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DENIS DIDEROT DA INTERPRETACAO DA NATUREZA E OUTROS ESCRITOS Traducio, introducto, notas ¢ posfaicio: ‘Magndlia Costa Santos TLUMIYURAS degustando, tocando, vind: vein, tes, ma fia cxperimontl aprender cstudando os anima do que segun- dove cuvo de algum profesor. Nio hé chatiatanice em ses omportanentos. les tendem para o sy fim sem se reac par com que esd sua volta: se nos sorpresndem,ndo é sua Intengio. © espanto ¢ 0 princi efeto ce um grande fend- tea abe oofa displ. Nm cro de esa ox. perimental be provuradissuadir oouvinte ats instuldo nao Reno estupetat. Vangloriamo-nos dos fenémenos da na teva como ve foes se auto: & iia tlce do editor tov Enoaios, que no podia ouvir © nome de Montaigne sem orar. Una grande igdo que feqientemente se tom a oport dade de dar € a de confesar a propa insufcincia, Nao Valera mais a pena conuistar a conancs dos outros com a Sinceridade de tm ndo set nada do que balbvciar paras © apodar se de si mesmo, esforando-se por tudo expicar? © Gir confessa livemente que nao sabe 0- qe ignora me itpse a err naguilo que fentou me apresetar como raz04 vel x © espanto freqiientemente provém daquilo em que se supée haver varios prodigios, quando s6 existe um; daquilo {que se imagina na natureza com 0 mesmo nimero de atos par- ticulares e de fenémenos, enquanto ela nunca péde produzir sendo um s6 ato. Parece que se tivesse necessidade de produ- 2ir varios, os diferentes resultados desses atos scriam isola~ dos, haveria colegGes de fenémenos independentes uns dos outros, ¢ a cadeia geral que a filosofia supée continua se romperia em diversos lugares. A independéncia absoluta de lum tinico fato é incompatfvel com a idéia de todo; sem a idéia de todo, nada de filosofia. 36 xm Parece que a natureza se compraz em variar o proprio ‘mecanismo em infinitas maneiras diferentes’. Ela s6 abando- nna um género de producdes depois de ter multiplicado os in- dividuos sob todas as formas possiveis. Quando se considera © reino animal ¢ se percebe que entre os quadnipedes nao hé lum que mio tenha as fungGes e as partes, sobretudo as inter nas, inteiramente semelhantes as de um outro quadripede, no se creria de bom grado que houve um primeiro animal, prot6tipo de todos os animais, que a natureza s6 fez alongar, encurtar, transformar, multiplicar, obliterar certos orgaos? Imaginai os dedos da mAo juntos'e a matéria da, unhas tio abundante que, estendendo-se e inchando-se, envolvesse ¢ ccobrisse 0 todo; em lugar da mo de um homem, terieis @ pata de um cavalo.” Quando se véem as metamorfoses sucessivas do invéluero do protstipo, qualquer que ele tenha sido, apro- ximar um reino do outro por graus insensfveis"' e povoar os confins dos dois reinos (ce 6 pormitido utilizar o termo cur fins onde nfo hé nenhuma divisao real) e povoar, como dizia, ‘8s confins dos dois reinos com seres ambiguos, em grande parte despojados das formas, qualidades e flungées de um, € revestidos das formas, qualidades e fung6es do outro, quem nao se sentiria levado a crer que houve um primeiro ser, protétipo de. todos os seres? Mas, ainda que esta conjectura filoséfica seja admitida pelo doutor Baumann"? como verda- deira © rejeitada pelo scnhor Buffon cou falsa, no se ne- * Vera Hira Netra, vol. IV, Histria do Asoo, cma pequena obs latina In tenga Mey: eines ena « ris hab fam Eslangenc taduaide a Panga poate Nivea TSs doa uw «Nera Historia Natural Geral e Parcxiar, vo. IV, Deserigto do Cava, pelo sethor Daubeston.(N. do A) = 11 "Vero verbotea 12 ~ Baumann € 0 pseud6aimo utiizado por Maupertuis na Dstertatio.. que Digerotmenciona ens. a7 ‘gard que este quase a adotou como uma hipétese essencial pa- a 0 progresso da fisica experimental, para 0 progresso da fi- fosofia racional, para a descoberta e explicagao dos fenéme- nos que dependem da organizacao. Pois é evidente que a na- tureza nao péde conservar tanta semethanga nas partes ¢ afe~ tar tanta variedade nas formas sem freqientemente ter tornado sensfvel num ser organizado 0 que ela ocultou num outro. E como uma mulher que gosta de se travestir, cujos diferentes isfarces, deixando & mostra ora uma parte ora outra, dao al- lguma esperanca aqueles que a seguem assiduamente de um dia conhecer toda a sua pessoa. xa Descobriu-se que existe num sexo o mesmo fluido se- ‘minal que existe no outro. '® As partes que contém esse fluido tio sio mais desconhecidas. Perceberam-se alteragSes singu- Tares que surgem inesperadamente em certos 6rgios da fémea ‘quando a natureza a forga a procurar o macho.’ Na proximi- dade dos sexos, quando se compara os sintomas do prazer de tum com os sintomas de prazer do outro, € quando se est cer- to de que a vohipia sc consome em ambos com impulsos igualmente caracterizados, distintos © determinados, nio se pode duvidar tampouco que no haja emiss6es somelhantes So fluido seminal. Mas onde © como se dé essa emissio na mulher? 0 que vem a ser 0 fluido? que caminho ele segue? Is- 0 86 se saberé quando a nafureza, que néo é igualmente mis- teriosa em tudo e em toda parte, for revelada numa outra espécie, o que aparentemente acontecerd de uma dessas duas maneiras: ou as formas serio mais evidentes nos érglos ou 8 emissio do fluido se tomaré sensivel, na sua origem ¢ em to- do seu caminho, pela sua extraordinéria abundancia. O que se Vin distintamente num ser néo tarda a se manifestar num ser Semelhante. Em fisica experimental aprende-se a perceber os 13 ~ Vero verbete anatomia, LSS Miltina Nona! Gora ¢ Particular 0 Discurso sobre a Gersio, Wiebe). 38 ‘pequenos fenémenos nos grandes, da mesma maneira que em fisica racional aprende-se a conhecer os grandes corpos nos equenos. xiv Represemto 0 vasto circuito das ciéncias como um ‘grande terreno semeado de lugares obscuros ¢ claros. Nossos ‘wabalhos devem ter por fim estender os limites dos lugares claros ou multiplicar no terreno os centros de luzes. Um per- tence ao génio que cria, 0 outro, 2 sagacidade que aperfeico: xv ope a reflexfio e a experiéncia. A observagao recolhe 0s fatos, & nee eee A eran ees at E meee rs eee da natureza seja Se am amare Sees ee Se eerrres XVI © fil6sofo freqientemente 86 percebe a verdade ‘como © politico inabil percebe a oportunidade, pelo lado cal- vo, certo de que € possivel apreendé-la no momento em que a mio do obreiro € levada, pelo acaso, para o lado onde hé ca- belo. E preciso, no entanto, reconhecer que dentre esses ‘obreiros de experiéncias hé alguns bem infelizes: um deles mpregou toda sua vida observand inetos¢néo viu nada de ‘novo, um outro deu uma répida olhadela "u 0 polipo €0 pulgao hermafrodita ees 39. ANIMAL (Ordem Enciclopédica. Entendimento, Razao, Filosofia ou Ciéncia, Ciéncia da Natureza, Zoologia. © que € 0 animal? Eis wma questo que se torna cada vez mais embaragosa, ad medida ue se tem mais filosofia e ‘mais conhecimento da histéria natural. Se se percorrer todas ‘as propriedades conhecidas do animal, ndo se encontraré ‘wma que falie a qualquer ser, ao qual se é forcado a conferir (© nome de animal, ou que pertenra a outro ao qual ndo se pode dar esse nome. Alids, se é verdade, como quase ndo se ‘pode duvidar, que o universo é wna s6 e tinica maquina onde ‘tudo estd ligado e onde os seres se elevam ou se rebaixam uns dos outros por graus imperceptiveis, de modo que nao haja nenhun vazio na cadeia, ¢ se é verdade que a fita colo- rida do célebre Padre Castel, jesuita,' que passa, de nuanga ‘em nuanca, do branco para o preio sem que se perceba, seja na veriadeira imagem dos progressos da natureza, serd ‘muito dificil fixar os dois limites entre os quais a animalida- de, se me é permitido exprimir assim, comeca e termina Uma definicdo de animal deve ser muito geral, caso contré- rio ndo serd muito vasta, abrangendo seres que talvez fosse preciso excluir e excluindo outros que deveria abranger. ‘Quanto mais se examina a natureza, mais convencido se fica de que, para exprimir-se exatamente, seria necessério quase (0 mesmo tanto de denominacées diferentes quanto o niimero de individuos existentes; mais convencido se fica de que s6 a necessidade inventou nomes gerais e, wna vez que esses no- mes gerais so mais ou menos exensos, essas denominacdes 14m sentido ou estiio desprovidas de sentido, de acordo com ‘0 maior ou menor progresso que se fez no estudo da nature- za, Entretanto, 0 que é 0 animal? Diz 0 senhor Buffon, Histéria Natural Geral ¢ Particular, que é a matéria viva e © jesufta Castel imaginou para os surdos um crave ocular, em que as otas ‘acais eran rpresenadas por fits colorids. 120 organizada que sente, age, move-se, alimenta-se ¢ repro- duz-se. Consegiientemente, o vegetal & a matéria viva e or ganizada que se alimenta @ se reproduz, mas que nao sente, ndo age € nao se move. O mineral, a matéria morta e brult: que nao sente, nao age, ndo se move, ndo se alimenta nem se reproduz. Disso também se segue gue 0 sentimento é 0 principal grau diferencial do animal. E opiniéo corrente que existem animais sem 0 que chamamos sentimento; mas se créssemos como os cartesianos, poderiam existir animais que rio nds mesmas possuidores de sentimento? Eles dizem que as bestas déo sinais, mas que 86 0 homem dé a coisa, Alids, ‘do perde 0 proprio homem, as vezes, 0 sentimento sem dei- xar de viver ou de ser wn animal? Neste caso o pulso bate, a circulagdo do sangue se executa, todas as funcoes animais ‘ocorrem; contudo, 0 homem nao sente nem ele mesmo nem 05 outros seres — 0 que é, entdo, 0 homem? Se, nesse esta- do, ele é sempre um animal, quem diz que ele ndo pertence a essa espécie em que se dé a passagem do vegetal mais per- feito ao animal mais estipido? Quem diz que essa passagem indo estd repleta de seres mais ou menos letdrgicos, mais ow ‘menos dormentes? Assim, a tinica diferenca que existe entre essa classe € a classe dos outros animais, nds, € que eles dormem e nds velamos; que nds somos animais que sentem e que eles sdo animais que nao sentem. O que é, entéo, 0 ani- mal? Escutemos o senhor Buffon explicar-se melhor sobre 0 que foi dito acima. A palavra animal, Histéria Natural, se- gundo volume, p. 260, na acepcio em que ordinariamente a tomamos, representa uma idéia geral formada por idéias parti- cculares que se fez de alguns animais particulares. Todas as idgias gerais contém idéias diferentes, que se aproximam ou diferem em maior ou menor grau umas das outras: conseqien- ‘emente, nenhuma idéia geral pode ser exata ou precisa. A idgia geral que formamos do animal seré, se quiserdes, toma- da principalmente da idéia particular de cdo, de cavalo e de ‘outras bestas que nos parecem ter inteliggncia e vontade, que parecem mover-se determinar-se de acordo com essa vonta- de, que sio compostos de came sangue, que procuram apanham seus alimentos, que tém sentidos, sexo e a faculdade de se reproduzir. Reunimos, pois, em conjunto, uma grande 121 ‘quantidade de idéias particulares quando formamos a idéi gral que exprimimos pela palavra animal, e deve-se observar ‘que, apesar do grande mimero dessas ideas particulares, nao hhé uma que constitua a esséncia da idéia geral. No consenso de todos existem animais que parecem no ter nenhiuma inte- ligencia, nenhuma vontade, nenhum movimento progressivo; ha os que néo t&m nem carne nem sangue e que parecem ser apenas uma baba congelada; hé os que néo podem procurar seu alimento e que s6 0 recebem do elemento em que habi- tam; enfim, hé os que nao tém nenhum ¢os sentidos, nem 0 do tato, pelo menos num grau que nos seja sensivel; ha os que nio t2m nenhum dos sexos, outros que tém os dois, © @ tinica coisa que resta de geral ao animal, que Ihe € comum 20 vegetal, é a faculdade de reproduzir-se. Portanto, foi do con- junto que se compds a idéia geral, ¢ nesse todo composto por partes diferentes existem necessariamente, entre essas partes, fgrats © nuancas. Neste sentido, um inseto é, em alguma coi- Sa, menos animal do que um co; uma ostra 6 ainda menos animal do que um inseto; uma urtiga-do-mar ou um p6lipo de gua doce € ainda menos que uma ostra: como a natureza ‘minha por nuangas insensiveis, devemos encontrar animais {ue sf ainda menos animais do que uma urtiga-do-mar ou tim polipo. Noseas idéias gerais séo apenas métodos artifiiais, ‘que formamos para reunir uma grande quantidade de objetos Thum mesmo ponto de vista; elas tm, como os métodos artifi- ciais, 0 defeito de nunca poder compreender tudo: da mesma maneira, elas se opéem & marcha da natureza, que se dé uni- formemente, insensivelmente e sempre particulsrmente; de sorte que, ao tentar compreender um grande mimero de idéias particulares numa tnica palavra, perdemos a idéia clara do significado dessa palavra: adotada a palavra, imagina-se que ‘la seja uma linha que se pode tragar entre as produgbes da natureza, onde tudo 0 que esté acima dela 6, com efeito, ani- ‘mal e tudo © que esté abaixo $6 pode ser vegetal: palavra tio fgeral quanto a primeira, que se emprega da mesma mancira, como tima linha de separacéo entre 0s corpos organizados ‘0s compos brutos. Porém, essas linhas de separacao de modo algum existem na natureza: hé seres que nfo so nem mais, nem vegetais, nem minerais e que, em vio, tenta-se-4 relacionar uns com os outros. Por exemplo: quando 0 senhor 122 Trembley, célebre autor da descoberta dos animais que ‘se multiplicam por meio de suas partes destacadas, cortadas ‘ou separadas, observou pela primeira vez 0 pélipo da lenti- ha-d’agua, quanto tempo no empregou para saber se esse pélipo era um animal ou uma planta? por quanto tempo ele no teve diividas e incertezas sobre isso? Com efeito, 0 péli- po da lentilha talvez néo seja nem um nem outro, ¢ tudo © {que se pode dizer & que se aproxima um pouco mais do ani- ‘mal do que do vegetal; como se anseia absolutamente que to- do ser vivo seja um animal ou uma planta, crer-se-ia néo ter conhecido bem um ser organizado se ndo se 0 relacionasse ‘com um ou outro desses nomes gerais, a0 passo que deve existir e, com efeito existe, uma grande quantidade de seres organizados que no $80 nem um nem outro. Os corpos mé- veis que se encontram nos liquidos seminais, na carne infun- dida® dos animais, nos gros e outras partes infundidas das plantas sao dessa espécie: nio se pode dizer que sejam ani- mais, nao se pode dizer que sejam vegetais e, seguramente, ‘menos ainda pode-se dizer que sejam minerais. Logo, pode-se assertar sem temor de avancar que fa grande divisio das produgées da natureza em animais, gelais © minerais ui comprecnde todos os seres materiais: Somo se Veré, existem compos organizados que no sio com- preendidos por essa divisdo. Dissemos que a marcha da natu- teza se dé por graus de nuancas freqtientemente imperceptt- veis; também ela passa por nuangas insensiveis do animal 20 vegetal: mas do vegetal 20 mineral a passagem é brusca e essa lei de s6 caminhar por nuancas parece se desmentir. 1880 faz com que © senhor Buffon suponha que, examinando de perto a natureza, descobrir-se-ia seres intermediérios, cor- ‘Pos organizados que, sem ter, por exemplo, a poténcia de re- Produzir-se como os animais e os vegetais, teriam, contudo, luma espécie de vida e de movimento; outros que, sem ser animais ou vegetais, bem poderiam entrar na constituicao tan- to de uns quanto dos outros; enfim, descobrir-se-ia outros seres que seriam apenas a primeira reunizo de moléculas organicas. 2 - Inpusée, no orginal 123 Contudo, sem nos deter muito na definigdo de animal, que, como se vé, é atualmente bastante imperfeita (e cuja imperfeicdo se perceberd no decorrer dos séculos futuros), vemos algumas luzes que se podem extrair da comparacao dos animais com os vegetais. Quase ndo teremos necessidade de advertir, sendo com excecdo de algunas reflexdes que ‘estdo em itdlico, que ousamos dispersar ao longo deste arti- 80; no mais, estd completa a Histéria Natural Geral ¢ Parti- ‘cular: 0 tom’e as coisas o indicardo bem. ‘Na multido de objetos que nos apresenta este vasto globo (diz 0 senhor Buffon, p. 1), no niimeto infinito das dife- rentes produces de que sua superficie esta coberta e povoa- da, 08 animais esto em primeiro lugar, nfo s6 pela conformi- dade que tém conosco, mas também pela superioridade que Ihes reconhecemos sobre os seres vegetais ou inanimados. Os animais tém pelos seus sentidos, pela sua forma, pelo seu movimento, muito mais relagéo com as coisas que os cercam do que tém 0s vegetais. Mas ndo se deve perder de vista que © nimero dessas relacdes varia ao infinito, que ele € menor no pélipo do que na ostra, menor na ostra do que no maca- o; € 0s vegetais, pelo seu desenvolvimento, pela sua forca, pela sua figura, pelo seu crescimento e pelas suas diferentes partes, tém também um maior niimero de relagées com os ob- _jetos exteriores do que tém os minerais ou as pedras, que no possuem nenhum tipo de vida ou de movimento. Observai ainda que nada impede que essas relagdes também variem e que o nimero delas ndo seja maior ou menor, de modo que se pode dizer que existem minerais mais mortos do que ou- ‘ros. Entretarto, por causa desse grande nimero de relagées, © animal esté realmente acima do vegetal, e 0 vegetal acima do mineral. Nés mesmos, quando se considera apenas a parte material de nosso ser, s6 estamos acima dos animais porque temos algumes relagdes a mais, tais como as que nos ofere- cem a Iingua e a mio, sobretudo a lingua, Uma lingua supée uma série de pensamentos e. por esta razo, os animais no tém nenhuma lingua. Ainda que se deseje atribuir-Ihes algo semelhante &s nossas primeiras apreensdes, &s nossas sen- sages mais grosseiras € mecfnicas, pareceria certo que eles sdo incapazes de formar essa associagao de idéias, a tinica que produz a reflexao e que, todavia, constitui a esséncia do 124 pensamento. Posto que eles no podem reunir em conjunto nenhuma idéia, nio pensam nem falam, por isso néo inventam nada nem aperfeigoam nada. Se fossem dotados da poténcia de refletir, ainda que num grau pequeno, seriam capazes de alguma espécie de progresso, eles adquiririam mais industria os castores de hoje construitiam com mais arte e solidez do que construiram os primeiros castores; a abelha aperfeigoaria ainda mais a cela em que habita: se se supde que esta cela € tio perfeita quanto pode ser, confere-se a esse inseto mais espirito do que temos, atribui-se-lhe uma inteligéncia superior 4 nossa, pela qual ele perceberia num relance, o iltimo ponto de perfeigdo a0 qual deve levar sua obra, 30 passo que nés ‘mesmos nunca vemos esse ponto claramente, pois, para vé-1o, Seria-nos preciso muitas reflexdes, tempo € habito a fim de aperfeicoar a menor das nossas artes. Mas de onde pode vir a uniformidade que existe em todas as obras dos animais? Por que cada espécie nunca faz. senso a mesma coisa, da mesma maneira? Por que cada individuo nao a faz nem melhor nem pior do que outro? Existiria prova mais forte do que o fato de suas operagées terem somente resultados mecanicos e pura- ‘mente materiais? Pois, se tivessem a menor centelha da luz ‘que nos esclarece, pelo menos encontrar-se-ia variedade, se rio se visse perfeicio em suas obras; cada individuo de uma mesma espécie teria feito alguma coisa um pouco diferente do aque fez um outro individuo. Mas nso, todos trabalham sobre ‘© mesmo modelo, a ordem de suas agdes est tragada na espé- cic inteira, ela no pertence ao individuo e, se se quisesse atribuir uma alma aos animais, ficar-se-ia obrigado a fazer ‘apenas uma para cada espécie, da qual todos os individuos partcipariam igualmente. Essa alma seria, portanto, necess riamente divisivel e, por consequéncia, material e muito dife- rente da nossa. Entio, por que, ao contrario, eolocamos tanta diversidade e variedade nas nossas produgées © nas nossas ‘obras? Por que a imitagio servil nos custa mais do que um novo designio? Porque nossa alma esti em nés, porque ela é independente da do outro e porque nada temos em comum com nossa espécie, exceto a matéria de nosso corpo: mas ‘qualquer que seja a diferenca entre nds ¢ 08 animais, nio se pode negar que ela esté muito proxima das nossas ultimas fa- culdades 125 Pode-se, entio, dizer que, embora as obras do Criador sejam em si mesmas todas iguaimente perfeitas, o animal 6, segundo nossa maneira de perceber, a obra mais completa eo homem, a obra-prima delas. ‘Com efeito, para comecar pelo animal que & aqui nos- so objeto principal, antes de pasar para o homem, quantos motores, forcas, méquinas e movimentos estio contidos nessa pequena parte de matéria que compe 0 corpo de um animal! ‘Quantas relagdes, harmonia, correspondéncia entre as partes! Quantas combinagées, arranjos, causas, efeitos e princfpios {que juntos concorrem para o mesmo fim, e dos quais conhe- Gemos apenas resultados to dificeis de compreender que s6 deixaram de set maravilhas pelo hébito que adquirimos de re- fletir Todavia, por mais admirével que essa obra nos paresa, ela € para o individuo a maior das maravilhas; € na suces- so, no renovamento e na duracto das espécies que a nature- za parece completamente inconcebivel, ow melhor, subin- do mais alto, na ordem instituida enire as partes do todo, por wna sabedoria infinita e por wna mizo onipotente; pois, tuna ver instituida essa ordem, os efeitos, por mais surpre- crulentes que sejam, 280 conseqiléncias necessiirias © sim ples das leis do movimento. A méquina esté acabada e as hhoras continuam a se marcar sob o olhar do relojoeiro. Mas, ipelas conseqiiéncias do mecanismo, é preciso convir que ‘essa faculdade de produzir seu semethante, que reside nos animais e nos vegetais; que essa espécie de unidade sempre ‘subsistente e parece eterna; que essa virtude procriadora (que perpetuamente é exercidia sem nunca destruir-se & para nds um mistério, se a consideramos em si mesma e sem ne- nhuma relacdo com a ordem instixulda pelo Todo-Poderoso, ton mistério que parece nos permitir sondar sua profundi- dade. ‘A matéria inanimada, essa pedra, essa argila que est sob nossos pés, tem algumas propriedades: s6 sua existéncia j& supée um grande nimero delas; a matéria menos organi- zada ndo deixa de ter, em virtude de sua existéncia, uma infi- hnidade de relagdes com todas as outras partes do universo. Néo diremos, como fazem alguns filésofos, que a matéria, sob qualquer forma que esteja, conhece sua existéncia e suas 26 faculdades relativas: essa opinio diz respeito a uma questio retafsica, como se ¥édiscutida no artigo alma. Bastar-nos-4 fazer sentir que nés, por mio termos conhecimento de todas as relagdes que podemos ter com todos 0 objetos exteriores, no devemos duvidar que @ matéria inanimada tenha infinita- mente menos que nds esse tipo de conhecimento e que, als, nossas sensagées nao se assemelham em nada aos objetos que as causam, devemos concluir, por analogia, que a matéria inanimada nio tem nem sentimento, nem sensagao, nem cons- cigncia de sua existencia e que, atribuir-ne uma dessas facul- dades, seria dar-the a de pensar, agir e sentir, quase na mes- ‘ma ordem ¢ da mesma maneira que pensamos, agimos e sen- timos, o que repugna tanto a razio quanto a religizo. Por ou- tro lado, wna consideragdo que se refere tanto a wna quanto- 4 outra e que nos é sugerida pelo espetdiculo da natureza nos individuos € que 0 estado dessa faculdade de pensar, agir € sentir, que reside em alguns homens num grau eminente e ‘mun grau menos eminente em outros homens, vai diminuindo 4 medida que se desce a cadeia dos seres e aparentemente se apaga em algum ponto muito distante da cadeia estabelecido entre 0 reino animal e 0 reino vegetal, ponto do qual nos aproximamos cada vez mais pelas observacdes, mas que sempre nas escapard; as experiéncias permanecerdo sempre ‘aquém e os sistemas irao sempre além; a experiéncia cami- nhando passo a passo enquanto o esptrito de sistema sempre ‘anda por saltos e solavancos. Diremos, entiéo, que formados de terra e compostos de P6, temos, com efeito, com a terra e 0 pé, relagées comuns ‘que nos ligam & matéria em geral; so elas a extenséo, a im- penetrabilidade, 0 peso etc. Mas, como nao percebemos essas relacoes puramente materiais, como elas néo tém nenhuma impressio dentro de nés; como subsistem sem nossa partici- aco; como existem tanto depois da morte quanto antes da vida ¢ nfo nos afetam de modo gm, nose pode dines gu fagam parte do nosso ser: logo, € a organizagao, a vida, a al- ‘ma que propriamente fazem nossa existéncia. A matéria, con- siderada sob este ponto de vista, € menos sujeito do que acess6rio; & um invélucto estranho cuja unio nos € desco- nhecida ¢ cuja presenca nos ¢ funesta; e essa ordem de pen- samentos que constitui nosso ser é, talvez, completamente in- 127 dependente. Parece-me que a histéria da natureza confia aos metafisicos muito mais do que ousaria perguntar-thes. Qual- quer que seja 0 modo pelo qual pensamos quande nossa al- ma se livra de seu invdlucro e sai do estado de casulo, cons- tantemente essa casca despreztvel na qual fica detida por al- gum tempo influi prodigiosamente na ordem dos pensamen- tos que constituem sew ser; e, apesar das consegiiéncias as vezes muito desagraddveis dessa influéncia, ela ndo mostra menos evidentemente a sabedoria da providéncia, que se serve desse aguilhido para lembrar-nos incessantemente de nossa conservacdo e de nossa espécie Logo, existimos sem saber como e pensamos sem saber por qué. Esta proposicdo me parecia evidente, mas pode-se ‘observar, quanto segunda parte, que a alma std sujeita a tun certo tipo de inércia, em conseqiiéncia da qual perpe- twamente se aplicaria ao mesmo pensamento, talvez d mesma idéia, se ndo fosse tirada dat por alguma coisa exterior a ela, que a advertiria sem, contudo, prevalecer sobre sua li- berdade. Por causa desta tltima faculdade ela se detém ou passa sutilmente de uma contemplacéo ara outra. Quando o exercfcio dessa faculdade cessa, ela se flxa na mesma con- templacdo; este é, talvez, 0 estado do qu? adormece, do que dorme, e do que medita muito profundamente. Se ele chega a ‘este tiltimo estado depois de ter percorrido sucessivamente diferentes objetos, de modo algun € por um ato de sua von- tade que essa fungdo se executa, n:as é a prépria relacdo dos objetos que os encadeia; néo conheco nada téo maquinal quanto 0 homem absorto numa profunda meditacéo, que é 0 omem imerso num sono profundo. ‘Mas, qualquer que seja nossa maneira de ser ou de sentir, qualquer que seja a verdade ou a falsidade da aparén- cia ou da realidade das nossas sensagGes, 08 resultados dessas ‘mesmas sensagSes ndo so menos corretos em relacdo a nés. Essa ordem de idéias, essa seqiéncia de pensamentos que existe dentro de n6s, embora muito diferente dos objetos que ‘as causam, nfo deixam de ser a afecc4o mais real de nosso individuo, nem de nos dar relagGes com 0s objetos exteriores, ‘que podemos ver como relagées reais, ja que sao in'varidveis € sempre as mesmas, em relaco a nds. Assim, no devemos duvidar que as diferencas ou as semelhangas que percebemos 128 cintre os objetos nao sejam diferencas & semelhangas corretas © reais na ordem de nossa existéncia, em relagéo a esses mesmos objetus. Logo, podemos nos conferir 0 primero lugar, na natureza. Em seguida, devemos dar o segundo lugar aos animais, 0 terceiro aos vegetais e 0 ultimo, enfim, aos mine- rais; porque, embora ndo distingamos muito nitidamente as qualidades que temos, em virtude de nossa animalidade con- siderada isoladamente, das que temos em virtude da espiritua- lidade de nossa alma, ou melhor, da superioridade de nosso entendimento sobre 0 das bestas, quase ndo podemos duvidar que 0s animais, dotados de sentides como nds, possuem os mesmos principios de vida e de movimento e fealizam uma infinidade de agdes semelhantes as nossas, néo tenham com 6 objetos exteriores relagées da mesma ordem que as nossas «©, conseqiientemente, sob este ponto de vista, thes somos se- methantes. Diferimos muito dos vegetais; entretanto, parect 'mo-nos com eles mais do que nos parecemos com 08 mine- ‘ais, e isto porque eles tém uma espécie de forma viva, uma organizagio animada, de algum modo semelhante & nossa, a0 Passo que os minerais no possuem nenhum érgao, Portanto, para fazer a hist6ria do animal, sera preciso primeiramente conhecer com exatidio a ordem geral das re- lagdes que thes so proprias e distinguir, em seguida, as re- lagées que thes so comuns com os vegetais minerais. O animal tem em comum com 0 mineral apenas as qualidades da ‘matéria, tomada genericamente; sua substncia tem as mesmas propricdades virtuais: ela é extensa, pesada c impenetrével, como todo o resto da matéria, mas sua economia é bastante diferente. © mineral & apenas uma matéria bruta, insensivel, que 86 age pela coercio das leis da mecdnica, 36 obedece & forga generalizadamente propagada no universo, sem organi- zacio, sem poténcia, desprovida de todas as faculdades, até da de reproduzir-se; susbstincia informe, feita para ser piso- teada pelos pés dos homens e dos animais; matéria que, ape- sar do nome de metal precioso, niio 6 menos desprezada pelo ‘Sébio, e s6 pode ter um valor arbitrério, sempre subordinado & vontade © sempre dependente da convengao dos homens. O animal retine todas as potéacias da natureza, as fontes que 0 animam Ihes so préprias e particulares; ele quer, age, deter- mina-se, opera, comunica-se, pelos sentidos, com os ob- 129 sos ms tnt ni ¢m st wae Soe ee een c Se ee oe ee ance t ace eae a nea tie niger per pear hy Cites tage dcp Be leona ere ee Ss ea nw nen ee Stave eee mae © ebservador esth forcado a passar de “m individuo wo oa at mn pa nc en gut igs a ts a ae es an eae Toes Tne eieome | ten ei pn im miei wea nea comet ae is tata aioe arenes fais. E verdade que no conhecemos nenhum vegetal que te- i 8 rns pene a vane ie ee Pi om wales pian saa oa ce nc Ea Zpampeie ra il i ete cau nae eas gal any sie ec oeoweaa Pine Cams eS enter pe agen eee Sees eran ae Sr a tans ge roeeaeen aeear pierre ed i 7s puna me See Speen a nade nina en Ss ae ses poate mga npie a Sevres Wetec tate secpiicioead ey eS Meee ee Sen cymes ier anaes oe 130 ‘nossas, 0 recusaremos numa infinidade de espécies de ani- mais, sobretudo nos que parecem ser imSveis e sem aco. Se ‘8 quiser que as ostras, por exemplo, tenham sentimento co- ‘mo 0s ces, porém num grau muito inferior, por que no atri- buir aos vegetais esse mesmo sentimento num grau ainda mais baixo? Essa diferenga entre os animais ¢ os vegetais ndo 6 ge- ral, tampouco muito definida. Todavia, haveria apenas dias ‘maneiras de sentir? ou mover-se no momento de wm chogue ou de wna resistencia, ou perceber e comparar percepcaes? Parece-me que 0 que para mim se chama sentimento do pra- zer, da dor etc., sentimento de minha existéncia ete., nao é nem movimento, nem percepedo e nem comparacdo de per~ cepedes. Parece-me que é 0 sentimento tomado neste terceiro ‘sentido, como pensamento, que ndo se pode comparar a na- da, pois ndo se assemetha a nada; os animais poderiam ter algo deste sentimento. ‘Uma terceira diferenga poderia residir na maneira de se alimentar. Os animais pegam as coisas que thes convém, rocuram seu pasto, escolhem seus alimentos por meio de al. guns drgtos exteriores; as plantas, ao contrério, parecem estar reduzidas a receber o alimento que a terra Ihes pode fornecer: Parece-me que esse alimento é sempre o mesmo, no ha ne~ shuma diversidade na maneira de procuré-lo, nenhuma esco- tha na espécie; a umidade da terra & seu unico alimento. En- tretanto, se se prestar atengdo & organizacéo e & aco das raf zes ¢ das folhas, reconher-se-4 logo que If estio 0s érgios cexteriores de que se servem os vegetais para suger o alimen- to: ver-se-4 que as raizes se desviam de um obstéculo ou de lum veio de mau terreno para procurar a terra boa; que até as rafzes se dividem, se multiplicam e até mudam de forma para procurar o alimento para a planta, A diferenca entre os ani mais ¢ os vegetais nao pode, entio, estabelecer-se na maneira pela qual se alimentam. Essa diferenca pode estar no ar de espontaneidade que nos toca nos animais que se movem, quer quando procuram sua presa, quer em outras ocasiGes, © que munca vemos nos vegetais; é talvez wn preconceito ‘fato de néo vermos isto, wma ilusto dos nossos sentidos, en- Sanados pela variedade dos movimentos des animais, movi- ‘mentos que seriam cem vezes ainda mais variadas se eles fossem mais livres para isso. Mas, por que, perguntar-me- 131 do, esses movimentos sao tdo variados nos animais ¢ to wn Jormes nos vegetais? Parece-me que & porque 0° VeBetON 36 eresovidos pela resistencia ou pelo choque, ao Pass? We sae mais, por rerem olhos, oxida €, como nS, todos os Gredos da sensagao que podem ser afetados conynat om se site om todas as combinacoes de resistencia ou de caren se o animal <6 se movesse pela resisineia 0M Polo Cree, le seria puramente passivo, sobre ele exerse se 1 chet 2 de wna infnidade de maneiras diferentes. de modo Tue no mais poderiamos notar uniformidcde nea a6? deles. ee onclit 0 que dissemos da peda, que cai necessaria, one eto edo que, quando chamado, vem livremente: que oie lamentamos por causa de wna telha que nos quebra rae sco e que nos voltamos contra um cao que nos mords @ eee bora a diferenca entre a telha € 0 cio € que todas PeTethas caem da mesma forma € que wn cdo nunca Se mer a tohana maneira duas veres na vida. Ndo temos outre satia de necessidade, além da que nos vem da permanéncia ¢ dda uniformidade do acontecimento. Mere exaine nos fevou a reconhecer com evidencia que nfo hé senhtma diferenga absolutamente essencial € gral 6” nfo hi Trimais e os vegetais: mas que a natureza desce Por ffeans © nuangas imperceptiveis de um animal ave nes Peres Bran « perfeito a0 que é memos, ¢ deste ao vegetal. O PélPo ge agua doce seré, se assim se quiser, 0 sitimo dos animals ¢ ‘a primeira das plantas. ‘Depois de ter examinado as diferengas, se procurarmos ‘as semelhangas dos animais com os vegetais, encontrarenos primeiramente uma que € muito geral ¢ essencins ¢ 9 faculda- Prine eproduzir-se, comum aos dois, que supe mais analor sha e coisas semelhantes do que podemos imaginar, © Se te 30 © fazer erer que, para a natureza, 08 animals © 0S vegetsit sao seres quase de mesma ordem. ‘Una segunda semelhanca se pode extrair do desenvol- vimento de suas partes, propriedade que Thes € comum, Pos vimgietis possuem, tanto quanto os animals, a faculdade oe Os ecer; ge a maneira pela qual se desenvolvem € diferente, cre efo 0 é nem totalmente nem essencialmente, uma ver '= cs fem nos animais partes muito considerdveis, como 0s 5° existe” Tabelos, as unhas, os chifres etc.» cujo desenvolvi 132 sere a a soto nn ene tei oe Se eae oa oui Geeta nee getnysie siete. oe ae meee plans pels gris: e 2 dos line, qn ocome quando es ee ee lee = a ge aint ipl ate nena eget frza pment passa dees pr aces por nua iat Hs, j€ que entre cles hd semalhangas exscnciais © ge ais € que nfo ha nenhuma di Tal a sihuma diferenca que se possa encarar ee ons Ss apm io. pla forma et. extraremos da novas induces “oy eee mein rn woe ee ee género dos insetos hé, tal- Sena ares an ee Se a ie I, bem menos do que as plantas; emateee ae oe ae oe ee ce Se ene See eee ee oe eee Sek, aaa ae Se Meret sensiveis do que as que existem entre a toma mais faceis de recor Seas oe csc as te Sas es Tet ed ia ee ae Sak Teer ee ee oo See diferentes as que, pelos mesmos ‘meios, mo podem pate eta ‘conjuntamente, de modo que a ra 1a espécie diferente de cio se, com - ee oe eee oe ae EARP GTame'gs ane sac ee et Seances 133 isto bastaria para estabelecer que a raposa € 0 cio nao slo da mesma espécie, uma vez que supomos que, para constituir luma espécie, seria preciso uma producéo continua, perpéta, jnvaridvel, numa palavra, semelhante as dos outros animais. Nas plantas, néo acontece a mesma coisa, embora se tenha pretendido nelas reconhecer 0s sexos ¢ se tenha estabelecido Uivisdes de géneros pelas partes da fecundacio; como isso nao é nem 140 certo nem tio aparente quanto nos animais, aligs, a produgéo daé plantas ocorre de varias outras maneiras fem que os sexos néo tomam parte, onde as partes da fecun- ago nfo so necessérias; ndo se péde empregar essa idéia ‘com sucesso, ela é apenas uma analogia mal compreendida por meio da qual se acreditou que esse método sexual deveria hos fazer distinguir todas as espécies diferentes de plantas. ‘© inimero das espécies de animais é, portanto, maior que © das espécies de plantas, mas é diferente o mimero dos tndivéduos em cada espécie: como nas plantas o mémero de individuos € muito maior nos pequenes do que nos grandes, & tespécie das moscas é, talvez, cem milhdes de vezes mais nu- merosa que a dos elefantes; do mesmo modo, hé em geral mais ervas do que drvores, muito mais grama do que carva- hos. Mas, se se comparar a quantidade de individues dos animais e das plantas, de espécie em espécie, ver-se-4 que ‘cada espécie de planta é mais abundante do que cada espécie Ge animal. Por exemplo, os quadnipedes 36 produzem um pe- ‘queno mero de filhotes em intervalos bastante consideré- Yeis. As Arvores, 20 contrério, todos os anos produzem uma grande quantidade de rvores dessa espécie. 6 senhor Buffon objeta a si mesmo que sua compa ragéo no € exata, que para tomné-la exata cumpriria poder Comparar a quantidade de gro que uma drvore produz com a ‘quantidade de gérmens que 0 sémen de um animal pode con- fer, © qu, talvez, considerar-se-ia entiio que os animais sto ainda mais abundantes em gérmens do que os vegetais. Porém, ele responde que, se se prestar atengio ao que € poss{vel, reunindo cautelosamente todos os gréos de uma é- Fore, de um olmo, por exemplo, e semeando-os, obter uma Centena de milhares de pequenos olmos na producto de um tinico ano, se reconheceré necessariamente que, quando se tivesse 0 mesmo cuidado em fornecer a um cavalo todos os 134 meso un oe th ener wn a, tades seriam muito diferentes na produgao do animale ha do vegetal. Logo, eu no examino (diz 9 senhor Buffon) a quan, dade doe genomnn pecipunenc pong vox Sis ay tio a conburance Gc segue kage Yoogs ampere Slvr hnje co meme pientoe eels ogee pease Gere grtual an qua cma Squalgs tthe Se pose ttm nay 2g como Sa as npn Ses 1 enor Buffon objca-s ainda : cagio de certs espécics, como a das abun, ce feta todas do tua a areca wl mance’ Chay, hc segue faa do gee don animus compenio ne sont ae plantas e que, alids, esse exemplo das abelhas é talvez 0 da tior mallpiegio que conhafemor Sonre ot anna, st do € una prove pos das wnts ov qunena nil moees tna predir ten nie mut do de Rip canes on dzsncs ml tachos areee ‘io apsnar tn, on mals moncat nasty Soe ee capazes de reproduzir-se. ° vei pe mote ces cate os ein ol «a conchas, exist eqpeccs que parson er extort ‘banat stan, ovens as pues, co ose Conor dus exinem ive en hres at use nis sgn tas planta a comin, Mes,Consicas So in, octane seckinas pao usr foam os ce anals€ noe sounds be induce do gee ee Sice de plantas; én dss, Sbnrvarse-ssospeeinase areas tery men poe feng to gran, quate bo ninco hdr nas copies animus, egondan um Podigios mere os tninalspoqunose cuts produc ana tn ne to peguco! aovpaso que mo pss sets Ge meding script denmlado pds eos ns ops Peo qo usta perce qu scopic nas vis, ma sbjats au smnres aos tosses elton, sé nals scan = individuos, tanto nos animais quanto nas plantas. A medi- he tcapcios sais nos bccn mah era mes ‘vemos reduzidas a um ntimero menor de individuos. Poder- eater petal ae a cages coast ae 135 des ¢ a dos péssaros, certos érgios apropriados para a per- Feigao do sentimento custariam mais & natureza do que @ pro- ducdo do vivo e organizado que nos parece tho dificil de con- ceber? No, ndo se pode crer nisso. Para satisfazer ao fend- meno proposto, se é que isto & posstvel, cumpriria remontar G ordem primitiva das coisas € nela supor que a produgao de grandes animais tivesse sido to abundante quanto a de inse~ tos. A primeira vista, ver-se-ia que essa espécie monstruosa logo teria deglutido as demais, teria devorado a si mesma, sozinha teria coberto a superficie da terra e, de repente, nao hhaveria sobre 0 continente sendo insetos, passaros e elefan- tes e, nas dguas, apenas baleias e peixes que, por sua pe~ quenez, teriam escapado voracidade das baleias: ordem das coisas que, certamente, néo se poderia comparar & exis- tente. Logo, a Providéncia parece ter feito aqui as coisas pa- ra melhor. ‘Passemos agora, com 0 senhor Buffon, & comparacio dos animais com os vegetais quanto ao lugar, ao tamanho ¢ & forma. A terra é 0 tinico lugar onde os vegetais podem subsis- tir: o maior ntimero se eleva acima da supeficie do solo ¢ a cle est preso por raizes que 0 penetram numa pequena pro- fundidade. Alguns, como as trufas, séo inteiramente cobertos pela terra, outros, em menor méimero, crescem sob as 4guas, mas todos, para existir, t€m necessidade de estar na superficie Ga terra. Os animais, a0 contrério, geralmente encontram-se mais espalhados: uns habitam a superficie, outros 0 interior da terra, estes vivem no fundo dos mares e aqueles transitam numa altura mediocre. Hi animais nos ares, no interior das plantas, no corpo do homem e de outros animais, nos Ifqui- dos, encontra-se deles até nas pedras e nas flades. ‘Com 0 uso do microsc6pio acreditou-se ter descoberto uum grande mimero de novas espécies animais diferentes entre ssi. Pode parecer singular que, com muito esforgo, se tenha podido reconhecer uma ou duas novas espécies de plantas ‘com 0 auxfio desse instrumento. O pequeno musgo produzi- do pelo bolor é, talvez, a tinica planta microscépica de que jé ‘se falou. Poder-se-ia crer, portanto, que a natureza recusou-se fa produzir plantas muito pequeninas, ao passo que se entre~ ‘20u a fazer animélculos em profusio, mas a gente poderia se ‘enganar adotando essa opinido sem exame, e © erro, com efei- 136 to, poderia surgir da maior semelhanca entre as plantas do que @ existente ene 0s animais, pois as plantas ‘io muito mais diffceis de reconhecer ¢ de distinguir as espécies, de modo que esse bolor, que tomamos por um bolor infinitamen te pequeno, poderia ser uma espécie de bosque ou jardim po- voado por ism grande niimero de plantas muito diferentes, cu- jas diferencas, contudo, nos escapam aos olhos. TE bem verdade que, quando se compara o tamanho dos. animais a0 das plantas, esse tamanho parecer bastante desi- ual, pois hé muito mais distincia entre o tamanho de uma baleia € 0 de um desses pretensos animais mierosedpicos do que entre o carvalho mais alto © 6 musgo de que falamos ha ppouco; e embora o tamanho seja apenas um atributo puramen- te relativo, € util, antretanto, considerar os termos extremos em que a natureza parece estar limitada. O grande parece ser bastante igual nos animais © nas plantas; uma baleta grande, uma frvore grande fazem um volume que no € muito desi gui, ao paso gue o pegueno que se areilou Ver nos an mais reunidos em nilheiro no Se igualaria em volume & pe- 4quena planta do bolor. ° tne pe ‘Além disso, a diferenca mais geral e mais sensivel en tre animais e vegetsis € a da forma: a dos animais, embora va- tiada ao infinito, de modo algum assemetha-se 8 das plantas © embora os pélipos que se reproduzem como as plantas pos- sam ser vistos como participantes da nuanca entre os animais © 08 vegetais, ndo 6 pela mancira de reproduzir-se, mas também pela forma exterior, pode-se dizer que a figura de qualquer animal € bastante diferente da forma exterior de uma planta, de modo que fica dificil alguém se enganar acerca dis- so. Na verdade, os animais podem realizar obras que parecarn com plantas ou flores; contudo, as plantas nunca produzirio algo semelhante a um animal; os insetos admirdveis que pro- uzem e trabalham 9 coral teriam sido desconhecidos e toma- dos por flores se, por um prejulgamento mal fundado, se ti vesse visto 0 coral como uma planta. Assim, os erros em que se pode incorrer comparando a fornia das plantas com a dos animais 56 conduzirio a um pequeno niimero de sujeitos que fazem a nuanga entre os dois, e quanto mais observagées se fizer, mais se ficard convencido de que entre os animais e 0 vegetais 0 Criador alo pds um termo fixo; mais se ficaré con- 137 vencido de que esses géneros de seres organizados tém muito mais propriedades comuns do que diferengas reais; de que a produco do animal no custa mais & natureza, e talvez custe menos que a produgao do vegetal; de que, em geral, & pro- dugdo dos seres organizados nio Ihe custa nada; e, enfim, mais se ficard convencide de que 0 vivo e o animado em vez de ser um grat metafisico dos seres € uma propriedade fisica da matéria, Depois de termos saido, com 0 auxilio da profunda metafisica e das grandes idéias do senhor Buffon, da primeira parte deste artigo tao importante € tao dificil, vamos passar 2 Segunda parte, que devemos ao senhor Daubenton, seu ilustre colega na Historia Natural Geral e Particular. ‘Os animais, diz. o senhor Daubenton, estio em primei- ro lugar na diviséo geral da histéria natural. Distribufram-se todos of objetos que essa ciéncia compreende em trés classes, {que se chamam reinos: 0 primeiro, € 0 reino animal, onde co- Tocamos os animais porque eles tém mais relagao conosco do que os Vegetais, que esto colocados no segundo reino; os minerais, que t&m menos relacao ainda, constituem 0 tercciro eine. Em varias obras de hist6ria natural, entretanto, encon- tra.se 0 reino mineral como o primeiro eo reino animal como © titimo. Os autores acreditaram que deviam comecar pelos Dobjetos mais simples, que so os minerais, para cm seguida Subir por graus percorrendo © reino vegetal até chegar aos ‘mais compostas, que so os animais. ‘Os antigos dividiram os animais em duas classes: a primeira compreendia os animais que tm sangue e a segunda, bs que néo 0 contém, Esse método era muito conhecido no tempo de Aristételes e, talvez, jé 0 fosse muito tempo antes dese grande fildsofo; ele foi adotado quase genericamente fa hoje. Objeta-se contra essa divisio, que todos os animais tém sangue, j4 que todos tém um lfquido que Ihes dé a vida citculando por todo 0 corpo, pois a esséncia do sangue no consiste na cor vermelha etc. Essas objegées nada provam Contra 0 método em questo, Que todos os animais tenham Sangue ou que s6 uma parte deles 0 tenha, que nome sangue ‘convenha ou néo ao liquido que circula no corpo dos outros, basta que esse Iiquido néo seja vermelho para ser diferente do sangue dos outros animais, pelo menos na cor: essa diferenga 138 6, pois, um meio de dstingur uns dos outos eum carter Dar cada tne das clases; mas hi una ota obetdo que ma Dove aor eopondida. Ente oo animuis de que sedi nfo te feerighiettiteniali ia eet aie trams alguns que o tém bem vermelho, sto.os vermes da term Eis um falo de que o maiode no 36 conta, ncaa, the pode ser muito melhor do que muitos outios ‘A primeira classe, a dos aimato que tm Sangue, est subdividida em duas outras uma compreende animais que tem um pulmo como éiuto da respurasio © a cura os ue tem beng ‘Oeorasdo dos animais que tém pulmo possui dois wentrculos, ou apenas tm; 0s gue tém corario con dois ver- tons vp pte: vivo so estes oat equiticos; os prineiros sao quadripedes.vviaron, os aqusticos sho os peines cethoeos. Os oviparos qpe possum coragdo com dois ventriculos sao os passaros. (Os snais cup corago tem apenas tin ventseulo sio os aunipde ovpro ea eet Mrimeis que possucm branguias s4 os peixe, com jo dos cetéceos. = Distngucurse_ os animsis que no tim sangue em grandes © poquonos. Op grandes so divides em tes fpos Pein or animate ok, que ti no eter un st {ja moe o, ao inferior, una tbstincte urs, come © PSlp, & Sibu © o calamars Os pequenos ants que ndo tor sanguc ‘so 08 insetos. ” 7 Fare outas distibuigbes dos animais menos compli- cadas: foram divididos em quadtpedes,péssars, pelos © Inseos. As serpents esto Comprecndidas nos quadeipedes Pomgue acredtava'e que no eram tito fects des ke {@ttos; enboranio Gvessem patas, Uma das penpals ob {fee conta este metodo & qos elo Tene no temo Bénero Vino ovo svidrase também os amas em teresee,aquati- cos ¢ anffbios, mas houve prtesos contra cose eviso, pois fain ou animals vivperos slo colocados em classe dftoa. tes ¢ viviparos © ovaros io encontraos numa mesa clas ox: inset toncates numa Claws © insclos da Agus om Ot. tot 139 EE lo, que hé ex- Pode-se afirmar, por um exame detalhado, qu: ceegées em quantidade a8 regras estabelecidas por esse méto- Go; mas pelo que dissemos a respeito, nfo se deve esperar {que um método arbitririo seja perfeitamente conforme 8 natt~ eza: assim, € s6 uma questio de escolher os menos defeituo- 505, porque todos © sc, ou mais ou menos. ~P*Os anne cescem, tim vida, foram dotados de sen- timento: por essa definigéo © senhor Lineu os distingue dos Nepetais que crescem evivern sem ter sentimento, ¢ dos mine- ais, que crescem sem vida nem sentimento. O mesmo autor divide os animais em seis classes: a primeira compreende os {quadrpedes; a segunda, os passaros; a terceira, os anfibios; a Guarta, os peixes; a quinta, os insetos; a sexta, os vermes. 40 ARCY Cidade da Franca na regio de Borgonha, em Auxerrois Embora tenhamos limitado nossa geografia as cidades, esperamos que nos seja permitido sair desses limites em favor das famosas grutas vizinhas da cidade de Arcy. Eis a des- ctigdo que se fez dos lugares, por ordem do senhor Colbert.’ Nao longe de Arcy percebem-se rochedos escarpados de grande altura, cujas bases parecem cavernas; eu disse pare- cem, pois as cavidades nao penetram o bastante para merecer © home de cavernas. Vé-se um lugar ao pé de um desses to chedos, em que uma parte das 4guas de um rio se perde que, depois de ter escoado sob a terra em mais de dois luge es, encontra uma fissura pela qual sai com impetuosidade © faz mover um moinho. Um pouco antes, descendo 20 longo do curso do rio, encontram-se alguns bosques nas mar- ‘gens, que fazem uma sombra bastante agradével, ¢ rochedos, {que fazem ecos por todos os lados, alguns dos quais repetem vversos inteiros. Bem perto da cidade ha um vau, chamado vaw dos funis, saindo do qual, a0 lado da fissura, entra-se numa equena senda muito estreita, que sobe uma encosta toda co- berta de bosques ¢ que conduz entrada das grutas. Seguin- do-se essa senda, pode-se ver em varios lugares dos rochedos grandes cavidades onde comodamente se esconderam as inji- Tas do tempo. Essa senda conduz a uma grande absbada, lar- ga de trinta passos ¢ alta de vinto pés na entrada, que parece formar 0 portal do lugar. A oito ou dez. passos daf, ela se es- ‘teita ¢ termina numa portinha de quatro pés de altura, Anti- gamente, a figura dessa porta era oval, mas hé alguns anos foi fechada uma parte dela com pedra talhada, e a chave € guar- dada pelo senhor. A entrada dessa porta artificial € tio baixa que 6 se pode passar curvado e, acima da primeira sala, hé 1 ~ Jean-Baptiste Colbert fol um politico francés do século XVI, minsto de LLafs XIV. Fundow a Academla de Ciéncias ¢f01 0 protetor do pntoy Le Brun (ver o verbete are, ants 3. “1

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