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A proteção da propriedade intelectual e o

direito internacional atual

Maristela Basso

Sumário
1. Considerações introdutórias. 2. O regi-
me internacional da propriedade intelectual da
OMC/TRIPS. 2.1. As razões da inclusão do TRIPS
no GATT. 2.2. As negociações do TRIPS no
GATT: a busca do consenso entre as partes. 2.3.
O TRIPS: natureza, objetivos, alcance e princí-
pios gerais. 3. Solução de controvérsias. A)
mecanismos de solução. 4. Os efeitos do TRIPS.
4.1. Os efeitos do TRIPS no direito internacio-
nal de proteção dos direitos de propriedade
intelectual pós-Uniões de Paris e de Berna. 4.2.
As implicações institucionais decorrentes das
relações entre o TRIPS e a OMPI. 4.3. Os efeitos
do TRIPS no Brasil.

1. Considerações introdutórias
Os direitos de propriedade intelectual
estão vinculados, historicamente, ao direito
internacional, porque houve uma interação
entre o movimento de proteção dos direitos
de propriedade intelectual e o direito inter-
nacional.
Como se sabe, as Convenções da União
de Paris para a Proteção da Propriedade
Industrial (1883) e da União de Berna para
a Proteção das Obras Literárias e Artísticas
(1886) desempenharam um papel funda-
mental para a evolução desses direitos no
âmbito dos direitos internos e do direito in-
ternacional1.
Durante mais de cinqüenta anos, os sis-
temas das duas Uniões, de Paris e de Berna,
reunidas, oficialmente, em novembro de
1892, nos BIRPI – Bureaux Internationaux
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Réunis Pour la Protection de la Propriété Intel- turação dos BIRPI, a fim de responderem às
lectuelle, permaneceram inalterados, ainda novas necessidades e enfrentar as transfor-
que algumas reorganizações tenham sido mações ocorridas após a Segunda Guerra
levadas a efeito. mundial.
Após a Segunda Guerra mundial, o di- A resposta veio com a “Convenção de
reito internacional sofreu importantes trans- Estocolmo”, de 14 de julho de 19672, que
formações, que se refletiram nos direitos de criou a “Organização Mundial da Proprie-
propriedade intelectual. O sistema introdu- dade Intelectual” – OMPI/WIPO, com sede
zido pelas Nações Unidas propiciou altera- em Genebra, que adquiriu o status de Orga-
ção essencial no regime das duas Uniões. nismo Especializado da ONU, em 17 de de-
Viu-se que as estruturas das Uniões eram zembro de 19743.
arcaicas e não conseguiam mais atender às A OMPI unifica os conceitos, abolindo a
novas necessidades de proteção da propri- tradicional divisão existente no modelo
edade intelectual. Com o aparecimento das tradicional ou histórico, que separava os
organizações internacionais, não era mais direitos dos autores e dos inventores em
possível manter as Uniões com as suas es- duas categorias: direito de autor e conexos e
truturas e características originárias. Era propriedade industrial. A Convenção de Es-
chegado o momento de aproximá-las das tocolmo destina-se à proteção da “proprie-
organizações internacionais que começa- dade intelectual” que, de acordo com o seu
vam a se multiplicar no pós-Guerra. texto, art. 2 o , VIII, inclui os direitos relativos:
A Carta das Nações Unidas trouxe im- “– às obras literárias, artísticas e ci-
portantes e inovadoras disposições relati- entíficas;
vas à cooperação econômica e social entre – às interpretações dos artistas intér-
seus Estados membros. As competências pretes e às execuções dos artistas exe-
conferidas ao “Conselho Econômico e Soci- cutantes, aos fonogramas e às emis-
al” da ONU puseram em cheque a sobrevi- sões de radiodifusão;
vência dos organismos de coordenação en- – às invenções em todos os domínios
tão existentes, como as Uniões de Paris e de da atividade humana;
Berna e seus “Bureaux”. Não tardou para – às descobertas científicas;
que o “Conselho Econômico e Social” ace- – aos desenhos e modelos industriais;
nasse com a possibilidade de liquidação de – às marcas industriais, comerciais e
algumas instituições internacionais, entre de serviço, bem como às firmas comer-
as quais os referidos “Bureaux”. ciais e denominações comerciais;
Com o surgimento da Conferência das – à proteção contra a concorrência
Nações Unidas para o Comércio e o Desen- desleal e todos os outros direitos ine-
volvimento – CNUCED/UNCTAD (1964) rentes à atividade intelectual nos do-
e da Organização das Nações Unidas para mínios industrial, científico, literário
o Desenvolvimento Industrial – ONUDI e artístico”.
(1966), soluções do passado tornaram-se Vê-se, claramente, a unificação dos con-
ultrapassadas; era preciso criar uma orga- ceitos.
nização que se ocupasse, especificamente, Da sua constituição aos dias atuais, des-
da propriedade intelectual, que instituísse taca-se a função da OMPI de encorajar e es-
mecanismos adequados de proteção e redu- timular a atividade de criação dos indiví-
ção das disparidades crescentes entre os duos e das empresas dos países membros,
países industrializados e os em desenvolvi- facilitando a aquisição de técnicas e obras
mento. literárias e artísticas estrangeiras, bem como
A Comunidade Internacional se encon- o acesso à informação científica e técnica
trava diante de uma tarefa difícil: a reestru- contida nas patentes.

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A OMPI é o principal centro internacional solução de controvérsias entre os Estados
de promoção dos direitos de propriedade intelec- (negociação, mediação, conciliação e arbi-
tual. tragem), além do recurso à Corte Internacio-
nal de Justiça da Haia.
2. O regime internacional da A OMPI é uma organização de caráter
propriedade intelectual da OMC/TRIPS preponderantemente técnico, cujo processo
decisório tem por base o princípio da igual-
2.1. As razões da inclusão do TRIPS no GATT dade de votos entre os Estados partes. Ine-
xiste um órgão com competência para veri-
Duas são as razões fundamentais da in- ficar o adimplemento pelos Estados dos
clusão do TRIPS4 no GATT: o interesse de compromissos assumidos e um sistema de
completar as deficiências do sistema de proteção sanções oponíveis aos Estados-membros
da propriedade intelectual da OMPI e a necessi- inadimplentes.
dade de vincular, definitivamente, o tema ao co-
mércio internacional. 2.1.2. A vinculação dos direitos de
Em torno dessas duas grandes motiva- propriedade intelectual com o
ções, orbitam outras, satélites. Entretanto, comércio internacional
por razões metodológicas, debruçar-nos- Quando foi negociado o Acordo do
emos sobre as motivações principais. GATT, em 1947, já se sabia da importância
da proteção dos direitos de propriedade in-
2.1.1. A necessidade de completar o regime telectual para o comércio multilateral. Al-
internacional da OMPI guns dispositivos do GATT fazem referên-
A OMPI, diferentemente de outras orga- cia ao tema: arts. IX (6); XII (3), iii; XVIII (10)
nizações internacionais do sistema das e XX (d), porém, de forma muito tímida. Isso
Nações Unidas, não tem poderes para diri- porque, logo após a Segunda Guerra mun-
gir resoluções diretamente aos Estados. Seus dial, ainda não se tinha clara percepção da
atos decorrem das competências conferidas vinculação entre propriedade intelectual e
por tratados e convenções, em matérias es- comércio internacional, nem dos reflexos
pecíficas. Quanto aos aspectos administra- que poderiam advir, no mercado internaci-
tivos, a OMPI se encarrega da aplicação das onal, de um sistema mais eficaz de proteção
normas destinadas a dar efeitos internacio- desses direitos.
nais, tanto aos registros que são feitos dire- Isto só acontece, mais tarde, quando, es-
tamente no seu secretariado quanto àqueles pecialmente nas décadas de 70 e 80, ficam
realizados em órgãos administrativos inter- evidentes os benefícios da proteção à pro-
nos dos Estados. priedade intelectual, como fator fundamen-
Contudo, a atividade de harmonização tal de desenvolvimento tecnológico e au-
das normas sobre propriedade intelectual mento dos investimentos diretos do exterior.
acaba-se restringindo aos aspectos técnicos, Ou seja, reconhece-se que a proteção à pro-
haja vista a inexistência de mecanismos efi- priedade intelectual está diretamente vincu-
cazes de verificação do adimplemento dos lada ao aumento do comércio mundial.
deveres e obrigações dos Estados, e de reso- A partir de então, expande-se a compre-
lução de controvérsias. ensão de que os bens imateriais se tornam
A OMPI reconhece essas deficiências, cada vez mais importantes para a sobrevi-
razão pela qual continua seus trabalhos no vência das indústrias, e para as estratégias
sentido de elaborar um tratado sobre solu- que elas devem implementar nos âmbitos
ção de disputas, sobretudo no âmbito da nacional e internacional.
propriedade industrial, o qual deverá con- Se os bens imateriais se destacam no con-
templar os mecanismos tradicionais de re- texto do desenvolvimento tecnológico, os

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direitos de propriedade intelectual, que os países em desenvolvimento influenciaram
protegem, assumem um grau maior de im- no curso dos trabalhos.
portância estratégica. Durante os debates, emergiram três con-
Aquela antiga condição de que gozavam cepções sobre propriedade intelectual:
os Estados, no modelo tradicional ou histó- (a) A primeira, defendida pelos
rico, anterior à Segunda Guerra, de optar Estados Unidos, entendia a proteção
por implementar ou não políticas de prote- da propriedade intelectual como ins-
ção à propriedade intelectual, torna-se invi- trumento para favorecer a inovação, as
ável no modelo atual, perante os compro- invenções e a transferência de tecnolo-
missos internacionais, cada vez mais nu- gia, independentemente dos níveis de
merosos, assumidos pelos Estados, e às pres- desenvolvimento econômico dos paí-
sões dos setores privados nacionais e trans- ses. Os países desenvolvidos enfatiza-
nacionais5. vam a vinculação entre propriedade
Vimos, assim, que a associação de fato- intelectual e comércio internacional.
res políticos, econômicos, sociais, culturais Durante as discussões, os países co-
e jurídicos realizou o casamento (indissolú- municaram ao GATT que a operação
vel) entre os direitos de propriedade intelec- de suas companhias era ameaçada
tual e o comércio internacional. Mas, para pela contrafação e inadequada prote-
isso, foi preciso esperar até as décadas re- ção da propriedade intelectual;
centes. (b) A segunda posição, defendida
pelos países em desenvolvimento,
2.2. As negociações do TRIPS no GATT: a destacava as profundas assimetrias
busca do consenso entre as partes Norte-Sul, no que diz respeito à capa-
Como vimos acima, as pressões das in- cidade de geração de tecnologia. Sem
dústrias nos países desenvolvidos, sobre- desconhecer a importância da prote-
tudo nos Estados Unidos, no sentido de ção da propriedade intelectual, esses
buscar maior proteção aos direitos de pro- países defendiam que o objetivo pri-
priedade intelectual, associada à frustração mordial das negociações deveria ser
demonstrada por alguns países com o siste- assegurar a difusão de tecnologia
ma de proteção das Nações Unidas, leva- mediante mecanismos formais e infor-
ram o tema para o âmbito de discussões do mais de transferência. Os países em
GATT6. desenvolvimento tinham a preocupa-
Os países em desenvolvimento resisti- ção de se garantir do acesso seguro à
ram por mais de vinte anos, porém acaba- moderna tecnologia mediante maior
ram por aceitar o GATT como o foro mais proteção dos direitos de propriedade
adequado para a elaboração de normas des- intelectual. O dilema era como aumen-
tinadas a estabelecer “níveis” ou “padrões” tar a proteção a esses direitos e garan-
de proteção da propriedade intelectual, tir o acesso à moderna tecnologia.
como também as medidas necessárias para Para eles, suas necessidades de desen-
a sua observância e sanções. volvimento econômico e social eram
As negociações tiveram início em 20 de tão importantes (ou mais) que os di-
setembro de 1986, quando do lançamento reitos dos detentores de propriedade
da Rodada do Uruguai. As diferenças entre intelectual;
Norte e Sul ficaram, mais uma vez, eviden- (c) Por fim, tínhamos uma posição
tes e se refletiram na capacidade negocia- intermediária de alguns países desen-
dora das delegações. Não apenas as dife- volvidos, entre os quais o Japão e os
renças econômicas dos países como também membros das Comunidades Européi-
a falta de especialistas nas delegações dos as, que destacaram a necessidade de

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assegurar a proteção dos direitos de dos no Preâmbulo do Acordo e nos arts. 7 o,
propriedade intelectual, evitando abu- 8 o e 69.
sos no seu exercício ou outras práti- Como se lê no Preâmbulo do Acordo, as
cas que constituíssem impedimento partes lograram o consenso comprometen-
ao comércio legítimo. Isso porque os do-se:
direitos exclusivos outorgados pelos (a) a aplicar os princípios básicos do
títulos de propriedade intelectual po- GATT 1994 e os acordos e convenções in-
deriam tornar-se, muitas vezes, bar- ternacionais relevantes em matéria de pro-
reiras ao comércio, especialmente por priedade intelectual;
seu uso abusivo. Para esses países, as (b) a estabelecer padrões e princípios ade-
distorções no comércio podem surgir quados relativos à existência, abrangên-
não apenas da “inadequada” prote- cia e exercício de direitos de propriedade
ção como também de uma “excessi- intelectual relacionados ao comércio;
va” proteção. (c) a estabelecer meios eficazes e apropria-
Após seis anos de intensas negociações, dos para a aplicação de normas de prote-
o diretor-geral do GATT, Arthur Dunkel, ção de direitos de propriedade intelectual
apresentou, em dezembro de 1991, um pro- relacionados ao comércio, levando em con-
jeto do acordo em todas as áreas negocia- sideração as diferenças existentes entre os
das durante a “Rodada do Uruguai”. Co- sistemas jurídicos nacionais;
nhecido como Dunkel Draft7, o projeto sofreu (d) a estabelecer procedimentos eficazes e
alterações até o fim da “Rodada do Uru- expedidos para a prevenção e solução
guai”, em 15 de dezembro de 1993, sendo multilaterais de controvérsias entre Go-
aprovado pelos Ministros do GATT, em vernos; (...).
Marraqueche, em 15 de abril de 1994. Para tanto, os Estados reconhecem:
O projeto buscava um ponto de equilí- (a) a necessidade de um arcabouço de prin-
brio entre as várias posições e, ao mesmo cípios, regras e disciplinas multilaterais
tempo, apresentava uma resposta às preo- sobre comércio internacional de bens con-
cupações dos países em desenvolvimento. trafeitos;
São reveladoras do contexto em que as (b) os direitos de propriedade intelectual
negociações se desenvolveram as colocações são direitos privados;
do diretor-geral Dunkel, no projeto final, de (c) os objetivos básicos de política pública
dezembro de 1991: dos sistemas nacionais para a proteção da
“This is not to say the agreement propriedade intelectual, inclusive os ob-
is without its critics. All parties ‘won’ jetivos de desenvolvimento e tecnologia;
and ‘lost’ important issues. Some in- (d) as necessidades especiais dos países de
dustries in some countries are deeply menor desenvolvimento relativo, no que
troubled by the compromise package se refere à implementação interna de leis e
put forward. Nonetheless, the oppor- regulamentos, com a máxima flexibilida-
tunity to obtain multilateral rules and de, de forma a habilitá-los a criar uma base
enforcement mechanisms across so tecnológica sólida e viável;
many disparate issues will likely be (e) a importância de reduzir tensões medi-
viewed as one of the major accom- ante a obtenção de compromissos firmes
plishments in any concluded Uruguay para a solução de controvérsias sobre ques-
Round”. tões de propriedade intelectual relaciona-
A composição dos interesses em jogo das ao comércio, por meio de procedimen-
durante as negociações do TRIPS resultou tos multilaterais (Preâmbulo).
numa posição comum expressa numa pau- O art. 7 o do Acordo TRIPS fixa os Objeti-
ta de compromissos claramente apresenta- vos a serem perseguidos:

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“A proteção e a aplicação de nor- cas que limitem de maneira injustificá-
mas de proteção dos direitos de pro- vel o comércio ou que afetem adversa-
priedade intelectual devem contribuir mente a transferência de tecnologia”.
para a promoção da inovação tecno- Os Estados, tendo sempre presentes as
lógica e para a transferência e difusão disposições do Acordo, devem adaptar suas
de tecnologia, em benefício mútuo de legislações às regras de proteção da proprie-
produtores e usuários de conhecimen- dade intelectual, sem perder de vista seus
to tecnológico e de uma forma condu- interesses em matéria de saúde pública, pro-
cente ao bem-estar social e econômico teção ambiental, entre outros. Podem os Es-
e a um equilíbrio entre direitos e obri- tados adotar medidas para evitar o abuso
gações”. dos direitos de propriedade intelectual ou o
As partes se comprometem a buscar “be- recurso a práticas que sirvam de barreiras
nefícios recíprocos”, “bem-estar social e eco- injustificáveis e não razoáveis ao comércio,
nômico” e, sobretudo, o “equilíbrio de direi- ou que afetem adversamente o curso da
tos e obrigações”. O reconhecimento e a ob- transferência internacional de tecnologia,
servância dos direitos de propriedade inte- lançando mão, por exemplo, das licenças
lectual dependem de valores sociais rele- obrigatórias.
vantes e, em particular, do equilíbrio entre O art. 69 do Acordo fixa as premissas
os usuários de conhecimento tecnológico. básicas da Cooperação Internacional entre
Como observou Carlos Correa (1998, p. os Estados contratantes:
28-29), “o Acordo TRIPS, portanto, não con- “Os Membros concordam em coo-
sagra um paradigma ‘absolutista’ da pro- perar entre si com o objetivo de elimi-
priedade intelectual, no qual só interessa a nar o comércio internacional de bens
proteção dos direitos do titular. Pelo contrá- que violem direitos de propriedade
rio, se baseia no equilíbrio entre a promoção intelectual. Para este fim, estabelece-
da inovação e da difusão e transferência de rão pontos de contato em suas respec-
tecnologia”. tivas administrações nacionais, deles
Destaca-se, assim, a importância da pro- darão notificações e estarão prontos a
moção da inovação e a difusão tecnológica intercambiar informações sobre o co-
como componentes fundamentais da políti- mércio de bens infratores. Promove-
ca dos países partes do Acordo. rão, em particular, o intercâmbio de
O art. 8 o fixa os Princípios do Acordo: informações e a cooperação entre as
“1– Os Membros, ao formular ou autoridades alfandegárias no que tan-
emendar suas leis e regulamentos, ge ao comércio de bens com marca
podem adotar medidas necessárias contrafeita e bens pirateados”.
para proteger a saúde e nutrição pú- O dispositivo expressa o compromisso
blicas e para promover o interesse das partes, no sentido de coibir o comércio
público em setores de importância vi- de bens pirateados e com marcas contrafei-
tal para seu desenvolvimento socioe- tas, ou seja, o comércio internacional de bens
conômico e tecnológico, desde que es- que violem os direitos de propriedade inte-
tas medidas sejam compatíveis com o lectual. Todas as medidas tomadas nesse
disposto neste Acordo. sentido devem ser comunicadas, por meio
2– Desde que compatíveis com o do Conselho para TRIPS (Conselho dos As-
disposto neste Acordo, poderão ser pectos dos Direitos de Propriedade Intelec-
necessárias medidas apropriadas tual Relacionados ao Comércio), cujas fun-
para evitar o abuso dos direitos de ções são, de acordo com o art. 68, “supervi-
propriedade intelectual por seus titu- sionar a aplicação do Acordo e, em particu-
lares ou para evitar o recurso a práti- lar, o cumprimento, por parte dos Membros,

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das obrigações por ele estabelecidas, e lhes difusão de tecnologia, destacando as assi-
oferecer a oportunidade de efetuar consul- metrias Norte-Sul, comprometeram-se a im-
tas sobre questões relativas aos aspectos dos plementar medidas eficazes e apropriadas
direitos de propriedade intelectual relacio- para a aplicação de normas de proteção des-
nados ao comércio. O Conselho se desin- ses direitos relacionadas ao comércio, na
cumbirá de outras atribuições que lhe forem perspectiva da cooperação internacional.
confiadas pelos Membros e, em particular, A “Rodada do Uruguai” representa a
lhes prestará qualquer assistência solicita- busca de um denominador comum, cujo li-
da no contexto de procedimentos de solu- mite foi o próprio consenso. Sob essa ótica,
ção de controvérsias”. são extremamente oportunas as afirmações
O disposto no art. 67, referente à Coope- de Celso Lafer (1998, p. 28), quando, recor-
ração Técnica, determina que “a fim de faci- dando a lição de Grócio em oposição à de
litar a aplicação do Acordo, os países de- Hobbes”, diz-nos:
senvolvidos Membros, a pedido, e em ter- “Há um potencial de sociabilida-
mos e condições mutuamente acordados, de e solidariedade na esfera interna-
prestarão cooperação técnica e financeira cional. Este potencial provê – e este é
aos países em desenvolvimento Membros e o pressuposto no qual se fundamenta
de menor desenvolvimento relativo Mem- a OMC – uma interação organizada e
bros. Essa cooperação incluirá assistência não-anárquica entre os atores da vida
na elaboração de leis e regulamentos sobre econômica num mercado globalizado,
proteção e aplicação de normas de proteção que não funciona como um jogo de
dos direitos de propriedade intelectual, bem soma zero, em que o ganho de um sig-
como sobre a prevenção de seu abuso, e in- nifica a perda do outro. Há conflito,
cluirá apoio ao estabelecimento e fortaleci- mas há também cooperação, lastrea-
mento dos escritórios e agências nacionais da num processo abrangente que tem
competentes nesses assuntos, inclusive na sua base na racionalidade e na funci-
formação de pessoal”. onalidade da reciprocidade de inte-
O Acordo TRIPS busca o consenso, cujo resses. Somente se pode perceber e jul-
alicerce fundamental deve ser a cooperação gar adequadamente essa reciprocida-
entre os Estados partes. Quando necessá- de de interesses se estão visivelmente
rio, está à disposição dos Estados o Sistema à tona, através da publicidade contem-
de Solução de Controvérsias (constante do plada pelo princípio de transparên-
art. 64, do TRIPS, e do Anexo 2 do Acordo cia” (grifo nosso).
Final da Rodada do Uruguai).
O TRIPS representa, portanto, um docu- 2.3. O TRIPS: natureza, objetivos, alcance e
mento fundamental na consolidação da pro- princípios gerais
teção dos direitos de propriedade intelectu- Antes de estudarmos o conteúdo do Acor-
al na sociedade internacional contemporâ- do TRIPS, o que faremos a seguir, é impor-
nea, e a vinculação definitiva desses direi- tante examinar sua natureza jurídica, bem
tos ao comércio internacional. Com ele, as como seu alcance, principais objetivos, prin-
partes ganharam e perderam e os interesses cípios e características.
contrapostos acabaram chegando ao con-
senso. Certamente, o texto ficou aquém das 2.3.1. Natureza do TRIPS
expectativas dos países desenvolvidos, que O TRIPS integra o “Acordo Constitutivo
buscavam no GATT patamares superiores da Organização Mundial do Comércio –
de proteção dos direitos de propriedade in- OMC”, também conhecido como “Ata Final
telectual. Por outro lado, os países em de- da Rodada do Uruguai”, que aqui denomi-
senvolvimento, que buscavam assegurar a namos de “Acordo Geral” ou “Acordo

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Constitutivo”. A OMC é um Acordo maior a paz ou a guerra, o recuso obstrucio-
que se compõe de quatro Anexos e o TRIPS é nista ao veto é considerado legítimo e
o Anexo 1C. ocorre com freqüência porque, teori-
Dessa forma, para entendermos o TRIPS e camente, a sobrevivência do Estado
seus fundamentos, devemos ter presente os como uma unidade independente
princípios que inspiram e norteiam a OMC. pode estar em jogo. A OMC, como uma
Como observou Celso Lafer, “a OMC, expressão de direito internacional de
num sistema internacional hoje caracteriza- cooperação no campo econômico e um
do por preponderância dos Estados Unidos foro de negociação de interesse geral,
– que é a única potência capaz de atuar em não opera sob a mesma presunção.
todos os tabuleiros da vida mundial (estra- Sua premissa é operar dentro, e não
tégico-militar, econômico-financeiro, tecno- fora do sistema. O consenso é a con-
lógico, político-diplomático, etc) –, é uma trapartida dessa premissa na OMC,
das únicas instâncias em que efetivamente enquanto um foro negociador de um
prevalece um multipolarismo. Enseja coli- direito internacional de cooperação.
gações de geometria variável, em função da Essa é a razão pela qual as normas da
variedade dos temas tratados; por isso, no OMC não podem ser impostas por
multilateralismo comercial não prevalecem meio de um pactum subjectionis. Todos
‘alinhamentos automáticos’”. Razão pela os membros da OMC criam e estabele-
qual, comenta Lafer (1998, p. 14-15), “na cem regras por meio de um pactum so-
OMC, na formação destas coligações, não cietatis, que assegura uma efetiva di-
só os Estados Unidos têm peso. A Europa mensão de aceitação generalizada”.
atua pela voz única da Comissão Européia, Os Anexos 1, 2 e 3 do Acordo da OMC
o Japão opera sem inibições; países de gran- integram o conjunto denominado “Acordos
de mercado como a Índia e o Brasil têm efe- Multilaterais de Comércio” e são “obrigató-
tiva influência; interesses específicos como rios” para os Estados membros. O Anexo 4
os da liberação do comércio de produtos agrí- é composto pelos denominados “Acordos
colas, como vem mostrando a atuação do Plurilaterais de Comércio”, que são faculta-
Grupo de Cairns, possuem poder de inici- tivos, isto é, vinculam, unicamente, os paí-
ativa pela força da ação conjunta e, finalmen- ses que os tenham aceitado.
te, a regra e prática do consenso no processo Em alguns países se discute a natureza
decisório têm um componente de democrati- do “Acordo Constitutivo da OMC”, em seus
zação que permeia a vida da organização”. respectivos ordenamentos internos. Para
A OMC descortina um novo universo que alguns, esse Acordo implica um executive
precisa ser mais conhecido pelas conseqü- agreement, para outros, um tratado de comér-
ências que gera em todos os campos da ati- cio – trade agreement8.
vidade econômica dos Estados e por ser o O “Acordo Constitutivo da OMC” é um
trampolim de inserção no comércio mundi- tratado-contrato, porque os Estados membros
al. Por meio de normas de cooperação mú- podem determinar como implementar suas
tua, a OMC busca a promoção do interesse regras, desde que observado o disposto no
comum. E, para entendermos isso melhor, “Acordo Geral e seus Anexos”. Com razão,
novamente são fundamentais as lições de sustenta Luiz Olavo Baptista (1996, p. 14-18),
Celso Lafer (1998, p. 38): “as pessoas não estão familiarizadas
“Em outros organismos internaci- com a sistemática da OMC. Ao lado
onais, tais como o Conselho de Segu- da assinatura do contrato, cada um
rança das Nações Unidas ou a Confe- dos países apresenta um anexo com
rência do Desarmamento, que tratam as disposições e as explicações da for-
de temas de segurança e cujo limite é ma como vai cumprir o tratado. Aí está

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um aspecto muito importante, são os tados partes, que só pode ser exigida pelo
bindings, isto é, as obrigações que os outro ou outros Estados partes do tratado.
países têm de nem por denúncia de Quem não é parte não pode exigir o seu cum-
tratado reduzir as vantagens decor- primento, tal qual acontece com os contra-
rentes de determinadas cláusulas e tos, no direito civil das obrigações.
condições. Essas deverão ser inseri- Denis Barbosa (1998, p. 87) afirma que
das na sua legislação, segundo os pra- os “destinatários das normas do TRIPS são
zos ali fixados. Em todos os tratados os Estados membros da OMC. Nenhum di-
que o Brasil assinou em Marraqueche, reito subjetivo resulta para a parte privada,
há um anexo com uma série de bindin- da vigência e aplicação do TRIPS”. E acres-
gs ou obrigações. Nas publicações fei- centa, com muita propriedade: “assim, por
tas pela OMC e do Diário Oficial, es- expressa determinação do próprio TRIPS,
ses bindings não aparecem”. cabe à legislação nacional dar corpo às nor-
Os Estados membros da OMC podem mas prefiguradas no texto internacional.
determinar o método mais adequado, de Não existem, no caso, normas uniformes,
acordo com os seus procedimentos internos, mas ‘padrões mínimos’ a serem seguidos
de implementação das disposições do pelas leis nacionais, sob pena de violação
“Acordo Geral”, o que reforça a sua nature- do Acordo – mas sem resultar, no caso de
za de “tratado-contrato”. Conforme Luiz desatendimento, em violação de direito sub-
Olavo Baptista (1996, p. 14-18), é como se jetivo privado”.
cada Estado, ao firmar a “Ata Final” ou o A essência contratual do TRIPS despon-
“Acordo Constitutivo da OMC, dissesse: ta desde logo em seu art. 1o (Natureza e
“Este contrato que passamos entre nós, Es- Abrangência das Obrigações):
tados-membros, visa criar uma legislação “1.1. Os Membros colocarão em
que observe um piso e deve ser implementa- vigor o disposto neste Acordo. Os
do por você, Estado-membro, dentro do seu Membros poderão, mas não estarão
sistema jurídico da forma que você costuma obrigados a prover, em sua legislação,
fazer, ou deve fazer essas coisas de acordo proteção mais ampla que a exigida
com a sua legislação”. Segundo ele, “fica neste Acordo, desde que tal proteção
claro assim que os mandamentos do Acor- não contrarie as disposições deste
do não se endereçam aos súditos, mas aos Acordo. Os Membros determinarão
Estados-membros da OMC”. livremente a forma apropriada de im-
O TRIPS é um “tratado-contrato”, não plementar as disposições deste Acor-
só devido aos seus aspectos relacionados do no âmbito de seus respectivos sis-
ao comércio, mas porque por meio dele, bem tema e prática jurídicos”.
como dos demais acordos que compõem a Os Estados partes do TRIPS assumiram,
OMC, os Estados partes, realizando uma reciprocamente, o compromisso de imple-
operação jurídica, criaram uma situação mentar, em seus sistemas de direito nacio-
jurídica subjetiva. nal, os padrões mínimos de proteção fixa-
Sua natureza é distinta dos “tratados- dos em comum. São livres para determinar
leis”, que estabelecem uma situação jurídi- a forma mais apropriada de cumprir esse
ca impessoal na medida em que editam re- compromisso de acordo com as regras vi-
gras de direito objetivamente válidas. Nes- gentes em seus sistemas de direito e com a
ses, os Estados desempenham um papel se- prática reinante. Caracterizará violação ao
melhante ao do legislador. Acordo TRIPS se os Estados partes não o
Os “tratados-contratos” geram obriga- fizerem, se, ao fazerem, não observarem os
ção internacional de conduta na ordem in- padrões mínimos ou, se esses forem obser-
ternacional e não na ordem interna dos Es- vados, houver descumprimento.

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 295


2.3.2. Os objetivos e alcance do TRIPS para a proteção da propriedade intelectual,
inclusive os objetivos de desenvolvimento e
2.3.2.1. Objetivos tecnologia e, igualmente, nas necessidades
especiais dos países de menor desenvolvi-
Os objetivos do TRIPS, haja vista as duas mento relativo no que se refere à implemen-
preocupações principais – (a) completar as tação interna de leis e regulamentos com a
deficiências do sistema de proteção da máxima flexibilidade, de forma a habilitá-
OMPI e (b) vincular, definitivamente, os di- los a criar uma base tecnológica sólida e vi-
reitos de propriedade intelectual ao comér- ável” (Preâmbulo).
cio internacional, são: “reduzir as distor- Conforme os objetivos do TRIPS, “a pro-
ções e obstáculos ao comércio internacio- teção e a aplicação de normas de proteção
nal”, levando em conta “a necessidade de dos direitos de propriedade intelectual de-
promover uma proteção eficaz e adequada vem contribuir para a promoção da inova-
dos direitos de propriedade intelectual” e ção tecnológica e para a transferência e di-
“a necessidade de assegurar que as medi- fusão de tecnologia, em benefício mútuo de
das e procedimentos destinados a fazê-los produtores e usuários de conhecimento tec-
respeitar não se tornem, por sua vez, obstá- nológico e de uma forma conducente ao bem-
culos ao comércio legítimo” 9. Os Estados estar social e econômico e a um equilíbrio
partes reconhecem como absolutamente ne- entre direitos e obrigações” (art.7 o).
cessário: Busca o TRIPS reduzir tensões entre os
“a) a aplicação dos princípios bási- Estados partes por meio do compromisso
cos do GATT 1994 e dos acordos e para a solução de controvérsias sobre ques-
convenções internacionais relevan- tões de propriedade intelectual relaciona-
tes em matéria de propriedade inte- das ao comércio, por meio de procedimen-
lectual; tos multilaterais, descritos no art. 64 do
b) o estabelecimento de padrões e prin- Acordo TRIPS e no Anexo 2 do Acordo Ge-
cípios adequados relativos à existên- ral.
cia, abrangência e exercício de direi- O TRIPS visa à realização de um empre-
tos de propriedade intelectual relaci- endimento comum, dirigido à promoção do
onados ao comércio; interesse compartilhado. Suas metas estão
c) o estabelecimento de meios eficazes traçadas em normas de cooperação mútua,
e apropriados para a aplicação de consenso, prudência e lealdade.
normas de proteção de direitos de pro-
priedade intelectual relacionados ao 2.3.2.2. Alcance ou abrangência
comércio, levando em consideração as O art. 1.1. aponta o alcance do TRIPS:
diferenças existentes entre os sistemas 1) o alcance das obrigações represen-
jurídicos nacionais; tam um standard mínimo: “os Mem-
d) o estabelecimento de procedimen- bros poderão, mas não estarão obri-
tos eficazes e expeditos para a preven- gados a prover, em sua legislação,
ção e solução multilaterais de contro- proteção mais ampla que a exigida
vérsias entre os Governos” (Preâmbu- neste Acordo”;
lo). 2) a obrigatoriedade de incorporação
O TRIPS teve origem “na necessidade de das disposições do Acordo nas legis-
se elaborar um arcabouço de princípios, re- lações nacionais;
gras e disciplinas multilaterais sobre o co- 3) a liberdade de escolha da metodo-
mércio de bens contrafeitos; na exigência logia de implementação: “os Membros
premente de se fixar objetivos básicos de determinarão livremente a forma apro-
política pública dos sistemas nacionais priada de implementar as disposições

296 Revista de Informação Legislativa


deste Acordo no âmbito de seus res- Em 1994, o Canadá, o Japão e a Austrá-
pectivos sistemas e prática jurídicos”. lia modificaram suas leis para adaptá-las
ao TRIPS.
A) Os padrões mínimos de proteção Os países latino-americanos, mesmo
As disposições do TRIPS constituem dentro do período de transição, já começa-
padrões mínimos de proteção que devem ser ram a se adaptar às disposições do TRIPS,
adotados pelos Estados partes, em suas le- entre eles Argentina, Brasil e Comunidade
gislações nacionais. Andina.
Não se pode exigir dos Estados partes
proteção aos direitos de propriedade inte- C) Os métodos de incorporação
lectual mais ampla do que aquela prevista aos direitos internos
no Acordo. Qualquer controvérsia deve ser Os Estados partes têm liberdade para
submetida ao procedimento de solução de escolher a forma apropriada para imple-
controvérsias da OMC. mentar as disposições do Acordo, desde
As disposições do Acordo não são autô- que respeitados os padrões mínimos de pro-
nomas e não podem ser aplicadas diretamente teção, podendo prover proteção mais ampla.
porque ditam os critérios mínimos de prote- A metodologia a ser seguida por cada Esta-
ção e não o exato conteúdo desses direitos. do, na implementação do TRIPS, é aquela
Sendo assim, o TRIPS não constitui uma descrita em seu próprio sistema de direito16.
lei uniforme, porque muitas áreas ficaram O art. 1.2. determina o que se entende
em aberto, por exemplo, a matéria patenteá- por propriedade intelectual: direito do au-
vel (art. 27, 3 “d”)10, os períodos de transi- tor e direitos conexos, marcas, indicações
ção conferidos aos países em desenvolvi- geográficas, desenhos industriais, patentes,
mento (art. 65, 2)11 e de menor desenvolvi- topografia de circuitos integrados e prote-
mento relativo (art. 66)12. ção de informação confidencial.
O art. 13 (Limitações e Exceções) prevê
B) A incorporação nos direitos internos que “os Membros restringirão as limitações
Os Estados membros devem incorporar ou exceções aos direitos exclusivos a deter-
as regras do Acordo em suas legislações, minados casos especiais, que não conflitem
observados, para os países em desenvolvi- com a exploração normal da obra e não pre-
mento e de menor desenvolvimento relati- judiquem injustificavelmente os interesses
vo, os períodos de transição estabelecidos. legítimos do titular do direito”.
Muitos países, sobretudo os desenvolvi-
dos, têm ratificado o TRIPS e, pelo seu cará- 2.3.3. Os princípios gerais do TRIPS
ter “não executório” ou no self executing, ado-
2.3.3.1. O princípio do Single Undertaking
tado leis para incorporar as disposições do
Acordo em suas legislações. Nos Estados Esse é um princípio fundamental para
Unidos, foi sancionada uma lei especial para entendermos a lógica do sistema da OMC.
incorporar o TRIPS ao seu direito interno, O princípio do single undetaking está ex-
em 1994. A União Européia ratificou o TRIPS presso no art. 2 o, incisos 2 e 3, da Ata Final
e a Comissão Européia declarou que as dis- da Rodada do Uruguai, isto é, do Acordo
posições do Acordo não são “por sua natu- Constitutivo da OMC:
reza suscetíveis de serem invocadas pelos “2. 2 – Os acordos e os instrumen-
particulares na Comunidade ou frente aos tos legais conexos incluídos nos Ane-
tribunais dos países membros”13, razão pela xos 1, 2 e 3 (denominados a seguir de
qual a Comissão modificou as normas pree- ‘Acordos Comerciais Multilaterais’)
xistentes em matéria de marcas14 e de circui- formam parte integrante do presente
tos integrados 15. Acordo e obrigam a todos os Membros.

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 297


2. 3 – Os acordos e os instrumen- Convenção de Roma, fará uma notificação,
tos legais conexos incluídos no Ane- de acordo com aquelas disposições, ao Con-
xo 4 (denominados a seguir de ‘Acor- selho para TRIPS”.
dos Comerciais Plurilaterais’) também Os Estados partes também poderão fa-
formam parte do presente Acordo para zer uso dessas exceções “em relação a pro-
os Membros que os tenham aceito e cedimentos judiciais e administrativos, in-
são obrigatórios para estes. Os Acor- clusive a designação de um endereço de ser-
dos Comerciais Plurilateriais não cri- viço ou nomeação de um agente em sua área
am obrigações nem direitos para os de jurisdição, somente quando tais exceções
Membros que não os tenham aceita- sejam necessárias para assegurar o cumpri-
do”. mento de leis e regulamentos que não sejam
Do que se conclui que não é possível incompatíveis com as disposições deste Acor-
aderir a apenas parte dos Acordos, sob pena do e quando tais práticas não sejam aplica-
de quebrar seu equilíbrio e lógica estrutu- das de maneira que poderiam constituir res-
ral, exceção feita aos “Acordos Comerciais trição disfarçada ao comércio” (art. 3.2).
Plurilaterais”, do Anexo 4.
Desse princípio decorre a unidade do 2.3.3.3. O princípio da nação mais favorecida
sistema, razão pela qual chamávamos aten- Esse princípio, que faz parte da história
ção para o fato de que o TRIPS deve ser do GATT – 1947 (art. I: Tratamento Geral de
examinado dentro da estrutura da OMC. Nação mais Favorecida), é um dos pilares
Segundo o princípio do single under- sobre o qual se apóia a OMC. No Acordo
taking o TRIPS não admite reservas. TRIPS, esse princípio está previsto no art.
4 o, o qual determina que, com relação à pro-
2.3.3.2. O princípio do tratamento nacional teção da propriedade intelectual, “toda van-
O princípio do “tratamento nacional” e tagem, privilégio ou imunidade que um
o princípio “da nação mais favorecida” já Membro conceda aos nacionais de qualquer
integravam o esquema estrutural do GATT outro país será outorgado imediata e incon-
– 1947 (arts. I e III) e se mantiveram na estru- dicionalmente aos nacionais de todos os
tura da OMC, atingindo todos os seus acor- demais Membros”. Está isenta dessa obri-
dos constitutivos. gação toda vantagem, favorecimento, privi-
De acordo com o art. 3,1 do TRIPS (Tra- légio ou imunidade concedida por um Mem-
tamento Nacional), “cada Membro conce- bro que
derá aos nacionais dos demais Membros tra- “a) resulte de acordos internacionais
tamento não menos favorável que o outor- sobre assistência judicial ou sobre
gado a seus próprios nacionais com relação aplicação em geral da lei e não limita-
à proteção17 da propriedade intelectual, sal- dos em particular à proteção da pro-
vo as exceções já previstas, respectivamen- priedade intelectual;
te, na Convenção de Paris (1967), na Con- b) tenha sido outorgada em conformi-
venção de Berna (1971), na Convenção de dade com as disposições da Conven-
Roma e no Tratado sobre a Propriedade In- ção de Berna (1971) ou da Convenção
telectual em Matéria de Circuitos Integra- de Roma que autorizam a concessão
dos. No que concerne a artistas-intérpretes, de tratamento em função do tratamen-
produtores de fonogramas e organizações to concedido em outro país e não do
de radiodifusão, essa obrigação se aplica tratamento nacional;
apenas aos direitos previstos neste Acordo. c) seja relativa aos direitos de artistas-
Todo Membro que faça uso das possibilida- intérpretes, produtores de fonogramas
des previstas no Artigo 6 da Convenção de e organizações de radiodifusão não
Berna e no parágrafo 1.b, do Artigo 16 da previstos neste Acordo;

298 Revista de Informação Legislativa


d) resultem de acordos internacionais O esgotamento “nacional” ocorre quan-
relativos à proteção da propriedade do a exaustão dos direitos do titular se limi-
intelectual que tenham entrado em ta ao livre comércio interno de um Estado.
vigor antes da entrada em vigor do Se o titular do direito de propriedade inte-
Acordo Constitutivo da OMC, desde lectual colocou no comércio nacional seu
que esses acordos sejam notificados produto, não pode impedir a sua ulterior
ao Conselho para TRIPS e não consti- comercialização.
tuam discriminação arbitrária ou in- Com o esgotamento internacional acon-
justificável contra nacionais dos de- tece o mesmo, porém, com repercussões
mais Membros (art. 4 o)”. maiores. Se o produto for comercializado
O campo de aplicação desse artigo é bas- pela primeira vez pelo titular do direito de
tante amplo: todas as vantagens, favoreci- propriedade intelectual, ou com o seu con-
mentos, privilégios e imunidades que um sentimento, em qualquer lugar do mundo,
Estado parte conceda aos nacionais de ou- estarão livres as importações e ulteriores
tro Estado parte serão automática e incon- vendas paralelas desse produto no Estado
dicionalmente estendidas aos nacionais dos importador em que a marca tenha sido re-
demais Estados partes. gistrada.
É importante observar que as obrigações Existe ainda o esgotamento “supranaci-
decorrentes dos princípios do “tratamento onal”, que acontece no âmbito do Mercado
nacional” e “da nação mais favorecida” Comum Europeu.
(arts. 3 o e 4o) “não se aplicam aos procedimen- Contudo, o que nos interessa aqui é o
tos previstos em acordos multilaterais concluí- “esgotamento internacional”.
dos sob os auspícios da OMPI relativos à obten- O art. 6o do Acordo TRIPS estabelece:
ção e manutenção dos direitos de propriedade “Para os propósitos de solução de contro-
intelectual” (art. 5 o ). vérsias no marco deste Acordo, e sem preju-
ízo do disposto nos Artigos 3 e 4, nada nes-
2.3.3.4. O princípio do esgotamento te Acordo será utilizado para tratar da ques-
internacional dos direitos (exaustão) tão da exaustão dos direitos de proprieda-
Conforme o princípio do “esgotamento de intelectual”.
internacional dos direitos ou exaustão de Durante as negociações da Rodada do
direitos”, o direito de exclusão comercial do Uruguai, pretendeu-se dar a esse artigo uma
titular do direito de propriedade intelectual redação mais explícita. Não obstante, pare-
se esgota (exaure, termina) no momento em ce claro que sua intenção é reconhecer ao
que ele introduz o produto patenteado no legislador nacional a plena liberdade para
comércio ou consente que isso seja feito por prover ou excluir o esgotamento dos direi-
terceiro. tos de propriedade intelectual no seu corpo
Ao realizar a primeira comercialização, o legislativo interno, respeitados os limites
direito do titular se esgota de tal forma que os impostos pelo próprio Acordo TRIPS.
produtos introduzidos no comércio poderão O princípio do esgotamento internacio-
ser objeto de atos, ulteriores e sucessivos, de nal já constava no GATT – 1947, parágrafos
comercialização, de acordo com o regime de 1 o e 4o do art. III (Tratamento Nacional no
liberdade de comércio. O titular da marca não Tocante à Tributação e Regulamentação In-
mais poderá proibir ou restringir que tercei- ternas). De acordo com esses dispositivos,
ros comercializem, ulteriormente, produtos os produtos do território de uma parte con-
com a tal marca, o que se denomina “vendas tratante não podem receber da lei nacional
paralelas” ou “distribuições paralelas”. sobre propriedade intelectual tratamento
O esgotamento pode ser “nacional” e menos favorável que o outorgado aos pro-
“internacional”. dutos similares de origem nacional, evitan-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 299


do uma proteção discriminatória do produ- cado de acordo com patente de processo ou
to nacional. Se, aos produtos nacionais, apli- de produto que tiver sido colocado no mer-
ca-se o esgotamento nacional, ao produto cado interno diretamente pelo titular da
importado deve-se aplicar o princípio do patente ou com seu consentimento”.
esgotamento internacional, nas mesmas con- A exaustão internacional aparece no art.
dições, desde que introduzidos no mercado 188: “Comete crime contra registro de dese-
da parte exportadora pelo titular do direito nho industrial quem: ... II – importa produto
de propriedade intelectual, ou com o seu que incorpore desenho industrial registrado
consentimento. no País, ou imitação substancial que possa
O art. 6 o do TRIPS admite a possibilida- induzir em erro ou confusão, para os fins pre-
de do esgotamento internacional dos direi- vistos no inciso anterior, e que não tenha sido
tos, isto é, a possibilidade de importar legal- colocado no mercado externo diretamente
mente um produto protegido por direitos de pelo titular ou com seu consentimento”.
propriedade intelectual, desde que tenha
sido introduzido, no mercado de qualquer 2.3.3.5. O princípio da transparência
outro país, pelo seu titular, ou com o seu O princípio da “transparência” é essen-
consentimento. cial na estrutura da OMC e no Acordo TRIPS.
A possibilidade de “importações para- Pelo art. 63, os Estados partes se comprome-
lelas” faz parte da lógica do sistema da tem a publicar, ou a tornar públicos, as leis
OMC. Como afirmou Tomás de las Heras e regulamentos finais de aplicação relativos
Lorenzo (1994, p. 477), “a exclusão do esgo- à matéria objeto do Acordo, de tal forma que
tamento internacional suporia uma distor- os governos e os titulares dos direitos de
ção no sistema do GATT e um passo atrás propriedade intelectual deles tomem conhe-
na liberdade do comércio internacional”. cimento. Impõe o princípio da transparên-
Afirma Correa (1998, p. 48-49) que “o re- cia que os acordos relativos à matéria objeto
conhecimento do princípio do esgotamento do Acordo TRIPS que estejam em vigor en-
internacional do Acordo TRIPS pode ser tre o governo ou uma agência governamen-
visto como um reflexo lógico da globaliza- tal de um membro e o governo ou agência
ção da economia em nível nacional. Esta so- governamental de um outro membro tam-
lução é conveniente para assegurar a compe- bém sejam publicados.
titividade das empresas locais, que podem Tem um papel importante na transpa-
estar em desvantagem se se vêem obrigadas a rência da conduta das partes contratantes o
comprar exclusivamente de distribuidores “Conselho para TRIPS” (“Conselho dos
que aplicam preços mais altos que os vigen- Aspectos dos Direitos de Propriedade Inte-
tes em outro país”. lectual Relacionados ao Comércio”). Sua
A exaustão nacional no Brasil consta no função é a de supervisionar a aplicação do
art. 43, IV, e a exaustão internacional, no art. Acordo “e, em particular, o cumprimento,
188, II, da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. por parte dos Membros, das obrigações por
O art. 42 da referida lei brasileira deter- eles estabelecidas, e lhes oferecerá a oportu-
mina que “a patente confere ao seu titular o nidade de efetuar consultas sobre questões
direito de impedir terceiro, sem o seu con- relativas aos aspectos dos direitos de pro-
sentimento, de produzir, usar, colocar à ven- priedade intelectual relacionados ao comér-
da, vender ou importar com estes propósi- cio”. O Conselho “se desincumbirá de ou-
tos: I – produto objeto de patente; II – proces- tras atribuições que lhe forem confiadas pe-
so ou produto obtido diretamente por pro- los Membros e, em particular, lhes prestará
cesso patenteado...”. A exaustão nacional qualquer assistência solicitada no contexto
aparece no art. 43: “O disposto no artigo de procedimentos de solução de controvér-
anterior não se aplica... IV – a produto fabri- sias” (art. 68).

300 Revista de Informação Legislativa


As partes contratantes se comprometem “A fim de facilitar a aplicação do
a notificar o Conselho para TRIPS das leis e presente Acordo, os países desenvol-
regulamentos referidos acima, de forma a vidos Membros, a pedido, e em termos
assisti-lo em suas funções. O Conselho ten- e condições mutuamente acordados,
tará minimizar o ônus dos membros em dar prestarão cooperação técnica e finan-
cumprimento a essa obrigação e poderá até ceira aos países em desenvolvimento
dispensá-los disso, se concluir com a OMPI Membros e de menor desenvolvimen-
entendimento sobre o estabelecimento de to relativo Membros. Essa cooperação
um registro comum. O mesmo poderá acon- incluirá assistência técnica na elabo-
tecer relativamente às obrigações do Acor- ração de leis e regulamentos sobre pro-
do TRIPS derivadas das disposições do art. teção e aplicação de normas de prote-
6 da Convenção de Paris (1967) (art. 63, 2 do ção dos direitos de propriedade inte-
TRIPS). lectual, bem como sobre a prevenção
de seu abuso, e incluirá apoio ao esta-
2.3.3.6. O princípio da cooperação belecimento e fortalecimento dos es-
internacional critórios e agências nacionais compe-
A OMC tem suas bases no direito inter- tentes nesses assuntos, inclusive na
nacional da cooperação, cuja finalidade formação de pessoal”.
principal é a promoção do interesse comum No campo da assistência mútua, entre
por meio de normas de cooperação mútua. as partes contratantes, os países desenvol-
A cooperação é a pedra de toque em todos vidos concederão “incentivos a empresas e
os Acordos que constituem a Organização, instituições de seus territórios com o objeti-
inclusive o TRIPS. vo de promover e estimular a transferência
A cooperação pode ser interna e externa. de tecnologia aos países de menor desen-
A cooperação “interna” se realiza no volvimento relativo Membros, a fim de ha-
âmbito da OMC, isto é, entre seus membros. bilitá-los a estabelecer uma base tecnológi-
No TRIPS, o princípio da cooperação apa- ca sólida e viável” (art. 66, 2).
rece no Preâmbulo, e se consagra, definiti- A cooperação internacional ou “exter-
vamente, no art. 69 (Cooperação Internacio- na” é a que se estabelece entre o TRIPS e a
nal): OMPI e outras organizações internacionais
“Os Membros concordam em coo- relevantes na proteção dos direitos de pro-
perar entre si com o objetivo de elimi- priedade intelectual. Não poderia ser dife-
nar o comércio internacional de bens rente já que a proposta do TRIPS é somar-se
que violem direitos de propriedade aos acordos preexistentes sobre a matéria,
intelectual. Para este fim, estabelece- estabelecendo relações de cooperação e as-
rão pontos de contato em suas respec- sistência contínua com outras organizações.
tivas administrações nacionais, delas O art. 68, parte final do Acordo, estabele-
darão notificação e estarão prontos a ce: “O Conselho para TRIPS poderá con-
intercambiar informações sobre o co- sultar e buscar informações de qualquer fon-
mércio de bens infratores. Promove- te que considerar adequada. Em consulta
rão, em particular, o intercâmbio de com a OMPI, o Conselho deverá buscar es-
informações e a cooperação entre as tabelecer, no prazo de um ano a partir de
autoridades alfandegárias no que tan- sua primeira reunião, os arranjos apropria-
ge ao comércio de bens com marca dos para a cooperação com os órgãos da-
contrafeita e bens pirateados”. quela Organização”.
Dentro do princípio geral de cooperação, O futuro vai definir e selar as bases des-
o art. 67 enfatiza o aspecto técnico da assis- sas relações de cooperação, tanto interna cor-
tência mútua: poris quanto entre as organizações.

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 301


2.3.3.7. O princípio da interação entre os subseqüentes tratados multilaterais, que
tratados internacionais sobre a matéria participam de um grau de generalidade que
lhes dá o caráter de atos legislativos e al-
O TRIPS não pretende cancelar o passa- cançam propriamente todos os membros da
do e recomeçar a tarefa de proteção dos di- comunidade internacional ou devem ser
reitos de propriedade intelectual. Como her- considerados como tendo sido concluídos
deiro da história, reconhece o valor dos do- no interesse internacional...”.
cumentos que o antecederam. O art. 2 o (Con- Há um equívoco na argumentação de
venções Sobre Propriedade Intelectual) sela Licks. O Acordo TRIPS não propõe uma rup-
esse compromisso: tura com a Convenção de Paris, nem é um
“1 – Com relação às Partes II, III e “tratado-normativo” mas “contratual”.
IV deste Acordo, os Membros cum- As obrigações contratadas na Conven-
prirão o disposto nos Artigos 1 a 12 e ção de Paris prevalecem sobre o TRIPS, haja
19, da Convenção de Paris (1967). vista que foram mantidas e reafirmadas em
2 – Nada nas Partes I a IV deste seu art. 2o. Os tratados não se excluem, con-
Acordo derrogará as obrigações exis- tradizem ou disputam a primazia de regular
tentes que os Membros possam ter relações jurídicas, mas se somam e comple-
entre si, em virtude da Convenção de tam e, na dúvida, prevalece o bom senso18.
Paris, da Convenção de Berna, da Ambos os documentos representam a
Convenção de Roma e do Tratado So- proteção atual dos direitos de propriedade
bre a Propriedade Intelectual em Ma- intelectual, suas relações são de interação,
téria de Circuitos Integrados”. não de “conflito”, porque estamos no con-
Alguns autores questionam as relações texto do direito internacional de coopera-
entre a Convenção de Paris e o TRIPS. ção e não de coexistência, em que são co-
Uma corrente sustenta que as obrigações, muns os conflitos entre fontes.
assumidas na Convenção de Paris, prevale- O TRIPS é dirigido aos direitos de pro-
cem com o Acordo TRIPS, uma vez que priedade intelectual relacionados ao comér-
mantidas e reafirmadas no art. 2o. Outra cio internacional, enquanto a Convenção de
sustenta que vários são os princípios de di- Paris não tem essa pretensão.
reito internacional público contrários a essa
tese, entre eles, o princípio lex posterior dero- 2.3.3.8. O princípio da interpretação
gat priori, isto é, quando os tratados têm dis- evolutiva
posições contraditórias e os signatários são Uma das principais características do
os mesmos, prevalece o último tratado. TRIPS é a dinamicidade. A interpretação
Para Otto Licks (1998, p. 628), “ainda que das suas cláusulas pode mudar de acordo
muito sedutora pela sua excelência, a tese com a evolução do tema. Como observou
de que a Convenção de Paris prevalece so- Otto Licks (1998, p. 625), “a grande diferen-
bre o TRIPS merece considerações adicio- ça de infra-estrutura constitucional, legal, e
nais”. Isso porque, Licks parece basear-se de disponibilidade de corpo técnico qualifi-
no texto adotado pela Comissão de Direito cado em cada um dos membros do Acordo
Internacional das Nações Unidas, que, cita- também contribuirá para a pluralidade de
do por ele, estabelece que: “1 – Um tratado entendimentos. Ademais, o estudo do TRIPS
bilateral ou multilateral, ou qualquer dis- por internacionalistas também contribuirá
posição de um tratado, é nulo, se sua execu- de forma importante para a interpretação
ção envolve a ruptura de uma obrigação de das cláusulas do Acordo”.
tratado previamente assumida por uma ou Como evitar as diferentes interpretações?
mais partes contratantes; ... 4 – A regra for- Cada Estado, ao incorporar as regras do
mulada nos parágrafos 1 e 2 não se aplica a TRIPS, fá-lo com base no seu próprio siste-

302 Revista de Informação Legislativa


ma de direito e realidade econômica, social, nal da propriedade intelectual”, citado na
cultural, etc. Contudo, a observância dos nota n.1, razão pela qual não nos vamos re-
princípios básicos do Acordo assim como petir aqui.
as decisões proferidas pelo Órgão de Solu-
ção de Controvérsias da OMC (OSC) servi- 4. Os efeitos do TRIPS
rão de lastro comum para a interpretação.
Em síntese, o Acordo TRIPS estabelece os 4.1. Os efeitos do TRIPS no direito
padrões mínimos de proteção a serem ob- internacional de proteção dos direitos
servados pelos Estados partes, os quais se de propriedade intelectual pós-uniões
comprometem a incorporá-los, submetendo- de Paris e de Berna
se às sanções previstas no Acordo.
O Acordo não é auto-executável (no self- A proteção e o reconhecimento dos di-
executing) e deve ser incorporado pelos Es- reitos de propriedade intelectual estão liga-
tados partes em suas legislações nacionais, dos ao direito internacional público e pri-
por mecanismos próprios, haja vista a liber- vado.
dade deixada pelo Acordo, tanto no que diz Com a OMC-TRIPS, a construção jurídi-
respeito às normas substantivas quanto as ca sobre a matéria adquiriu novos contor-
de procedimento. nos e atingiu sua maturidade em nova pers-
O Acordo TRIPS se baseia nas principais pectiva econômica internacional.
convenções internacionais sobre a matéria, O TRIPS, como parte integrante do Acor-
mantendo com todas elas uma relação de do Constitutivo da OMC, trouxe princípios
colaboração e complementaridade, introdu- novos como o single undertaking, “transpa-
zindo princípios como o da “nação mais rência”, “cooperação internacional”, “inte-
favorecida”, “esgotamento internacional ração entre tratados internacionais” e “in-
dos direitos”, e single undertaking, entre ou- terpretação evolutiva”.
tros. O TRIPS fixou “padrões mínimos” rela-
tivos à existência, alcance e exercício dos
3. Solução de controvérsias direitos de propriedade intelectual. Dotou o
regime internacional de proteção desses di-
A) Mecanismos de solução reitos de um “mecanismo de prevenção e
solução de controvérsias”. O Estado parte
De acordo com o art. 64, a solução de pode, mediante notificação ao Órgão de So-
controvérsias do TRIPS é regida pelos arts. lução de Controvérsias da OMC (OSC), soli-
XXII e XXIII do GATT, desenvolvidos e apli- citar uma consulta a outro Estado parte.
cados nos Entendimentos Relativos às Nor- Caso não resolva a controvérsia, pode ser
mas e Procedimentos Sobre Solução de Con- constituído um Painel (ou Grupo Especial)
trovérsias, previstos no Anexo 2, do Acordo com a incumbência de examinar a questão.
Constitutivo da OMC. Esse Anexo 2 adotou Da decisão do Painel, cabe recurso ao Ór-
o Dispute Settlement Body (DSB), ou “Órgão gão de Apelação. Estão previstas sanções,
de Solução de Controvérsias” (OSC), que se autorizadas pelo OSC, contra o Estado mem-
traduz num mecanismo mais eficaz para a bro que não cumprir as decisões do Painel e
solução de controvérsias do que o do GATT. do Órgão de Apelação.
O Órgão de Solução de Controvérsias O TRIPS dotou a legislação internacio-
(OSC) da OMC substituiu o Conselho Geral nal elaborada pela OMPI, e mesmo antes
do GATT, e dele fazem parte todos os Mem- dela, de defesa e ataque, na medida em que
bros da OMC. O OSC traz vários elementos se somou aos instrumentos internacionais
novos e importantes sobre os quais já nos preexistentes sobre a matéria e, ao mesmo
debruçamos no livro “O direito internacio- tempo, acrescentou dados novos.

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 303


O TRIPS trouxe o que faltava, estabele- receitas ou de diretivas que o juiz – pois é
cendo mecanismos de consulta e fiscaliza- principalmente a ele que se leva o problema
ção (vigilância) dos “padrões mínimos” in- – deverá aplicar de maneira sistemática”.
ternacionais exigidos e garantindo a obser- O princípio fundamental dessa interpre-
vância desses “padrões” nos direitos dos tação deve ser a vontade dos Estados par-
Estados partes. tes, que, no caso do TRIPS, não é revogar ou
excluir as convenções anteriores, mas acres-
4.2. As implicações institucionais decorrentes centar-lhes elementos novos.
das relações entre o TRIPS e a OMPI Como observou o professor Miguel Rea-
A OMPI administra as Uniões de Paris e le (198-?, p. 17-23), no início dos anos 80, “a
de Berna, bem como os tratados internacio- Convenção de Paris não representa um di-
nais de propriedade intelectual. Seu proces- reito uniforme, ela marca uma diretriz no
so decisório se baseia no princípio da igual- sentido de um direito uniforme. Eu diria
dade de votos entre os Estados partes. Ine- numa expressão filosófico-matemática que
xiste órgão ou mecanismo com competên- a internacionalização das normas de direi-
cia para verificar o cumprimento por parte to industrial é o infinito de uma constante
dos Estados das normas que se encontram exigência jurídica. Nós marchamos cada
sob a sua guarda e nela inexiste um sistema vez mais para a uniformização das regras
de sanção oponível aos Estados inadimplen- que disciplinam a matéria de direito indus-
tes. A OMPI continua-se ocupando da har- trial, mas não podemos pretender que isso
monização legislativa do direito de propri- se realize já”. Segundo ele, “a disparidade
edade intelectual, enquanto o TRIPS, dos entre os diversos países leva a muitas incom-
aspectos comerciais internacionais relacio- preensões, a reclamações reiteradas, pertur-
nados com a matéria. bando o campo das relações internacionais”.
Pode parecer que o TRIPS teria ensejado A constante exigência jurídica de que nos
o conflito de regras entre tratados sucessi- fala Reale deu origem ao TRIPS (DREYFUSS;
vos ou concorrentes. Contudo, isso não LOWENFELD, 1997, p. 275-367; NETANA-
acontece, porque suas regras não são incom- EL, 1997, p. 441-503).
patíveis com as das Convenções preexisten- O TRIPS pode consultar e buscar infor-
tes, antes, completa-as. mações com a OMPI, o que demonstra o tra-
Charles Rousseau (1958, p. 24-548) obser- balho de parceria e cooperação constantes
va que “a interpretação dos tratados interna- na proteção dos direitos de propriedade in-
cionais tem a sua própria lógica, que às vezes telectual.
se afasta daquela dos contratos do direito pri- Em Genebra, em 22 de dezembro de 1995,
vado”. Razão pela qual, “é muito interessan- foi celebrado o “Acordo entre a OMPI e a
te a adaptação do trabalho de interpretação à OMC” com vistas a estabelecer uma relação
natureza das disposições convencionais em de apoio mútuo. O Acordo formula as re-
causa”. O direito internacional “apresenta gras de cooperação institucional entre as duas
características específicas em razão da forma Organizações, no que diz respeito ao acesso
particular que reveste a elaboração das nor- a leis e regulamentos da OMPI pelos Estados
mas jurídicas nas relações entre Estados”. membros da OMC e seus nacionais, bem como
Nas relações entre o TRIPS e as conven- estabelece os princípios básicos da assistên-
ções anteriores devem prevalecer as regras cia técnico-jurídica e cooperação técnica.
de bom senso e a lógica jurídica. Como dis- O TRIPS não pode prescindir do traba-
se Rousseau (1958, p. 500-501), “a interpre- lho da OMPI, haja vista a preocupação cons-
tação dos tratados é um trabalho de arte tante dessa Organização com os tratados
jurídica e não uma operação mecânica que que estão sob a sua responsabilidade e seu
coloca em funcionamento um conjunto de programa, intensificado nos anos 90, de as-

304 Revista de Informação Legislativa


sistência técnico-jurídica aos países em de- dos partes antes de transcorrido um
senvolvimento, pelo qual os ajuda a se in- prazo geral de um ano após a data de
troduzirem no sistema de proteção da pro- entrada em vigor do Acordo Consti-
priedade intelectual ou a aperfeiçoarem tutivo da OMC.
aquele que já possuem. 2) Regime transitório especial para
A OMPI continua estimulando as ativi- os Estados partes em desenvolvi-
dades de criação dos indivíduos e das em- mento
presas, facilitando a aquisição de técnicas e Os Estados partes em desenvolvi-
obras literárias e artísticas estrangeiras, as- mento podem-se beneficiar de um pe-
sim como o acesso à informação científica e ríodo transitório adicional de quatro anos,
técnica contida nas patentes. exceção feita aos arts. 3, 4 e 5 do Acor-
A OMPI continua a ser o principal centro do TRIPS. O total do período transitó-
internacional de promoção dos direitos de pro- rio especial para essa categoria de
priedade intelectual, papel que lhe está asse- Estados partes é de cinco anos, os
gurado na História e agora reforçado pela quais resultam do período transitório
colaboração do Conselho para TRIPS. geral de um ano, mais quatro anos do
período transitório especial (art. 65.2).
4.3. Os efeitos do TRIPS no Brasil As disposições que não podem ser
No Brasil, as normas do TRIPS geram excepcionadas, dos arts. 3, 4 e 5, refe-
dois tipos de efeitos: externos e internos. rem-se aos princípios do “tratamento
Os efeitos externos ou internacionais estão nacional”, do “tratamento de nação
relacionados às obrigações assumidas na mais favorecida” e aos “acordos mul-
OMC e aos seus Estados membros. Os efei- tilaterais concluídos sob os auspícios
tos internos referem-se à entrada em vigor no da OMPI relativos à obtenção e ma-
direito brasileiro e executoriedade no Brasil. nutenção dos direitos de propriedade
Tanto os efeitos externos quanto os internos fi- intelectual”.
caram, no TRIPS, condicionados a um prazo Os países em desenvolvimento
para que suas regras entrassem em vigor. podem obter um prazo adicional de
Vejamos isso melhor. cinco anos para aplicar as normas
sobre patentes de produtos, contidas
4.3.1. O regime transitório especial do TRIPS na Seção 5 da Parte II do Acordo, aos
para os Estados partes em desenvolvimento setores tecnológicos que não protegi-
A Parte VI do TRIPS (arts. 65, 66 e 67) é am em seu território na data geral de
dedicada às Disposições Transitórias, que aplicação do Acordo (art.65.4).
trazem dois elementos importantes: (a) o Os Estados partes em processo de
grau de desenvolvimento econômico dos transformação de economia de pla-
Estados partes e (b) a matéria objeto das dis- nejamento centralizado para merca-
posições do Acordo. do e de livre empresa, realizando re-
Diante da importância da combinação forma estrutural de seu sistema de
desses dois elementos, o TRIPS estabelece propriedade intelectual, enfrentando
três tipos de “Regimes Transitórios”: um problemas especiais na preparação e
“Geral” e dois “Especiais” em favor de cer- implementação de leis e regulamen-
tas categorias de Estados partes. tos de propriedade intelectual, pode-
1) Regime transitório geral rão também se beneficiar de um prazo
Previsto no art. 65.1, beneficia a adicional de quatro anos, exceção fei-
todos os Estados partes do Acordo. ta aos arts. 3, 4, e 5 do TRIPS. Esses
Nenhuma das obrigações contidas no países, portanto, beneficiar-se-ão tam-
Acordo TRIPS será exigível aos Esta- bém de um período transitório de cin-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 305


co anos (quatro anos do período tran- em 1o de janeiro de 1995”, tal não ocorreu
sitório especial e um ano do período por força do “Regime Transitório Especial”
transitório geral), conforme o dispos- do art. 65.2 porque os efeitos externos e inter-
to no art. 65.3. nos do TRIPS ficaram condicionados à pas-
O parágrafo 5 do art. 65 estabelece que sagem do tempo. Como observa Guido Soa-
um “Membro que se utilize do prazo de tran- res (1995, p. 98-119), “até o momento do
sição previsto nos parágrafos 1, 2, 3 e 4 as- adimplemento dos termos para a entrada
segurará que quaisquer modificações nas em vigor daquele ato internacional, não se
suas legislações, regulamentos e prática fei- pode cogitar de um conflito entre a legisla-
tas durante esse prazo não resultem em um ção interna e o direito internacional de ori-
menor grau de consistência com as disposi- gem convencional”.
ções do presente Acordo”. O período de transição se refere ao
3) Regime transitório especial para TRIPS, isto é, ao Anexo 1-C, porque todas as
os Estados de menor desenvolvimen- demais regras dos outros Acordos que com-
to relativo membros põem a Ata Final da Rodada do Uruguai se
Os Estados menos adiantados, em submetem às suas próprias disposições.
virtude de suas limitações econômi-
cas, financeiras e administrativas e 4.3.2. O TRIPS e a legislação brasileira de
necessidade de flexibilidade para es- proteção da propriedade intelectual
tabelecer base tecnológica viável, não Até o transcurso do prazo para a entra-
estão obrigados a aplicar as disposi- da em vigor do TRIPS (1 o.1.2000), no Brasil,
ções do Acordo, exceção feita aos arts. não se levantava a possibilidade de conflito
3, 4 e 5, durante um prazo de dez anos entre as disposições daquele Acordo e a
contados a partir da data de aplica- nossa legislação interna.
ção estabelecida no art. 65.1 (Regime O período de transição é e foi, em nosso
Transitório Geral de um ano). caso, importante porque o TRIPS afeta não
Esse período pode ser prorrogado só o universo legislativo dos Estados partes
mediante pedido fundamentado, fei- no que diz respeito aos direitos de proprieda-
to pelo Estado interessado, ao Conse- de intelectual, como também outros setores.
lho para TRIPS (art.66.1). Como é sabido, os Estados partes do
Diante da natureza complexa das dis- TRIPS não estão obrigados a prover, em suas
posições do TRIPS e seus efeitos nas legisla- legislações internas, proteção mais ampla
ções dos Estados partes, foram necessários que a exigida pelo Acordo e têm a liberdade
dispositivos de direito intertemporal para de determinar a forma apropriada de im-
definir o início da vigência do Acordo, consi- plementar as regras do TRIPS em seus siste-
derando as especificidades de certos países. mas e prática jurídicos 19.
As disposições que fixam os “Regimes Dando cumprimento ao disposto no
Transitórios” são essenciais uma vez que TRIPS, e de acordo com o sistema brasileiro
não só o TRIPS como o Acordo Constitutivo de aprovação de tratados internacionais (tre-
da OMC afetam a vida econômica dos Esta- aty-making power), o Congresso Nacional
dos membros, os quais precisam de um pe- aprovou o Acordo Constitutivo da OMC,
ríodo razoável de tempo para adequar suas por meio do Decreto Legislativo n o 30, de 15
legislações internas às obrigações interna- de dezembro de 1994, promulgado pelo De-
cionalmente assumidas. creto Presidencial n o 1.355, de 30 de dezem-
Apesar de o Decreto no 1.355/94 decla- bro de 1994, e publicado no Diário Oficial
rar que “a Ata Final que incorpora os Resul- da União de 31 de dezembro de 1994.
tados da Rodada do Uruguai entra em vi- Logo após começou no Brasil o movimen-
gor para a República Federativa do Brasil to de revisão da legislação sobre proprieda-

306 Revista de Informação Legislativa


de intelectual e novas leis sobre a matéria O TRIPS é uma norma especial, um acor-
foram editadas que, com pequenas exceções, do sobre aspectos de propriedade intelectu-
observam os padrões mínimos de proteção al no campo do comércio internacional. Daí
do TRIPS. decorre a sua natureza especial, inclusive
no que diz respeito aos direitos de proprie-
4.3.2.1. Os efeitos do TRIPS após o decurso do dade intelectual.
período de transição
Quando o Congresso Nacional aprovou
o Acordo Constitutivo da OMC, o TRIPS foi
incorporado à legislação brasileira junta- Notas
mente com o mecanismo que dilata a sua 1
Estudo mais aprofundado sobre a matéria
entrada em vigor. Contudo, mesmo dentro fizemos no livro: O direito internacional da proprieda-
desse período, como vimos acima, o Brasil de intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
procurou, e tem procurado, adaptar suas 2000.
2
No Brasil, foi promulgada pelo Decreto no
disposições de direito interno aos padrões
75.541, de 31 de março de 1975, publicada no Diá-
internacionais do Acordo. rio Oficial da União, 2 abr. 1975.
Até o momento do transcurso do período 3
Em 28 de setembro de 1979, o texto da Con-
de transição e, conseqüentemente, da entra- venção foi emendado.
da em vigor do TRIPS no Brasil (1 o.1.2000),
4
TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Pro-
não ocorreram conflitos entre a legislação perty Rights integra o “Acordo Constitutivo da Or-
ganização Mundial do Comércio (OMC)”, como
interna e as regras do Acordo. seu ANEXO 1C. O TRIPS, nos países de língua
O que pode acontecer transcorrido o pe- latina, é conhecida pela sigla “ADIPIC – Acordo
ríodo de transição? As regras de direito in- Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Inte-
terno brasileiro, incompatíveis com o TRIPS, lectual Relacionados com o Comércio”. Cf. Decreto
estão ipso facto revogadas? Presidencial no 1355, de 30 de dezembro de 1994.
Os tratados internacionais incorporados
5
Sobre as atividades das empresas transnacio-
nais, são valiosas as lições de BAPTISTA (1987).
ao direito brasileiro passam a ser conside- 6
Para aprofundar o estudo da história das
rados como leis e produzem os mesmos efei- negociações da Rodada do Uruguai e seus resulta-
tos destas sobre as demais20. Do que se de- dos, Cf. Lafer (1998); Gervais [19-?]; Khavand
duz que ocorreria a revogação das leis in- (1995); Messerlin (1995); Rainelli (2002); Cerviño;
Prada[19-?]; Zuccherino; Mitelman (1997); Flory
ternas brasileiras pelo TRIPS em conformi- (1995); Costa (1996); são oportunos, também, os
dade do princípio lex posterior derogat priori. resultados do “Colloque de Nice” sobre La réorga-
Entretanto, isso não ocorre, pois o TRIPS nisation mondiale des échanges: Problèmes juridiques,
é um “tratado-contrato” e não “tratado-lei”. publicados pela Société Française Pour le Droit In-
Suas normas se destinam aos Estados-par- ternational, 1996.
7
Cf. “Meeting of Negotiating Group of 16 and
tes e não aos indivíduos que não recebem, 22 October”, In GATT DOC. MTN.GNG/TRIPS/3
imediatamente, nenhum direito subjetivo (nov.18, 1991).
com a entrada em vigor do TRIPS. 8
Sobre a diferença entre os executive agreementse
Hoje, transcorrido o período de transi- os “tratados internacionais”, são importantes as
lições de Medeiros (1995).
ção, se houver discrepâncias entre a legisla- 9
Preâmbulo do TRIPS.
ção nacional e o TRIPS, caberá ao legislador 10
Art. 27 (“Matéria Patenteável”)... “3) Os
nacional dar corpo às disposições do Acor- Membros também podem considerar como não
do (o que já vem fazendo), adaptar o direito patenteáveis: ...(b) plantas e animais, exceto mi-
interno aos padrões fixados pelo TRIPS, sob croorganismos e processos essencialmente biológi-
pena de, não o fazendo, o Brasil violar o cos para a produção de plantas ou animais, exce-
tuando-se os processos não biológicos e microbio-
Acordo e, conseqüentemente, ficar sujeito a lógicos. Não obstante, os Membros concederão pro-
responder perante o Órgão de Solução de teção a variedades vegetais, seja por meio de pa-
Controvérsias da OMC. tentes, seja por meio de um sistema sui generis efi-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 307


caz, seja por uma combinação de ambos. O dis- partes no tratado posterior, sem que o tratado an-
posto neste subparágrafo será revisto quatro anos terior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua
após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo aplicação tenha sido suspensa em virtude do arti-
da OMC”. go 59, o tratado anterior só se aplica na medida em
11
Art. 65 (“Disposições Transitórias”) “1 – Sem que suas disposições sejam compatíveis com as do
prejuízo do disposto nos parágrafos 2, 3 e 4, ne- tratado posterior. 4 – Quando as partes no tratado
nhum Membro estará obrigado a aplicar as dispo- posterior não incluírem todas as partes no tratado
sições do presente Acordo antes de transcorrido anterior: a) nas relações entre os Estados partes nos
um prazo geral de um ano após a data de entrada dois tratados, aplicam-se as regras do parágrafo 3;
em vigor do Acordo Constitutivo da OMC”. “2 – b) nas relações entre um Estado parte nos dois tra-
Um país em desenvolvimento Membro tem direito tados e um Estado parte apenas em um desses
a postergar a data de aplicação das disposições do tratados, o tratado em que os dois Estados são
presente Acordo, estabelecida no parágrafo 1, por partes rege seus direitos e obrigações recíprocos”(...).
um prazo de quatro anos, com exceção dos artigos Art. 59 (“Extinção ou Suspensão da Execução de
3, 4 e 5”. um Tratado em Virtude da Conclusão de Tratado
12
Art. 66 (“Países de Menor Desenvolvimento Posterior”), “1 – Considera-se extinto um tratado
Relativo Membros”) “1 – Em virtude de suas ne- quando todas as suas partes concluírem um trata-
cessidades e requisitos especiais, de suas limita- do posterior sobre o mesmo assunto e: a) resultar
ções econômicas, financeiras e administrativas e de do tratado posterior ou ficar estabelecido por outra
sua necessidade de flexibilidade para estabelecer forma que a intenção das partes é regular o assunto
uma base tecnológica viável, os países de menor por este tratado; ou b) as disposições do tratado
desenvolvimento relativo Membros não estarão obri- posterior forem de tal modo incompatíveis com as
gados a aplicar as disposições do presente Acor- do tratado anterior que os dois tratados não pos-
do, com exceção dos Artigos 3, 4, e 5, durante um sam ser aplicados ao mesmo tempo. 2 – A execu-
prazo de dez anos contados a partir da data de ção do tratado anterior é considerada apenas sus-
aplicação estabelecida no parágrafo 1 do Artigo pensa quando se depreender do tratado posterior
65. O Conselho para TRIPS, quando receber um ou estiver estabelecido de outra forma que essa era
pedido devidamente fundamentado de um país de a intenção das partes”.
menor desenvolvimento relativo Membro, concede- 19
Conforme o art. 1 do TRIPS (“Disposições
rá prorrogação desse prazo”. Gerais e Princípios Básicos”).
O art. 3o se refere ao princípio do tratamento 20
Sobre as relações dos tratados internacionais
nacional, o art. 4o ao princípio da nação mais favo- e o direito interno, recomendamos: RANGEL, Vi-
recida e o art. 5o aos acordos multilaterais concluí- cente Marotta. Os conflitos entre o direito interno e
dos sob os auspícios da OMPI. os tratados internacionais. Boletim da Sociedade Bra-
13
Reg. 94/800/EC. O Tribunal de Justiça da sileira de Direito Internacional. Rio de Janeiro, n. 45-
União Européia expôs as razões da não auto-exe- 46, dez./jan. 1967; REZEK, José Francisco. Direito
cutoriedade dos Acordos do GATT, no leading case dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984; BAPTIS-
“International Fruit”. TA, Luiz Olavo. Inserção dos tratados no direito
14
Reg. 40/94. brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
15
Reg. 94/824. n. 132, ano 33, out./dez. 1996, p. 71-80; RODAS,
16
Sobre os métodos de incorporação dos tra- João Grandino. A publicidade dos tratados internacio-
tados aos direitos internos, Cf. Medeiros (1995). nais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
17
A proteção aqui compreende os aspetos que
afetem a existência, obtenção, abrangência, manu-
tenção e aplicação de normas de proteção dos di-
reitos de propriedade intelectual, bem como os as-
Bibliografia
pectos relativos ao exercício dos direitos de propri-
edade intelectual de que trata especificamente o
Acordo TRIPS. ACTUS du Colloque de Nice. La réorganisation mon-
18
Convenção de Viena sobre Direito dos Trata- diale des échanges: problèmes juridiques. Société Fran-
çaise Pour le Droit International, Paris: Pedone,
dos, 1969, art. 30 (“Aplicação de Tratados Suces-
sivos Sobre o Mesmo Assunto”): ... 2 – Quando um 1996.
tratado estipular que está subordinado a um trata- BAPTISTA, Luiz Olavo. A nova lei e o TRIPS. Re-
do anterior ou posterior ou que não deve ser consi- vista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectu-
derado incompatível com esse outro tratado, as al, Rio de Janeiro, p. 14-18. Edição publicada como
disposições deste último prevalecerão. 3 – Quando anais do XVI Seminário Nacional de Propriedade
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310 Revista de Informação Legislativa

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