.
Desta forma, durante todo o processo, procurei evitar fatos iso-
lados, onde houvesse preocupafp excessiva com a pesquisa. Esta sem-
pre encaixou á programagáo já existente, aproveitando os momentos
se
demandados pelo próprio movimento, como encontros, cursos, reu-
nióes, visitas )s áreas. A participagáo nos momentos planejados pelo
movimento propicia um maior conhecimento da questáo estudada, ao
permitir que os participantes, em sua maioria, sejam "informantes", no
sentido das pesquisas convencionais.
Como já afirmei anteriormente, há uma profunda reflexáo e teo-
rizagáo sendo construída coletivamente que merece ser conhecida e va-
lorizada. O trabalho minucioso de pesquisa, estudo, reflexáo e análise
pode assim ser inserido nos significativos momentos que já existem na
dinámica do movimento. O reconhecimento da adequagáo dessa escol-
ha está presente nos convites que recebo para trabalhos de assessoria.
Tial proceder, de fato, fundamenta-se na convivéncia, confianga e res-
peitabilidade já conquistada anteriormente.
Menga Ludke e Marli André, ao tratar da dimensáo social da pes-
quisa e do pesquisador,lembram que estamos "mergulhados natural-
mente na corrente da vida em sociedade, com suas competigóes, inte-
resses e ambigóes, ao lado da busca legítima do conhecimento científi-
co. Esse mesmo conhecimento vem sempre e necessariamente marcado
pelos sinais de seu tempo, comprometido portanto com sua realidade
histórica e náo pairando acima dela como verdade absoluta. A constru-
gáo da ciéncia é um fenómeno social por exceléncia. (...) como ativida-
de humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de
valores, preferéncias, interesses e princípios que orientam o pesquisa-
dor"19.
Propus-me a somar com aqueles pesquisadores que entendem
que é necessário construir uma nova atitude de pesquisa: colocando o
pesquisador no meio da "cena investigada", participando e tomando
partido na "trama da pega". Nesta perspectiva, a questáo da construgáo
de um "olhar abrangente" para o conhecimento da realidade é funda-
mental e exige constante aprendizado2o.
Um pressuposto desta tese que também merece explicitagáo é o
entendimento de que o "fato" pesquisado é um processo, a construgáo
de uma experiéncia inacabada. Captar essa realidade dinámica e com-
A autonomia como valor e a articulaEAo de possibilidades 25
Se nño tivesse branco no meio dos Tikuna, talvez até hoje nño teria
escola'i (Prof. Alírio Mendes, Tikuna - Relatório do I Encontro/I988)
"Para nós a escola é um instrumento para nós defender, conhecer e
entender melhor o mundo do branco para enfrentar as políticas contrárias
e Proteger a nossa cultura. No meio de tudo esn dificuldade, uma parte
'A escola entrou como utn corpo estranho, A escola entra e se aPos-
sa da comunidade. Nño é a comunidade que é seu dono. Hoje, os índios
comegam a dar as regras para o jogo da escola: 'td, vocé fica aqui, mas des-
sa forma!'Temos leis que dño respaldo, mas ainda nao estamos sabendo
usar", (Prof. Bruno38, Kaingang)
"Precisamos pegar esses mecanismos colocados de fora (no caso, a
escola) e fazer deles parte da nossa sociedade. Precisamos nos organizar
conto povo: preservar nossa cultura, nossa língua...mas ndo podemos pre-
servAr a fome!" (Prof. Orlando |ustino, Macuxi39).
da primeira fase: "mas vieram os Jesuitas. Veio com elles a Virtude. Pa-
ra os Colonos, que a esqueciam e repudiavam, passada a Linha. Para os
Índios, cannibaes, intemperantes, sensuaes, que jámais conheceram
freio e reserva. (...) E ambas as ragas, dominou, por fim, a moral priva-
da e publica dos |esuitas. Depois, foram mestres e instruiram. (...)
aprendendo a lingua da terra, e pela grammatica,a logica, o latim, pas-
sando o humanismo, para chegar á theologia moral e a philosophia.
(...) A história do Brasil colonial se faz, de 1549 a 1777, com a colabo-
ragáo do Governo, da Companhia de Jesus, e do Povo. Esses colabora-
dores teriam parte deseguaes, no decorrere do tempo. A principio, o
primeiro assistia, assentindo ou determinando; o ultimo, heterogeneo,
se misturava, assimilando-se, e se corrigindo: dominavam, pelo consel-
ho, pelo exemplo e pela fé, os fesuitas. Depois, com a modificagáo do
Povo, que já náo era de fndios e Reinóes, mudados em mamelucos,
mestigos, já Brasileiros, Governo e Povo passaram a entender-se direc-
tamente, do meio para o fim da história colonial. A Companhia de fe-
sus criou o Brasil enfante"43.
Partindo de um foco de elaboragáo europeu, o objetivo da pri-
meira fase, era assim anegagáo da diversidade dos índios ou, em outros
termos, o total aniquilamento das diversas culturas e a incorporagáo de
máo-de-obra indígena á sociedade nacional. Porém, segundo Meliá
(1979), a educagáo missionária, através de fracassos e frustragóes, mos-
trou logo sua inoperáncia. "O educador constata que o índio náo
aprende e que no profundo do seu ser é intocáve1"44. O que vemos en-
táo, desde aquela época, é que formas propriamente indígenas de resis-
téncia ás novas situagóes de contato foram desenvolvidas.
No prefácio do livro comemorativo ao jubileu de ouro das Mis-
sóes Salesianas no Amazonas (1915-1965), intitulado DeTupñ a Cristo,
verificamos com toda clareza o objetivo integracionista, tendo como
principais veículos a catequese e a educagáo escolar: "nessas páginas
imprime-se a marca divina dos santos evangelizadores; entre eles os je-
suítas da primeira hora e os salesianos e Dom Pedro Massa, interpóe-
se um tempo vasto; mas os aproxima uma coeréncia infleúvel. E An-
chieta que ressurge com outros processos, outra linguagem, outras dis-
ponibilidades materiais e humanas, portanto outras possibilidades, em
que se inclui, pasmosa a da concentragáo e a da difusáo do conheci-
mento"45.
A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades 35
como funciona para os brancos, mas sim uma escola que faga com
que o índio queira conünuar ser índio e nño ficar desejando abandonar a
aldeia; essa escola det e ter professores indígenas e ficar dentro das malo-
caf6.
NOTAS
12 Alain Touraine, em artigo especial para a Folha de Sño Paulo, Caderno "Mais!"'
do dia l2lnov/95, intitulado "A revolta das comunidades", chama a atengáo
para a questáo de que "a idéia de nagáo está sendo substituída por formas de
associagáo que tém como base a religiáo e a etnia. (...) Atualmente, a resistén-
cia á abertura internacional dos mercados é imposta pela no9áo de comu-
nidade, ou seja, pela identidade cultural de uma populagáo definida por sua
natureza social comum: língua, etnia, sexo ou idade. (...) A própria idéia
nacional mudou de sentido. Para os herdeiros de Rousseau, ela designava a cri
agáo de uma coletividade de cidadaos livres; hoje, na esteira do Pensamento
alemáo, ela designa o vínculo representado por uma comunidade cultural ou
histórica".
13 POLANCO,Héctor Dlaz.A queúao Etnico-nacional, México, Editorial Línea,
1985 (tradugáo de Júlio Gaiger)
14 BARTH,Frederik.Los grupos étnicos y sus fronteiras - la organización social de las
diferencias culturales,Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1976.
15 LUDKE,Menga e ANDRE,Marli.Pesquísa etn educagña: abordagens qualitativas,
Sáo Paulo, EPU, 1986
16 Sem me furtar de explicitar aquilo que tenho pensado a respeito do tema em
estudo, priorizarei trazer para o debate académico, através da tese, a
profunda reflexáo coletiva empreendida durante os dez Encontros anuais já
reaüzados. Fago esta oPfáo, convencida da importáncia deste olhar respeitoso
sobre esse processo que está sendo levado adiante com muito esforgo e
'
seriedade, náo sem contradigóes e impasses, Por Parte dos principais envolvi-
dos, caracterizando uma experiéncia inédita no país, que se inscreve na tenta-
tiva do efetivo estabelecimento de novas relagóes, seja com a própria escola,
entre os diferentes povos, com a sociedade brasileira e o Estado.
L7 LUDKE e ANDRE, op. cit
18 Pode-se, por exemplo, ler no Parecer ao 10 Relatório que apresentei: "O proces-
so de reelaboragáo do olhar da bolsista sobre o problema que investiga, de mil-
itante a pesquisadora (...) parece estar em pleno curso". lá o patecer ao 2o
Relatório aponta para a superagáo de algumas dificuldades detectadas anteri-
ormente: "Estáo superadas no texto, as dificuldades apresentadas anterior-
mente, no tocante ao predomfnio de um tom miütante sobre o analítico". O
parecer ao 3o Relatório reconhece que "a assessoria combinada i pesquisa dá i
bolsista a oportunidade de ser assessorada também: uma pesquisa-agáo basea-
da numa interlocugáo clara e simétrica, com ganhos, trocas e descobertas nas
duas diregóes, o que é extremamente positivo como metodologia de pesquisa e
como atuagáo indigenista". Creio poder afirmar que essa complexa articulagño
é tarefa permanente, quando se vive dois mundos - o académico e o dos movi-
mentos sociais - ao mesmo tempo.
19 LUDKE e ANDRE, op.cit.
20 Neste sentido, Hall (1978) ao elencar as caracterlsticas essenciais para um bom
etnógrafo, "(...) ser capaz de tolerar ambiguidades; ser capaz de trabalhar sob
sua própria responsabilidade; deve inspirar confianga; deve se pessoalmente
comprometido, autodisciplinado, senslvel a si mesmo e aos outros, maduro e
54 Rosa Helena Dias da Silva
do, uma escolha, de caráter instrumental, que náo pretende esgotar a abrangén-
cia do aspecto histórico. No foco principal da tese, este breve histórico da edu-
cagáo escolar indígena no Brasil tem o caráter de contextualizagio do debate.
42 FERREIRA,Mariana Kawall Leal.Da origem dos homens d conquista da escrita:
um estudo sobre povos indlgenas e educagño acolar no Brasil, Dissertagáo de
mestrado, Departamento de Antropologia, USR Programa de Pós-Graduagáo
em Antropologia Social, Sáo Paulo, 1992
43 NAVARRO,Azpilceta e ovttos.Cartas Avulsas - Cartas Jesuíticas 2, Sáo Paulo, Ed.
Universidade de Sáo Paulo, 1988 (Introdugáo deAfranio Peixoto)
44 MELIA,Bartomeu. op.cit.
45 Missóes Salesianas do Amazonas.De Tupd a Cristo, fubileu de ouro (1915-
1965), Rio de |aneiro, 1965 (Prefácio de Pedro Calmon)
46 HECK,Egon.Os índios e a caserna - Políticas Indigenistas dos Governos mil-
itares - 1964 a 1985, Campinas, TINICAMR 1996, p. 84 (Dissertagáo de
Mestrado)
47 Ministério do Interior. "Conclusóes do Curso-Seminário de Antropologia,
Indigenismo e Desenvolvimento", Ilha do Bananal, agosto/75, arquivo FUNAI
48 ldem, ibidem, grifos do próprio relatório.
49 NEWMAN,BARBARA. "Ensino billngue: uma ponte para a integragáo" in
Informaüto da FWAI, no 14, set/75, Brasília. A concepgáo de bilinguismo
como "ponte" (enquanto passagem/transigáo) - esta é a perspectiva adotada e
assumida pelo Summer Institute of Linguistics (SIL), expressa nesse texto.
50 SANTOS,Silvio Coelho dos. Educagño e Sociedades Tribais, Movimento, Porto
Alegre, 1975
5l MELIA,Bartomeu. op. cit.
52 Missóes Salesianas do Amazonas.De Tupñ a Cristo, Edigáo comemorativa ao
Jubileu de ouro (1915-1965)
53 Comissáo Pró-fndio. A questño da educagño indlgena, Sáo Paulo, Brasiliense,
198 I
54 Na avaliagáo de Luis Doniseti B. Grupioni, "a passagem da educagáo escolar
indlgena da FUNAI para o MEC com o decreto 26191 potencializou as possi-
bilidades de concepgáo de uma política de educagáo escolar indlgena, de aco¡-
do náo só com os novos preceitos constitucionais, mas também apoiando-se
em experiéncias significativas de projetos pilotos desenvolvidos por entidades
de apoio aos índios (algumas delas com experiéncias há mais de 15 anos) e de
encontro a propostas e reivindicagóes formuladas no bojo de uma nova faceta
do movimento indígena: refiro-me ds organizagóes de professores indígenas.
Para isto contou também a fragilidade, de um lado, e a incompeténcia, de outro,
da a9áo da FUNAI nesta área" (GRUPIONI,Luis "De alternativo a oficial: sobre
a (im)possibilidade da educagáo escolar indlgena no Brasil", Comunicagáo
apresentada na mesa redonda "Escola i¡dlgena: um caso particular de escola?"
no Encontro Interno "Leitura e Escrita em escolas indígenas: domesticagáo X
autonomia'', no 10o COLE, UNICAMB 1995.
55 A primeira Assembléia Indígena foi realizada em Diamantino/MT, em 1974.
56 fornal Porantim no 29 pg.6.
A autonomia como valor e a articulagáo de possibilidades 57
67 Para conhecer mais sobre essa realidade, Ier Com as próprías mños - Professores
indlgenas construindo a autonomia de suas escolas, editado pelo CIMI, Brasflia,
1992
68 Conforme Meliá, em entrevista concedida a esta pesquisadora, em I9t06194 em
Sáo Pau]o,
Para ilustrar a complexidade envolvida nesta "passagem" - de escolas para os
índios para escolas indígenas, chamo a atengáo para as marcas históricas deix-
adas, como é o caso dos nomes das escolas. No levantamento feito pelo
IER/AM (Instituto de Educagáo Rural do Amazonas) em 1997, pode-se con-
58 Rosa Helena Dias da Silva
tabilizar que, das 445 escol¿s indígenas do Amazonas, apenas 15,7o/o (equival-
. endo a 70 escolas) possuem nome indígena. Das demais (375 escolas),84,3olo do
total tem nomes [gados ao processo de colonizagáo: 68,80/o ganharam nomes
ligados ao cristianismo (em especial, nomes de santos); 22,4o/o tem seus nomes
inspirados na "história oficial'l dos heróis nacionais, incluindo al, de D. Pedro I
e II i Marechal Rondon; de Duque Estrada i Amazonino Mendes. Os 8,8olo
restantes incluem idéias e valores externos, como "Príncipe Encantado",
"Campo Alegre", "Nova Esperanga", "Novo Sonho", "Novo Horizonte".
70 CAPACLA, op. cit. (prefácio)
7l MONSERRAT,RuIh. "Professores indlgenas versus índios professores" in
Boletim da ABA, abril/93, no 16, p.9
72 O termo "problemática indígena" refere-se aqui is questóes históricas e atuais
advindas do contato dos povos indígenas com a sociedade envolvente
73 COSTA,Eugénio.O Projeto Calha Norte: antecedentes Políticos, Sáo Paulo, USR
1992, p.l7l (Dissertagáo de Mestrado).
74 HECK, op. cit., p.2l
75 GUIMARÁES,PauIo Machado."A polémica do fim da tutela aos lndios':
Brasília, texto datil., out/1996
76 GUIMARÁES, op. cit.
77 'A sociedade capitalista, enquanto modo de produgáo, gera desigualdade social
na medida em que privatiza os meios de produgáo, pois onde há propriedade
privada dos meios de produgáo existe também a transformagáo do trabalho em
mercadoria e, portanto, existe uma relagáo entre trabalho e capital, que gera
conflitos, tensóes e toda a dinámica da sociedade de classes" (conforme FER-
NANDES,Florestan.Movimento socialista e Partidos políticos, Sáo Paulo,
Hucitec, 1980, p. l9)
78 GUIMARÁES, op. cit.
79 Esta indagagáo será retomada posteriormente, pois, na minha avaliagáo, aí
reside um dos principais impasses desta discussáo e prática das escolas indíge-
nas.
80 GLIIMARAES, op.cit.
8l Há, neste sentido, uma inversáo necessária: antes eram os índios que tinham
como prerrogativa conhecer a sociedade envolvente, para "adaptar-se", "incor-
porar-se", "integrar-se". Na perspectiva do respeito ) diversidade étnica, da qual
decorre a autonomia, é i sociedade náo-índia que se coloca agora a necessidade
de conhecer as sociedades indígenas.
82 SILVA e GRUPIONI, op. cit., p. 16
83 OLIVEIRA,Francisco. 'A reconquista da Amazónia" in Novos Estudos -
CEBRAP, no 38, p.13, 1994
84 Tal Convengáo encontra-se agora em processo de ratificagáo por parte dos
Estados Membros. Já foi ratificada por vários países, entre eles, Noruega,
México, Colómbia e Boüvia. No Brasil, a discussáo esta paralisada.
85 OlT-Organizagáo Internacioanl do Tiabalho.Convengño (169) sobre potos indí-
genas e tribais em países independentes e resolugño sobre a afio da OIT concer'
nente aos Povos indígenas e tribais, Brasília, dezembrolL992
A autonomia como valor e a articulagdo de possibilidades 59
86 Idem. ibidem.
87 Lembro ainda dois importantes fóruns de discussáo, debates e tomada de
posigóes, onde a questáo dos direitos indlgenas está na pauta dos trabalhos: na
ONU-Organizagáo das Na9óes Unidas, está sendo elaborado um projeto de
"Declaragáo Universal dos Direitos Indlgenas", para aprovagáo, possivelmente,
ainda nessa década, por ser ela, como se sabe, declarada como "Decénio dos
povos indlgenas" (1995-2005). Na "Carta da Terra", redigida em 1992
(ECO/92), por Organizagóes Náo-Governamentais do mundo inteiro, é recon-
hecido "o lugar especial dos Povos Indlgenas da Terra, seus territórios, seus cos-
tumes e sua relagáo singular com a Terra".
3. O MOVIMENTO DOS PROFESSORES
INDÍGENAS DO AMAZONAS,
RORAIMA E ACRE: A CONSTRUQAO
DE UMA TRAIETORIA
"Se, de um lado, os últimos vinte e poucos anos foram marcados
por problemas e ameagas crescentes i sobrevivéncia dos povos in-
dígenas no Brasil - o que nos enche de t¡isteza e indignagáo -, de
outro, estes foram anos de organizagáo e fortalecimento do movi-
mento indlgena, de avangos na Legislagáo Indigenista e de envol-
vimento positivo de setores náo-lndios da sociedade civil na ques-
táo indlgena".88
3. l. Retrospectiva histórica
3.2.1.1. Síntese
Yoge
"Certo dia fui pescar. Tínhamos um cacholro marupiara: era só eu
entrar na cafloa que ele, nadando, atral/essava o rio e lá se manda-
va atrás de cutias, pacas, etc. Comecei a lidar com meus anzóis e
consegui, como de costurne, bastante peixes que acrescentados aos
que costumava pegar meu pai, davam Para o jantar e para o dia
seguinte, de manhñ, na refeigño principal. De repente ouvi o
cachorro latir e cada vez mais se aproximar da beira. Nño passou
muito tempo e eis que uma cutia, pulou no rio. Ndo perdi tempo:
avancei em diregño a ela e levantei tneu retno para dar-lhe uma
pancada na cabega e ffiatá-la. Qual o qué? A cano*, muito peque-
na, nÁo colaborou. Na hora que eu ia lascar o golpe, ela virou.
Fiquei alagado, os peixes que eu tinha pescado sumiram e a cutia,
feliz da vida, conseguiu atravessar o rio. O cachorro ficou olhando
prá mim cotno quem diz: Adeus jantar... Voltei para casa. Minha
mñe foi a primeira a perceber o tneu desapontamento. E entño eu
lhe contei tudo. Riu-se a valer. Riram todos, Porque entre nós,
quando um menino nño se sai bem, nño é objeto de compaixño.
Assim, os meninos crescem mais corajosos e prestam muita atengño
para nño errAr em nAdA".
Akheto
"Todos os anos, em pleno verño, meu pai saía para ir pescar no
baixo rio Tiquié. Demorava algumas vezes até um més A volta.
sempre era festejada. Quantos peixes costumal)a trazer! Que ale-
gria, especialmente entre nós pequenos!
Nño é que, chegando eu aos noye ou dez anos (ndo lembro bem,
pois nós, indígenas, sotnos ainda os donos do tempo e ndo o con-
trário), pensei comigo mesmo, sem dizer nada aos outros:
- Tenho que fazer como ftreu pai, o verño estó uma beleza, voltarei
com a canoa cheia de peixes.
Dito feito, marquei o dia da saída. Levantei-me animado como
nunca: banho bem cedinho, como é costume entre nós, depois a
refeigño que é a principal do dia. Daí em diante nño parei mais um
minuto, preparei tudo: remo, canoa, arco, flexa, anzóis, iscas...
Entño, vendo que tudo estava em dia fui despedir-me de minha
mñe, de meu pai e dos outros:
7O Rosa Helena Dias da Silva
- Vou pescar. daqui a uln més estarei de volta. lrño ver quantos
peixes!
- Ótimo Akheto! - responderam - Añuató nd añupetikñto (leve
lembrangas nossa para todos).
E eu entrei na minha canoazinha e comecei a remar com toda a
forga. Depois de uns cinco estiróes,levantei o olhar em direfio das
áreas da beira do rio: vi o sol querendo também ele se despedir. Que
fazer? Conünuar, faltava coragem; voltar para casa era a derrota
completa. Parei e fiquei indeciso. Porém ao descambar do sol, nño
tive mais dúvidas: o jeito foi voltar.
Cheguei em casa na hora do jantar, Ninguém percebeu, Pensar em
largar tudo e cair na rede, cansadíssimo, foi uma coisa só. Depois
de uns minutos ouvi a voz de minha mñe:
- Akheto, baóge atyó (venha comer).
O que se seguiu, todo mundo pode imaginar..."
("é vigiada de perto"; "náo pode fazer sozinha"). Duas idéias centrais
elaboradas por Chateau sáo: "é por ser estranha ao mundo do trabalho
que a crianga se afirma através do jogo"; "participar das tarefas adultas
é sonho de toda a crianga".
Como se sabe, o jogo
e a brincadeira sáo elementos importantes
na educagáo infantil. 'A originalidade aqui é que o índio, já desde
pequeno, brinca de trabalhar. Seu brinquedo é, conforme o sexo, o
instrumento de trabalho do pai ou da máe. O índio, que brincou de
trabalhat depois vai trabalhar brincando. O seu jogo é brinquedo que
náo lhe deu ilusóes, que depois a vida lhe negará. Pequenos arcos e fle-
chas nas máos de um menino ou pequenos cestos dependurados na
cabega de uma menina, que vai com a máe buscar mandioca na roga,
sáo cenas que tém encantado qualquer visitante de uma aldeia indíge-
na,r 108.
O que podemos perceber no contato direto com a realidade
indlgena e através de relatos de diferentes experiéncias, é que a crianga
aprende brincando, num clima de ampla liberdade.
Ao falar especificamente da educagáo das criangas do povo
Kaiowá (no Mato Grosso do Sul), Meliá (1979) nos mostra que: "no
primeiro perlodo (de um a trés anos), é sobretudo a comunidade que
atua sobre a crianga, aprovando ou rechagando suas atividades ou
comunicando-lhes através do jogo e de exemplos da própria vida, ati-
tudes e valores. De trés a cinco anos, a criangada constitui uma ver-
dadeira mini-sociedade, onde a vida adulta é imitada em todas as ativi-
dades diárias, até as religiosas. O respeito que os pais tém para a cri-
anga, o modo de falar com ela, quase nos pareciam exagerados. O adul-
to considera o papel da crianga na sociedade com muita seriedade. O
que náo quer dizer que as relagóes entre eles sejam tensas ou tristes.
Adulto brinca com crianga e crianga brinca .o- u¿uhe"lO9.
Quanto a questáo do conhecimento da natureza, remetamo-nos
a alguns autores que tém trabalhado esta temática. Em seu texto "O
impacto da conservagáo da biodiversidade sobre os povos indígenas'l
Andrew Gray coloca que "os povos indígenas tém uma vasta riqueza de
conhecimentos relativos a seu ambiente, construlda ao longo de sécu-
los. Este conhecimento náo inclui somente informagóes sobre difer-
entes espécies de animais e plantas, seus comportamentos e suas utili-
dades, mas também informagóes sobre o modo como aspectos do uni-
verso se inter-relacionam". E vai além, ao afirmar que para os povos
72 Rosa Helena Dias da Silva
Críticas á escola :
3.2,1.3. Conclusóes
50 Quantidade e Qualidade.
Os alunos só estudam para tirar dez na prova, é muito errado, ele
quer ficar sabiddo. Isso ndo está com nada. Precisamos nos preocu-
par coln a qualidade, se ele estó oprendendo mesmo. A nota nño diz
tudo. As vezes, quem tira cinco nño quer dizer que aprendeu fttenos
que aquele que tira dez.
A escola que nós precisamos é onde o professor se preocupa com a
qualidade, nño com a quantidade" (Relatório I Encontro/1988).
Foram enfatizados, como necessidades urgentes e prioritárias,
dois eixos básicos: organizagáo e formagáo. Assim, vejamos trés
diferentes citagóes que se somam neste sentido:
"Primeiro: organizar os professores bilíngües. Essa organizafio é o
primeiro passo, é fundamental para conseguirmos a escola que
queremos" (Professores Macuxi).
"Segundo: a capacitagño dos professores bilíngües. Sem essa capac-
itagño nño podemos fazer nada para nossa comunidade, para os
no ssos oluno s" (Professores Tikuna).
"Para conseguir, temos que incentivar a organizagño e a capaci-
tagño dos professores bilíngües" (Professores do Rio Negro).
Foi elaborado e aprovado documento final do Encontro, no qual
os professores afirmam que, segundo eles, a escola deve ser:
'bilíngue;
voltada á cultura de cada povo;
fundada nas tradigóes;
conscientizadora, tendo em vista a autodeterminagdo
deve trabalhar na defesa dos direitos indígenas;
ter metodologia própria;
ter seu papel avaliado pela ,o*ur¡¿o¿r"120.
80 Rosa Helena Dias da Silva
DATA l5 a l8/outubro/1988
No PARTICIPANTES 4I
N. POVOS t4
ORGANIZADOR CIMI
3.2.2.1. Síntese
3.2,2.3. Conclusóes
DATA 10 a r4liulho/1989
N" PARTICIPANTES 30
N. POVOS T2
3.2.3.1. Síntese
quando: l)d comum situagáo social vivida, se junta uma vontade cole-
tiva de attrar paruenfrentáJa.( ...) 2)aagenda, pauta de reivindicagáo e
luta, cimenta o grupo e lhe dá uma forga, a forga de um movimento
coletivo". No mesmo texto, Grzybowski pontua: "em termos bem sin-
téticos, considero elementos definidores de um movimento social, a
combinatória de quatro aspectos essenciais: identidade; reivindi-
cagáo/proposta/projeto; forma de organizagáo adotada; formas de luta
específicas" 1 33.
E neste contexto de análise que tenho, neste trabalho, consider-
ado o movimento dos professores indígenas, dentro da categoria dos
movimentos sociais.
Retomando a descrigáo do III Encontro/I99O' nos trabalhos de
diagnóstico da situagáo da educagáo escolar indígena e da contribuigáo
dos encontros anteriores (I e II), sobressai o aspecto da forga articu-
latória, da troca de experiéncia e da formulagáo de propostas e princí-
pios comuns.
O grupo do Alto Solimóes assim avaliou:
O que existe nas óreas indígenas sño escolas, mas nño escolas indí-
genas, Queremos uma escoh realmente indígena. (Jma escola que
nos represente, que responda ds nossas vontades (grupo de
Roraima).
Quanto ás barreiras internas, foi falado sobre a náo aceitagáo da
língua pelos próprios alunos. Se o pai nño fala, porque o
fiIho vai querer
aprender?, perguntou um professor Macuxi.
Com relagáo ás pressóes externas, o desconhecimento, o desre-
speito aos direitos indígenas, o preconceito e a imposigáo de modelos
sáo as maiores causas dos problemas e tensóes. os dois depoimentos a
seguir exemplificam aspectos desta questáo:
A autonomia como valor e a articulagío de possibilídades 9l
3.2.3.3. Conclusóes
DATA 19 a 21liulho/1990
No PARTICIPANTES 45
N. POVOS L3
ORGANIZADOR COPIAR
3,2.4.1. Síntese
3.2,4.3. Conclusóes
Todos temos que largar o medo de lado, temos que nos unir, pois só
a organizagño local nño tem forga para enfrentar o estado. Temos
que ter uma organizagño/articulagño maior, para podermos ser
ouvidosDl40.
DATA 12 a Líljriholl99l
LOCAL Manaus/AM, "Casa fordáo"
NO PARTICIPANTES 43
N. POVOS T7
ORGANIZADOR COPIAR
3.2,5.1. Síntese
3.2.5,3. Conclusóes
1.4 metade dos membros deste Comité deve ser composta de pro-
fessores indígenas, de todas as regióes do país, conforme princípio
firmado eln nossa Declaragño de Manaus, art.4o.
2.Todos os notrres dos professores indígenas indicados para o
Comité podem ser subsütuídos, em fungño das decisóes de cada
regiño.
3.A indicagdo dos professores indígenas para este Comité deve ser
feita pelos próprios professores, organizagóes e comunidades indíge-
nas, e serño nomeados os profissionais com maior experiéncia no
movimento de educagño escolnr.
4.O MEC deverá assegurar os recursos financeiros necessários para
o bom cumprimento da representagño, o que inclui viagens de
acompanhamento ds escolas existentes na áreas representadas por
cada professor.
DATA 08 a 11/outubro/1992
N" PARTICIPANTES 90
NO POVOS t5
ORGANIZADOR COPIAR
3.2.6.1. Síntese
3.2.6.3. Conclusóes
DATA 07 a 10/outubro/1993
ORGANIZADOR COPIAR
3.2.7.1. Síntese
(...) dizem que, se quer educagño diferenciadA, ndo vai ter salário.
Entño eu fico pensando que os povos indígenas estño massacrados,
principalmente no Médio Solimóes. Entño nós já fizemos esse plano
- currículo, levamos na Secretaria de Educagño e ela aceitou uma
parte... a outra nño! Entño eu falei pró ela que nós temos direito de
ser diferenciado...dar auh até a hora que a gente quer. Porque
todos nós temos direito de ter educafro. Ela fala prá nós: Vocés
estdo é perdendo tempo! Eu disse, nño; nós precisamos é ter uma
educagño de nossa cultura. Ela fica pensando... e nós chamamos ela
na nossa comunidade prá discutir esse assunto. Entño aí ela foi
saber, pensar...
A gente falou que nño podia fazer duas vezes num município só
porque ünha vários municípios o qual ficavam criticando a gente,
colocando na parede,,, e a gente queria também demonstrar como
nño é tudo aquilo que eles pensam - que o índio nño é mais índio.
Nunca o índio vai deixar de ser índio mesmo. Entño a gente vai
fazer naqueles aonde ainda ndo fizemos, para que eles ficam acred-
itundorsg.
(...) a própria classe docente (com os mais veteranos), ndo dño uma
contribuigño na formulagdo de projetos ou opinióes ou opgóes coer-
entes para solucionar o quadro dos problemas internos na regiño; a
superagño do antigo sistema - a educagño bancária, mas que ainda
tem a resisténcia de alguns pais que nño aceitam a transformagAo
neste sentido'l (Grupo do Rio Negro/AM)
(...) consumo de bebida alcoólica pelos professores índios; resistén-
cia interna (dos próprios alunos) ao ensino bilingue - aí está
desvalorizando a própria cultura!" (Grupo de Roraima)
Porém, como nos lembra foanna Overing, "os índios náo sáo
vítimas passivas, mas atores ativos do processo e da busca de alternati-
vasD 159.
As constantes agóes relatadas pelos professores indígenas no sen-
tido de buscar superar os impasses, criando possíveis solugóes, confir-
mam a afirmagáo de Overing. Destacamos duas experiéncias que estáo
sendo levadas adiante em regióes de realidades bem distintas, mas com
problemas semelhantes:
essetrabalho Aos seus educandos, fazendo com que esse tipo de tra-
balho possa gerar um resultado satisfatório dentro da educagño
indígena. No nosso caso, somos quase 10 grupos diferentes e man-
temos a nossa llngua diferente. Entño, esse tipo de trabalho. Tem
problemas que sño Permanentes. Por exemplo: o fornecimento da
merenda escolar, a gente nño pode esperar tudo do céu também...
Entño é claro que a gente faz movimento, entño inclusive quando
há falta de merenda escolar, nós convocamos todos os alunos para
procuraretn alguma coisa de comer. Entño fura-se o horário da
escola - e vamos fazer o tabopuri, vamos dangar... Entño os alunos
sño convocados e, no dia seguinte, junta os alunos, os profasores e
a gente ajunta uma série de frutas, vai mantendo nós mesmos!
Porque antes a gente quei*ava da Prefeitura... e é a mesma coisa
que bater numa pedra.* porque ele ndo vai dar'i (Prof. |oáo Bosco
Marinho, do povo Tucano, regiáo do Rio Negro/AM)
Sobre a merenda, nós povos indígenas ternos que usar a nossa
tradigño, a nossa cultura na merenda. Olha: da casca da banana
cumprida amarela, ela dá forofo; a castanha também dá uma
merenda muito gostosa. Olha gente, eu quero deixar um aviso
pequeno prá vocés: vamos trabalhar um pouco com a "cozinha
alternativa" Porque ajuda prá que a gente ndo fique dependendo
tanto do governo e nem dos nosso Prefeitos, só pedindo...pedindo...
E al também eu ouvi dizendo sobre material didático que a gente
pode usar. Na minha sala de aula, os didáticos sdo folhas, sdo talas,
sdo barro (que a gente faz ünta). Também ouuimos falar que o gov-
erno lnata o índio. Seró que o governo vai em cada cabecinha
arrebentar uma bala na cabeqa do índio? Vocés acreditam nisso? E
cotn suas negagóes que vai matando nós aos poucos. Entño também
devemos ter nossa criatividade em si mesmo que vai melhorar as
coisas que faz. (Profa. Marilene Cordeiro, do povo Miranha,
regiáo do Médio Solimóes)
3.2.7.3. Conclusóes
(...) tenho minhas dúvidas sobre se esse Comité pode levar etn con-
sideragño, pois as condigóes que o MEC üpara as pessoas que estño
participando (ou tem interesse de participar), o apoio bósico, nño
tó sendo atendido. Se nño se tem recursos prá se deslocar desde a
sua comunidade para um Encontro desse, vocé chega lá, no meio
daquele povdo - sozinho, a sua palavra tem tnenos validade, ela
nAo rcm assim um fruto, nAo tum rendimenfo. (professor do Acre)
Seria uma coisa boa se tivesse uma participagño ativa, perto do
Ministério, junto das pessoas, prá ficar torcendo, falando lá. porque
a gente percebe que a maioria das pessoas do Comité sño as de lá
mesmo - brancos por assim dizer. E se ndo tem uma participagño
de pessoas de origem indígena, nós nño conseguiremos. E como está
acontecendo. E só eles falando ló. E nós temos ló, como jó se percebe,
um desconhecimento da questño indígena. E se nño tem ninguém
ló, vai continuar, vño cometer os mesmos enganos que continuam
cometendo. Entño esse Comité é importante pró poder ficar perto,
poder ficar gritando /á. (Professor do Rio Negro/AM)
Porque nño dá mais pró aguentar o que essas pessoas fazem com a
gente. Porque neste Comité, parece que a gente tá sendo usado
assim, como simplesmente objeto - como matéria prima! Entño
chega uma hora que a gente tem que dar um basta. Ou vamos ter
participafro direta ou tirar nossa participagño e sair daqui uma
carta oficialimndo, com esse espírito: ou a gente fica na partici-
pagño direta, ou tiramos nossa participagño. Porque só assim nós
tiramos nossa responsabilidade, de que quem sabe de nossa reali-
A autonomia como valor e a articulaQóo de possibilidades 127
DATA 16 a 2O/outubro/1994
N. PARTICIPANTES 76
No POVOS 2I
ORGANIZADOR COPIAR
3.2.8.1. Síntese
to. Ela pode vir a ser instrumental que soma forgas no processo mais
amplo de sobrevivéncia dos povos, enquanto culturas diferenciadas.
Por outro lado, pode também operar contra os interesses reais - históri-
cos e atuais - desses povos.
3.2.8.3. Conclusóes
A escola é porta onde podem entrar coisas boas e coisas ruins, como
a corrupgdo. O professor vigia esta porta que chama escolapara que
entrem só as coisas boas e nño o que nño presta. O professor é agente
de transformagdo para melhor. Ele tem poder frente o
futuro, pois
ele conhece o passado.
DATA 23a27lottubroll995
N"POVOS 25
ORGANIZADOR COPIAR
3.2.9.1. Slntese
3.2.9.3. Conclusóes
DATA 18 a 21ljulho/1996
N" POVOS 23
ORGANIZADOR COPIAR
3.2.10.1. Síntese
3.2,10.3. Conclusóes
DATA 28 a 3Lljtlhol1997
N. POVOS 32
ORGANIZADOR COPIAR
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A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades l5l
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A Solimóes lt l0 t0 0ó 06 08 13 10 07 t2
M, Solimoes 03 02 06 l0 l0 08 07 05 t2 t5
B. Am¿on6 09 04 t4 l2 03 -- 02 08 05 0E
B. Am¿on6 09 04 l4 t2 03 -- 02 08 05 08
Roraiña 09 09 IO 09 s9 76 16 75 08 26
Acre 03 l0 t0 04 -- 04
respondeu que 'b currículo é feito pelo inspetor do Estado"; o outro disse
que 'b currículo é feito pela comunidade", detalhando inclusive que '3ño
quatro dias por semana para aula e dois para outros trabalhos ou reuniño
corn a comunidade".
O professor Ticuna, da escola "Novo Porto Lima", diz que "nño
temos ainda o currículo, mas trabalhamos com próprios materiais da
nossa cultura'i
Na regiáo de Roraima, apareceram as seguintes respostas:
"Nño, o que temos é adaptado d nossa realidade".
"Nño, nño tem (oficialmente)'i
"Nño temos por escrito, mas a escola, ou seja, sua direfio tem o
currículo de acordo com a comunidade'l
"Ndo, m*s o grupo de professores ehboraram um, de acordo com a
realidade".
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A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades 16l
No II Encontro/1989 se repete:
A I
escola que queremos deve ser voltada cultura de cada povo,
respeitando os costumes, tradigóa,llnguas e crenga*
Leite (1994) reflete sobre essa nova problemática, que coloca aos
professores indígenas uma espégie de "tripla jornada de trabalho", ao
lembrar que "o cotidiano do professor Ticuna nas aldeias é um tanto
exigente, pois as tarefas escolares que ele assume significam comu-
mente um acréscimo ás atividades de sustento de sua família, na roga,
na pesca, no comércio. Para amenizar a dificuldade de sobrevivéncia do
professor, que enfrenta dois ou trés turnos de trabalho - manhA/esco-
la, tarde/roga, noite/pesca - em algumas comunidades as famflias que
tinham filhos nas escolas procuravam ajudar no suprimento alimentar
dos professores, enviando-lhes algum peixe ou um pouco de farinha,
como tive oportunidade de observar. Thmbém em fungáo disto coloca-
va-se a luta dos professores por alguma remuneragáo da parte dos
órgáos governamentais, sendo que vários deles tinham sido contrata-
dos pela FUNAI ou pelas prefeituras 1o.u¡r"198.
No documento do II Encontro ll999, a questáo da remuneragáo
aparece em conjunto com a questáo geral do financiamento da edu-
cagáo, demonstrando a maturidade e o compromisso dos professores
com a totalidade do processo.
172 Rosa Helena Dias da Silva
Porque vocés professores é bom ver bem o que vocés estño ensinan-
do para chegar longe... como vocés sño professores, é bom refletir
bem para o futuro de nossas criangas. Quero dizer que vocés se
cotnprometem a defender as criangas, eluca¡ isso é um compro-
misso. (Jaci, coordenador do ClR, falando d plenória do II
Encontro)
Entdo n6s estamos tomando essa responsabilidade em nossas mños,
porque senño nño dá. (professorTicuna)
Para que exista conscienüzagño dos professores nós vamos levar
para outros o que estaffios aprendendo e para que eles se animem e
participem de outros encontros. (professor do Médio Solimóes)
A autonomia como valor e a articulaQao de possibilidades 193
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194 Rosa Helena Dias da Silva
REGIÓES
NOTAS
88 SILVA,Aracy Lopes da. "Balango crltico da situagño atual da educagáo escolar
indlgena no Brasil" in Boletim da ABA, abriV93, no 16, p.5
89 -
CASTORIADIS,Cornelius.O mundo fragmentado as encruzílhadas do
Labirinto/3, Sáo Paulo, Paz e Terra, L992, p.I48
90 Para um contato com a slntese das dissertagóes e teses sobre o assunto, ler,
CAPACLA,MaTta Valéria.O debate sobre a educafio indlgena no Brasil (1975-
1 995 ), Br así\alSáo Paulo, MEC/Mari-USR 1995
136 Esse rotei¡o foi retomado no V Encontro, sendo, até hoje, utilizado pelos pro-
fessores, em diversas regióes, como instrumental de trabalho e suporte inicial
para a discussáo da elaboragáo de currlculos próprios.
137 Os temas escolhidos, após um passeio pelo terreno do local do encontro,
foram: terra; saúva (formiga); árvores frutlferas; invasáo de território; água
poluída.
138 Relatório do IV Encontro/I99l, pag.lO
139 Os temas escolhidos neste segundo momento foram: "canoa" (Alto Rio Negro);
"terra" (Alto Solimóes); "guaraná" (Baixo Amazonas); "história do povo"
(Médio SolimOes); "eu" (Roraima).
140 Relatório do IV Encontroll99I, pag. 05
l4t Em outro momento deste trabalho, estarei retomando esta discussáo, ao tentar
compreender o surgimento de um outro conceito de "cidadania" - a "cidadania
indígena" - que, longe de ser individual, tem o caráter de ser uma'tidadania
coletiva'l
t42 As seguintes Bebidas foram tema do trabalho: "pajuaru" (povos TiKuna,
Kambeba, Macuxi e Wapixana); 'taxiri" (povo Tüano); "tarubá" (povos
Munduruku e Mura); "atroco" (povo Yanomami).
t43 Da mesma forma, o grupo que escolheu o tema "Remédios caseiros" trouxe
para os participantes um detalhado repertório de plantas medicinais, social-
izando conhecimentos profundos quanto ao preparo e uso de rernédios natu-
rais. Foram registradas no Relatório l5 fórmulas de remédios diferentes.
r44 Este documento, assim como todos os outros elaborados ao longo dos encon-
tros, encontra-se em anexo,
t45 Manuela Carnei¡o da Cunha, em seu texto "O futuro da questáo indlgena" in
SILVA e GRUPIONI op. cit., p. 137, ao rcferir-se i problemática das terras, afu-
ma que "o grande pomo de discórdia, afastados os falsos pretextos (...), é o tema
da exploragáo dos recursos minefais e dos recursos hldricos em áreas indíge-
nas".
146 Posteriormente, esta decisáo foi reavaliada, pela questáo concreta do aumento
nos custos (previsáo orgamentária dos encontros). Ao elaborar o novo Projeto
trienal (1997-1999), o movimento optou por realizar os trés Encontros (X, Xl
e )ül) em Manaus.
t47 Edmilson Lima Cavalcante, do povo Wapixana, Escola de I Grau "Sizenando
Diniz'l maloca Malacacheta/RR.
148 Concordo com essa percepgáor e, mais a frente, estarei trabalhando essa temáti-
ca da re-invengáo da escola (que vou chamar de "indianizagáo" da instituigáo
escolar.
t49 O contato da sociedade envolvente com os Yanomami tem representado um
impacto negativo e destrutivo para este povo. Nos últimos dez anos, milhares
de lndios morreram devido, principalmente, ls doengas trazidas pela presenga
de atividades garimpeiras em sua área. Segundo CUNHA (1994), entre 1988 e
L99O, l5o/o da populagáo Yanomami foi dizimada.
r50 Sendo definidos:VII Encontro em Manaus (1994); VIII Encontro em Boa Vista
(1995) e IX Encontro em Sáo Gabriel da Cachoeira (1996)
A autonomia como valor e a articulagdo de possibilidades 199
l5l "Queremos agradecer nossos colegas vindos do sul - os Guarani. Acho que
nossa organizagño tá sendo uma coisa muito importante, que o pessoal tá
dando valor, que até o pessoal do sul tá participando' Porque primeiro
comegamos com um grupo Pequeno, e foi expandindo a nível do Brasil. Nós
comegamos com vinte professores. Hoje somos mais de oitenta, e assim por
diante. Desse mesmo jeito, que nossos colegas lutem prá alcangar uma alterna-
tiva". (Prof. Alírio Moraes, Ticuna, membro da COPIAR pela regiño do Alto
Solimóes)
152 GOHN, op. cit., p.50
153 GOHN, op. cit., p.50/51
154 "As escolas indígenas deveráo integrar a saúde em seus currlculos, promoven-
do a pesquisa da medicina indígena e o uso correto dos medicamentos alopáti
cos". "O estado deverá equipar as escolas com laboratórios onde os alunos pos-
sam ser treinados para desempenhar papel esclarecedor junto is comunidades
no sentido de previnir e cuidar da saúde. (Pontos 8 e 9 da Declaragáo de
Princípios)
155 O alerta aqui é no sentido de, na minha avaliagáo, haver o risco da palawa, ape-
sar de comegar a ser muito usada, estando Presente nos mais variados discur-
sos e espagos (até mesmo antagónicos), estar sendo esvaziada de seu real sig-
e caracterlstica amplamente defendi-
nificado e usada apenas por ser atributo
da, presumindo-se que haja consenso no entendimento sobre seu sentido.
156 "O problema indígena náo pode ser compreendido fora dos quadros da
sociedade brasileira, mesmo Porque só existe onde e quando lndio e náo-índio
entram em contato. É' pois um problema de interagáo entre etnias tribais e a
sociedade nacional" (RIBEIRO, Darcy apud OLIVEIRA'Joao Facheco. "Muita
terra para pouco índio3 Uma introdugáo (crítica) do indigenismo e a atuaüza-
9áo de um preconceito'i in SILVA e GRUPIoNI, oP. cit.' P.64
157 Nas palavras do Prof. Gersem Luciano, Baniwa, " (..') a ignorLncia acarreta ati-
tudes polltkas incorretas" (anotatóes do diá¡io de campo, feitas durante a real-
ízagio do Seminário de Pesquisa,VII Encontro/1994).
158 Conforme entrevista realizada com a ProF Marilene Cordei¡o, Miranha'
159 Conferéncia intitulada'A pesquisa atual na Amazónia: uma visáo comparativa
Brasil e Inglaterra" realízada no II Encontro de Etnologia - Amazónia, UNI-
CAMR 03 | 08 I 9 4 (anotagóes pessoais).
160 APPLE,M.Educagño e Poder, Sáo Paulo, Ed. Artes Médicas, 1989
161 APPLE, op.cit., em especial, cap.III "O outro lado do curúculo oculto: a cul-
tura como experiéncia vivida"
L62 Esta entidade financiou duas das reunióes da COPIAR (preparatórias dos
Encontros) e, aProvou um Pequeno pedido de complementagáo orgamentária
para realizagáo do X Encontro (1997)'
163 Carta-resposta da COPIAR e CESE, margo/95 (arquivo COPIAR)
164 Esta citagño foi tirada do texto "Um diálogo com Paulo Freire sobre educagáo
indígena". É, a transcrigao da gravagáo feita durante a 8" Assembléia do CIMI'
regional Mato Grosso, realizada em junho/1982, em Cuiabá, da qual o Prof.
Paulo Freire participou como assessor.
200 Rosa Helena Dias da Silva
r65 Fala de Gersem dos Santos Luciano, professor indígena, do povo Baniwa, regiáo
do AIto Rio Negro, na mesa redonda indlgenas e a educagáo na
América Latina", como parte do II Congresso Ibero Americano de História da
Educagáo Latino-Americana, UNICAMR set/94. Gravagáo e transcrigáo feitas
por mim
166 Este é o ponto no9 da Declaragáo de Princlpios firmada pelos professores
durante seu IV Encontro, Manaus/1991
167 O nome escolhido na ocasiáo foi do Prof. Eucüdes Pereira, Macuxi, de
Roraima; como suplente, o Prof. Sebastiáo Duarte, Tucano, do Alto Rio
Negro/AM
168 O Prof. Sebastiáo Duarte, antigo suplente, foi indicado como titular, sendo
escolhido como suplente o nome do Prof. Sebastiáo Cruz, Wapixana, de
Roraima. Atualmente (a partir de novembro/ 1997), o representante do movi-
mento no Comité é o Prof.Jadir Neves da Silva, do povo Macuxi, de Roraima.
t69 Conforme dito anteriormente, o Prof. Sebastiáo Duarte era o representante do
moümento dos professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre (até out-
ubro/1997), sendo que esta representagáo é escolhida nos Encontros anuais.
Porém, oficialmente, no Comité, torna-se "representante indlgena da regiáo
norte". Esse é um dado que, a meu ver, merece reflexáo, pois, se, conforme
experiéncia dos dois professores que já foram do Comité, é diflcil "representar"
a problemática ampla e diversa que existe dentro da área articulada pelo movi
mento, quanto mais "falar em nome" dos povos indlgenas dos outros estados
da regiAo norte (e que estáo, inclusive, ausentes nesta organizagáo).
t70 Estas estáo ligadas, em sua maioria, i questáo das grandes distáncias que tem
que percorrer (e os meios de transporte disponíveis: barco, e os inconstantes
vóos da TABA-Tiansportes Aéreos da Bacia Amazónica) para se deslocar de sua
aldeia (Taracuá) até Manaus, para entáo seguir regularmente para Brasília.
L7l No anexo 5 estáo contidos todos os documentos produzidos ao longo dos
Encontros.
172 Apresentaram também um cartaz com o histórico do nome da escola - Tuxaua
Siminiyó: "O índio Siminiyó nasceu na regiáo da serra, é da tribo Macuxi. Foi
um lndio que lutou contra o extermínio de sua tribo, tradigóes, cultura e lln-
gua. O mesmo foi o primeiro tuxaua daquela regiáo, que se localizava numa
comunidade e dali se comunicava com todas as aldeias próximas e distantes de
sua comunidade. Naquela época era o único tuxaua que chamava atengáo de
muitos indlgenas. Era autor de histórias, artista de cangóes tradicionais, fazia
convite a todas as regióes para grande festa dangante, que durava trés a quatro
dias, nesse decorrer do dia formava vários tipos de brincadeiras como: corrida,
queda de corpo e outras competigóes. Segundo os velhos Macuxi que conhece-
ram o índio Siminiyó, o seu nome tem o seguinte significado: Simi ou Ximi,
significa'donzela/princesa da regiáo'; Niyó, quer dizer'esposo/marido'.
173 No final das dangas foi servido a todos os participantes o "pajuarú" - bebida
tradicional dos lndios da regiáo.
A autonomia como valor e a articulagáo de possibilidades 201
174 Esta, assim como todas as demais citagóes sobre o IX Encontro, sáo anotagóes
de meu "diário-de-campo" e transcrigáo de gravagóes efetuadas por mim no
referido Encontro.
175 As discussóes reaüzadas foram organizadas em um documento final, que sin-
tetiza os debates e conclusóes.
176 Esse lema foi criado e sugerido pelo Prof. Enilton André, WaPixana, de
Roraima, na reuniáo preparatória, rcaluada em abriU97.
177 A frase motivadora deste primeiro eixo do X Encontro foi retomada do II
Encontro/I989:"Estamos nos reunindo para mudar esse escol*- Estamos nos
reunindo para ler corno seria a escola ideal para nós".
178 Na maioria das regióes foram realizados encontros locais para efetuar a avali-
aqáo da história do movimento.
l7g Conforme já anotado anteriormente, a sigla COPIAR, originalmente era uti-
lizada para referir-se apenas d Comissáo dos Professores' Aos poucos, o nome
foi sendo usado, interna e externamente, para significar o movimento como
um todo.
180 "O Gersem nño abandonou a luta, mas abragou outro espago. Ele foi aluno da
escolada COPIAR'I Com essas palavras, foi saudado pelos demais professores,
representados na pessoa do Prof. Enilton André (grifos meus).
l8l Segundo o MEC, a elaboragáo destes referenciais (nacionais) seria um desdo-
bramento do trabalho que resultou nos novos PCN (Parámetros Curriculares
Nacionais).
182 Tal resolugáo foi comunicada ao MEC, em forma de carta-documento, assina-
da pela COPIAR.
183 Sáo eles: ProF Nietta Monte (ONGs); Prof. Luis Donizete Grupioni (ABA) e
Prof. Sebastiáo Duarte (COPIAXJregiáo Norte). O representante indlgena
Guarani, da regiáo leste, já havia ido embora'
184 Gohn, op. cit., p.5l/52
185 Essas reivindicagóes foram formuladas em carta-documento do X Encontro,
assinada pela COPIAR e enviada ao MEC.
lg6 o trabalho foi realizado em parceria com a Profa. Iara Thtiana Bonin (GIMI-
Norte I)
187 Comparando com os dados de 1991, sistematizados pelo Prof. Márcio Silva'
vemos já um crescimento significativo no número de participantes: "Os
Encontros de professores realizados até 1991, articulam uma rede de 97 pro-
fessores, responsáveis por 2.161 alunos".
188 Refiro-me ao Prof. Lúcio Menezes, Sateré-Maue, que foi membro da COPIAR,
pela regiáo do Baixo Amazonas durante quatro anos.
189 Permanece porém o problema, dificultado pelas questÓes pontuadas (e agrava-
do pelas grandes distáncias e auséncia de recursos financeiros para articulagóes
Iocais): há duas regióes principalmente habitadas pelo povo Sateré - a do Rio
Marau (principal município: Parintins); e do Rio Andirá (principal municlpio:
Barreirinha). Os professores que tem voltado a participar dos encontros sáo
mais da regiáo do Andirá (local do atual rePresentante da COPIAR' Prof.
Leonardo Michiües). Na última reuniáo da Comissáo (abril97) ele relatou que
202 Rosa Helena Dias da Silva
216 Idemibidem
217 Olhando os documentos a partir da ótica da produgáo e análise do discurso,
poderíamos localizá-los como "discurso para branco" ou "discurso agád' (con-
forme GALLOIS,Dominique .Maíri Revisitada, Sáo Paulo, NHII/USP/FAPESR
1993). Sao discursos pollticos que denotam sempre uma posigáo de confron-
to. Neles, os argumentos sáo construídos para orientar, controlar ou modificar
o rumo das relagóes interétnicas.
2L8 Elaborado em dezembro/96, surgiu da necessidade do próprio movimento
indígena divulgar ua experiéncia prática e de reflexáo sobre a temática da edu-
cagáo escolar em suas aldeias. A iniciativa Partiu de Gersem dos Santos
Luciano, ex-membro da COPIAR e, na época, coordenador geral da COIAB e
foi concretizada na forma de um "Informativo", para o que, solicitou minha
204 Rosa Helena Dias da Silva
üdade tem sido mantida como uma das principais formas de comuni-
cagáo e como instrumental didático-pedagógico.
Duas citagóes do historiador José R. Bessa Freire mostram o va-
lor desta tradigáo oral, e como historicamente ela foi negada ou rejei-
tada, por ser entendida como símbolo de atraso em relagáo ao modelo
eleito como único verdadeiro : "a historiografia ocidental, da qual a
brasileira faz parte, desdenhou desde o seu inlcio qualquer documen-
tagáo verbal que náo fosse escrita, padronizando este trato e universa-
lizando o seu modelo de confiabilidade nos documentos escritos, fa-
zendo extensiva esta qualidade ao resto do mundo que foi encontrado
no processo colonizador".
"Reflexóes teóricas sobre a natureza da oralidade e seus mecanis-
mos de transmissáo e sobre o próprio conceito de tradigáo oral, acom-
panhadas de pesquisas realizadas junto is sociedades ágrafas, vém de-
monstrando a fragilidade, náo da tradigáo oral, mas da argumentagáo
utilizada para descartá-la como f6¡fis"229.
Este mesmo autor nos traz diferentes definigóes de tradigáo oral.
Para Franz Boas é a "autobiografia da tribo"; Henri Moniot a denomi-
na como "tudo aquilo que é transmitido pela boca e pela memória". |á
para fan Vansina é "um testemunho transmitido oralmente de uma ge-
ragáo aoutra". Jean Molino diferencia duas acepgóes: "no sentido estri-
to, a tradigáo oral designa as artes da palavra numa sociedade (...), e en-
globa a poesia, os provérbios, os mitos, os contos e toda a literatura
oral". Já no seu sentido amplo, "náo se resume á transmissáo de narra-
tivas ou de determinados conhecimentos, mas é geradora e formadora
de um tipo particular de homem e sociedade". Neste contexto, "o con-
ceito acaba englobando os ritos, as práticas religiosas, o sistema de
crenga, os hábitos e costumes, enfim, toda a produgáo simbólica de
uma comun idade ágr aft'.
Enfocando as línguas indígenas como patrimÓnio cultural dos
povos, com toda validade e teor de conhecimento científico, Freire cha-
ma a atengáo para a questáo de que se considere os saberes indígenas
como ciéncia, com suas lógicas e racionalidades próprias e específicas:
"efetivamente, as llnguas dos povos da floresta amazdnica e as formas
como domesticaram a mandioca e processaram a extragáo de seus de-
rivados, mediante uma tecnologia sofisticada milenar que tem que li-
dar com um veneno poderosíssimo, constituem evidéncias de que es-
tas sociedades orais tém uma prática de produgáo de conhecimento,
212 Rosa Helena Dias da Silva
Foi pela primeira vez que parücipei deste tipo de encontro tño de-
licado, onde se trata a questño da política da Educagdo Escolar In-
dígena a nlvel Nacional. (...) Nao foi estranho, porque já estive
participando dos seis Encontros da COPIAR, nos quais discutimos
bastante demonstrando os nossos pareceres para as escolas indíge-
nas Inclusive fui eu e o losé Franga Makuxi de Roraima" que em
1988, levamos para o Congresso Nacional, as propostas para LDB
dos professores do Amazonas e Roraima.
NOTAS
tia das terras e projetos de futuro dos povos. Fazia parte do mesmo bloco de
discussáo, "auto-sustentagao, educagáo e saúde". No documento final, enviado
ao Presidente da República, podemos ler "Um dos assuntos mais séríos discuti-
dos pelos tuxauas, além da auto-sustentagAo, educagdo e saúde índlgenas, foi a de-
marcagño de nossas terras'i
235 GUERRERO,AIicia Castellano s.El debate de la Nacion: Cuestion Nacional e Au-
tonomia. Claves Latinoamericanas, Mexico, 1992, p.46
236 Relatório da Reuniáo da COPIAR, Manaus, abril/1997. O Prof. Enilton referiu-
se e Gersem dos Santos Luciano, Baniwa, da regiáo do Rio Negro e que, a Par-
tir de janeiro/O7 é o Secretário Municipal de Educagáo de Sáo Gabriel da Ca-
choeira. Lembro que, também no mesmo município (cuja populagáo é 90o/o
indígena, conforme censo autónomo/FOIRN), o vice-prefeito eleito é um pro-
fessor indlgena. O outro professor citado por Enilton é Orlando Justino, Ma-
cuxi, atual vice-prefeito do município de Normandia/RR.
237 DURHAM,Eunice Ribei¡o. "O lugar do lndio" in CPI. O lndio e a cidadania,Sio
Paulo, Brasiüense, 1983, p.15 (grifo da própria autora)
238 Idem, ibidem, p.18
239 MOSONYI, op. cit.
240 Esse diálogo encontra-se registrado em correspondéncia pessoal, recebida do
prof. Márcio Silva, em 3IlO7l9L
IDENTIDADE, IDENTIDADES:
5.
ESCOLAS INDÍGENAS, MOVIMENTO
INDÍGENA E AUTONOMIA
9áo desses povos, no sentido de poder decidir sobre seu próprio desti-
no.
Pensando o lugar social da escola indígena, poderlamos dizer
que "(...) é o espago privilegiado de afirmagáo e revitalizagáo da cultu-
ra, de desenvolvimento da consciéncia crítica e de análise do contexto
político global"2¿8.
Como já foi destacado, uma complexa questáo se coloca ao mo-
vimento: a construgáo da solidariedade interétnica. Em todo o Brasil,
assim como especificamente na regiáo Norte, há uma diversidade cul-
tural muito grande. Basta olhar para os próprios Encontros: há sempre
mais de 12 povos distintos participando, sendo que no X Encontro, em
1997, como registrado anteriormente, reuniram-se 33 povos.
Como pudemos ver, no V Encontro, em 1992, realizou-se um
trabalho inédito a partir de temas geradores, confrontando as diferen-
gas culturais de cada povo ali presente. Representou um avango no sen-
tido do "conhecer o outro", intercambiando conhecimentos, construin-
do uma relagáo de respeito mútuo. O VI Encontro, em 1993' teve co-
mo ponto de pauta: "Culturas üversificadas, com objetivo de aprofun-
dar a reflexáo a respeito das diferengas entre os povos da mesma regiáo
e de regióes diferentes; conhecer melhor a vida, costumes, tradigóes e
forma de conceber o mundo dos povos que integram o Movimento de
Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Ac¡¿"249.
prá mim, essa escola indígena seria muito boa, muito importante,
realmente do agrado do próprio índio. Porque até agora a escola...
nño sabe o que está estudando... porque está se formando. Entño, a
partir da escola indígena, já saberia porque estó estudando, pró
qué... no futuro, certo? Seria uma escola muito ideal para os povos
indígenas, mas dependendo de determinado lugar, ndo imposta,
como os padres jó vinham fazendo... imposigño direto! Entño, seria
de suma importáncia a escola indígena. Mas só que infelizmente a
gente ainda nño temos. Só sei que somos professores indígenas, mAs
nño temos uma escola indígena. Está sendo introduzida a língua
indígena... mas nño é uma escola indígena260.
' Bom, essa pergunta que foi langada especificamente pra esclarecer
o ponto do que a gente pensa que seja a escola indlgena: essa dis-
cussdo vem sendo feita há anos atrás, sobre educagño escolar indl'
gena, é bastante extenso e complicado de entender o que é realmen-
te a escola indígena. Eu queria dizer que nós ndo temos escola in-
dígena porque nós, aqui do Alto Rio Negro, somos a maioria da po-
pulagño indígena, só que nas nossas acolas nño funcionam com o
antiga maneira da educagño indígena, ou seja, a escola com o pen-
satnento lndio, voltado pra suas tradigóes, cultura, etc. No meu
ponto de vista, a escoln indígena deveria ter seu currículo adequa-
do, regimento próprio e qualidade própria, conforme a necessidade
de cada povo, de cada regiño. Para isso, nós teríamos que ter cons-
ciéncia de todos os professores do Alto Rio Negro, de trabalhar em
cima disto, para podermos ter o objetivo de ter uma escola indlge-
na propriamente dita. A lei do Brasil - a lei federal assegura esse ti-
po de educagño - compete agora nós trabalharmos dentro destas
questóes E esse o teffia que eu estou querendo defender. Entño seria
isso, a minha preocupafio de colocax que nós nño temos ainda
nenhuma escola que seja reconhecida, cadastrada, que tenha currl-
culo próprio, regimento próprio. Nño temos. E, por isso que eu falei
aquilo.
NOTAS
decorrente é que "a escrita tem sido para os povos indígenas uma aven-
tura que náo se corre sem riscos'266.
Devido aos contextos políticos e económicos nos quais a escrita
surge, uliliza-se e desenvolve-se uma distingáo entre povos ágrafos e
povos sem escrita. Essa distingáo vai além de uma simples diferenga
tecnológica. Em uma mesma sociedade, cria-se também a incómoda
diferenga entre "letrados" e analfabetos.
Os povos da América tiveram, frente aos "estranhos" que chega-
vam em suas terras, um "temor reverencial" já que, na sua visáo, os
"chegantes" eram pessoas que "faziam falar o papel".
Muito se fala acerca da violéncia flsica cometida sobre os povos
amerlndios. Pouco porém se tem analisado a violéncia da palavra escri-
ta. "Quase táo temível e táo terrlvel como as armas de fogo que feriam
a matavam á distáncia, foi visto, náo sem razáo, o papel escrito, que le-
vava e langava palavras de vida e morte i maiores distáncias. O papel
escrito era instrumento de grandes poderes, que vinham de muito lon-
ge, através de vozes nunca escutadas, mas que erÍrm enxergados no de-
senho do papel"267.
Os Yanomami significam a letra com a palavra "Kanasf', q'úe
quer dizer: "vestígio, cadáver, resto, sinal e indício". De fato, a escrita po-
de ser tudo isso: o cadáver de uma palavra morta; os restos e desperdí-
cios de vocábulos vazios; mas também podem ser o vestígio da memó-
ria; o indício da vida futura; um sinal de luta.
Neste sentido, um desafio é a introdugáo da escrita, enquanto
nova forma de expressáo, porém sem substituir a tradigáo oral, a forga
da palavra viva, da memória.'A tradigáo oral é a rinica linguagem que
náo se pode saquea¡ roubar, repetir' plagiar, copiar"268.
Quanto ás pedagogias indlgenas, ao ser introduzida a escolariza-
gáo, entram em cena conceitos-chave como interculturalidade' biliguis-
mo e multilinguismo, no contexto do debate acerca de seus limites e
possibilidades. Procuraremos enfocar esta discussáo, na perspectiva do
diálogo26s. Podemos falar dos povos indígenas enquanto Povos da re-
sisténcia. Essa mesma resisténcia que tem permitido a esses Povos so-
breviver aos processos históricos que tem vivido e enfrentado, pode ser
vista também como direito de entrar em diálogo: um diálogo como
conquista, enquanto mecanismo e símbolo de um povo que reconquis-
tou sua palavra. Assim, os Povos indígenas estariam nos falando: "nós
temos a nossa palavra; temos algo a dizer"27o.
A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades 237
tagóes sociais, ou seia, nada mais é que a teoria da sociedade que, fora
qualquer quadro institucional, reage a uma situagáo adversa e cria pro-
postas".
O mesmo autor alerta que a burocratizaqáo acarreta um siste-
mático empobrecimento das manifestagóes de vitalidade social dos
movimentos. Dirige critica ás organizagóes de assessoria, colocando
que "ao invés de se afirmarem como grupos de servigo, contribuindo
para desvendar suas limitagóes e possibilidades, essas organizagóes pu-
seram-se na posigáo de vanguardas, tentando direcioná-los". Defende a
idéia de que o papel dos assessores é o de produgáo teórica. "O que os
acontecimentos sugerem - enquanto as oligarquias se renovam e os se-
tores progressistas se acanham - é a importáncia do trabalho intelec-
tual, até aqui táo deficiente. Ao se antepor as organizagóes aos movi-
mentos sociais e o senso comum ao trabalho teórico, o resultado é o
desastre de uma militáncia que se explica por si mesma". Continua sua
análise afirmando que "a história recente dos movimentos sociais e das
organizagóes e grupos de mediagáo, portanto, náo é, senáo a de um de-
sencontro. (...) o encontro só poderia se dar na meüda em que os gru-
pos de apoio se colocassem a servigo dos movimentos, ao invés de ser-
virem a si próprios, ou ao Estado".
Gohn, elabora sua análise sobre movimentos sociais mostrando
que "podemos ter lutas específicas, mas para se transformar em movi-
mento social há uma série de requisitos. Náo basta ter a demanda, a rei-
vindicagáo. E necessário um relativo grau de organizagáo, de perma-
néncia, uma rede de articulagóes, tanto interna como externa". Enten-
do que as assessorias fazem parte desta "rede externa". A mesma auto-
ra explicita ainda a tese de que entende "o movimento popular en-
quanto forga dinámica, atuante, importante e transformadora na so-
ciedade, contestando as abordagens que véem os movimentos como
meros agentes manipulados, ou como meros reflexos das políticas es-
1¿61s"280.
No caso em estudo, o movimento foi estabelecendo com suas as-
sessorias, e vice-versa, uma troca de conhecimentos, no sentido de:
"nós sabemos algo, e vocés sabem algo". Com isso, constrói-se uma re-
lagáo de assessoria mútua, numa estrada de duas vias, onde a recipro-
cidade é aregra fundamental2sl.
Vejo que uma das questóes que tem contribuído para que as re-
lagóes de assessoria ao movimento sejam na perspectiva da mudanga
242 Rosa Helena Dias da Silva
nas relagóes de poder é o fato de, desde seu inlcio, o movimento contar
com assessorias diversas, ligadas á diferentes entidades (vide quadros
sinóticos dos encontros anuais no capltulo 3), porém com uma identi-
dade ideológica muito apurada, o que náo quer dizer que há uma uni-
formidade em todas as posigóes. Há divergéncias, porém, todos que
cooperam tém a marca do compromisso com a questáo indígena; co-
mo metodologia, o diálogo e o aprendizado conjunto, e como princí-
pio, a autonomia dos povos indlgenas e do movimento. Essa oportuni-
dade de um quadro de assessoria múltipla e diversificada - composta
por entidades indigenistas e universidades - tem permitido ao movi-
mento ter acesso á diversos enfoques de análise, á informagóes varia-
das, enfim, a uma ampliagáo da"palavra da assessoria", o que é, sem dú-
vida, mais enriquecedor.
Retomando o texto de Rosa Maria Fischer Ferreira, vemos que as
assessorias tém, conforme palavras desta autora, "dupla insergáo de po-
der". Vejamos como utilizar sua análise na relagáo do movimento dos
professores indlgenas e suas assessorias. Os assessores sáo membros da
sociedade envolvente ou, mais especificamente, sáo "náo-índios", e de-
tentores de um determinado conhecimento que o grupo náo possui.
Neste sentido, tém que romper com uma certa superioridade estabele-
cida pelo processo histórico e pela hierarquia social vigente, onde,
quem estudou mais, "sabe mais", e assim, está mais "autorizado" a falar.
Um outro aspecto que tem colaborado nesta mudanga de postu-
ra, é o fato de que o movimento é composto por professores. Assim, so-
mos todos - assessores e assessorados - trabalhadores da educagáo es-
colar. Essa é a nossa grande identificagáo: lidamos, ambos, com o Pro-
cesso da construgáo do conhecimento, na relagáo pedagógica de ensi-
no-aprendizagem.
Há ainda um outro dado definidor da qualidade desta relagáo: a
confianga estabelecida; a legitimagáo e a comPeténcia.
Gersem dos Santos Luciano pensou sobre essas questóes e' com
imensa clarcza e profundidade, elaborou suas idéias num texto que foi
parcialmente publicado no trabalho já citado, de Mariana ¡'ru1282.pu-
qo uso novamente de alguns trechos do texto de Gersem pois, a meu
ver, expressam a ótica indlgena, numa avaliagáo de alguém que viveu a
experiéncia de "ser assessorado", vindo de encontro aos questionamen-
tos e pontos levantados acima.
A autonomia como valor e a articulagío de possibilidades 243
que passassem a fazer parte das culturas; díto de outra forma, a escola
como um dos elementos da cultura dos povos indlgenas?28s
Procurei ainda mostrar o dinamismo dialético da questáo: a es-
cola "pode vir a ser" algo que contribua na vida dos povos indlgenas,
operando náo sem riscos e contradigóes, apesar de sua história e obje-
tivos integracionistas oficiais.
Nesta perspectiva, escolas indígenas seriam, de fato, projetos in-
dígenas de escolas, deixando de ser propostas de fora, "ofertas" a partir
de quem quer que seja: governo, ONGs, Igrejas, Universidades, e esta-
riam passando a ser parte de um processo mais amplo que, necessaria-
mente, deve estar nas máos dos principais interessados: os povos indí-
genas.
Vale lembrar a frase de Márcio Silva, impulsionadora inicial des-
te trabalho, e que acompanhou de certo modo toda minha reflexáo: "a
escola indígena para ser boa precisa primeiro ser dos índios, para en-
táo ser boa".
Sinto que aqui reside a grande dificuldade (náo só para os ín-
dios, mas muito mais para nós): pensar as escolas indígenas é pensar
novas relagóes entre os povos indígenas, o Estado e a sociedade civil. E
pensar nosso futuro comum, realmente assumindo a pluralidade cons-
tituinte de nosso país. E permitir-se o diffcil exercício da diversidade,
reconhecendo as diferengas e olhando-as náo como problema, mas, ao
contrário, como valor. Realmente projetar um amanhá onde as dife-
rengas e singularidades - as diferentes lógicas e racionalidades, as diver-
sas maneiras de ver o mundo - possam compor um cenário complexo
e rico (ético e esteticamente belo), contribuindo para a superagáo do
ideal de homogeneidade, ou seja, de uma certa uniformizagáo de
idéias, valores e projetos que historicamente predominaram. Utopia?
Prefiro chamar de esperanga, conforme Paulo Freire (no seu pequeno
livro Pedagogia da autonomia), ao vislumbrar a história enquanto
"tempo de possibilidadesD2S6.
Neste contexto, qual será o papel das escolas indígenas na reali-
dade do contato interétnico: confronto? Conflito? Diálogo?
Tendo como premissa a possibilidade da existéncia de escolas
que, em processo de construgáo permanente, possam ser chamadas
com propriedade de escolas indígenas, procurei explicitar quais sáo as
características e pressupostos que qualificam essas escolas. Em outras
palavras, o que garante a possibilidade da concretizagáo de propostas
246 Rosa Helena Dias da Silva
NOTAS
dezl96),no qual foram trabalhados nogóes e conceitos relevantes para este es-
tudo, em especial a concepgáo dos povos indígenas enquanto "comunidades
educativas".
270 Essa interpretagáo fundamenta-se na teoria do "Biünguismo radical" exPressa
por Meliá em texto de sua autoria, intitulado "El modelo ARAKUARENDA, o
el bilinguismo radical" in MELIA,B.Elogio de lalengua guaranf, Assunción, Pa-
raguai, CEPAG' 1995
271 'A sociedade capitalista, enquanto modo de produgáo, gera a desigualdade so-
cial na medida em que privatiza os meios de produgáo, pois onde há proprie-
A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades 251
284 Concordo com esse entendimento de que todos tem direito a uma educagáo de
qualidade. Porém, como se sabe, o próprio conceito de qualidade náo é único,
e vem carregado dos interesses hegemónicos de dada sociedade. Com respeito
i nossa, está intrinsecamente ligado á nogáo de desenvolvimento ("progres-
so"). Seria o caso de nos perguntar: que modelo de desenvolvimento? Que qua-
lidade? A servigo e a favor de quem? Por outro lado, há que se considerar que
fazparte do processo histórico e atual viüdo pela grande maioria dos povos in-
dígenas, a percepgáo da apropriagño do saber escolar como um valor. Em ou-
tras palavras, o desejo de concretizar o ideal da escolarizagáo integra hoje as as-
piragóes de grande parte dos povos indígenas (principalmente os de maior
tempo de contato). É, o que os lndios do Rio Negro tem chamado de"febre da
escola", quc faz com que comunidades quase inteiras se desloquem de suas áreas
para os municlpios mais próximos, na intengáo de dar continuidade aos estu-
dos.
Pretendo continuar acompanhando as experiéncias de construgáo das escolas
indlgenas, em especial as ligadas ao movimento dos professores aqui estudado.
Ao mesmo tempo, darei continuidade aos estudos teóricos, procurando clarear
"respostas" frente a esta indagagáo (ou mesmo aprofundando dúüdas e ques-
tionamentos).
286 "A esperanga é um condimento indispensável I experiéncia histórica. Sem ela,
náo haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo
problematizado e náo pré-dado". FRElRE,Paulo.Pedagogia da Autonomia' Sáo
Paulo, Paz e Terra, 3a ed.,1997
287 SILVA,Márcio. "A conquista da escola: educagáo escolar e movimento de pro-
fessores indlgenas no Brasil", in Em aberto, no63, Brasllia, MEC' 1994
288 Tal posigáo, defendida pelo cientista político Hélio faguaribe, foi claramente
exposta no Seminário "Política Educacional para o Exército: ano 2000".
289 Conforme jornal Folha de Sdo Paulo, dia 30/08/94' p.l-4
290 Depoimento de Euclides, durante o VIII Encontro/l995. AnotagÓes pessoais da
pesquisa.
291 SILVA,Márcio. Op. cit., Pag.ll
2g2 Entrevista com Gilberto Lopez e Rivas in Porantim, ano XVII, nol69, Brasllia,
CIMI, ouV94, p.07
2g3 cASTRO,Eduardo Viveiros de.'A autodeterminagáo indlgena como valor" in
Anuório Antropológico 81, Fortaleza/Rio, Ed.Tempo Brasileiro' 1983
2g4 AMARANTE,EIisabeth. "o exemplo das mulheres" in Porantim, ano xvII, no
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260 Rosa Helena Dias da Silva
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(organizadas por ordem cronológica)
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l99t Dados iniciais do Movimento dos Professores Indígenas do AM
e RR.
ANEXO I
tem uma série de problemas porque ele está instaurando uma institui-
9áo nova. Agora, como corrigir esses defeitos? Entáo aí houve vários
modos de corrigir esses defeitos, ou esses problemas, melhor. Foi adap-
tando currlculos, usando a língua inügena como língua da alfabetiza-
9áo, incorporando até, ás vezes, práticas como artesanato, coisas da
própria comunidade. E as vezes coisas que náo é muito recomendável:
os velhos indo contar histórias para os meninos lá na escola, etc, etc...
Bom, continuando ainda com essa parte das dificuldades, um dos gra-
ves problemas é que o professor indígena se constitui num poder para-
lelo dentro da comunidade. Isso aconteceu em alguns lugares. Entáo
eles, tendo uma ferramenta e recursos supostamente modernos, e até
mais ricos, no fim eles assumem fungóes de lideranga e precisamente
porque sabem mais (sabem, entre aspas). Entáo eles tém assumido po-
sigóes de liderangas e ás vezes se constituindo em opositores ao gover-
no, á organizagáo tradicional dentro do grupo. Entáo esse é um perigo
que existe. Entáo como contornar isso? 8... acho que tem que ter esco-
la, a escola formal, que vai desde o prédio, até os recursos, o instrumen-
tal que eles podem ter, que vai de banco... giz... até computador, e tudo
assim por diante. Entáo tem que se assumir, enteo tem que realmente
se ver que náo represente uma distorgáo muito forte dentro do grupo.
Alguns dizem: náo, mas essa distorgáo sempre vai vir, assim como o
trator vai representar uma distorgáo. Mas náo por isso váo deixar de
usar o trator... Pois é, mas mesmo assim, tem que ter consciéncia disto.
Agora, para encurtar, eu acho que a escola faz parte de um programa
mais amplo que eu chamaria de "bilinguismo". Entáo, escola, mesmo na
língua indígena, náo deixa de ser implicitamente um Programa de bi-
linguismo. Entáo a nogáo de "bilinguismo" é uma nogáo epistemológi-
ca: é um modo de pensar a sociedade indígena no sentido de que, pro-
vavelmente, em vez de pretender assimilar muito a escola ao modo de
ser indlgena, adaptá-la, inculturá-la, etc... talvez seria melhor ter a
consciéncia de que a escola é uma linguagem paralela, é outra lingua-
gem! E assumir como outra linguagem. Senáo, al, facilmente a escola
vem substituir a pedagogia indlgena. E por enquanto, embora aparen-
temente é um paralelismo, é uma dupla, uma via dupla que náo conse-
gue a síntese... eu, cada vez mais, estou convencido de que, Por um tem-
po cumprido, as comunidades indlgenas tem que ser bilíngües. Essa es-
pécie de "bilinguismo radical" ou seja, eles tem que ter, ou eles querem
ter essa consciéncia e esse recurso de duas linguagens, duas economias,
A autonomia como valor e a articulagáo de possibilidades 267
dialogar com os outros é muito grande. Nem por isso ela necessaria-
mente, o que fala numa llngua, ela fala na outra. As vezes ela vai eleger
uma língua como a mais própria que outra para determinados campos
semánticos. Entáo isso, eu também acho seria uma solugáo para que
precisamente os professores náo se sintam tentados deles, depois de ter
feito esta espécie de adaptagáo moderna, facilmente se constituir no
exemplo e no controle da modernidade, o que pode criar uma reagáo,
que já está criada ás vezes, seja de llderes, seja da comunidade, nos as-
pectos tradicionais".
MELIÁ: "Eu acho que existe uma pedagogia inügena que cien-
tificamente é muito válida e esses professores indígenas náo deveriam
esquecer essa pedagogia indígena. Eventualmente até refletir e trabal-
har essa pedagogia indígena de modo que ela se torne científica, no
sentido de (ela já é cientifica) mas se torne também científica no uso
que se faz dela. E isso por uma parte, e eles podem fazer muito bem e
deveriam fazer isso. Em segundo lugar, que náo usem a escola como
instrumento de poder, porque o po{er é quase sempre uma via de co-
rrupgáo. Entáo o poder como tal, como domlnio, o poder é sempre pe-
rifoso. Entáo a escola náo tem que ser o lugar do poder. E terceiro lu-
gar, efetivamente, nessa espécie de dupla linguagem, de linguagem de
dois, seja esse bilinguismo, seja um diálogo entre pessoas que faz com
que o povo indígena possa se abrir a novas realidades, sem renunciar as
próprias. Quando um pesquisador, uma pessoa de nossa sociedade
aprende outra língua, quer ser bilíngüe, isso náo representa que ele re-
nuncia a própria língua. Ao contrário, muitas vezes o biünguismo ser-
ve até para potencializar o próprio ser da pessoa. Eu vejo a escola co-
mo uma linguagem nova que permite esse bilinguismo e um bilinguis-
mo que pode, vai sea bilinguismo económico, bilinguismo de línguas,
bilinguismo até de culturas. Por isso geralmente os programas de edu-
cagáo bilíngüe sáo chamados de "educagáo bilíngüe e intercultural".
270 Rosa Helena Dias da Silva
ANEXO 2
Entrevista n"l
Entrevistada: ProF Marilene Cordeiro, Miranha/Médio Solimóes
Boa Vista, 07 de outubro de 1993
Apresentagáo:
Eu me chamo Marilene Cordeiro Ferreira, eu sou da tribo Miran-
ha e trabalho na Aldeia Miratú. Thmbém sou coordenadora da Organiza-
gño das Mulheres e trabalho como professora indígena da minha aldeia. O
que eu acho de prioridade é nos Municípios, por causa que eles ficam co-
brando de mim, que esse órgao indígena nño paga o meu salário e fica em-
patando o meu teffipo'. e isso mais... eles ficam falando prá mim. Eles es-
tño cobrando também o curiculo e a lei, o regimento, que a gente setnpre
fala com eles, e o qual eu sentei com a coordenadora do Município, ela diz
que isso nño é válido para nós, por causa que a gente tetn que sair da es-
cravidño..., que se ficar ainda voltando, nño vai adiantar nada. Vai ter que
ir para afrente. Mas pelo que eu vejo, assim prá mim, tá melhorando, por
meio desse estudo indígena que a gente faz aqui por Roraima, Mantus,
Tefe. Prá mim já melhorou assim bastante porque eu aprendi nessa reci-
clagem indígena que a gente faz, fazer tinto caseira: de barro, de carvño,
de veln (lápis de cera). E as criangas na classe, eles ficam bem animados
com materiais que a gente aprendeu e agora eles também fazem. Só
esses
o que a gente comPra é a cartolina, que é muito cara e o órgño municipal
nño passa prá gente. Thmbém agora a FUNAI nño ajuda mais, que antes
ela ajudava e hoje a FUNAI só ficou corl, a terra' Eu sinto falta Porque eu
tinha uma ajuda dali sobre esses materiais, a merenda que a gente tinha
e agora separou a FUNAI e ficou só com a demarcagño da terra. E o nos-
so estudo, pelo menos pró nós adiantar mais, o qual as criangas num sabe
o que é avido, que num é do conhecimento deles. E a gente já teffi a nossa
cartilha que fala pros nossos alunos que antigamente os pais deles viaja-
A autonomia como valor e a articuhgAo de possibilidades 271
vam de ctnoa, num era ern aviAo, né? Meninos la, na minha classe, nós
trabalhamos na ünta caseira, eles falnram: o que era cortifn? De tño ino-
cente que eles sño, que frca escondida a nossa origem, que nño tem quem
pode esclarecer prá eles. A crianga ficou perdida querendo saber o que era
cortiga. E aí eu fui e peguei a cortiga e mostrei pró ele. Aí ele disse que ele
via muito no mato, quando ele ia pescar com o pai dele, mas ele nño sa-
bia o que era cortiga... aí é que ele ficou sabendo. Entño para nós profes-
sores indígenas, esses estudos que a gente esta tendo é muito válido, por-
que muita coisa que já está esquecida, a gente tenta resgatar noyamentq
principalmente na parte da língua que cada povo fala. Isso também a
gente é cobrado pela Secretaria Municipal, porque eles ficam cobrando.,
Entdo a gente tá lutando para yer se a gente consegue esse professor de lin-
guística. No meu município, quando o pessoal da UM e do CIMI e da
COIAB foram lá junto comigo, até a coordenadora tomou um susto, por-
que ela disse que eu nño deveria chamar aquele povo prá ir hi junto com
ela, que ela nño sabia como se encontrar com eles...pró que é que eu tin-
ha feito isso...Mas isso ela falou particular comigo, fora deles. Ela mudou
até de cor... Aí eu falei prá ela que eu tinha chamado o pessoal aí, porque
ela tinha chegado la na minha área e eu nño estava, aí ela comegou a bo-
tar urn montño de regras lá, o qual, quando eu cheguei, o meu pessoal ta-
va revoltado comigo... e taffibéffi eu me revoltei com ela. Chamei esses
meus assessores, o qual a gente foi ló junto, aí depois ela ficou assim...es-
pantada! E eu disse: olha, só foi esses aí que puderam yim, mas viria ain-
da desde até advogado, prá advogar o tneu cAso, no caso que a senhora
nño liberar as minhas saídas pros Tneus estudos indígenas, prás minhas
organimgóes. E ela disse: nño, eles vdo ter que mandar uma carta de li-
cenga oficial, aí vocé vem e assina, por causa que o prefeito me cobra e eu
também fico cobrando vocé... Eu disse outra: quando vocé quiser ir lá na
minha área, a senhora teffi que procurar o tuxaua e avisar ele e pedindo
uma licenga, porque assim como vocé exige uma licenga da minha saída
de sala de aula, eu também exijo uma licenga de vocé pró entrar na min-
ha área pró fazer qualquer tipo de reuniño. Ela disse: ah!... mas foi umas
pessoas que vieram aqui lhe denunciar, da sua comunidade mesmo. É,, é
Porque eles sdo contra o meu trabalho, eles sdo índio da minha mesma tri-
bo, mas eles nño tem o conhecimento. Porque vocés branco só quer ensinar
do jeito de vocés, como vocés querem e o qual o nosso indígena vai sendo
apagodo, esquecido. Doqui uns dias ninguém sabe mais nem como é que
é a pesca... Porque vocés ficam pondo só do branco, e do lado do índio, na-
272 Rosa Helena Dias da Silva
da! Ela pediu desculpa, que ela nño iria ir lá por conta própria, só se eu
chamasse ou entdo pedisse uma licenga.
Pergunta: Dentro disso que vocé está falando, como vocé enxer-
ga o papel da escola. Quais as características, como vocé acha que deve
ser a escola indígena para ser desse jeito que vocé está falando - que sir-
va para a questáo do povo. Como vocé vé a escola, vocé como profes-
sora e também o Movimento?
Marilene: Para mim, eu vejo que é melhor a gente dar conünuida-
de nesses estudos que a gente vem participando, prá ter melhores informa-
góds do lado do índio e do lado do branco. Porque tem que aprender os dois
lados. E pró mim, melhora... tem sido bem melhor quando chega essas
pessoas brancas dos órgños municipais, eu já tenho alguma coisa prá mos-
trar, que possa provar prá eles, que quando eles chegam ló na sala de au'
la, que eu uso artesanato, cerhmica, né? Tudo isso tem l.a dentro da min-
ha sala de aula: as ffiaquera de envira, o qual eles nño conhecem também,
entño isso é uma prova... eu posso provar prá eles que a gente também tá
tendo um desenvolvimento. No lugar daquela cadeira de embalo que eles
usam (o qual o índio nño pode comprar mesmo, porque é cara e nño con-
hece) fica aquelas maquera ali. Aí eles fica querendo comprar...a gente diz
que vai fazer pró eles... A gente pode fazer, mas depende também do trato
cotn eles, porque eles querem dado e a gente ndo pode dar, de jeito nen-
hum.
Pergunta: Fala um pouco entáo como vocé vé a questáo do ma-
terial, mesmo a questáo dos livros. Porque prá gente o livro é muito im-
portante. Prá vocé, como vocé está vendo, como é essa questáo do liv-
ro, ou outro material que vocé quiser falar.
Marilene: Sim, porque ela, a coordenadora, me deu uma apostila
só pro primeiro ano. Só é desenho e pintura e as criangas num gostaram...
Af eles pediratn que era melhor a gente trabalhar com a noturem. Porque
com a natureza, a gente ia pro campo, aí eles pegava folhas, eles desenha-
vatn... se fosse matemática, eles contavam as folhas. Aí quando a gente
voltava prá sala de aula, eles traziam a quanüa de folhas que eles tinham
contado. Aí eu pedia prá eles assim: quem tem cinco folhas na mño? O
aluno dizia: eu! Quer escrever o número cinco? Vai lá,,.Aí ele ia, escrevia
e ficava todo contente. Entño nessa Parte aí eu acho'que ajuda tanto prá
mim como para o aluno, Porque a folha ele conhece prá contar e outras
coisas al eles nño sabiam desenhar e nem contar quantos tinha. Al eu acho
assim que esses üvros didóticos que eles estño dando prá gente num é tan-
A autonomia como valor e a articulaQáo de possibilidades 273
to válido e também que eles estAo cobrando uma pajela preenchida com
200 planos de aula, o qual nós, como professores indígenas nño temos con-
hecimento desta pajela... e eles estño cobrando. E outra coisa, que a min-
ha sala é sala única, entño eu num vou poder colocar tantos planos de au-
la que ela tdo pedindo, o qual só tem uma sala única. Eu ndo sei como é
que eu vou fazcr. Eu tenho aí a minha pajela, eu you mostrar prá vocé co-
mo é que é.
Pergunta: Lendo os relatórios dos outros Encontros, percebi
duas coisas e eu queria que vocé falasse se prá vocé essas coisas sáo im-
portantes ou náo. Lendo desde o primeiro, sempre aparece muito for-
te a questáo da tradigáo das culturas e a questáo da organizagáo como
duas coisas importantes. Vocé concorda com isso?
Marilene: Da parte da organizagño, é muito válido porque prá nós,
pOvos indígenas, setye de orientagño e a gente pode ver as coisas bem de
Perto, e melhorar o nosso estudo diferenciado, como fala na lei..,E eles nño
querem aceitar, Essa coordenadora de lá do meu município, eh diz: Poxa!
como é que vocés ficam falando do branco.., Todos nós somos iguais...ela
disse. E eu disse: Nño, se fosse iguais, nño tinha essa discriminagño, de vo-
cé nño querer aceitar os tneus diüticos e nño me daria outro. EIa disse:
Nñ0, é a SEDUC que estó cobrando, ndo somos nós ndo.
Pergunta: E a tradigáo,16 na situagáo de vocés, como é que vocé
vé a questáo das culturas. Como elas estáo agora, o que é que represen-
ta?
Marilene: Porque quando a gente já tomou o conhecimento das
culturas e tradigóes e que a gente ját passou e yamos passar ainda muito
mais... no Ato Público, nas manifestagóes, porque ainda tem municlpio
que a gente ainda nño fez. Isso aí a gente vai demonstrando e aí chama
muito a atengño dos brancos, dos órgños municipnis e federais, aqueles
que quereffi discriminar o índio, eles vño ficando mais acreditados nessa
parte aí, que existe esse lado: a cubura e as tradigóes. A gente já foi pro Ato
Público, já apresentou aquele pouquinho que a gente sabe, né. Entño eles
ficaram gostando. Tem município que a gente fez a manifestagño, que pe-
diram novamente, A gente falou que ndo podia fazer duas yezez num mu-
nicípio só porque tinha vórios municípios o qual ficavam uiticando a
gente, colocando na parede, e a gente queria também demonstrar como
nño é tudo aquilo que eles pensam, que o índio nño é mais índio...e nun-
ca o índio vai deixar de ser índio mesmo... ele pode ser o que
for, lnas as
caracterísücas ndo mudam. Entño a gente vai fazer naqueles aonde ainda
274 Rosa Helena Dias da Silva
nño fizemos, para que eles ficam acreditando. E uma coisa ffiuito válida,
pela parte das organizagóes que nos acompanham, nas assessorias, o qual
eles também dño os ensinamentos, aulas sobre a cultura e a origem, é mui-
to vóIido prá nós.
Per$unta: Vocé acha que é possível a escola indígena estar a favor
dos povos indígenas, ser uma coisa boa?
Marilene: Porque se a gente chegar a concluir que este estudo indí-
gena pró nós vai ser uma coisa muito boa, por causa que tem coffio mos-
trar para aquelas pessoas queficam em dúvida, se a gente ndo demonstrar
todo esse estudo que a gente tó fazendo, já vai ser assim uma coisa meio
chata, num vai ser acreditado. Entño a gente tem que ver isso al bem de
perto e dar continuidade, ndo parar.
Pergunta: Como vocé vé a questáo de pesquisas com os Povos
indlgenas... assim, pessoas estudando sobre vocés?
Marilene: Muitas vezes eles ficam falando prá gente assim: se é um
estudo indígena, por que é que tern assim aquelas Pessoas branca lá no
meio? Isso eles querem fazer uma distingdo e o qual sempre nunca nin-
guém aceitou. Eles fala assim que os padres sdo uns mentirosos, que só
querem ganhar a favor do índio e porisso é que eles ficam inventando to-
dos esses estudos; mas a gente nño se cala. A gente fala pró eles que eles sño
os nossos orientadores, Deles é que vem esses conhecitnentos desses estudos
que a gente tó tendo. Senño a gente ndo tinha esse tipo de estudo que a
gente tá tendo. E porisso que o gente conünua ligado con essas entidades,
que chamam de branco. Serve e é válido pro trabalho da gente, que a gen-
te tá tendo este estudo até agora,
Pergunta: O que vocé gostaria de acrescentar?
Marilene: O que eu quero falar é que com esse choque que a gente
jó vem dando la no IEMM, junto com a Secretaria, a coordenadora, ela
ficou assim meio assustada e fez assim um convite prá gente trabalhar com
a tinta caseira dentro das escolas municipais. Que ela ia falar cotn o pre-
feito prá dar esse espago prá mim. Alfalei prá ela que eu aceitava, mas
eu
tinha que depender de uma parte financeira" por causa que a gente preci-
sava de coffiprar outros didáticos. Muitas vezes o que eu exigia do IERAM
era a cartolina e já nño ocupava os lápis netn as tintas, a gente mesmo faz.
Ela disse: Ai que bom, Marilene, eu vott falar com o prefeito prá que ele
possa aceitar e dar condigóes prá vocé ir de escola em escola. Eu disse: tá!
Entrevista n"2
Entrevistado: Prof. Sebastiáo Duarte, Tucano/Alto Rio Negro
Boa Vista, 08 de outubro de 1993
Apresentagáo:
Eu sou o Prof. Sebastido Duarte, da nagdo Tucano. Moro no Alto
Rio Negro, no estado do Amazonas e município de Sño Gabriel da Ca-
choeira.
tudo pró có, ou entñ0, vatnos aqui! Nño, porque tem que ser conhecimen-
to paralelo.E isso daí que é a tarefa do professor.
Pergunta: E sobre o material? A gente sabe que tem uma discus-
sáo grande. Fala um pouco como vocé vé o material e destaca também
a questáo do livro.
Sebastiáo: Os materiais didáticos, até o momento a gente conse-
guiu elaborar pouco. Mas tem as cartilhas Tucano, né, voltadas para a
nossa cultura, tem sim! A questño é a seguinte, nós ló em Toracuá, nós es-
tamos alfobeüzando na lfngua portugtesa. Entño, para a alfabetinfro, é
clnro que a gente precisa de livro de fora. 8... mas já que temos material
didótico da nossa própria língua cultura tnesmo, eu acho que foi um
avango muito grande de tais conhecimentos; Porque no conhecimento, a
preocupagño também é... varia. A preocupagño nossa varia porque a pes-
soa teffi direito de estudar, se formar até certo ponto e partir para conhe-
cimentos em nível nacional, né? Tem, por exetnplo, geografia, história, es-
sas coisas... E, preciso ter esse material didáüco do Brasil. Agora, a partir
da l" série até a 4" série, eu acho que deveria ser só material didático da
regiño, da própria cultura mesmo; pró poder depois, a partir da 5o série,
deveria mudar para ilaí poder ampliar mais as coisas. Entño nesse senü'
do que eu vejo em termos de material didático.
Pergunta: Tem algum üvro que marcou vocé?
Sebastiáo: O que marcou mais foi o curso de OSPB mesmo, quan-
do eu estava fazendo o 2o grau, lá em Sño Gabriel da Cachoeira, quando
comegava a discutir os problemas do Brasil... foi esse livro que me mArcou.
Pergunta: Nos relatórios dos outros cinco encontros, eu desta-
quei coisas que queria ouvir se vocé acha importante ou náo: a questáo
da tradigáo e a organízagáo, aparecem muito forte em todos os Encon-
tros. Vocé concorda que essas sáo coisas que pro Movimento sáo im-
portantes? Se concorda, ou náo, porqué?
Sebastiáo: Tradigño e organizagdo, né? Bom, nos Encontros que a
gente tamos tendo, no decorrer desses anos, al eu acho que a gente sempre
falamos, costumarnos falar sobre tradigño. A gente nño quer a escola tra-
dicional do branco, nño é isso, A gente queremos uma escola voltada d tra-
digño: tradigño que significa transmitir de heranga em heranga. Mas isso
dal dificulta bastante porque certas coisas, certas histórias, certas cren7as,
a gente já perdemos. Até certas partes do linguagem também. Estño opa-
gadas, entño fica difícil...Mas a escola assim em terrnos de tradigdo, existe
para nós oralmente, sem ser na escola, né? Os pais, os avós vño ttansmi-
A autonomia como valor e a articulagAo de possibilidades 279
tindo, Isso assim, nossa inten7ño deveria ser assim neste sentido, de trans-
mitir nossa crengas, nossos valores culturais, enfim, etnia em geral, Em
terfttos de organizagño, é muito importante a organimfro porque nós
acreditamos que organizando é uma forma de desenvolver mais, levar a
coisa prá frente. Organizando, por exemplo, no ponto de vista da organi-
zagño dos missionários, por exemplo, onde quer que seja, os missionórios
estño lá, acolhidos na sua organizagño, na sua própria organizagdo, sua
própria articulagño própria. Entño nesse sentido, porque a organizagño é
muito importante porque até no momento os professores indígenas do
Amazonas... bom, do Amazonas num sei, mas do Rio Negro, num estño
organizados, ndo tem a sua organizagdo. Essa dependéncia faz maL Tal-
vez a gente vamos falar de organizagdo dos professores indígen*s, com A
palavra indígena no meio... prá eles já tem assim um certo sentido muito
inferior, essas coisas, sabe? Entño é essa divisño. Isso também dificulta ter
uma organizagdo própria do Alto Rio Negro. Até no momento, nós lá no
Rio Negro temos dois Encontros só dos professores indígenas riesmo, Dois
ndo, urn só, A partir de.., acho que dezembro, vai ter outro: a gente tamos
tentando organizar e acho que vai sair uma organizagdo mestno. É, bom
que tenhamos essa organizagño própria, prá poder articular melhor. Isso
é importante.
Pergunta: A idéia inicial do meu trabalho é mostrar que é possí-
vel uma escola indígena que náo seja contra os índios, mas consiga ser
a favor. Vocé concorda com essa hipótese, acha que é possível? Como
vocé vé?
Sebastiáo: Prá mim, essa escola indígena seria muito boa, muito
importante, realmente do agrado do próprio índio. Porque como eu aca-
bei de falar, até agora, a escola... nño sabe o que está estudando...porque
está se formando. Entño a partir da escola indígena, já saberia porque es-
tá estudando, prá qué... no futuro, né? Certo? Seria uma escola muito
ideal para os povos indígenas, mas dependendo de determinado lugar, né,
no qual...da situagño, etc... nño imposta, como os padres já vinham fazen-
do... imposigño direto! Entño seria de suma importdncia a escola indíge-
na. Mas só que infelizmente a gente ainda nño temos. Só sei que somos
professores indígenas, mas nño temos uma escola indígena. Está sendo in-
troduzida a língua indígena... mas nño é uma escola indígena.
Pergunta: Como vocé vé a questáo de pesquisa, de pessoas que
ficam estudando a questáo dos povos indígenas, no geral. E depois, co-
mo vocé está conseguindo ver esta pesquisa. Quais os problemas que
280 Rosa Helena Dias da Silva
Entrevista n"3
Entrevistado: Prof. Pedro Mariano, KokamaiMédio Solimóes
Boa Vista, 09 de outubro de 1993
Apresentagáo:
Eu sou Pedro Mariano Filho, eu sou da aldeia Kokama, eu trabal-
ho no Médio Solimóes, no município de Tefe.Inclusive eu tenho jó 10 anos
que trabalho como professor. Sou contratado e eu gosto do meu trabalho.
Inclusive a minha comunidade, o pessoal apoia e é porisso que eu estou
aqui hoje em Roraima, participando deste Encontro. Quer dizer, esse é o
terceiro Encontro que participo.
so que nós queremos. Nós queremos é uffi espago prá gente montar o que
nós queria resgatar, de nós mesmos.
Pergunta: Como vocé vé a questáo de pesquisa, de pessoa de fo-
ra, náo-índia, estar estudando sobre vocés?
Pedrinho: No nosso ver, tem algumas pessoas branca que vai no
nosso Município, vai até pisar na nossa comunidade... e alguém ainda vé
que ele está criando...tó sendo o geral que mais ou menos a gente espera-
va. Alguém até se admira quando vé o nosso Movimento, como é na nos-
sa aldeia. Eu fico assim satisfeito. _s vezes entra com vergonha de entrar
no meio de índio... índio possa ser que nño aceita o branco... Entño a gen-
te recebe mesmo, de coragño.
Pergunta: O que vocé gostaria de acrescentar?
Pedrinho: Eu queia dizer assim que prá nós, e para mim, que eu
me encontro aqui reunido nessa Assembléia aqui em Roraima, pela pri-
meira vez prá mim foi um passo melhor, parece assim que aplicamos al-
guma coisa prá criar... e setnear através do nosso pensaffiento e a gente
agradece mesmo, de coragño a nossa entrevista de hoje.
Entrevista n" 4
Entrevistada: Profu Pedrina dos Santos, S.Gabriel da Cachoeira
Boa Vista, l0 de outubro de 1993
Apresentagáo:
Eu sou professora do Município de Sño Gabriel da Cachoeira, sede,
eu, flo momento atual estou como diretora de uma Escola de I e II grau,
que é a área profissional de h é a área de enfermogem. E eu sinto assim,
eu fiquei até emocionada de ver esta reunido, porque pela primeira vez
que eu t6 participando, eu nunca tive oportunidade de sair assim para
participar, Quer dizer, eu participo assim de encontros, mas de professo-
res que nño faz parte de área indígena. Entño eu me sinto feliz vendo o
progresso que esta havendo na área indígena, principalmente aqui em Ro-
raima. E coisa que nño está acontecendo em nossa regiño, né? Que eu até
estive conversando com meus colegas professores da órea do Rio Negro,
que a gente estó muito atrasado... apesar de que a gente tem muitas co-
munidades que sño da área indígena, eles só querem aprender coisa do
branco,,. Enquanto que aqui jó tó havendo na pré-escola, né, na língua
284 Rosa Helena Dias da Silva
indígena rlraterna, estÁo sendo iniciadas. Enquanto que nós ainda esta-
mos... Eu penso que daqui pró frente a gente poderá fazer alguma coisa,
uma caminhada. Principalmente porque eu estive vendo, verificando, e eu
pude observar que a gente que trabalha assim na nossa sede do município,
aonde tern uma mistura de povos, de ragas, que é branca,. é... de todos os
níveis..., acho que a gente também pode fazer alguma coisa, como por
exemPlo, na Parte de artes industriais... que esse ano a gente nño ünha lá.
Apareceu uma professora lá de Cucuí que veio e eu tive que... ela era efe-
tiva... eu nño poderia deixar ela na rua, né? Entño eu tinha que acolher.
Entdo eln ficou la e eu arranjei a classe. Porque nós temos hoje...como eu
conversei hoje com um professor, tem tanta adolescente, jovens que se
prostituem, porque ndo tem o que fazer, entño saem, prá bem dizer, se jo-
gam na vida! Entño eu estive vendo essa parte , Porque em Sño Gabriel,
como todos sabem é uma órea de garimpo, que nós temos vários tipos de
gente lá, que ningtém sabe se sño bons ou nño... entño aparece tanto que
até ultimamente a gente anda assustado. Pelo menos eu sinto assim: que
eu tenho muita responsabilidade perante o povo daquela regiño. A gente
que dirige assim uma coisa, assim um cargo, a gente tem muita responsa-
bilidade. Entdo al nós comegamos a fazer um trabalho. Eu conversei com
essa professora: vatnos ver se a gente faz alguma coisa por essa juventude,
principalmente, na parte feminina. Entdo nós comegatnos e inclusive tive-
mos sucesso na festa de Sño Gabriel" que aconteceu ultimamente no més
de setembro. Nós fizemos uma exposigño. A gente conseguiu fazer borda-
dos, pinturas e eu aqui esüve verificando que a gente tem muito mais a fa-
zer por essa juventude, nño só assim na parte indlgena, mas também com
outras pessoas que vivem, que convivem aí com a gente, que a gente pode
passar muita coisa, Principalmente nesta parte de artesanato.
Pergunta: E a primeira vez que vocé vem, mas de certa forma vo-
cé já conhecia o Movimento dos professores...
Pedrina: Eu conhecia sim, porque, nño sei se foi nesse ano retrasa-
do, teve um Encontro de professores indígenas em Sño Gabriel, onde foi
convidado todos os alunos do curso de Filosofia: entño nós fomos convida-
dos: aí a gente foi. Nós nos apresentarnos Iá, mas a gente também nño po'
dia ficar porque a gente tinha aula e é muito puxado... é intensivo. E aí
que eu jó conhego mais ou menos, mas eu estou comegando...
Pergunta: No que vocé está vendo lá no Rio Negro, qual a impor-
táncia, ou náo da escola indígena? Vocé acha que tem uma tarefa dife-
A autonomia como valor e a articuhgAo de possibilidades 285
fato eu acho que nAo tum nada a yer cotn a cultura da gente, infelizmen-
te...
Pergunta: Quais os problemas maiores que vocé vé entre a edu-
cagáo da escola e a educagáo da família? temconflito entre a educagáo
da escola e da família?
Pedrina: Olhq, eu acho que o pessoal que reside, que mora ali na
sede do municfpio, eles tem já aquela mania de querer ser branco, num
querer ser mais índio... num ter mais aquilo... e muitas vezes dizem por
aí... eu vejo muito, sabe? mocinhas lá dizem: ah! eu ndo tomo mais chi-
'4s
bé... ai, eu ndo falo a língua geral... Rejeitam. Rejeitam tudo, parece que
é uma coisa feia para eles. Eu sempre digo, até eu fiz um curso, um trei-
namento de Fundamentos de Geografia do Amazonas, onde fala muito a
respeito dessas coisas, culturas e tudo... Entño eu sempre falava para eles:
286 Rosa Helena Dias da Silva
a gente nAo rcm que se envergonhar o que a gente é nño... isso nño é uma
vergonha nño. Isso é uma coisa que é muito bonita, eu chegar e dizer as-
sim: olha, eu sou descendente, ou num seja... eu sou índia... e pronto! Aca-
bou.
Pergunta: Porque vocé acha que acontece da pessoa rejeitar,
principalmente na cidade?
Pedrina: Porque o pessoal pensa que é de classe baixa, né? Entño ín-
dio é inferior a qualquer ser humano... Aí eu digo: a gente tem que dizer
que nós somos seres humanos igual como a eles. A gente tem os nossos cos-
tumes diferentes aos deles, mas a gente é gente como eles tnesmol Até um
tempo desses, eu estava até discutindo coflr um senhor lá, e ele disse: ah! o
índio sempre foi inferior. Quem disse? eu disse assim: oh! tem uma coisa
que eu digo pro senhor, eu sou filha aqui da regiño, eu falo na minha lfn-
gua - falo língua geral - porque infelizmnete a minha língua que seja da
minha oigem, eu nño sei, o que eu falo é língua geral, até hoje minha mñe
fala comigo. Eu digo, sabe, eu nño tenho vergonha de dizer prá ninguém
nño. Aí eu disse: qual é o curso que o senhor tem? Ah! eu só tenho de 1" a
4" série. Pois eu estou fazendo o curso de Filosofia, Só pro senhor saber".
Entño quer dizer que, na parte de educagdo, eu sotr mais alta do que o sen-
hor. O que que o senhor acha? Ah!... é mesmo. Entño o índio nño tem na-
da a ver de ser mais bako que o branco, simplesmente porque ele tem a
pele branca... Agora nós temos um prefeito que é filho da regiño, entño o
pessoal... tá o maior reboligo lá. Num faziam nada também la, nunca nin-
guém reclamou... simplesrnente agora, porque ele é filho da regiño, todo
mundo reclama. Eu defendo, sabe? Eu defendo mesmo. Eu digo assim: ol-
ha gente, vocés nño tem que estar reclnmando, ele nño tem.', nño fez nem
um ano de administragño, Está no início ainda. E é uma pessoa nova, sño
pessoas que nunca trabalharam assim na área de administragño, estño en-
trando pela primeira yez na polltica. Al a gente tem que considerar tudo
isso. A gente nño deve jogar pedra simplesmente porque a pessoa assumiu
um cargo. A mesma coisa sou eu, eu nño tenho experiéncia, eu sou apenas
uma professora que já trabalhou e que simplesffiente agora". nño tinha
ninguém para assumir esse cafgo de diregño do colégio lá da Escola Muni-
cipal. Porque disseram: ah! porque eu ndo daria conta... coisa e tal--- Eu
pras lrmñs: eu aceitei prá mostrar prá muita gente aqui que nós
disse até
também somos capazes de dirigir uma escola. Eu estou abrindo esse ca-
minho pfos meus colegas, pró que eles mais tarde tatnbém tenham cora'
gem de assumir. Que se até agora ninguém teve coragem de assumir.'. Por-
A autonomia como valor e a articulagdo de possibilidades 287
ANEXO 3
tante longe. E tem que ser continuada entdo para que se conquiste isso. E
se isso hoje é um desafio, um comprotnisso dos povos indígenas, tem alguns
elementos, alguns desafios que precisam ser superados. E uma delas entño
é como nessa mesma abertura oficial hoje da sociedade brasileira, sobre-
tudo quanto ds leis, como tentar colocar hoje nas nossas escolas indígenas,
onde jó tem mais de 100 anos de uffi modelo de sistema que nño tinha na-
da a ver com isso. Quer dizer, corno a gente, de uma hora para outra, quer
transforma¡ quer mudar essa realidade, no sentido de dar uma nova pers-
pectiva educacional Para nossos povos indígenas? E uma coisa que ainda
se esta discutindo, mas creio que o ponto central, o ponto mais importan-
te foi justamente ter resgatado essa concepgÁo de educagño. Essa concepgño
de ligar a prática educacional d prática de luta, daquilo que os povos in-
dígenas proPóe lutar e querem projetar para seu futuro. Porque nño é só
necessário planejar ou projetar, mas é necessório também iniciar a cons-
trugño dessa nova história que se quer.
E comumente as pessoas perguntam, me lembro até que eu estava
falando disso na lI Semana Social Brasileira, promovida pela CNBB, e as
pessoas semPre me perguntavam: coftro que a gente pensa isso, tnas que
posigóes a gente tem de que, no futuro, isso seja uma garantia de sobrevi-
véncia para os povos indígenas? Isso, na cabega, na visdo das pessoas, prin-
cipalmente mais ligadas d educagño indígena, me parece uma coisa que os
próprios povos indígenas precisam construir. Porque o que a gente quer
garantir poliücamente é que isso seja posslve\ vióvel, que a gente tenha es-
sas condigóes políticas de fazer isso. Porque aí volta-se noYamente d pró-
pria concepgño de cada povo indígena. E o essencial nesse campo é levar
isso na maior naturalidade. Nño se quer agora também introduzir ou im-
por aos próprios povos indígenas, a parür das liderangas, ou a partir de al-
gumas iniciativas, algo que nño esteja ao alcance de cada comunidade ou
de cada povo indlgena. E em termos de futuro, essa perspectiva entdo é vis-
ta coflo algo que seja capaz de atingir essas necessidodes jó utgentes hoje
paro ospovos indígenas.
Nño podemos mais pensar como podeiafios pensar há 50 ou 100
anos atrás. Precisamos pens¡r o hoje - a situagdo de cada comunidade, de
cada povo indígena, que também é diversa. Mas o essencial é que se ten-
ha essa nofio hoje de que através da educagño, talvez sobretudo d.a edu-
cagdo escolar, que é uma coisa mais séria,.. porque a educagdo tradicional
- ela está! Está na alma, na própria vida da comunidade. Mas a educagño
escolar ela precisa dar esse salto qualitativo no sentido de deixar de impor
A autonomia como valor e a articulagdo de possibilidades 293
do. Porque se colocava novos valores, se colocava novos objetivos e que es-
ses objetivos nem setnpre eram conhecidos, e segundo, que era impossível:
ds vezes eram apenas'farsantes', apenas para tentar escolarizar, para ten-
tar ocidentalizar. Porque os objetivos nño eram aquilo que se dizia, mas
era o próprio fato de fazer com que os índios perdessem a sua cultura, pa-
ra que deixassem de ser. E isso é uma situafro muito grave hoje, sobretu-
do nas regiíes fronteirigas da Amazónia, com essa idéia de integrar, uma
idéia estratégica militar. E entño se luta bastante no sistema educacional,
sobretudo nos Municípios e nos Estodos, para que essa idüa continue -
que aprópria educagño seja um instrumento que, entño, possa, o mais ra-
pidamente posslvel, extinguir os povos indígenas enquanto povos diferen-
ciados, com seus direitos específicos, com todas suas potencialidades espe-
cíficas. E um desafio muito grande, que a partir da própria educagdo, nós
precisamos resgatar,
E acho que a caminhada estó sendo bastante boa, e pró isso a gen-
te procura entño, nas própias escolas que temos hoje, apesar de muitas te-
rem ainda aquelas características integracionistas, civilizatóriiu... tentar,
dentro de seu próprio conteúdo metodológico, incluir vório3 elementos,
que vá mudando essa perspectiva. Porisso nós tentamos dar essa linha, a
parür de diversas experiéncias existentes na Amazónia, e o trabalho obje-
tivo praticamente dessa articulagdo dos professores da Amazónia é nesse
sentido aí: servir.como um ambiente de discussño, de um laboratório de
294 Rosa Helena Dias da Silva
idéias que possam estar orientando as diversas práüca5 das vórias inicia-
tivas educacionais existentés entre os povos indígenas naquela regiño.
E nós realizamos todo ano um Encontro á nlvel de Amazónia, pa-
ra nño só reavaliar, mas justamente tentar costurar essa possibilidade en-
tño de mudar essa perspecüva para os povos indígenas. Porque eu acho
que hoje há uma situagño boa, mas ao mestno tempo, também delicada.
Porque também se a gente ndo ganhar tempo, nño ganhar espago, nño
ganhar avangos, cada vez mais fica difícil a própria luta dos povos indíge-
nas, urna vez que a sociedade caminha muito rapidamente, e os povos in-
dígenas precisam acompanhar, para que nño percam de vista - ou percam
de vez essa possibilidade.
Esse ano, Por exemPlo (para ter uma idéia de como a gente procu-
ra introduzir esses elementos), esse ano terá o Encontro effi outubro, em
Manaus - Encontro dos Professores Indígenas de toda a Amazónia, e o te-
ma central desse Encontro é, por exemplo, a medicina, a medicina tradi-
cional. Nós acreditamos que a educagño, sendo ela uma linha mestra, um
ponto essencial para a vida de utn povo, para a história de um povo, é ne-
cessario entño que se tenha todas as dimensóes que fazem parte da vida de
uffi povo. E a medicina, por etceffiplo, é uma coisa fundamental, sobretu-
do na regiño amazónica, onde as próprias condigóes de assisténcia d saú-
de oferecida pelos órgños públicos, é hmentável. Mas acho que é assim em
todo o Brasil, né? Entño essa discussño será muito importante, porque ca-
da tema deste, ele tem uma repercussdo muito grande na vida diória das
nossas escolas, e também das nossas comunidades. Até parece que a gente
coloca um tema como medicina tradicional...parece sitnples, uma coisa fá-
cil, pequena, ou um tema só... Mas no hmbito daquilo que vai levar na
prótica, através das próticas metodológicas dos nossas escolas, é funda-
mental isso, porque se pulveriza isso no seio das comunidades, e através
dela, entño, se vai atingindo outras dimensóes que a gente pretendeu, que
formamos um corpo, e esse corpo é que deve dar essa perspectiva de ca'
minhada, de resgatar aqueles valores que precisam ser resgatados, para
que se possa garantir a sobrevivéncia dos povos indígenas, dos vórios gru-
pos, nño somente coffio pessoas, como inditíduos, mas sobretudo coffio Po-
yos, cotno povos diferenciados, que tem seus valores' sua identidade, ter
tudo aquilo que ele precisa para se auto-realizar.
Do contrário, nós só podemos caminhar para o inverso, que em al-
guns casos, chega até ao desespero dos povos, cotno tetn acontecido muito
- os suicldios, no Brasil inteiro. Fruto, com certeza, desta falta de perspec-
A autonomia como valor e a arficulagío de possibilidades 295
tiva, e para que se tenha essa perspectiva, nAo é uma coisa fácil, é uma coi-
sa que se tem que costurar no dia-a-dia, e considerando também a parü-
cipagño sobretudo da comunidade branca que normalmente estó nos
acompanhando, nos apoiando, o pessoal das Universidades, dos Centros
de Pesquisas e outros demais órgños.
foi, entño, a experiéncia que nós podemos contribuir aqui,
Essa
uma experiéncia ainda nov*, seis, sete anos prá cá.., e a gente espera tril-
har nesse caminho e poder cada vez melhor nos conhecer - a nossa situa-
gño, e poder enxergar melhor também o nosso futuro, Porque acho isso in-
teressante.
296 Rosa Helena Dias da Silva
ANEXO 4
HISTÓRICO
A PAUTA DO ENCONTRO
O ENCONTRO
PARTICIPANTES DA CONFERÉ,NCIA
CONCTUSAO
Sebastiño Duarte
' Membro do Comité da Ed. Escolar Indlgena do MEC
Taracuá, 14 de junho de 1994.
ANEXO 5
CONCLUSAO
TNTRODUgAO
Queremos que este documento sirva como base para a nova Lei
de Diretrizes da Educagáo Nacional.
A ESCOTA INDIGENA
Nome Organizagdo
Rg n.
865.601 - SSP/AM
CIC no 287492432-68
conta bancária: Banco do Estado da Amazonas SA (BEA)
agéncia 0015, conta n.0004475-0
enderego: Aos cuidados da Federagño das Organizagóes Indígenas
do Rio Negro
308 Rosa Helena Dias da Silva
Rg no27035 - SSPiRR
CIC no 063860162-20
conta bancária: Banco do Estado de Roraima (BANER)
agéncia OO2-5, conta no2133-0
enderego: Aos cuidados do Conselho Indígena de Roraima
Avenida Sebastiáo Diniz n" 1672
Sáo Vicente, Boa Vista-RR - 69750-000
tel/fax: 095-2245761
mias como as que estáo ocorrendo no Alto Rio Negro; conflitos e mor-
tes provocados por fazendeiros e garimpeiros na área Raposa Serra do
Sol; choques violentos entre madeireiros e os povos indlgenas do Vale
do Javari e de Rondónia, e tantas outras violéncias contra os índios.
Orgamento:
a) Taracuá - S. Gabrie1............R$ 40,00 (óleo para o barco
............R$ 20,00 (alimentagáo pl 2 d.)
b) em Sáo Gabrie1...................R$ 15,00 (táxi para aeroporto)
..................R$ 10,00 (alimentagáo p/ I d.)
A autonomia como valor e a articulagóo de possibilidades 3ll
c ) em Mana"'
j
: :.. :::::: :. :::::: :. :.. l$ ; ,:3 tÍ,t*lri*í1, -]
Total das despesas além das diárias dos dias de reuniáo em Bra-
sília:
Ida.......................R$ I I 6,00
VoIta....................R$ I I 6,00
Total....................R$ 232,00
obs. Esse gastos sáo independentes das diárias referentes aos dias
de permanéncia em Brasília.
Nome Povo
A todos os membros do
Comité de Educagáo Escolar Indígena do Ministério de Educagáo
Atenciosamente.
316 Rosa Helena Dias da Silva