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O Latim na Linguagem Jurídica

Não raro o latim é associado ao Direito. Isso se dá em razão de o ordenamento jurídico brasileiro, como tantos
outros, deitar suas raízes no Direito Romano, em que o latim era língua corrente. Atualmente, o latim é “língua
morta”: embora constante objeto de estudos históricos e linguísticos, não há sociedade moderna que se comunique
pela língua latina. E não há novas construções sintáticas: aproveitam-se, como se fossem uma herança, certas frases
e expressões deixadas pelos antigos, algumas das quais já aportuguesadas.

Caput (cabeça, extremidade) – Parte superior de um artigo ou parágrafo:


“A convocação da assembleia está amparada pelo estatuto social em seu artigo 12, caput”.

Curriculum vitae (carreira da vida) – Documento que contém dados pessoais e outras informações relacionadas à
formação escolar e profissional e às atividades já realizadas por alguém.

In natura (na Natureza) – Em estado natural, tal qual:


“Em vez de comercializar o leite in natura, as empresas preferem transformá-lo em laticínios”.

Mea culpa (minha culpa) – Reconhecimento do próprio erro ou falha:


“Depois do que ocorreu, todos esperavam que ele fizesse o mea culpa ali mesmo”.

Sub judice (sob julgamento) – Sob apreciação judicial:


“Não vou me manifestar, já que a questão ainda está sub judice”.

O texto de lei, em regra, não emprega palavras em latim, já que a legislação deve traduzir os valores de uma
sociedade por meio do vernáculo. Entretanto, na linguagem forense e doutrinária, é comum o emprego de
latinismos, frequentemente encontrados em petições, decisões judiciais e livros jurídicos, e mesmo em diálogos e
sustentações orais.

Certos termos em latim adquirem acepção jurídica técnica e são empregados com muito rigor semântico.
Ex.:
“juízo a quo” = juízo do qual partiu o processo
“juízo ad quem” = juízo para o qual foi o processo
Ex.: Joaquim entrou com uma ação no Juizado Especial da Federação. Ele ganhou a ação, mas o Réu recorreu. O
processo, então, terá um novo julgamento, desta vez na chamada Turma Recursal.

No exemplo citado, o juízo a quo é o Juizado Especial da Federação, e o juízo ad quem é a Turma Recursal.

Nesse contexto, desconhecer as expressões e brocardos latinos mais comuns pode consistir em um entrave para a
compreensão de textos jurídicos. O manejo dos latinismos se enlaça ao próprio estilo do discurso do jurista.

Aspectos importantes:
a) As palavras latinas não pertencem à língua portuguesa e, portanto, devem sempre vir entre aspas, em itálico ou
sublinhadas;

b) O latim não conheceu hífen, de modo que nenhuma locução latina deve ser hifenizada;

c) O latim não conheceu acentos gráficos, de modo que as palavras latinas não recebem til nem trema, tampouco
recebem acento agudo, grave ou circunflexo;

d) Em latim não há cedilha.


Outra questão frequente que se levanta sobre as palavras latinas se refere ao uso do “j” ou do “i”, como nos
vocábulos ius e jus. Ambas as formas gráficas estão corretas: o alfabeto usado pelos romanos não continha as letras
“J” / “j”, incorporadas apenas no Renascimento.

A letra “u”, no latim clássico, ora se portava como a vogal “u”, como em bonus (bom), ora como consoante, como
em uita (vida).

“U” maiúsculo era grafado na forma “V”. Até hoje é possível encontrar, por exemplo: FACVLDADE DE
DIREITO.

Algumas expressões latinas:


Brocardos jurídicos e argumentação

“brocardo”: em dicionários etimológicos, o termo “brocardo” está vinculado ao nome de bispo (do século XI), cujo
nome alatinado teria sido Burchardus ou Brocardus. O mesmo teria sido autor de uma compilação de direito
canônico.

Em sentido amplo:
BROCARDO = axioma, aforismo, máxima, anexim.

Axioma: proposição imediatamente evidente, que prescinde de comprovação por ser admitida como portadora de
verdade universal; princípio geralmente aceito em qualquer arte ou ciência; máxima, sentença.
Aforismo: máxima ou sentença que em poucas palavras contém uma regra ou um princípio de alcance moral.
Máxima: frase curta, em geral de origem popular, que apresenta um conceito em relação à realidade de uma regra
moral ou social; anexim, provérbio.
Anexim: dito sentencioso que expressa sabedoria popular; adágio, ditado, provérbio.

O brocardo fixa fatos da experiência decorrentes da vida jurídica. Por ser um provérbio e ser usado também fora da
área jurídica, recomenda-se usar o termo com o adjetivo “jurídico”, quando o brocardo diz respeito ao Direito.

Brocardos: muito explorados em tempos passados e sofreram desvalorização ao correr dos tempo. Hoje são
utilizados com menor frequência.
Possíveis motivações para o uso menos frequente nos dias atuais:
1) São generalizações, sem ligação sistemática e direta com o Direito;
2) Em decorrência do seu caráter geral, há conceituação muito vasta, vai além do que pretende;
3) Há brocardos que agasalham pensamentos opostos;
4) Os brocardos foram redigidos em latim e, hoje, poucos estudam o latim.

Não há brocardos latinos na legislação, mas a doutrina e a jurisprudência ainda fazem uso dessas expressões.
A ciência jurídica é resultado de centenas e centenas de anos de conhecimentos agregados.

Ao deparar-se com um brocardo jurídico latino: importante perceber que tal brocardo representa um valor abstrato,
uma norma de conduta, um princípio que há muitos e muitos anos já havia sido traduzido para uma língua.

Absolvere debet judex potius in dubio, quam condemnare:


Em dúvida, cabe ao juiz absolver e não condenar. Equivale ao in dubio pro reu: na dúvida, decide-se em favor do réu.
Não se pode aplicar a pena se houver qualquer dúvida razoável.

Accessorium sequitur principale (o acessório segue o principal):


O brocardo acima destaca o principal que leva a reboque o acessório.
Ex.: se determinada obrigação de pagar é declarada nula, a multa de mora também o é, visto que se a sorte do
principal for a nulidade, sê-lo-á também a do acessório.

Audiatur et altera pars (seja ouvida também a outra parte):


Sintetiza o princípio processual do contraditório pelo qual é assegurado às partes tratamento igualitário no curso do
processo. A CF de 1988, em seu art. 5º, LV, trouxe o contraditório como um dos direitos e garantias fundamentais
do indivíduo.

Audiatur et altera pars (seja ouvida também a outra parte):


Cada parte tem o direito de refutar, ilidir, defender-se dos argumentos sustentados pela parte contrária.

Bona fides semper praesumitur, nisi mala adesse probetur (presume-se a boa-fé enquanto não provada a má-fé):
Diferentemente da boa-fé, consistente na lealdade e franqueza que todos esperam na prática de quaisquer atos
jurídicos, portanto, presumível, a má-fé deve ser provada, jamais presumida.

Cogitationis poenam nemo patitur (ninguém deve ser punido pelo que pensa):
O pensamento é livre e não encontra sanção na ordem jurídica. Embora a manifestação do pensamento possa
eventualmente ferir direitos alheios (emergindo a responsabilidade civil e até mesmo a penal), o mero pensar não
encontra qualquer restrição na lei, sendo livre. Entretanto, determinados pensamentos e opiniões, caso sejam
exteriorizados, podem ferir direitos e fazer com que haja dever de indenização, ou mesmo imputação de pena, caso
a manifestação do pensamento constitua, por exemplo, crime de injúria.

Confessio est regina probationum (a confissão é a rainha das provas):


A confissão, na palavra de De Plácido e Silva (1978, p. 396), tem valor inestimável nos domínios jurídicos.

Confessio est regina probationum (a confissão é a rainha das provas):


Outros brocardos realçam o mesmo valor: confessio est probatio omnibus melhor (a confissão é a melhor de todas as
provas); confessus pro judicato habetur (o confesso é tido como julgado). Mas há casos em que o convencimento do juiz
pode afastar-se da confissão. Ex.: o pai que falsamente confessa o crime cuja autoria é, na verdade, de seu filho.
Vale ressaltar: acusar-se de crime inexistente ou praticado por outrem, perante autoridade, constitui crime de
autoacusação falsa, previsto no art. 314 do Código Penal.
Da mihi factum, dabo tibi ius (dá-me o fato, dar-te-ei o direito):
Ao ingressar em juízo, o autor da ação deve narrar os fatos e expor os fundamentos jurídicos do pedido, além de
atender aos demais requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil. Embora seja recomendável, não é
indispensável às partes a indicação dos fundamentos legais, ou seja, dos artigos de lei pertinentes ao caso. Isso
porque o juiz conhece o direito, cabendo-lhe a devida aplicação da lei ao caso concreto.

Dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei):


A lei, uma vez estabelecida, deve ser cumprida, ainda que suas consequências sejam severas.
Tão argumentativo é esse aforismo jurídico que ensejou uma contra-argumentação: dura lex, sed latex (a lei é dura,
mas estica), do escritor Fernando Sabino. Sentido: a lei é dura para a classe menos privilegiada, mas elástica para
ricos e poderosos.

Ex facto oritur jus (o direito nasce do fato):


A proposta do brocardo é que o Direito não se pauta por questões abstratas, mas por questões da vida prática. Daí
o seu caráter pragmático.

Referência bibliográfica:

TRUBILHANO, Fabio & HENRIQUES, Antônio. Linguagem Jurídica e Argumentação: teoria e prática. 4 ed. rev.
ampl. São Paulo: Atlas, 2015.

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