Você está na página 1de 5

SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA:

1 CLASSIFICAÇÃO, INCIDÊNCIA E
RECOMENDAÇÕES BÁSICAS
Eduardo Dias de Andrade
José Ranali

CONSIDERAÇÕES GERAIS
Pode-se iniciar a discussão do tema central deste livro com uma pergunta: qual a princi-
pal diferença entre a urgência odontológica e a emergência médica?
Nas urgências odontológicas, como os traumatismos dentários acidentais, as pulpites
ou os abscessos, apesar da necessidade de medidas de pronto atendimento, há tempo
para o profissional se planejar. Enquanto o instrumental e os materiais necessários são
providenciados para a execução do procedimento, ou enquanto eventualmente se aguar-
da a obtenção de níveis plasmáticos de um medicamento, ele pode relembrar o protoco-
lo indicado para aquela situação específica.
Já as emergências médicas, como o próprio nome pressupõe, “emergem”, surgem de
forma inesperada, sem obedecer a regras ou padrões definidos. São interpretadas como
um acontecimento perigoso ou como uma situação crítica e não deixam tempo para o
cirurgião-dentista rever conceitos ou aguardar o preparo de uma bandeja pela auxiliar.
Ou seja, uma sequência de manobras de pronto atendimento deverá estar memorizada e
protocolada pelo profissional, para que ele possa instituí-la imediatamente.
Alguns fatores contribuem para aumentar a incidência das emergências médicas na
clínica odontológica: o aumento do número de idosos que procuram tratamento, a ten-
dência de se prolongar a duração das sessões de atendimento e até mesmo os avanços da
terapêutica médica. É fácil constatar, também, que indivíduos diabéticos, hipertensos,
coronariopatas ou portadores de desordens renais ou hepáticas, entre outros, são, nos
dias de hoje, pacientes regulares dos cirurgiões-dentistas, tanto nos serviços públicos de
saúde quanto nas clínicas privadas.
Isso só faz aumentar a responsabilidade do cirurgião-dentista, não somente na iden-
tificação desses grupos de pacientes, mas também na elaboração do plano de tratamen-
to. A avaliação do estado geral de saúde e dos sinais vitais e a adoção de simples medidas
preventivas aumentam a segurança no atendimento de pacientes que requerem cuidados
adicionais, diminuindo de forma significativa a incidência das emergências.1-3

BOOK-3A PROVA.indb 19 6/7/11 7:39 AM


SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA

A despeito da prevenção, as emergências médicas podem acontecer com qual-


quer indivíduo e em diferentes circunstâncias, seja antes (na sala de espera), durante
ou após o procedimento odontológico, ou até mesmo fora do consultório, como em casa,
na rua, no clube ou no restaurante.
Portanto, como qualquer outro profissional da área de saúde, o cirurgião-dentista deve-
rá estar preparado para reconhecer e instituir medidas de pronto atendimento na ocorrên-
cia das emergências. Em outras palavras, é imperativo que esteja habilitado a executar as
manobras de Suporte Básico de Vida (SBV) e de Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), bem
como a manusear determinados equipamentos, medicamentos e acessórios, assuntos que
serão apresentados e discutidos de forma pormenorizada em outros capítulos deste livro.

CLASSIFICAÇÃO DAS 4. Arritmias cardíacas


EMERGÊNCIAS MÉDICAS Batimentos ectópicos isolados
As situações emergenciais possíveis de ocorrer Bradicardias
na clínica odontológica podem ser classificadas Taquicardias
sob diferentes critérios. Uma das formas é sim- 5. Crise hipertensiva arterial
20 plesmente dividi-las em duas classes: complica- 6. Reações alérgicas
ções associadas a uma desordem no estado geral Reações cutâneas
de saúde do paciente e complicações indepen- Reações respiratórias
dentes de doenças preexistentes.1 Choque anafilático
Porém, didaticamente, a maneira mais práti- 7. Reações à superdosagem das soluções anes-
ca de abordá-las é aquela que toma por base seu tésicas locais
principal sinal ou sintoma, o que facilita o diag- Superdosagem do sal anestésico
nóstico diferencial, exceção feita a certas ocor- Superdosagem do vasoconstritor
rências que apresentam características Metemoglobinemia
peculiares. 8. Convulsões
Dessa forma, as situações de emergência 9. Intoxicação acidental aguda pela ingestão de
tratadas neste livro foram distribuídas em nove flúor
grandes grupos:

1. Alteração ou perda da consciência INCIDÊNCIA DAS SITUAÇÕES DE


Lipotimia e síncope EMERGÊNCIA
Hipoglicemia aguda Existem poucos dados sobre a incidência das
Hipotensão ortostática emergências médicas na clínica odontológica. A
Acidente vascular encefálico Tabela 1.1 mostra a somatória de dois levanta-
Insuficiência adrenal aguda mentos epidemiológicos realizados nos Estados
2. Dificuldade respiratória Unidos, envolvendo a clínica privada de 4.309 ci-
Síndrome de hiperventilação rurgiões-dentistas, que relataram 30.608 episó-
Crise aguda de asma dios de caráter emergencial durante um período
Edema pulmonar agudo de 10 anos.3
Obstrução aguda das vias aéreas por corpos É importante notar que boa parte desses ca-
estranhos sos parece estar associada ao estresse cirúrgico,
3. Dor no peito provocando lipotimia e síncope vasodepressora,
Angina de peito síndrome de hiperventilação, dor no peito e ou-
Infarto agudo do miocárdio tras alterações cardiovasculares.

BOOK-3A PROVA.indb 20 6/7/11 7:39 AM


SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA
Outras situações têm relação com o uso de Tabela 1.1
fármacos. Os anestésicos locais, fármacos mais Incidência de situações de emergência na prática
empregados na clínica odontológica, são geral- odontológica ocorridas num período de 10 anos
mente considerados os “vilões da história”, já em consultórios particulares de 4.309 cirurgiões-
que a grande maioria dos episódios registrados -dentistas, nos Estados Unidos. Os números expri-
ocorreu na vigência ou logo após o ato da aneste- mem a somatória dos episódios relatados em dois
sia local. Entretanto, parece ser consensual o estudos epidemiológicos
fato de que as reações inadvertidamente asso-
ciadas aos anestésicos locais são, na sua maior
Número de casos
parte, de fundo psicogênico ou emocional, não Tipo de emergência
relatados
guardando nenhuma relação causal com sua far-
macologia. Lipotimia e síncope
15.407
No Brasil, uma pesquisa recente realizada vasodepressora
com 498 cirurgiões-dentistas, todos eles presen-
Reação alérgica
tes no 27º Congresso Internacional de Odontolo- 2.583
moderada
gia de São Paulo/SP (Ciosp), trouxe resultados
com relação à incidência das emergências médi- Angina de peito 2.552
cas nos consultórios odontológicos brasileiros. A
Hipotensão ortostática 2.475 21
Tabela 1.2 mostra a distribuição.
Este trabalho também teve por objetivo in- Convulsão 1.595
vestigar o grau de preparo dos cirurgiões-dentis-
Crise aguda de asma 1.392
tas para lidar com diferentes tipos de emergência.
Foi observado que somente 41% dos profissio- Hiperventilação 1.326
nais questionados se consideravam capazes de
diagnosticar a causa da emergência durante uma Reação à adrenalina 913
consulta odontológica. A maioria disse estar apta Hipoglicemia aguda 890
a dar o pronto atendimento em caso de pré-sín-
cope, síncope, hipotensão ortostática, convulsão Parada cardíaca 331
e engasgo. Todavia, a maior parte dos entrevista- Reação anafilática 304
dos não sabe como lidar com casos de anafilaxia,
infarto do miocárdio e parada cardiorrespiratória. Infarto do miocárdio 289
Quanto à experiência em treinamento das Superdosagem de
manobras de SBV e RCP, os autores concluíram, 204
anestésico local
com base na amostra, que os cirurgiões-dentistas
brasileiros não estão adequadamente prepara- Edema pulmonar agudo 141
dos para executá-las. Coma diabético 109
Acidente vascular
68
cerebral
Insuficiência adrenal 25
Crise de
4
hipertireoidismo
Total 30.608

Fonte: Malamed.3

BOOK-3A PROVA.indb 21 6/7/11 7:39 AM


SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA

Tabela 1.2
Tipo de situação, número de profissionais que relataram as ocorrências no período de 1 ano e relação
entre números de casos/dentista/ano

Número de casos
Relação entre no de casos/
Tipo de emergência relatados e porcentagem
dentistas/ano
(aproximada)
Pré-síncope (lipotimia) 270 (54%) 1,58
Hipotensão ortostática 221 (44%) 1,79
Reação alérgica moderada 84 (17 %) 0,37
Crise hipertensiva 75 (15%) 0,51
Crise de asma 75 (15%) 0,13
Síncope (desmaio) 63 (12%) 0,17
Angina de peito 34 (7%) 0,15
Convulsão 31 (6%) 0,05
22
Hipoglicemia 28 (5%) 0,10
Hiperventilação 26 (5%) 0,43
Engasgo 11 (2%) 0,07
Acidente vascular cerebral 4 (0,8%) 0,01
Anafilaxia 2 (0,4%) 0,004
Infarto do miocárdio 1 (0,2%) 0,002
Parada cardíaca 1 (0,2%) 0,002
Colapso não especificado 8 (1,6%) 0,02
Total 934 —

Fonte: adaptado de Arsati e colaboradores.4

RECOMENDAÇÕES BÁSICAS NAS do da situação e tentar mantê-la sob controle,


SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA transmitindo segurança à equipe.
Independentemente do tipo ou gravidade da 2. Saber quando e a quem pedir socorro —
emergência ocorrida na clínica odontológica, al- Nem todas as ocorrências de caráter emergencial
guns procedimentos são aplicáveis a qualquer na clínica odontológica exigem o acionamento
tipo de situação. Sendo assim, recomenda-se o de um serviço médico de urgência. A lipotimia e a
seguinte: síncope, por exemplo, mais comuns, são contro-
ladas por meio de simples manobras, sem neces-
1. Manter a calma — Nos serviços públicos sidade da presença de pessoal da área médica.
de saúde ou clínicas privadas, o cirurgião-dentis- Ao contrário, quadros como acidente vascular
ta é responsável por tudo o que acontecer duran- encefálico, edema pulmonar agudo, reações
te o atendimento a seus pacientes. Na vigência alérgicas graves etc., certamente exigem o Su-
de uma emergência, cabe a ele assumir o coman- porte Avançado de Vida, sob orientação médica.

BOOK-3A PROVA.indb 22 6/7/11 7:39 AM


SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA
O número do telefone de um serviço de Na maioria dos países desenvolvidos, esse
pronto-socorro médico ou de um hospital, pró- conteúdo consta dos currículos programáticos
ximos ao consultório, deve estar sempre à dis- dos cursos de graduação em odontologia, habili-
posição. Alguns municípios brasileiros de tando o aluno a reconhecer as situações de
grande porte já dispõem de serviços médicos emergência e a instituir as manobras de primei-
especializados em atender os chamados de ur- ros socorros. No Brasil isso ainda não acontece, o
gência dos cirurgiões-dentistas, mediante ade- que talvez possa justificar o enorme grau de inse-
são ao programa. As cidades de porte médio gurança do recém-formado frente a um simples
também possuem o serviço de pronto-socorro desmaio.
conhecido por Samu (Serviço de Atendimento Espera-se que a classe odontológica cons-
Móvel de Urgência), que pode ser acionado por cientize-se da importância desse assunto e possa
meio do número telefônico 192, ou ainda o ser- complementar a formação inicial por meio de
viço do Resgate, que atende pelo número 193 e cursos de educação continuada na área de emer-
é composto por pessoal militar vinculado ao gências, difundindo os conhecimentos até mes-
Corpo de Bombeiros. mo para sua equipe de auxiliares.
Tais equipes têm prestado atendimento de 4. Saber lidar com o equipamento de emer-
boa qualidade nas emergências associadas a vá- gência — Como será discutido mais adiante, o
rias causas, como acidentes de trânsito e afoga- Suporte Básico de Vida inclui manobras que não
mentos, pois estão treinadas para executar dependem de qualquer tipo de acessório ou da 23
manobras de imobilização da coluna cervical, de administração de fármacos. Apesar disso, seria
SBV e RCP, auxiliando, ainda, no transporte dos desejável que o cirurgião-dentista montasse seu
socorridos aos hospitais. Certamente, existe uma estojo de emergência e adquirisse determinados
diferença bastante evidente entre uma unidade aparelhos, os quais facilitariam sobremaneira
móvel de urgência, que atua sob supervisão médi- sua atuação em episódios emergenciais da práti-
ca, e o serviço de Resgate, cujo pessoal não está ca odontológica.
habilitado a empregar medicamentos ou executar Obviamente, de nada adianta investir na com-
manobras de Suporte Avançado de Vida. pra de um sistema portátil de liberação e adminis-
3. Estar treinado para executar as mano- tração de oxigênio se não se sabe manuseá-lo. Da
bras de Suporte Básico de Vida e de Ressuscita- mesma forma, seria muito interessante que o ci-
ção Cardiopulmonar — Hoje em dia, os cursos rurgião-dentista se propusesse a treinar as técni-
de emergências médicas são cada vez mais ofe- cas de administração de medicamentos injetáveis
recidos, incluindo o treinamento de manobras via subcutânea, intramuscular e intravenosa, uma
de SBV e RCP, executadas em manequins apro- vez que já possui habilitação para executar técni-
priados para tal fim. cas anestésicas de maior complexidade.

REFERÊNCIAS 3. Malamed SF. Managing medical emergencies. J Am


1. Andrade ED de, Volpato MC, Ranali J. Pacientes que Dent Assoc. 1993;124(8):40-53.
requerem cuidados adicionais. In: Andrade ED de.
Terapêutica medicamentosa em odontologia: 4. Arsati F, Montalli VA, Flório FM, Ramacciato JC,
procedimentos clínicos e uso de medicamentos nas Cunha FL da, Cecanho R, et al. Brazilian dentists’
principais situações da prática odontológica. 2. ed. attitudes about medical emergencies during dental
São Paulo: Artes Médicas; 2006. p. 117-58. treatment. J Dent Educ. 2010;74(6):661-66.

2. Maringoni RL. Principais emergências médicas no


consultório odontológico. Rev Assoc Paul Cir Dent.
1998;52(5):388-96.

BOOK-3A PROVA.indb 23 6/7/11 7:39 AM

Você também pode gostar