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Comentários – Exercícios da aula 4

O tema da aula 4 é a memória. Quando falamos em narrativa pessoal ela é indispensável.


Afinal, eu lembro daquilo que eu sou (Jean Filloux). A memória é uma espécie de fundo de
imagens que, por obra da pessoal interpretação do eu, retém aquilo que importa; ou, em
outras palavras, salva do esquecimento. Nossa ação no mundo, já sabemos, depende de
nossa autoimagem. Esta autoimagem está amparada no conjunto de coisas que “sabemos”
a nosso respeito, com maior ou menor consciência. Na memória, pois, estão depositadas
estas imagens que, em conjunto e articuladas pelo eu narrativo, formam “aquele que somos
no estado presente”. Um homem sem memória é um não-eu.

É fato também que há memórias (imagens) mais acessíveis ao eu, justamente por serem
recorrentes ou repetidas. Há outras – como algumas da infância – mais distantes, difíceis de
serem puxadas à consciência. Isto tudo depende da disposição do eu: se você leu com
atenção as palavras de Bergson, notou que ele faz uma forte ligação entre a ação presente e
a evocação de imagens da memória. Em outras palavras, as imagens que “subirão”
dependem, em grande parte, do eu presente que está interessado em algo, inclinado em
direção a algum aspecto da própria vida, com abertura de alma, etc.

Leia novamente este trecho do filósofo francês: "Para que uma lembrança reapareça à
consciência, é preciso com efeito que ela desça das alturas da memória pura até o
ponto preciso onde se realiza a ação. Em outras palavras, é do presente que parte o
apelo ao qual a lembrança responde, e é dos elementos sensório-motores da ação
presente que a lembrança retira o calor que lhe confere vida."

“É do presente que parte o apelo ao qual a lembrança responde”. Se algo aconteceu, se algo
você fez e, portanto, está no seu passado, isto não está absolutamente perdido. Isto precisa,
apenas, de uma provocação, investigação ou “empurrão” do eu-presente. É preciso, mais
do que qualquer coisa, querer saber de si mesmo. Quem quer que diga que nada lembra
do próprio passado está apenas confessando que não tem real e verdadeiro interesse na
própria história (excluindo, claro, as doenças da memória).

Você está ou não disposto a investir sobre si mesmo? Quer ou não mergulhar na própria
história?
É disto que trata, inclusive, o filme “Inverno da Alma”: aquele brava menina precisa ir em
direção à história familiar e pessoal em busca de seu pai. Só encontrando-o ela “salvará a
própria casa”. Veja que simbolismo evidente! A cena em que ela põe a mão na lama para
puxar um pedaço do corpo do pai não poderia ser mais clara: é preciso ir até o fundo para
arrancar do esquecimento a trajetória pessoal.
A vontade e bravura da personagem em ir busca de si mesma deve servir como modelo
para nós, sujeitos também de uma história pessoal e intransferível.

Leia também esta reflexão sobre a memória, tirada das anotações da professora
Luciane Amato para seu curso Autobiografia e Literatura.

MEMÓRIA

Não há nada de mais pessoal, de mais íntimo e mais secreto do que a memória.

Parodoxo: o caráter de enredamento das memórias de uns e de outros.

Trabalho da memória: uma luta em duas frentes.


Primeiro obstáculo:
— o esquecimento, mas não o esquecimento inexorável devido ao apagameno lento e
dissimulado dos traços de toda a espécie de passado no nosso cérebro, no nosso espírito,
nos nossos arquivos, nosso nossos monumentos e até nos traços da nossa paisagem e no
nosso meio ambiente; mas esse esquecimento ativo que consiste na hábil arte de iludir a
evocação das recordações penosas ou vergonhosas, numa vontade fingida de não querer
saber, nem de procurar saber. Nesse sentido, o trabalho da memória exige coragem face às
tentações de um esquecimento que trabalha ao serviço da omissão final.

— o perigo da repetição: essa forma de repisar as humilhações —mas também as ações


heróicas — tem qualquer coisa de patológico, que impede o verdadeiro trabalho da
memória a qual não se limita à caça dos fatos, mas se dedica a explicar, a compreender, por
meio de que engrenagens tudo aconteceu, de modo a purgar o coração do ódio, da
vingança, assim como da glória vã.
Compreender não impede de condenar e louvar, mas liberta as paixões da sua obsessão,
que condena a memória a uma piedade imóvel. É sobre este trabalho da memória que se
enxerta o dever de memória.

Entre o trabalho de memória e o dever de memória há um intermediário: a consideração e


a responsabilidade pelo futuro.
Com efeito, a memória, prolongada pela história escrita, está essencialmente, voltada para o
passado, nesse sentido, ela é retrospectiva. No entanto, o trabalho da memória seria vão se
não ajudasse a viver no presente e a projetar-se no futuro. Nesse sentido a memória apenas
contribui pela metade para a nossa identidade: colocarei essa metade sob o signo da
"identidade narrativa", não somos um bloco imutável e sim o resultado de uma história de
vida, enredada na vida dos outros; assim, nossa identidade é formada, por um lado, do que
somos capazes de narrar de nós próprios numa narrativa de vida ao mesmo tempo
inteligível para nossa razão e aceitável para o nosso coração.
Mas há a outra metade da nossa identidade e daquilo que a faz: esta metade está,
poderíamos dizer, sob o signo da "promessa", nessa vontade de conservar a palavra que
nos compromete para além de nós mesmos e assim nos conserva à altura dos nossos
melhores projetos de vida pessoal e coletiva. É graças precisamente à promessa que o
trabalho de memória é arrancado à repetição estéril, à nostalgia e ao ressentimento, tal
como à glória vã.

O dever de memória, de que se fala hoje em dia, não é uma obrigação que se deveria opor
ao trabalho de memória. Ele coroa-o. No sentido de que o encoraja sob a forma de uma
exortação a continuar a narrar, ainda e sempre; não se trata de um imperativo que visa
intimidar os modestos e a denunciar os desertores. Uma exortação a fazer o trabalho da
memória contra, simultaneamente, o esquecimento e a repetição nostálgica. O bom uso das
feridas da memória resume-se na fidelidade a essa exortação.
Além disso, o dever da memória confere uma dimensão moral e política ao dever de
memória sob o signo da justiça. Fazer justiça aos de outrora, conhecidos, desconhecidos e
ignorados. O sentido da justiça não visa estabelecer uma escala dos méritos, mas ajudar
cada um a encontrar o seu lugar e distância adequados aos protagonistas que a nossa
história nos fez cruzar em diversos papéis. Mas o sentido da justiça lembra-nos sobretudo
duas coisas: que é, antes de mais, às vítimas que a justiça é devida, — mas que em todas as
circunstâncias uma vida vale tanto como outra: nenhuma é mais importante do que outra.

Nem o trabalho de memória nem o dever de memória podem ser levados a cabo sem um
outro trabalho, o trabalho de luto. O luto é diferente da lamentação. É uma aceitação da
perda dos entes queridos e de tudo aquilo que nunca mais nos será restituído. É preciso
aceitarmos que haja o irreparável nas nossas posses, o irreconciliável nos nossos conflitos,
o indecifrável nos nossos destinos. Um luto conseguido é a condição de uma memória
pacificada, e nessa medida, feliz.

***

Exercícios sobre a aula 5

1) Qual o tema do conto “Um homem bom é difícil de encontrar”?


2) Qual a relação que pode ser estabelecida, até agora, entre sinceridade,
individualidade, princípio de seleção e memória?

Abraço e até sábado.

Prof. Tiago

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