Você está na página 1de 5

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/291180990

História da Guerra do Peloponeso

Article · October 2000


DOI: 10.11606/issn.2358-3150.v0i4p371-374

CITATION READS

1 1,390

1 author:

Roosevelt Rocha
Universidade Federal do Paraná
13 PUBLICATIONS   6 CITATIONS   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Roosevelt Rocha on 27 July 2018.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


LETRAS CLÁSSICAS, n. 4, p. 365-374, 2000.

A respeito do método, primeira-


TUCÍDIDES. História da Guerra do mente, é preciso dizer que a narração de
Peloponeso. Livro I. Tradução e apresenta- fatos anteriores à guerra é um dos elemen-
ção de Anna Lia Amaral de Almeida Pra- tos de uma argumentação que procura,
do. Edição bilíngüe. São Paulo: Martins no passado, dados indispensáveis para a
Fontes, 1999, 228p. compreensão do conflito travado entre
peloponésios e atenienses. Por isso pode-
se dizer que o livro I tem uma função de-
Por que um helenista traduziria e monstrativa marcante, na qual a narrati-
publicaria em separado o livro I da Histó- va tem um papel eminente. Narrativa e
ria da Guerra do Peloponeso, de Tucídides? demonstração são inseparáveis no livro I,
É fácil explicar. O livro I é, certamente, a pois a narração dos fatos ocorridos ao lon-
parte mais importante da História, pois ali go da guerra é condição à qual está ligada
aparecem as principais teses do autor e as a demonstração. A reflexão sobre o pas-
justificativas para se escrever um relato sado sob perspectivas diferentes subordi-
que contasse, passo a passo, o desenrolar na-se a uma exigência demonstrativa e
do conflito entre atenienses e peloponé- faz-se de acordo com o desenvolvimento
sios. No livro I, Tucídides nos apresenta da argumentação.
uma verdadeira teoria sobre a Guerra do Na chamada Metodologia (I, 20-
Peloponeso. Por isso entende-se o mérito 22), Tucídides critica duramente seus
do trabalho tradutório da Professora Anna antecessores, os poetas e os logógrafos,
Lia Amaral de Almeida Prado, que veio a dizendo que eles sempre embelezavam e
público em 1999 sob o selo da Editora aumentavam os fatos para agradar suas
Martins Fontes, a partir do texto estabe- platéias. Por outro lado, seu objetivo, en-
lecido por Jacqueline de Romilly quanto historiador, é apresentar a verda-
Mas qual a importância do livro I de dos fatos, mostrar os fatos como eles
dentro do conjunto da obra? Isto a Pro- ocorreram, ambição que, diga-se de pas-
fessora Anna Lia nos explica na Intro- sagem, Ranke e os historicistas retomari-
dução que antecede a sua tradução. No am no século XIX. Ao contrário do tra-
livro I, Tucídides trata da eminência e balho de poetas e logógrafos, sua recons-
do valor do tema do qual irá tratar, da tituição é resultado de uma pesquisa his-
finalidade da obra e dos seus métodos de tórica que tem métodos definidos clara-
pesquisa. Em outras palavras, ele tratará mente.
da grandeza da Guerra do Peloponeso, E assim podemos resumir o méto-
da correção do método que ele emprega do tucididiano de estudo do passado: pri-
no seu estudo e da verdadeira causa da meiro, determinação dos tekméria, indíci-
guerra. os seguros fornecidos pela tradição oral e

– 371 –
Relatório do curso “As Paixões na Antigüidade: Amor, Ira, Compaixão”...

escrita, observação do modo de vida de da marinha, do comércio e da unidade


populações contemporâneas e vestígios entre as cidades, condições necessárias
de estágios antigos da civilização grega; para a realização de uma grande guerra,
e em segundo lugar, tratamento desses só alcançadas nas vésperas da Guerra do
dados, através de um raciocínio baseado Peloponeso (Cf pág XXI da Introdução).
no eikós, cálculo de verossimilhança. Esse Outro motivo, pelo qual diz que
raciocínio foi tomado pelo historiador da a Guerra do Peloponeso foi a maior das
retórica do século V, que se valia do eikós guerras, é o sofrimento que ela trouxe
quando não havia possibilidade de apre- para os que estavam envolvidos nela: ja-
sentação de documentos, testemunhas, mais, em tempo igual, os homens foram
juramentos ou textos de leis. Isto vale vítimas de tantas desgraças seja naturais
quando se estudo o passado. (terremotos, secas, eclipses e a peste) seja
Ao estudar o presente, por outro resultantes do próprio conflito (captura
lado, não caberia mais estabelecer indí- e devastação de cidades, exílios e mor-
cios seguros nem de fazer inferências, mas tes).
caberia pesquisar os fatos em si, através Todas essas idéias, a eminência e
dos lógoi, pensamentos que impulsiona- o valor do tema em si e a exposição do
ram os acontecimentos, e dos érga, os método e do propósito último da obra
atos efetivamente praticados. A esses aparecem no “Prefácio”, a primeira par-
dois elementos correspondem dois recur- te do livro I da História da Guerra do
sos de expressão: os discursos e as narra- Peloponeso. Na segunda parte do livro I,
tivas. Servindo-se desses recursos, Tucídides realiza o estudo da guerra em
Tucídides almeija a precisão (akríbeia) e si, a pesquisa das causas que levaram os
o relato claro (tò saphés). dois lados a se baterem: de acordo com
E o que Tucídides quer demons- o historiador, a guerra começou quando
trar com este método? Logo no começo atenienses e peloponésios romperam o
do livro I ele deixa claro seu objetivo: Tratado dos Trinta Anos firmado após a
ele quer mostrar que essa guerra “foi a tomada da Eubéia. O que ocasionou esse
maior para os helenos e para uma parce- rompimento foram os incidentes de
la dos povos bárbaros e, pode-se mesmo Corcira e Potidéia, nos quais Atenas se
dizer, atingiu a maior parte da humani- colocou contra os interesses dos coríntios
dade” (I, 1, 2). Ele demonstrará sua tese, que faziam parte da Liga do Peloponeso
na chamada Arqueologia (I, 2-19), argu- e eram aliados dos espartanos. Para os
mentando que a Guerra de Tróia e a vi- contemporâneos de Tucídides, esses in-
tória sobre os bárbaros nas Guerras Mé- cidentes tinham sido a causa da guerra,
dicas indicaram etapas de um crescimen- mas para o historiador eles tinham sido
to progressivo dos recursos financeiros, apenas a causa imediata. Mas na oponião

– 372 –
LETRAS CLÁSSICAS, n. 4, p. 365-374, 2000.

de Tucídides, a causa verdadeira da guer- tecimentos que se desenvolveram sob o


ra era o temor que sentiam os peloponé- impulso das forças sempre presentes na
sios em relação ao crescimento do pode- natureza humana” (Cf. pág. XLIV da In-
rio ateniense. E para demonstrar sua tese trodução). Como diz a Professora Anna
de que a causa verdadeira da guerra era Lia em outra passagem (pág. LV),
o crescimento excessivo do poder de Ate- Tucídides “procurou, na narração verídi-
nas, ele relata a história da formação do ca e na precisão do relato dos fatos, os
Império ateniense, na chamada Pentecon- elementos para a conquista de uma visão
taetia (I, 89-118, 2). geral da guerra, a qual pudesse interessar
A Introdução à tradução tem as não só aos homens implicados diretamen-
qualidades de ser abrangente e esclarece- te naquele episódio, mas também aos ho-
dora, alcançando assim o objetivo de pre- mens de todos os tempos, indicando-lhes
parar o leitor para o enfrentamento do tex- as leis do comportamento humano”.
to que está em suas mãos. E um aspecto Quanto à tradução, a Professora
em especial chama a atenção na leitura Anna Lia foi bastante fiel ao texto sem
da Introdução: a constante designação de ficar presa a preciosismos que tornariam
Tucídides como ‘historiador’. Pode pare- a versão em português desinteressante ou
cer óbvio para nós qualificá-lo com tal mesmo de difícil entendimento. O texto
adjetivo. Para ele e para seus contempo- vertido revela a consciência que a tra-
râneos, contudo, certamente não era. Mas dutora tem das diferenças entre as for-
por que podemos chamá-lo ‘historiador’? mas usadas nas narrativas e as usadas
Talvez, mais do que Heródoto, Tucídides para reproduzir os discursos que apare-
seja o primeiro grego que podemos desig- cem ao longo do livro I. Manifesta-se
nar dessa maneira porque ele apresenta e também a plena capacidade de interpre-
aplica um método que busca a verdade tação do estilo tucididiano. Chamou-me
dos fatos e coloca o homem como respon- a atenção, entretanto, a ortografia dife-
sável pelos acontecimentos. Como um rente da maneira mais comum em por-
historiador moderno, Tucídides não nar- tuguês de nomes como Hélada, e não o
ra todos os fatos ocorridos, mas somente corrente Hélade, Hélen por Heleno,
aqueles que ele considera importantes Ftiótida por Ftia e Posidão por Posêidon
para a compreensão da guerra. E essa se- ou Posídon. Esta diferente ortografia de
leção prévia dependeu do critério pessoal tais nomes revela a existência de um la-
do historiador e da direção que suas teses tente desacordo entre os tradutores acer-
levaram-no a tomar. Pode-se dizer que ca da grafia de muitas palavras de ori-
Tucídides tem uma verdadeira teoria da gem grega.
história. O objetivo da sua obra é “ofere- Por fim, congratulo a tradutora e
cer aos homens uma visão clara dos acon- a editora pela iniciativa e pela qualidade

– 373 –
Relatório do curso “As Paixões na Antigüidade: Amor, Ira, Compaixão”...

do trabalho que vem ajudar a preencher NOTA


o grande vácuo tradutório que persiste no
nosso país, especialmente no que diz res- * Mestrando em Latim do Programa de
peito aos autores gregos e latinos. Pós-Graduação em Letras Clássicas da
FFLCH-USP.

ROOSEVELT ARAÚJO DA
ROCHA JÚNIOR*
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo

– 374 –

View publication stats

Você também pode gostar