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CONCEITO DE CRIME

1. Antecedentes da moderna teoria do delito


. Três fases do desenvolvimento da teoria do delito: o conceito clássico de delito, o
conceito neoclássico de delito e conceito finalista de delito;
. A atual concepção quadripartida do delito, concebido como ação, típica e culpável (
essa concepção pode ser definida como tripartida, considerando somente os
predicados da ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), é produto de
construção recente, mais precisamente do final do século XIX. Anteriormente, o
Direito comum conhecer somente a distinção entre imputatio facti e imputatio iuris;
. A distinção entre injusto e imputação do fato (Stubel) começou a ser esboçada na
primeira metade do século XIX, seguindo-se uma classificação tripartida (ação,
antijuridicidade e culpabilidade), realizada por Luden, que, posteriormente, como se
sabe, foi sistematizada por Von Liszt e Beling, com a inclusão, da tipicidade;
. Foi Ihering, em 1867, quem desenvolveu o conceito de antijuridicidade objetiva
para o Direito Civil, mas a adequação desse instituto ao Direito Penal foi obra de
Liszt e Beling, com o abandono da antiga teoria da imputação;
A tipicidade foi o último predicado que se somou na construção da forma
quadripartida do conceito de delito, permitindo a Beling, seu autor, formular a
seguinte definição: “delito é a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a
uma cominação penal adequada e ajustada às condições de dita penalidade”.
2. O conceito clássico de delito
. Von Liszt e Beling elaboraram o conceito clássico de delito, representado por um
movimento corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior
(resultado). Fundamentava-se num conceito de ação eminente naturalístico, que
vinculava a conduta ao resultado através do nexo de causalidade. Essa concepção
clássica do delito mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo,
representado pela tipicidade e antijuridicidade, e o aspecto subjetivo, representado
pela culpabilidade;
. O conceito clássico de delito foi produto do pensamento jurídico característico do
positivismo científico, que afastava completamente qualquer contribuição das
valorações filosóficas, psicológicas e sociológicas. Assim, a ação, concebida de
forma puramente naturalística, estruturava-se com um tipo objetivo-descritivo, a
antijuridicidade era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez,
apresentava-se subjetivo-descritiva;
. Elementos clássicos: ​a) ação- ​era um conceito puramente descritivo, naturalista e
causal, valorativamente neutra. Sob a influência do positivismo naturalista foi que
Von Liszt definiu a ação como a intervenção muscular produzida por energias de um
impulso cerebral, que, comandadas pelas leis da natureza, provocam uma
transformação no mundo exterior; ​b) tipicidade- ​o tipo e a tipicidade representavam
o caráter externo da ação, compreendendo somente os aspectos objetivos do fato
descrito na lei. Deixa fora do tipo da tipicidade todos as circunstâncias subjetivas ou
internas do delito, que pertenceriam à culpabilidade; ​c) antijuridicidade- ​é um
elemento objetivo, valorativo e formal. A constatação da antijuridicidade implica um
juízo de desvalor, isto é, um valoração negativa da ação; a antijuridicidade é um
juízo valorativa puramente formal: basta a comprovação de que a conduta é típica e
de que não concorre nenhuma causa de justificação; ​d) culpabilidade- ​que era
concebida como o aspecto subjetivo do crime, também tinha caráter puramente
descritiva, pois se limitava a comprovar a existência de um vínculo subjetivo entre o
autor e o fato;
3. O conceito neoclássico de delito
. Esse conceito corresponde à influência no campo jurídico da filosofia neokantiana,
dando-se especial atenção ao normativo e axiológica;
. Como afirma Jescheck, “o modo de pensar próprio desta fase veio determinado de
forma essencial pela teoria do conhecimento do neokantismo (Stammler, Rickert,
Lask) que, junto ao método científico-naturalístico do observar e descrever,
restaurou a metodologia própria das ciências do espírito, caracterizada pelo
compreender e valorar”;
. Esse novo entendimento permitiu graduar o injusto de acordo com a gravidade da
lesão produzida;
. A teoria neoclássica do delito caracterizou-se pela reformulação do velho conceito
de ação, nova atribuição à função do tipo, pela transformação material da
antijuridicidade e redefinição da culpabilidade, sem alterar, contudo, o conceito de
crime, como a ação típica, antijurídica e culpável;
4. O conceito de delito no finalismo
. Convém destacar, contudo, que o surgimento do sistema finalista praticamente
coincide, cronologicamente, com as origens da teoria social da ação, e também
com o auge do direito penal de autor;
. A teoria final da ação, como ficou conhecida, tem o mérito de eliminar a
injustificável separação dos aspectos objetivos e subjetivos da ação e do próprio
injusto, transformando, assim, o injusto naturalístico em injusto pessoal;
. O finalismo deslocou o dolo e a culpa para o injusto, retirando-os de sua
tradicional- a culpabilidade-, levando, desta forma, a finalidade para o centro do
injusto. Concentrou na culpabilidade somente aquelas circunstâncias que
condicionam a reprovabilidade da conduta contrária ao Direito, e o objeto da
reprovação (conduta humana) situa-se no injusto {a distinção entre tipos dolosos e
culposos, dolo e culpa não mais como elementos ou espécies de culpabilidade, mas
como integrantes da ação e do injusto pessoal, além da criação de uma
culpabilidade puramente normativa};
. Welzel deixou claro que, para ele, o crime só estará completo com a presença da
culpabilidade. Dessa forma, também para o finalismo, crime continua sendo ação
típica, antijurídica e culpável;
5. O conceito analísito de crime
. Além dos conhecidos conceitos ​formal ​(crime é toda a ação ou omissão proibida
por lei, sob a ameaça de pena) e ​material ​(crime é a ação ou omissão que contraria
os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de
pena), faz-se necessária a adoção de um ​conceito analítico​ de crime;
. O conceito analítico predominante passou a definir o crime como a ​ação típica,
antijurídica e culpável;
. Somente uma ação humana pode ser censurável, somente ela pode ser objeto do
juízo de censura. Não se pode confundir o objeto da valoração com a valoração do
objeto, como bem salientou Dohna. Assim, objeto da valoração é a conduta
humana, tida como censurável. E valoração do objeto é o juízo de censura que se
faz sobre a ação que se valora;
6. A definição legal de crime no Brasil
. A Lei de Introdução ao CP faz a seguinte definição de crime: “considera-se crime a
infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente,
quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração
a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas
alternativa ou cumulativamente”.
. Ao contrário dos CPs de 1830 (art. 2º, § 1º) e 1890 (art. 7º), o atual CP (1940, com
a Reforma Penal de 1984) não define crime, deixando a elaboração de seu conceito
à doutrina nacional;
. Como ressaltava, acertadamente, Assis Toledo, “a pena criminal, como sanção
específica do DP, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento
constitutivo, isto é, estar dentro do conceito de crime”.
7. Classificação das infrações penais
7.1 Classificação tripartida e bipartida
. Alguns países, como Alemanha, França e Rússia, utilizam uma divisão tripartida na
classificação das infrações penais, dividindo-as em crimes, delitos e contravenções,
segundo a gravidade que apresentem. A divisão mais utilizada, porém, pelas
legislações penais, inclusive pela nossa, é a bipartida ou dicotômica, segundo a qual
as condutas puníveis dividem-se em crimes ou delitos (como sinônimos) e
contravenções, que seriam espécies do gênero infração penal;
. Ontologicamente não há diferença entre crime e contravenção. As contravenções,
que por vezes são chamadas de crimes-anões, são condutas que apresentam
menor gravidade em relação aos crimes, por isso sofrem sanções mais brandas. O
fundamento da distinção é puramente político-criminal e o critério é simplesmente
quantitativo ou extrínseco, com base na sanção assumindo caráter formal;
. O critério distintivo entre crime e contravenção é dado pela natureza da pena
privativa de liberdade cominada;
7.2. Crimes doloso, culposo e preterdoloso
. Diz-se o crime doloso, segundo definição do nosso Código Penal, quando o agente
quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; culposo, quando o agente deu
causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18 do CP).
Preterdoloso ou preterintencional é o crime cujo resultado total é mais grave do que
o pretendido pelo agente. Há uma conjugação de dolo (no antecedente) e culpa (no
subsequente): o agente quer um minus e produz um majus;
7.3. Crimes comissivo, omissivo e comissivo-omissivo
. O crime comissivo consiste na realização de uma ação positiva visando a um
resultado tipicamente ilícito, ou seja, no fazer o que a lei proíbe;
. Já o crime omissivo próprio consiste no fato de o agente deixar de realizar
determinada conduta, tendo a obrigação jurídica de fazê-lo; configura-se com a
simples abstenção da conduta devida, quando podia e devia realizá-la,
independentemente do resultado. A inatividade constitui, em si mesma, crime
(omissão de socorro);
. No crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão, a omissão é o meio
através do qual o agente produz um resultado. Nestes crimes, o agente responde
não pela omissão simplesmente, mas pelo resultado decorrente desta, a que
estava, juridicamente, obrigado a impedir (art. 13, § 2º, do CP);
7.4. Crimes instantâneo e permanente
. Crime instantâneo é o que se esgota com a ocorrência do resultado;
. Instantâneo não significa praticado rapidamente, mas significa que uma vez
realizados os seus elementos nada mais se poderá fazer para impedir sua
ocorrência;
. Permanente é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da
atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser (cárcere privado,
sequestro). Crime permanente não pode ser confundido com crime instantâneo de
efeitos permanentes (homicídio, furto), cuja permanência não depende da
continuidade da ação do agente;
7.5. Crimes material, formal e de mera conduta
. O crime material ou de resultado descreve a conduta cujo resultado integra o
próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um
resultado separado do comportamento que o precede. O fato típico se compõe da
conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela operada;
. A não ocorrência do resultado caracteriza a tentativa;
. O crime formal também descreve um resultado, que, contudo, não precisa
verificar-se para ocorrer a consumação. Basta a ação do agente e a vontade de
concretizá-lo, configuradoras do dano potencial, isto é, do eventus periculi (ameaça,
a injúria verbal). Afirma-se que no crime formal o legislador antecipa a consumação;
. Seguindo a orientação de Grispigni, Damásio distingue do crime formal o crime de
mera conduta, no qual o legislador descreve somente o comportamento do agente,
sem se preocupar com o resultado (desobediência, invasão de domicílio). Os crimes
formais distinguem-se dos de mera conduta — afirma Damásio — porque “estes são
sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a
consumação à sua produção”. A lei penal se satisfaz com a simples atividade do
agente;
.Nos crimes materiais podem ser diferenciadas as espécies de resultado (de dano
ou de perigo, como veremos no tópico seguinte), enquanto nos crimes de mera
conduta, a simples ação ou omissão já é suficiente para a sua consumação;
7.6. Crimes de dano e de perigo
. Crime de dano é aquele para cuja consumação é necessária a superveniência de
um resultado material que consiste na lesão efetiva do bem jurídico;
. Crime de perigo é aquele que se consuma com a superveniência de um resultado
material que consiste na simples criação do perigo real para o bem jurídico
protegido, sem produzir um dano efetivo;
. Nos delitos de perigo abstrato é necessário demonstrar, pelo menos, a idoneidade
da conduta realizada pelo agente para produzir um potencial resultado de dano ao
bem jurídico, visto desde uma perspectiva genérica;
7.7. Crimes unissubjetivo e plurissubjetivo
. Crime unissubjetivo é aquele que pode ser praticado pelo agente individualmente
— que também admite o concurso eventual de pessoas —, constituindo a regra
geral das condutas delituosas previstas no ordenamento jurídico-penal. Crime
plurissubjetivo, por sua vez, é o crime de concurso necessário, isto é, aquele que
por sua estrutura típica exige o concurso de, no mínimo, duas pessoas. A conduta
dos participantes pode ser paralela (quadrilha), convergente (adultério e bigamia),
ou divergente (rixa);
7.8. Crimes unissubsistente e plurissubsistente
. O crime unissubsistente constitui-se de ato único;
. Os delitos formais (para aqueles que aceitam esta classificação) e de mera
conduta, de regra, são unissubsistentes. Contrariamente, no crime plurissubsistente
sua execução pode desdobrar-se em vários atos sucessivos, como é o caso dos
crimes materiais, que, em geral, são plurissubsistentes;
7.9. Crimes comum, próprio e de mão própria
. Crime comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoa (lesão corporal,
estelionato, furto). Crime próprio ou especial é aquele que exige determinada
qualidade ou condição pessoal do agente;
.Crime de mão própria é aquele que só pode ser praticado pelo agente
pessoalmente, não podendo utilizar-se de interposta pessoa (falso testemunho,
adultério, prevaricação).
. A distinção entre crime próprio e crime de mão própria, segundo Damásio, consiste
no fato de que, “nos crimes próprios, o sujeito ativo pode determinar a outrem a sua
execução (autor), embora possam ser cometidos apenas por um número limitado de
pessoas; nos crimes de mão própria, embora possam ser praticados por qualquer
pessoa, ninguém os comete por intermédio de outrem”;
7.10. Crimes de ação única, de ação múltipla e de dupla subjetividade
. Crime de ação única é aquele que contém somente uma modalidade de conduta,
expressa pelo verbo núcleo do tipo (matar, subtrair). Crime de ação múltipla o u de
conteúdo variado é aquele cujo tipo penal contém várias modalidades de condutas,
e, ainda que seja praticada mais de uma, haverá somente um único crime (arts. 122,
180 e 234 do CP e arts. 33 e 34 da Lei n. 11.343/2006);

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