Você está na página 1de 157

1

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA


DA
TAUROMAQUIA
EM
SALVATERRA DEMAGOS

Séc. XIX, XX, XXI

**************
******

Autor: Gameiro, José


Editor: Gameiro, José Rodrigues

Morada: Bairro Pinhal da Vila


Rua Padre Cruz, Lote 4
2120-059 Salvaterra de Magos
Josergameiro@sapo.pt
Edição: Online
http://www.historiadesalvaterra,blogs.sapo.pt

Janeiro 2011

2
Para os meus sobrinhos:

Cláudio José,
Rogério,

Diogo,
Mariana,
Rui, e

Cláudio Nuno,
Cujo grande apoio não devo esquecer,
sempre atento na colaboração,
nesta e nas anteriores edições online já
publicadas

Com um carinho especial, para o meu cunhado,


Manuel Fernandes Travessa, um apaixonado,
destas “coisas” dos toiros.

3
Por último, para o meu cunhado:
Ma Travessa,
Um apaixonado, O MEU CONTRIBUTO

Sou descendente de gente simples do


campo, meu avô paterno, foi campino,
como foram todos os seus irmãos.

A minha passagem pelo mundo da


festa brava, cingiu-se apenas na escrita
de uma ou outra notícia, ou artigo de alguma efeméride,
como: “Os 76 anos sobre a morte do famoso toureiro
ribatejano, natural de Salvaterra de Magos; Vicente Roberto”,
que foi publicada no “Diário do Ribatejo”, ou as entrevistas
sobre: “Os 50 anos da inauguração da praça de toiros de
Salvaterra” e, a entrevista ao antigo forcado, “José Hipólito –
Figura Típica da Terra” que foram publicados no jornal
“Aurora do Ribatejo”.

Em 1976, fiz notícia jornalística, de uma jornada


reivindicativa de toiros de morte em Portugal, que teve lugar
no salão nobre do Clube Desportivo Salvaterrense, e, na sua
sequência, meses depois levou à morte de toiros na praça de
Salvaterra. Um outro artigo fiz sair no já desaparecido jornal
Vale do Tejo, quando do falecimento do aficionado António
Cadório.
De vez enquanto lá me aparecem pedindo a minha ajuda,
entusiastas destas coisas dos toiros, ou estudantes
interessados em saber algo sobre a morte do Conde dos

4
Arcos, ocorrida num brinco de toiros, aqui em Salvaterra. Esta
morte, para muitos é ainda uma incógnita e motivo de
grandes discussões entre aficionados, e não só, também os
que gostam de “contos e lendas” ligados à terra, tentam
desvendar o que apenas se sabe pelo que está escrito.
O meu espólio sobre a temática taurina em Salvaterra,
sendo guardado ao longo de muitas décadas, não é coisa que
valha, são documentos recolhidos por carolice, que cruzam
dados sobre lavradores/ganadeiros que aqui tinham terras,
desde o séc. XIX, e faziam criação de toiros. O campino tinha
lugar de destaque naquelas importantes casas agrícolas, como
guardador das manadas de gado bravo. Os cavaleiros,
toureiros e moços de forcados, são outros componentes que
enriqueceram a festa brava nos séc. XX e XXI, desta vila
ribatejana. Com tais documentos, pensei se não valeria a
pena agrupar todo este material e, com ele fazer um livro,
para não se perder tanta informação, que muito valerá aos
interessados em aprofundar
Sendo uma tradição de séculos, não só ribatejana, aqui
está esta edição – “Subsídios para a História da Tauromaquia
em Salvaterra de Magos- séc. XIX, XX e XXI” .
É um pequeno trabalho que ficará ao dispor de quem um
dia queira fazer um estudo profundo da história da
tauromaquia em Salvaterra de Magos.

Se isso vier a acontecer, já me sinto contente !!

Janeiro de 2011

JOSE GAMEIRO
(José Rodrigues Gameiro)

5
I
A Última corrida de Touros em Salvaterra

Nota Prévia

A trágica morte do jovem fidalgo, Manuel José de


Noronha e Menezes, 7º Conde dos Arcos, filho do
Marquês de Marialva, numa corrida de touros, em
Salvaterra de Magos, tem servido para muita transcrição
ao longo dos tempos, levou a que Luiz Augusto Rebello
da Silva, numa das suas obras marcantes, e um marco
de referencia do romantismo português, no séc. XIX.

Ao longo dos tempos, em tudo quanto é editado sobre


Salvaterra, não deixa de aparecer,” A Morte do Conde
dos Arcos”. Conto que sendo romanceado, segundo
alguns autores, foi escrito cerca de 70 anos depois do
acontecimento.

A MORTE DO CONDE DOS ARCOS

“O sr. D. José, primeiro do nome, era em Salvaterra um


rei em férias. –A verdade é que os maldizentes notavam,
em segredo, que Sua Majestade, estava sempre ao
torno e o Marquês no trono. O prolóquio fundava-se na
habilidade mecânica do monarca como torneiro, e no
carácter dominador do marquês como ministro.

6
Vicejavam os campos em plena primavera. A
amendoeira cobria-se de flores, os bosques esfolhavam-
se, as veigas vestiam-se e matizavam-se, e a brisa
doidejava indiscreta arregaçando o lenço à donzela
que passava, ou roubando um beijo à rosa perfumada.
Tudo eram alegrias e cânticos… os rouxinóis nas moitas,
o coração nos amores, e a natureza nos sorrisos ao sol
esplêndido que a dourava.

O Rei estava em férias em Salvaterra e, uma tourada


real chamara a corte a restante fidalguia do país a esta
vila. Os fidalgos respiravam nestas ocasiões menos
oprimidos. Não os assombrava tão de perto a privança
do ministro. Os touros eram bravos, os cavaleiros destros,
o anfiteatro pomposo, e o cortejo das damas adorável.
O prazer na boca de todos. Por cúmulo de venturas o
Marquês de Pombal ficara em Lisboa, retido pelo
conflito com o embaixador de Espanha.

Contava-se em segredo nos recantos do palácio o


diálogo entre o enviado castelhano e o secretário de
estado português, louvando-o uns em voz alta, para os
ecos daquelas paredes repetirem os elogios,
crucificando-o outros sem piedade, para saciarem os
ódios.

As devotas e os fidalgos puritanos eram pelo espanhol,


e pediam a Deus que os rebates da guerra próxima
despenhassem o plebeu nobilitado do seu pedestal
político. Os magistrados e os homens de capa e volta,
defendiam o marquês e respondiam com meios sorrisos
às fogosas jaculatórias dos zelosos do trono e do altar.

7
O Marquês de Pombal, tinha-se negado com firmeza
às concessões exigidas imperiosamente pelo governo
castelhano:
– Muito bem, - atalhou o embaixador – um exército de
sessenta mil homens entrará em Portugal e fará …
- O quê ? – Perguntara o marquês, sorrindo-se com a
tremenda luneta assentada e no tom mais indiferente.

- Fará entender a razão e a justiça de el-rei, meu amo,


a Sua Majestade, e a vossa excelência! – Redarguiu
meia oitava acima o espanhol, supondo o ministro
fulminado.

Sebastião José de Carvalho franziu as sobrancelhas,


carregou a viseira, e cravando a vista e a luneta no
diplomata, retorquiu-lhe friamente:
- Sessenta mil homens muita gente é para casa tão
pequena; mas querendo Deus, el-rei meu amo e senhor,
sempre há-de achar onde possa hospedá-la. Mais
pequena era Aljubarrota e lá couberam os que D. João
de Castela trouxe.

Vossa excelência pode responder isto ao seu


governo. E, levantando-se para despedir o embaixador,
acrescentou:
- Bem sabe vossa excelência que pode tanto cada um
em sua casa, que mesmo depois de morto é precisos
quatro homens para o tirarem!

O embaixador saiu jurando por Dyos y la Virgem


Santíssima, e o marquês preparou-se para a guerra.
O caso é, como dizia o nosso Zeferino na Sobrinha do
Marquês, que Sebastião José de Carvalho foi um grande
ministro e que fez muito pela nação. Hoje há menos

8
quem responda assim à letra às ameaças dos
estrangeiros.

Berra-se muito, dorme-se a sono solto ao som dos hinos


patrióticos e depois salva o castelo de madrugada e
está salva a pátria.

O marquês de Pombal prezava as artes e protegia e


animava as classes médias. Esse pouco que o reino
progrediu deveu-se a ele. Se a indústria nunca acabou
de sair da infância, a culpa quase toda foi dos maus
governos que sucederam ao seu, e também do povo
que não quis trabalhar deveras…

Mas vamos aos touros reais. Desses


é que o ministro não gostava nada.
Queria-os ao arado e não à farpa,
e parecia-lhe melhor, que os
toureadores, sendo fidalgos, servissem
o Estado com a pena ou com a
espada, e, sendo mecânicos, que
lavrassem, tecessem e ganhassem
honradamente a vida, enriquecendo-se a si e à nação.

Mas el-rei D. José, cedendo em tudo ao marquês,


quanto aos touros não admitia reflexões. Nisto era rei a
valer e Bragança legitimo. Os fidalgos sabiam-no e por
isso desfrutavam doces prazeres – a satisfação do gosto
nacional e a contradição da vontade do ministro.

Desatendê-la sem perigo e pela mão do soberano era


para eles um deleite e um triunfo. Nestas funções não
vigorava a severidade das últimas pragmáticas. Outro
motivo de júbilo.

9
Quem queria podia arruinar-se em luxuosos vestidos,
enfeites e toucados.

As bordaduras e os recamos de ouro, os veludos e


sedas de fora, talhados à francesa, resplandeciam
constelados de pérolas e diamantes. Por cima dos mais
ricos trajos e das mais vistosas cores desenrolavam-se os
anéis ondeados das empoadas cabeleiras. As damas
ostentavam as graças de seus donaires e tufados, e
emoldurando o belo oval dos rostos nos penteados
caprichosos, sorriam-se para os gentis campeadores, e
seus olhos cheios de luz e de promessas estimulavam até
os tímidos.

Correram-se as cortinas da tribuna real. Rompem as


músicas. Chegou el-rei, e logo depois entra pelos
camarotes o vistoso cortejo, e vê-se ondear um oceano
de cabeças e de plumas. Na praça ressoam brava
alegria as trombetas, as charamelas e os timbales.

Aparecem os cavaleiros, fidalgos distintos todos, com o


conto das lanças nos estribos e os brasões bordados no
veludo das gualdrapas dos cavalos. As plumas dos
chapéus debruçam-se em matizados cocares, e as
espadas em bainhas lavradas pendem de soberbas
talins.

Os capinhas e forcados, vestem com garbo à


castelhana antiga. No semblante de todos brilha o
ardor e o entusiasmo.

O Conde de Arcos, entre os cavaleiros, era quem dava


mais na vista. O seu trajo, cortado à moda da corte de

10
Luiz XV, de veludo preto, fazia realçar a elegância do
corpo.

Na gola da capa e no corpete sobressaiam as finas


rendas da gravata e dos punhos. Nos joelhos as ligas
bordadas deixavam escapar com artificio os tufos de
cambraieta alvíssima.

O conde não excedia a estatura ordinária; mas,


esbelto e proporcionado todos os seus movimentos eram
graciosos.
As faces eram talvez pálidas de mais, porém animadas
de grande expressão, e o fulgor das pupilas negras
fuzilava tão vivo e por vezes tão recobrado, que se
tornava irresistível.

Filho do marquês de Marialva e discípulo querido de


seu pai, do melhor cavaleiro de Portugal, e talvez da
Europa, a cavalo, a nobreza e a naturalidade do seu
porte enlevavam os olhos.

Ele e o corcel, como que ajustados em uma só peça,


realizavam a imagem do centauro antigo. A bizarria
com que percorreu a praça, domando sem esforço o
fogoso corcel, arrancou prolongados e repetidos
aplausos.

Na terceira volta, obrigando o cavalo quase a


ajoelhar-se diante de um camarote, fez que uma dama
escondesse turvada no lenço as rosas vivíssimas do rosto,
que decerto descobririam o melindroso segredo da sua
alma, se em momentos rápidos como o faiscar do
relâmpago pudesse alguém adivinhar o que só dois
sabiam.

11
El-rei, quando o mancebo o cumprimentou pela
última vez, sorriu-se, e disse voltando-se: - Porque virá o
conde quase de luto à festa ? Principiou o combate.

Não é propósito nosso descrever uma corrida de


touros. Todos teem assistido a elas e sabem de memória
o que o espectáculo oferece de notável. Diremos só
que a raça dos bois era apurada, e que os touros se
corriam desembolados, à espanhola.

Nada diminuía, portanto, as probabilidades do perigo


e a poesia da luta. Tinham-se picado alguns bois. Abriu-
se de novo a porte do curro, e um touro preto investiu
com a praça.
Era um verdadeiro boi de circo. Armas compridas e
reviradas nas pontas, pernas delgadas e nervosas,
indício de grande ligeireza, sinal de força prodigiosa.

Apenas tocara o centro da praça, estancou como


deslumbrado, sacudiu a fronte e, escavando a terra
impaciente, soltou um mugido feroz no meio do silêncio,
que sucedera às palmas e gritos dos espectadores.

Dentro em pouco as capinhas, saltando a pulos as


trincheiras, fugiam à velocidade espantosa do animal, e
dois ou três cavalos expirantes, denunciavam a sua fúria.

Nenhum dos cavaleiros se atreveu a sair contra ele.


Fez uma pausa. O touro pisava a arena ameaçador e
parecia desafiar em vão um contendor.
De repente viu-se o Conde dos Arcos firme na sela
provocar o ímpeto da fera e a haste flexível do rojão

12
ranger e estalar, embebendo o ferro no pescoço
musculoso do boi.

Um rugido tremendo, uma aclamação imensa do


anfiteatro inteiro, e as vozes triunfais das trombetas a
charamelas encerraram esta sorte brilhante. Quando o
nobre mancebo passou a galope por baixo do
camarote, diante do qual pouco antes fizera ajoelhar o
cavalo, a mão alva e breve de uma dama deixou cair

uma rosa, e o conde, curvando-se com donaire sobre os


arções, apanhou a flor do chão sem afrouxar a carreira,
levou-a aos lábios e meteu-a no peito. Investindo depois
com o touro, tornado imóvel com a raiva concentrada,
rodeou-o estreitando em volta dele os círculos até
chegar quase a pôr-lhe a mão na nuca.

O mancebo desprezava o perigo e pago até da


morte pelos sorrisos, que seus olhos furtavam de longe,
levou o arrojo a arrepiar a testa do touro com a ponta
da lança.

13
Precipitou-se então o animal com fúria cega e
irresistível.
O cavalo baqueou trespassado e o cavaleiro, ferido
na perna, não pôde levantar-se. Voltando sobre ele o
boi enraivecido arremessou-o aos ares, esperou-lhe a
queda nas armas, e não se arredou senão quando,
assentando-lhe as patas sobre o peito, conheceu que o
seu inimigo era um cadáver.

Este doloroso lance ocorreu com a velocidade do


raio. Estava já consumada a tragédia e não havia
expirado ainda o eco dos últimos aplausos.

De repente um silêncio, em que se conglobam


milhares de agonias, emudeceu o circo. Rei, vassalos e
damas, meio corpo fora dos camarotes, fitavam a praça
sem respirar e erguiam logo a vista ao céu como para
seguir a alma que para lá voava envolta em sangue.

Quando mancebo, dobrado no ar, exalava a vida


antes de tocar no chão, um gemido agudo, composto
de soluços e choro, caiu sobre o cadáver como uma
lágrima de fogo.
Uma dama desmaiada nos braços de outras senhoras
soltara aquele grito estridente, derradeiro ai do coração
ao rebentar do peito. El-Rei D. José com as mãos no
rosto, parecia petrificado. A corte desta vez
acompanhava-o na sua dor. Mas o drama ainda não
tinha concluído. Quem sabe!?

O terror e a piedade iam cortar de novas mágoas o


peito a todos. O Marquês de Marialva assistira a tudo do
seu lugar.

14
Revendo-se na gentileza do filho, seus olhos seguiam-
lhe os movimentos brilhando a cada sorte feliz.

Logo que entrou o touro preto, carregou-se de uma


nuvem o semblante do ancião. Quando o Conde dos
Arcos saiu a farpeá-lo, as feições do pai contraíram-se e
a sua vista não se despregou mais da arriscada luta.

De repente o velho saltou um grito sufocado e cobriu


os olhos, apertando depois as mãos na cabeça. Os seus
receios haviam-se realizado. Cavalo e cavaleiro rolavam
na arena, e a esperança pendia de fio ténue !

Cortou-lhe rapidamente a morte, e o marquês perdido


o filho, luz da sua alma e ufania de suas cãs, não preferiu
uma palavra, não derramou uma palavra; mas os
joelhos fugiam-lhe trémulos, e a elevada estatura
elevou-se vergando ao peso da mágoa excruciante.

Volveu, porém, em si, decorridos momentos alivia


palidez do rosto tingiu-se de vermelhidão febril
subitamente. Os cabelos desgrenhados e hirtos
revolveram-se-lhe na fronte inundada de suor frio como
as sedas da juba de leão irritado.

Nos olhos amortecidos faiscou instantâneo, mas


terrível, o sombrio clarão de uma cólera, em que todas
as ânsias insofridas da vingança se acumulavam.

Em um ímpeto a presença reassumiu as proporções


majestosas e erectas como se lhe corresse nas veias o
sangue do mancebo que perdera.

15
Levando por acto instintivo a mão ao lado, para
arrancar da espada, meneou tristemente a cabeça. A
sua boa espada, cingira-a ele próprio ao filho neste dia
que se convertera para sua casa em dia de eterno luto.

Sem querer ouvir nada, desceu os degraus do


anfiteatro, seguro e resoluto como se as neves de
setenta anos lhe não branqueassem a cabeça. – Sua
majestade ordenou ao marquês de Marialva, que
aguarde as suas ordens! – disse um camarista, detendo-
o pelo braço.

O velho estremeceu como se acordasse sobressaltado,


e cravou no interlocutor os olhos desvairados, em que
reluzia o fulgor concentrado dum pensamento imutável .

Desviando depois a mão que o suspendia, baixou mais


dois degraus.
- Sua majestade entende foi já bastante desgraçado e
não quer perder nele dois vassalos…
- El-rei manda nos vivos e eu vou morrer! – atalhou o
ancião, em voz áspera, mas sumida – Aquele é o corpo
do meu filho! – e apontava para o cadáver – Está ali!

Sua majestade pode tudo menos desarmar o braço do


pai, menos desonrar os cabelos brancos do criado que o
serve há tantos anos. Deixe-me passar, e diga isto.

D. José vira o marquês levantar-se e percebera a sua


resolução. Amava no estribeiro-mor as virtudes e a
lealdade nunca desmentidas. Sabia que da sua boca
não ouvira senão a verdade, e a ideia de o perder assim
era-lhe insuportável.

16
Apenas lhe constou que ele não acedia à sua
vontade, fez-se branco, cerrou os dentes convulsos e,
debruçado para fora da tribuna, aguardou em ansioso
silêncio o desfecho da catástrofe.

A esse tempo já o marquês pisava a praça, firme e


intrépida como os antigos romanos diante da morte.
Dentro do peito o seu coração chorava, mas os olhos
áridos queimavam as lágrimas quando subiam a
rebentar por eles.
Primeiro do que tudo queria a vingança.

Por impulso instantâneo, todo o ajuntamento se pôs de


pé.
Os semblantes consternados e os olhos arrasados
água, exprimiam, aquela dolorosa contenção de
espírito, em que um sentido parece concentrar todos.

- Deixai-o ir ao velho fidalgo! A mágoa, que o trespassa,


não tem igual. O fogo, que lhe presta vida e forças, é a
desesperação. Deixai-o ir, e de joelhos!
Saudai a majestade do infortúnio. O pai angustiado
ajoelhou junto do corpo do filho e pousou-lhe depois um
ósculo na fonte. Desabrochou-lhe o talim e cingiu-o,
levantou-lhe do chão a espada e correu-lhe a vista pelo
fio e pela ponta de dois gumes.

Passou depois a capa no braço e cobriu-se. Decorridos


instantes estava no meio da praça e devorava o touro
com a vista chamejante, provocando-o para o
combate.

Cortado de comoções tão cruéis, não lhe tremia o


braço e os pés arreigavam-se na arena como se um

17
puder oculto e superior lhos tivesse ligado
repentinamente à terra.

Fez no circo um silêncio gélido, tremendo e tão


profundo, que poderiam ouvir-se até as pulsações do
coração do marquês, se naquela alma de bronze o
coração valesse mais do que a vontade.

O touro arremete contra ele. Uma e muitas vezes o


investe ego e irado, mas a destreza do marquês esquiva
sempre a pancada. Os ilhais da fera urfam de fadiga, a
espuma franja-lhe a boca, as pernas vergam e resvalam,
e os olhos amortecem de cansaço. O ancião zomba da
sua fúria. Calculando as distâncias, frustra-lhe todos os
golpes sem recuar um passo. O combate demora-se.

A vida dos espectadores resume-se nos olhos. Nenhum


usa desviar a vista de cima da praça. A imensidade da
catástrofe imobiliza todos. De súbito solta el-rei um grito e
recolhe-se para dentro da tribuna.
O velho aparava a peito descoberto a marrada do
touro, e quase todos ajoelharam para rezarem por alma
do último marquês de Marialva.

A aflitiva pausa apenas durou momentos. Por entre as


névoas, de que a pupila trémula se embaciava, viu-se o
homem crescer para a fera, a espada fuzilar nos ares e
logo após sumir-se até aos copos entre a nuca do
animal.

Um bramido, que atroou o circo, e o baque do corpo


agigantado na arena, encerraram o estremo acto do
funesto drama. Clamores uníssonos saudaram a vitória.

18
O marquês, que tinha dobrado o joelho com a força
do golpe, levantava-se mais branco do que um
cadáver. Sem fazer caso dos que o rodeavam, tornou a
abraçar-se com o corpo do filho, banhando-o de
lágrimas e cobrindo-o de beijos.

O touro ergueu-se, e, cambaleando com a sezão da


morte, veio apalpar o sitio onde queria expirar. Ajuntou
ali os membros e deixou-se cair sem vida ao lado do
cavalo do conde dos Arcos.

Nesse momento os espectadores olhando para a


tribuna real estremeceram. El-rei, de pé e muito pálido,
tinha junto de si o marquês de Pombal, coberto de pó e
com sinais de ter viajado depressa.

Sebastião José de Carvalho voltava de propósito as


costas à praça falando com o monarca. Punia assim a
barbaridade do circo. – Temos guerra com a Espanha,
senhor.

E inevitável. Vossa majestade não pode consentir que


os touros lhe matem o tempo e os vassalos. Se
continuássemos nesse caminho … cedo iria Portugal à
vela.

- Foi a última corrida marquês. A morte do conde dos


Arcos acabou os touros reais enquanto eu reinar
– Assim o espero da sabedoria de vossa majestade.
Não há tanta gente nos seus reinos, que possa dar-se
um homem por um touro.

- El-rei consente que vá em seu nome consolar o


marquês de Marialva ?

19
- Vá ! É pai. Sabe o que há-de dizer-lhe…!

- O mesmo que ele me diria a mim, se Henrique estivesse


como está o conde. El-rei saiu da tribuna, e o marquês
de Pombal, entrando na praça em toda a majestade da
sua elevada estatura, levantou nos braços o velho
fidalgo, dizendo-lhe com voz meiga e triste:

- Sr. Marquês! Os portugueses, como V. exª., são para


darem exemplos de grandeza de alma e não para os
receberem.
Tinha um filho e Deus levou-lho. Altos juízos seus!

A Espanha declara-nos a guerra e el-rei, meu amo e


senhor, precisa do conselho e da espada de v.exª. e
travando-lhe da mão, levou-o quase nos braços até o
meterem na carruagem.

D. José I, cumpriu a palavra dada ao seu ministro.


No seu reinado não mais se picaram touros reais em
Salvaterra.”

********************

************

*******

20
II
O CONDE DOS ARCOS - A SUA ORIGEM E MORTE

NOTA PREVIA

É pela carta real de 2 de Fevereiro de 1620 que, pela


primeira vez se fala deste título; Conde dos Arcos. É um
título atribuído com conotação à povoação de Arcos
de Valdevez.
Segundo alguns historiadores, o nascimento do 7º
Conde dos Arcos; D. Manuel José de Noronha e
Menezes, terá acontecido em Marvila, no ano de 1740.
Em 1989, quando pesquisava o local onde teria existido
o “Teatro Régio de Salvaterra”, pessoas que agora
teriam 115 anos de idade, disseram-me que na meninice
deles, o povo falava que o sítio onde teria acontecido a
corrida, era num terreno aberto, por detrás do Paço das
Damas. Lembravam-se, que no primeiro quartel do séc.
XX, aquela zona foi urbanizado com algumas casas. E

21
que alguns lhe chamavam “Canto da Ferrugenta”,
outros o “Páteo do Pardalada”.
Quanto ao registo da morte sabe-se foi feito nos
serviços da secretaria do paço real de Salvaterra e, do
mesmo, fez notícia a “ Gazeta de Lisboa”, jornal da
época.

A POLÉMICA

A curiosidade em conhecer melhor o que foi escrito


por Rebello da Silva, sobre a “Última corrida de toiros em
Salvaterra e a morte do Conde dos Arcos” tem levada à
realização de vários colóquios, onde as inúmeras
intervenções, causam sempre alguma polémica.
Também em 2003, Vitor Escudero, considerado um
investigador no mundo dos toiros, em Portugal,
Arraigadamente disse numa reunião de aficionados,
realizada em Salvaterra, “É uma das maiores mentiras da
nossa História”, o Conde dos Arcos morreu, na Murteira
(Samora Correia).

**********
De acordo com o registo cronológico dos titulares “Conde dos Arcos”,
regista-se a sua morte em 1779, mas em documentos usados
posteriormente, como: “certidão de óbito”, a sua morte ocorreu em 10
de Fevereiro de 1778.

22
23
Já antes, Pizarro Monteiro, falecido em 1991, deixou
escrito em 1982, que a morte do Conde dos Arcos,
nunca aconteceu de maneira trágica em Salvaterra,
mas sim de morte natural, conforme uma oração
fúnebre deixada escrita em 1778.

Também quando das obras, realizadas na Igreja Matriz


da vila, em 1958, o padre José Rodrigues Diogo, pároco
da freguesia, em presença de três pedras tumulares em
frente ao altar daquele templo, disse: Uma delas é do
Bispo João Soalhães, fundador da Igreja, em 1296, cujo
orago é S. Paulo. Uma outra é, do Conde dos Arcos, veio
do convento de Jericó, quando do sismo de 1858.

24
25
III

TOIROS DE MORTE EM SALVATERRA


Depois do acontecido em 1762, com a morte do
Conde dos Arcos, vários abusos com mortes de toiros
aconteceram em praças portuguesas.
Em 1921, Joaquim Mella, na praça de toiros das
Caldas da Rainha, estoqueou um toiro e, logo de seguia
em Salvaterra de Magos, o toureiro “Faculdades”, que
muitas vezes fez parelha com os irmãos Roberto(s),
abateu toiros o que deu origem à publicação de uma
nova lei que revogava as anteriores proibições, que
vinham de 1837 e 1838.
Novamente e apesar das proibições, em 1927, foram
mortos toiros em praças de Portugal. Novo decreto-lei,
foi publicado no Diário do Governo, de 11 de Abril de
1928, estabelecendo pesadas sanções para os
prevaricadores, bem como aos proprietários das praças.

26
Em 1952, Manuel dos Santos, estoqueou um toiro no
Campo Pequeno e, mais tarde coube a vez ao matador
António dos Santos. Os anos decorriam e os aficionados,
toureiros e ganadeiros pugnavam, mesmo em surdina,
pela morte dos toiros na arena, das praças portuguesas,
Aproveitando as incertezas políticas que pairavam em
Portugal, depois da revolução dos cravos, em 1974,
novamente o “mundo” ligado a festa tauromáquica,
realiza em Salvaterra de Magos, no dia 18 de Dezembro
de 1976, no salão do Clube Desportivo local, um
colóquio, Da reunião, fiz noticia que foi publicada no
jornal “Diário do Ribatejo” em 18 de Dezembro de 1976,
que aqui transcrevo:
“Sim, toiros de morte em Salvaterra de Magos foi a palavra de
ordem, no colóquio realizado no passado dia 18, no Salão do
Clube Desportivo Salvaterrense. Promovido pela Comissão
Pró-Toiros de Morte em Portugal e apoiada pela Comissão da
Praça de Toiros de Salvaterra, e na sequência de outras
sessões sobre o mesmo tema, foi levada a efeito uma sessão
e esclarecimento sobre a situação da tauromaquia em
Portugal e dar a conhecer o ponto da situação sobre o
movimento que se está a desenvolver para as corridas na
próxima temporada, sejam integrais. Compunham a mesa do
colóquio: Dr. Queirós (advogado), José Júlio, Parrreirita

27
Cigano, António Portugal, Ludovino Bacatume Mestre Batista
(toureiros). Rogério Amaro (critico e pegador de toiros), João
Ramalho(ganadeiro) João Mascarenhas, Chony, Francisco
Rocha (aficionados), e ainda as senhoras; Isabel Cadencio e
Carolina Bacatum. Foram ainda convidado e, estiveram
presentes; forcados, campinos e alguns elementos da
Comissão que tinham em seu poder a gerência da praça de
toiros da misericórdia local.
Abriu o colóquio, o sr, Chony que fez algumas
considerações sobre as perspectivas e a sua viabilidade dos
toiros de morte em Portugal. Seguidamente foi dada a palavra
ao ganadeiro João Ramalho, que fez uma síntese dos toiros
de lide e as dificuldades na sua criação. O dr. José Queiró,
começou a sua intervenção, por fazer algumas considerações
ao processo judicial, onde estão envolvidos os matadores e
cavaleiros, que intervieram na já célebre corrida de 31 de
Outubro do corrente ano, em Vila Franca de Xira. Depois fez
algumas análises ao Decreto-Lei, que proíbe os toiros de
morte em Portugal e que data de 1836,e que foi confirmado
pelo Decreto de 1919, que prevê para as infracções nalguns
pontos multas de 2$00 e 15$00, mais tarde em 1921 saiu a
Portaria que vem de igual modo regulamentar as corridas de
toiros e suas implicações, ainda em 1928, saiu outro Decreto-
Lei sobre igual matéria e que na opinião jurista, tal matéria

28
publicada, está desde há muito ultrapassada, e que urge
modificar. Pela sua intervenção recebeu grandes aplausos.
O crítico de toiros do “jornal de noticias” e forcado, Rogério
Amaro, iniciou a sua intervenção sobre o papel dos moços de
forcados e a necessidade de os agrupamentos serem
reduzidos, se os toiros de morte for uma realidade, foi muito
aplaudido. José Júlio, António Portugal e Parreirita Cigano
descreveram cada uma à sua maneira o papel do matador de
toiros, em Portugal e em Espanha, Por todos foi condenado o
obsoleto Decreto, que ainda regula as corridas com toiros de
morte em Portugal. As senhoras, Isabel Cadencio e Carolina
Bacatum, referiram-se ao papel das senhoras no ambiente
tauromáquico, aplaudiram e incentivaram os elementos da
Comissão Pró-Toiros de Morte a prosseguir a sua luta, que
era aliás a luta de todos os aficionados.
O sr. João Mascarenhas, que na sua intervenção, empregou
grande entusiasmo e bastante aficion, começou por exortar os
presentes a apoiar a Comissão, que está a trabalhar no
projecto, que se espera dentro de algum tempo venha a ser
entregue ao governo. Fez uma critica, às ausências dos
aficionados, que servem nos meios da comunicação social, e
manifestou a sua grande alegria, por naquela sala encontrar
grande número de jovens e que se estava em presença de
novos aficionados. Loduvino Bacatum, também deu uma

29
achega, focando os aspectos dos toureiros, que sendo
reconhecidos como trabalhadores na sua profissão, nalguns
Ministérios, inclusive o do Trabalho, não podiam ser
matadores de toiros, em Portugal, também deu a conhecer
pormenores ao público presente de como tem sido o
“mister”de empresário neste país, e que num futuro muito
próximo, tal condição, terá que ser mais humana.
Ao entrar-se no período de perguntas aos elementos que
compunham a mesa, assistiu-se a um dialogo, muito vivo e
entusiasta, com perguntas que pelo seu conteúdo, verificava-
se que os aficionados Salvaterrianos, estavam deveras
preocupados com o futuro das corridas de toiros, muito
especialmente com as de toiros de morte, sendo muito
frequente ouvir-se “a petição para a frente”, começar com os
toiros de morte em Portugal, ela se efective, mas terminaram,
com a morte do Conde de Arcos, na Primavera de 1762.
Por último foram exibidos filmes, dando conta à assistência de
como são frias e sem motivação, as corridas de toiros em
Portugal, em paralelo com as realizadas em Espanha, onde o
público vê o espectáculo, cheio de vibração quando o matador
remata a faena, com o estoque final. A assistência, cerca de
três centenas e meia de pessoas, saiu deveras entusiasmada,
assinando por fim as listas, para a respectiva petição de toiros
de morte em Portugal. 18-12-76 * JOSE GAMEIRO

30
**************
Uns meses depois, num ambiente, então descrito de
provocar a lei, na praça de toiros de Salvaterra, em 15 de
Maio de 1977, os toureiros Armando Soares e o espanhol “El
Macareño”, estoquearam 4 toiros. Do acontecido, o jornal
“Aurora do Ribatejo”, publicou notícia, em 25 de Maio de 1977.

31
IV
CRIADORES DE TOIROS EM SALVATERRA

Nota Prévia
No séc. XIX, existem registos de lavradores de
Salvaterra de Magos, para além de terem, a sua
actividade agrícola, desenvolviam a criação de gado
bravo. Havia as pequenas e grandes ganadarias.
Nas pequenas, trabalhavam um restrito grupo que
não passavam do Moiral, Contra Moral e Campinos.
Nos meses da Primavera e Verão, o gado pastava nas
terras frescas da bacia do rio Tejo. Como no campo de
Salvaterra e Lezíria Grande (Vila Franca de Xira).
No tempo de Outono e Inverno, alimentavam-se do
pasto da charneca, lá para os lados do Chaparral e
Coelhos, pastando algumas vezes nas terras frescas, que
viriam a pertencer anos depois à Barragem de Magos.

RODRIGO FERREIRA DA COSTA (Dr.)


Natural de Salvaterra de Magos, foi médico e criador
de gado bravo, por volta de 1873, forneceu vários curros

32
de toiros para a praça do Campo de Sant`Ana. Falecer
em 1878, na sua terra-natal.

ANTONIO FERREIRA ROQUETTE


Natural de Salvaterra de Magos, teve casa agrícola
nesta vila, foi criador de toiros, com divisa: turquesa e
branco. Os seus toiros gozavam de grande fama. Enviou
alguns curros para a praça de Sant`Ana, em Lisboa e
chegou a fornecer curros para Madrid. O lavrador de
Alpiarça, João Ignácio da Costa, comprou-lhe alguns
toiros, para apurar as suas rezes. Tal como seu irmão,
José Ferreira Roquette, foi toureiro e cavaleiro amador,
conseguindo grande popularidade.

JOSE LUIZ DE BRITO SEABRA


Nasceu em Salvaterra de Magos, em 30 de Agosto de
1845, foi dono com sua mãe do palacete construído
nesta vila, que mais tarde passou a propriedade da
família Monte Real. Foi lavrador e ganadeiro, presidente
da câmara municipal de Salvaterra de Magos, membro
da Junta Geral do Distrito de Santarém. Foi sócio
fundador do Real Club Tauromachico Portuguez,

33
fundado em 23 de Fevereiro de 1892. Faleceu em
Valada, no dia 27 de Julho de 1893.

ANTONIO JOSE FERREIRA DA SILVA


Nasceu a 19 de Setembro de 1889, filho do ganadeiro
com o mesmo nome, forneceu toiros para serem corridos
em várias praças dos pais, a sua divisão era Azul, e as
manadas pastavam nos campos de Salvaterra.

ROBERTO DA FONSECA JUNIOR


Nasceu em Salvaterra de Magos, filho reconhecido do
antigo bandarilheiro, Roberto da Fonseca, quando da
abertura do seu testamento * Nos últimos anos do séc.
XIX, pretendeu ser toureiro, convencido de que não
tinha aptidões artísticas, dedicou-se à criação de toiros
de lide.
JOSE FERREIRA ROQUETTE

JFR

Nasceu em Salvaterra de Magos, era irmão de António


Roquette, teve uma manada de toiros bravos, com a
divisa verde.

34
JOÃO ANTÓNIO FERNANDES
Pequeno lavrador, natural de Salvaterra de Magos,
tinha uma vacada e, alguns toiros de selecção, que
pastavam nos campos da vila, junto ao Tejo. Forneceu
curros para várias praças dos pais.

ROBERTO & ROBERTO


(Vicente Roberto e Roberto da Fonseca),

RR

Nasceram em Salvaterra de Magos, como


bandarilheiros ganharam fama e proveito, dedicaram-se
à agricultura e tiveram uma ganadaria de toiros de lide,
que pastavam nos seus campos de Salvaterra. Um curro
de toiros desta ganadaria, foi corrido na arena do
Campo de Sant`Ana, em Dezembro de 1987, onde teve
lugar a última corrida nesta praça. Actuaram os
cavaleiros Casimiro Monteiro, Alfredo Tinoco, José Bento
de Araújo e D. Luiz do Rego.
Estes ganadeiros integraram em Portugal, o primeiro
lote, que construíram “Tentaderos” para testarem as suas

35
vacas e, para tal construíram um, na sua Herdade dos
Coelhos.

FRANCISCO FERREIRA LINO

FFL
* Nasceu em Salvaterra de Magos, filho de João Francisco
Lino, iniciou a actividade agrícola, aos 18 anos, depois
de passar pelo comércio em Lisboa. De pequeno
lavrador, foi comprando propriedades e, por volta de
1915, acabou de construir o seu Palacete, cujo começo
vinha antes do terramoto de 1909, na sua Quinta da
Ómnia. A sua ganadaria, teve início naquela época,
sendo os seus animais oriundos de António Ferreira
Roquette.

JOSE VICENTE DA COSTA RAMALHO


Filho do lavrador e benemérito, Gaspar da Costa
Ramalho, em 1936, era detentor de casa agrícola, com
criação de toiros, que pela fama adquirida nas praças
portuguesas, começaram a ser solicitados para as
arenas de Espanha.

36
IRMÃOS ROBERTO
(Vicente Roberto Ferreira da Fonseca, Roberto Ferreira da
Fonseca (Dr.) e,
João Roberto Ferreira da Fonseca)

IR

Receberam por herança casa agrícola e ganadaria, de


seu pai João Roberto, que por sua vez recebeu da firma
Roberto & Roberto. A Ganadaria, na primeira metade
do séc. XX, muita fama lhes deu.

JOÃO RAMALHO
(JOÃO JOSE DE MORAES SARMENTO COSTA RAMALHO)

37
Nasceu em Salvaterra de Magos, filho do lavrador e
ganadeiro; José Vicente da Costa Ramalho * Sede:
Quinta da Gatinheira (Salvaterra de Magos) * Divisa: Lilás
e Branco
* Historial: Em 1961 compra 30 vacas Toiros a José
Pedrosa e 1 toiro e 4 vacas “Chamaco”, vindas de Pinto
Barreiros, com ferro de irmãos Roberto (Salvaterra de
Magos) * Em 1963, compra 8 vacas Urquijo x Alves do
Rio, a Dr. José Manuel Andrade (linha toda dada ás
filhas: Thereza e Helena Ramalho)

JOSE LUIS PEREIRA DIAS

Natural da Malveira (Oeste), na década de 70 do séc.


XX, veio para Salvaterra de Magos, onde tem morada *
Divisa: Azul e Preto * Toiros oriundos: José Manuel
Andrade, Engº Ruy Gonçalves e Cabral de Ascensão *
Antiguidade: 1976

38
FELICIDADE DIAS
(Felicidade da Conceição Filipe Pereira Dias)

* Nos anos 70 do séc. XX, fixou residência em Salvaterra


de Magos * esposa do ganadeiro José Dias e, mãe dos
Irmãos Dias * Divisa: Encarnado e Amarelo * Toiros
oriundos: Andrade Salgueiro e Manuel César Rodrigues *
Ganadaria conhecida desde 1984.

IRMÃOS DIAS
José Luís Pereira Dias e Felicidade da Conceição Filipe
Pereira Dias
Filhos de José Dias e Felicidade Dias,

39
* Ganadaria desde 1976 * Tem sede em Salvaterra de
Magos (Ribatejo) * Toiros oriundos de Norberto Pedroso,
que iniciou uma ganadaria em 1910, com vacas
portuguesas de Manuel Duarte Oliveira e Condessa da
Junqueira. De Emílio Infante da Câmara, também
adquiriu algumas vacas e sementais.

THEREZA E HELENA RAMALHO


(Thereza Margarida e Helena Rita Bastos de Moraes
Sarmento Ramalho)

*Morada na Quinta da Gatinheira (Salvaterra de Magos)


* Divisa: Laranja e Verde Musgo
* A sua ganadaria é oriunda de seu pai João
Ramalho. Antiguidade já conhecida em 1976, nos
últimos anos deixaram de ter registo, passando os seus
animais a integrar a ganadaria de seu pai, com o fim de
serem corridos em Espanha.

40
V

CRIADORES DE CAVALOS EM SALVATERRA


Nota Prévia

As terras de Salvaterra de Magos, junto ao rio Tejo,


férteis em aluvião, onde a erva fresca era muito
convidativa para a criação de gado cavalarem.
Nas Estatísticas de Portugal, dos últimos anos do séc.
XIX, constam que a produção animal, de gado bovino,
cavalar e asno, criada neste concelho, tinha grande
peso na economia do pais, quer em quantidade e
qualidade. O burro, era aproveitado em grande
quantidade para os cruzamentos com (égua/cavalo),
dando origem ao Macho/Mula, para os trabalhos mais
exigentes da lavoura.
Entre os vários criadores do gado da raça cavalar,
constava a casa agrícola, Cadaval, de Muge.

41
PORFIRIO NEVES DA SILVA
Natural de Salvaterra de Magos, foi grande lavrador
com terras no concelho onde nasceu e, nos concelhos
vizinhos. Era respeitado por todo o Ribatejo
(anteriormente Estremadura), pela dedicação a que se
entregou à criação do gado cavalar. Nos registos
antigos do Ministério do Exército, verifica-se que foi muito
pretendido, pela qualidade do seu gado, que
apresentava na remonta, todos os anos.
Em 1907, foi Administrador-Interino da Câmara
Municipal da sua terra-natal, o que lhe valeu o seu
toponímico à rua que mais tarde passou a Gen.
Humberto Delgado.

JOÃO OLIVEIRA E SOUSA


Oliveira e Sousa, sendo engenheiro,
pertenceu aos quadros do exército, com
o posto de Capitão.
Era abastado lavrador, com residência

42
em Salvaterra de Magos, contava em 1935, com
propriedade nos concelhos de Salvaterra de Magos,
Coruche, Benavente, Vila Franca e Azambuja.
Também possuía propriedades no norte do pais, pois
era oriundo da zona da Guarda.
Na sua actividade agro-pecuária, dedicava grande
apreço pela criação do gado cavalar, onde incluía
bons exemplares nascidos de uma éguada da raça
lusitana, que pastava por vezes na Lezíria Grande (Vila
Franca de Xira). A sua coudelaria, proveio de António
José da Silva, que em 1893, já cuidava de criar bons
exemplares de cavalos, destinados à remonta, realizada
pelo exercito português. Com a sua morte, os filhos,
continuaram a casa agrícola (Oliveira e Sousa,
Herdeiros), tendo os netos o cuidado de continuarem a
administram a Casa Agrícola. As instalações da
Coudelaria, são na Quinta do Massapez, em Salvaterra
de Magos

IRMÃOS ROBERTO
(João Roberto da Fonseca, em 1939, com 78 anos de
idade, pai de Vicente Roberto da Fonseca; de Roberto

43
da Fonseca (Dr.) e de João Roberto Ferreira da
Fonseca), tendo a sua casa agrícola, dedicava especial
atenção à criação do gado bravo e do gado cavalar.
Teve exemplares em várias exposições em Salvaterra.
Em 1928 recebeu um diploma, pela presença de 10
poldros, considerados de grande qualidade, numa
exposição do então Ministério da Guerra.

ANTONIO DA SILVA LAPA


Natural de Salvaterra de Magos, desde jovem, como
agricultor interessou-se pela criação de gado cavalar.
Depressa, escolheu e veio a manter uma raça de
cavalos que destinava à cavalaria militar e desportiva.
Para esse tipo de exemplares, usava o cruzamento do
Português “Alter” com “Zapota”, animal das terras da
Andaluzia (Espanha). Aos 76 anos de idade, ainda era
um credenciado criador de cavalos.

MENEZES & IRMÃO, LDª


Os irmãos José Eugénio de Menezes e António
Eugénio de Menezes, fundaram uma Sociedade
Agrícola. Por falecimento deste último, passou a
pertencer à firma, seu filho, António de Menezes. Foram

44
criadores de cavalos raça Lusitano, em terras de
Salvaterra e do Pombalinho (Santarém).

JOSE LOPES FERREIRA LINO

Nasceu em Salvaterra de Magos, em 1914, na década


de 60, sendo funcionário da câmara municipal de
Salvaterra de Magos, fazia uma pequena agricultura e,
tinha gosto pela criação de cavalos e éguas, que
pastavam nas terras de Alcamé (Vila Franca),
apresentando-os depois à venda na Remonta Anual,
que o exército fazia em Salvaterra de Magos.

45
Sendo um grande aficionado da festa brava, possuía
um jogo de cabrestos, que fazia exibir nas Festas da
terra.
***********************
******* *******

46
VI

A DINASTIA ROBERTO
Nota Prévia
Desde menino de escola, ouvia falar dos Roberto(s).
Diziam que foram toureiros. Nesse tempo, talvez em 1955,
passando eu, na rua Cândido dos Reis (Antiga Rua S.
António), dei comigo envolvido entre uma multidão, que
em grande alegria descerravam uma placa de
homenagem aos irmãos toureiros. Esse grande número
de pessoas, estavam ali com os representantes da Casa
do Ribatejo, deixando uma lápide na parede, por cima
da porta de um prédio da família, o seu preito de
gratidão, aos homens que um dia honraram Salvaterra e
o Ribatejo, com as suas belas actuações em praças de
toiros de Portugal e Espanha.
O tempo passou…! Nunca mais, os seus conterrâneos se
lembraram deles, nem uma rua com o seu topónimo.
Foram simplesmente esquecidos. Os autarcas, aqueles
que decidem, nunca tiveram em conta, o seu valor

47
artístico que levou a todos os cantos, o nome de
Salvaterra, nem a lembrança da sua benemerência.
A ORIGEM
O nome Roberto referenciado em Salvaterra de
Magos, nos meados do séc. XVIII, segundo alguns
estudos genealógicos, estará ligado aos falcoeiros,
vindos da Holanda, como mestres daquela arte.
Henrique Jacob (1744-1829), um deles, casou com Ana
Josefa de Vasconcellos, desta vila, e daí o início da
dinastia – Os Jacob (s).
António Roberto da Fonseca, tal como os seus irmãos
Luís Roberto da Fonseca, Tito da Fonseca e Antão José
da Fonseca, nasceram em Angra do Heroísmo (Açores),
vindo ainda crianças para Lisboa.
Estando instalados em Salvaterra de Magos, segundo
algumas crónicas da época, tropas da última das três
invasões francesas, Um outro grupo de militares, estava
aquartelado no lado norte do Tejo, num palacete de
Valada. Aqui em Salvaterra de Magos, houve forte
confronto com o exército português, tendo o povo local
muito ajudado nesse combate militar.

Muitos residentes da vila foram foragidos. António


Roberto da Fonseca, recebeu a protecção dos Conde
de Almada, que tinham á época um palacete na vila.
(1). Aos 12 anos de idade, mostrou algumas aptidões
para enfrentar toiros de lide. Seus irmãos, Tito, Luís e, o
Antão, também exprimiam este gosto e, tourearam
alguns anos.

********
(1) – Palacete, que tendo brasão de pedra dos Almadas, nos anos 50
do séc. XX, era propriedade da família Roquette *

48
ANTÓNIO ROBERTO DA FONSECA,
Nele foi encontrada muita aficion, foi bandarilheiro
profissional, a sua apresentação pública, foi na então
pequena povoação da Glória (Glória do Ribatejo),
depois de receber lições de: Manuel Faria, António
Cordeiro e Vicente Tinoco, afamados lidadores da
época. Toureou na antiga praça de toiros existente no
Salitre (Lisboa), com seus irmãos; Antão e Luís Roberto,
que faleceu em 1862.
* Retirou-se da profissão de
picar toiros, em 1859, bastante
velho e arruinado de saúde.
Veio a falecer em Salvaterra
de Magos, a 21 de Março de
1882. Os seus três filhos;
Vicente Roberto, Roberto
Jacob da Fonseca e João
Roberto, também
enveredaram pela arte do toureio.
Algumas crónicas da época, da especialidade taurina,
conservam textos, das actuações destes “monstros” da
tauromaquia portuguesa, que foram Vicente e Roberto
da Fonseca. A tourear, ganharam fama e proveito, mas
foram humildes na vida cívica.
Depois de retirados das arenas, recolheram-se à vida
da agricultura, na sua terra natal, Salvaterra de Magos.
A agricultura, e a criação de gado bravo, foram
caminhos bem aproveitados, que deixaram a seus
descendentes. Em relação ao filho, João Roberto da
Fonseca, atingiu um plano pouco lisonjeiro nesta arte
dos toiros.

49
VICENTE ROBERTO
Nasceu na vila de Salvaterra de Magos, em 1836.
Foram seus pais, António Roberto da Fonseca e D. Maria
Gertrudes da Fonseca. Seu pai, foi também um toureiro
distinto. Vicente Roberto, chegou a aprender o ofício de
alfaiate; manifestando, porém decidida vocação para o
toureio, principiou a aplicar-se à arte tauromáquica,
toureando em Almada com 13 anos de idade.
O Conde de Vimioso, que assistia à corrida ao ver a
maneira como Vicente Roberto acabava de evidenciar
a sua aptidão para as lides
taurinas, depois da corrida
desceu à arena, abraçou-o,
incentivando-o ao estudo, e
ofereceu-lhe um trajo de “luces”
de bandarilheiro. Fato de azul e
oiro, que seria o primeiro, que
vestiu de uma brilhante carreira.
Quando aprendia o ofício de alfaiate, em Vila Franca
de Xira, fez parte da filarmónica da terra, no intuito de
aproveitar o denominado “BOI PARA A MUSICA”, o que
se costumava tocar nas corridas no Ribatejo. Aos 18

50
anos, começou a apresentar-se como toureiro de
profissão, juntamente com seu pai e seu irmão João
Roberto, que era igualmente um excelente executante,
entre outros artistas.
Em 1858, estreou-se na praça de toiros do Campo de
Sant`Ana, e estão bem vivas na memória de todos as
ovações que ali alcançou. A sua reputação firmou-se
cada vez mais, e em 1861, entrou para o quadro de
artistas contratados pelo empresário Domingos Alegria.
Os críticos da época, não se fartavam de o elogiar,
sempre que actuava, os jornais chegavam a fazer
segunda edição, só para venda em Lisboa.
O seu primeiro benefício realizou-se em 1862,
apresentando-se nele também seu irmão, Roberto da
Fonseca, que sendo convidado a tomar parte se
recusara, dizia: não ter grande habilidade, grande era a
sua grande modéstia.
A insistência foi muita, actuou e brilhou na arena de
tal sorte que depois veio a tornar-se um dos mais
notáveis mestres do toureio nacional. É impossível dar
nota de todos os triunfos, ovações e festas artísticas de
Vicente Roberto; o público correia sempre pressuroso a
saudá-lo freneticamente e os bilhetes atingiam um

51
preço elevadíssimo, com praças sempre cheias. Toureou
em todas as praças de Portugal, e pela primeira vez, em
1865, na de Badajoz, correndo touros desembolados e
com sorte inovadoras, como a “Cadeira”, alcançando
um legítimo sucesso.
Em 1892, foi convidado pela nova sociedade
“Empresa Tauromáquica Lisbonense”, para actuar com
seu irmão Roberto da Fonseca, no dia 18 de Agosto, na
corrida à portuguesa, na inauguração da praça de
touros do Campo Pequeno, em Lisboa. Na Figueira da
Foz, toureou a 10 de Setembro de 1888, numa sorte de
cadeira, ficou gravemente ferido e teve de recorrer a
uma enfermaria da misericórdia local. Debatendo-se
entre a vida e a morte, recebeu inúmeras provas de
simpatia e dedicação, tanto do digno provedor
comendador Afonso Ernesto de Barros, que havia pouco
tempo tinha sido agraciado com o titulo de visconde da
Marinha Grande, como de Frederico Nogueira de
Carvalho, Fernando de Mello, José Jardim, que
pertenciam ao pessoal médico e enfermagem do
hospital.
Apenas se restabeleceu do lamentável desastre,
contemplou aquela instituição, com um importante

52
donativo, e no seu testamento deixou-lhe mais um
legado. Com tal colhida, a sua saúde agravou-se, ficou
débil cada vez mais, e a medicina usando todos os
recursos declarou-se impotente, e após um doloroso e
prolongado martírio, faleceu às 11 horas da manhã, do
dia 1de Junho de 1896, rodeado de toda a família que
durante tanto tempo disputou à morte aquela preciosa
existência. Pessoa dedicada ao bem e ao útil, e que
mais uma vez deu eloquentes provas de grande
amizade e solidariedade que havia entre os irmãos
Roberto, o seu sobrinho, o nosso prezadíssimo amigo e
distinto bandarilheiro João Roberto, que algum dia será
o digno representante dessa raça de artistas(1).

PRIMEIRO ANO APÓS A SUA MORTE


O jornal semanário “ PRETO E BRANCO” publicado em
1867, faz o elogio fúnebre a Vicente Roberto, quando da
passagem do primeiro aniversário após a sua morte.

************
(1) - Foi testamenteiro do tio; Roberto Jacob da Fonseca e continuou com a
casa agrícola, deixando depois a seus filhos, que passaram a usar o ferro
Irmãos Roberto

53
“Vimos hoje, com a alma alanceada por uma profunda
saudade, registar o primeiro aniversário do falecimento
dessa simpática individualidade que se chamou Vicente,
prestando a devida homenagem a esse incomparável
amigo que soube conquistar um nome imorredoiro no
toureiro português, onde é contado entre os seus
grandes mestres, nobilitar-se por actos
de filantropia em que reflectiu a bondade da sua alma.
Na mais grato para nós do que evocar esse vulto
saudoso, que sempre nos distinguiu com uma imerecida
simpatia; o que
sentimos é não podermos dizer com profundos traços de
verdade o que Vicente Roberto valeu como homem e
como
artista; mas a palidez da nossa linguagem será animada
pela afectuosa lembrança que das brilhantes qualidades
deste ilustre morto, todos conservam arreigadas na
alma. Graças à extrema lhaneza e afabilidade do seu
trato, à honradez imaculada do seu carácter e ao seu
coração sempre aberto às emoções do bem, Vicente
Roberto viu criar-se e desenvolver-se em volta de si uma
enorme simpatia e consideração, o que sem dúvida
devia contribuir para suavizar a vida, límpida como o
cristal, mas torturada pela doença que se agravara

54
enormemente nos últimos anos. Amigo delicado,
galgava por cima das maiores dificuldades e sacrifícios
para servir os seus amigos, fazendo um perfeito
contraste com a sociedade actual, tão degenerada;
filantropo benemérito, via na felicidade dos outros a sua
própria felicidade; era assim que despendia uma grande
parte da sua fortuna, adquirida já nos trabalhos da
arena, já na agricultura e criação de gado bravo, em
proteger hospitais, montepios e outras casas de
beneficência, e em socorrer muita pobreza ignorada,
enxugando muitas lágrimas e fazendo renascer a
esperança no peito dos desgraçados.
Como bandarilheiro, Vicente Roberto, ocupou desde
muito novo um dos primeiros lugares entre os mais
ilustres artistas tauromáquicos de Portugal.
Ágil, audacioso e infatigável, a sua vida de toureiro foi
uma série ininterrupta de calorosos triunfos; só seu
irmão Roberto Jacob da Fonseca, o podia igualar no
trabalho de bandarilhas, nos recortes à cabeça do toiro
sem o auxilio da capa e em outras sortes que executava
com graça e arte inexcedíveis e que faziam bramir de
entusiasmo os aficionados.

55
A sua fama de lidador exímio estendeu-se até à
própria Espanha, chegando a tourear em Badajoz, com
seu irmão Roberto da Fonseca, touros desembolados.
Ali, as espanholas que se deliciavam com essas lutas
titânicas entre o homem e o animal, e que aplaudem
com frenesim o pouco edificante espectáculo do toiro
que ajoelha agonizante aos pés do matador, as
espanholas, delirantes de entusiasmo ao ver o grande
artista endoidecer, subjugar e dominar o toiro com voltas
e mais voltas garbosas da sua capa vermelha,
prorromperem na mais veemente manifestação,
cobrindo o distintíssimo artista com uma nuvem de flores
e palmas. Dessas ovações delirantes que lhe
embriagaram a alma, conservava Vicente Roberto as
mais saudosas recordações. E nos últimos anos de sua
vida como não lhe seria doloroso ver-se impossibilitado
para o toureio que tanto amava por causa da cruciante
doença que dia a dia lhe vinha minando a existência!
De vez em quando, a pedido dos amigos, lá descia à
arena para colocar um magistral par de ferros em que se
revelava sempre o primoroso e distinto artista de outros
tempos.

56
Nessas ocasiões que bem raras eram, divisava-se-lhe
na fisionomia, cheia de bondade, uma passageira
alegria, e Vicente Roberto saia sempre da praça coberto
das mais ruidosas ovações de apreço e simpatia.
O nosso semanário, não comporta longas biografias,
razão porque nos limitamos a condensar uns traços
biográficos que resumem em síntese luminosa, o alto
valor desse homem que a par dum grande artista foi um
honrado e infatigável trabalhador, chegando a adquirir
uma opulenta fortuna, e um coração de oiro que
espalhou tantos benefícios pelos pobrezinhos da sua
terra natal, e por diversos estabelecimentos de caridade
do nosso país; uns e outros ainda pranteiam a perda
irreparável que sofreram e delas sobram as bênçãos e
flores, o mármore frio do seu túmulo.
Hoje, dia do primeiro aniversário da sua morte,
depomos sobre o túmulo do nosso querido amigo um
“BUQUET” de sinceras saudades, ate porque
recordamos o povo da sua terra, desfilando reverente e
comovido perante o féretro e espargindo mil bênções
sobre aquele que foi um dos seus filhos mais dilectos e
um dos seus mais devotados protectores. Assim,

57
Vicente Roberto, que durante a vida se viu rodeado dos
maiores afectos e admirações, depois de morto teve
todas as honrarias a que tinha direito, sendo conduzido
à sua última morada por entre alas compactas dos
amigos. Vicente Roberto, evidenciando mais uma vez os
seus sentimentos piedosos, deixou em testamento
vários legados às Misericórdias; de Salvaterra de
Magos, Figueira da Foz, Coruche, Santarém e ao
Montepio de Salvaterra.

O grande artista reviverá na memória da família


amantíssima, no coração da qual deixou um imenso
vácuo, e na lembrança dos que tiveram a felicidade de
privar com ele, e conhecer as qualidades do seu
belíssimo carácter.
(Coimbra, 1 de Junho de 1897 – António Júlio (Vale de
Sousa)

58
ROBERTO JACOB DA FONSECA
“ Um amigo aficionado de Salvaterra, pede-me duas
linhas sobre o ex-bandarilheiro, que foi Roberto Jacob
da Fonseca.
Artista de um valor tão extraordinário, que é das tarefas
mais difíceis falar dessa glória da tauromachia
portugueza, que foi a maior figura do toureio antigo, e a
nossa maior relíquia, que hoje possuímos, vivendo na sua
linda Salvaterra, de tão grandes e históricas tradições
taurinas.

Inaugura-se hoje ali, a sua


nova praça de touros, que a
aficion do Ribatejo, aguardava
com impaciência, e a ela vae
assistir, dirigindo a sua primeira
corrida de touros o bom
velhinho, Roberto da Fonseca,
que foi um toureiro tão extraordinário, que a sua grande
fama não só foi conhecida em Portugal, chegando até
às praças de Hespanha, onde tanto se exige dos seus

59
artistas, e ali Roberto da Fonseca, fez a mais brilhante
das figuras, honrando a arte portugueza, de lidar rezes
bravas. Recorda-me ainda com saudade, a tarde que o
vi pela primeira vez, em uma festa artística, dos Irmãos
Robertos, na extinta praça do Campo de Sant`Ana,
onde o querido bandarilheiro, tantas tardes de glória
teve em companhia do seu irmão Vicente, outro grande
artista já falecido, e do seu sobrinho o nosso amigo João
Roberto da Fonseca, actualmente retirado das lides
taurinas, mas ainda um verdadeiro aficionado, e um dos
mais reputados ganaderos portuguezes. Roberto da
Fonseca, que ainda hoje não teve quem o egualasse,
reuniu à sua esbelta figura, grandes conhecimentos,
grande hagilidade, de que era possuidor, tornando-se o
primeiro bandarilheiro portuguez, saindo das sortes com
elegância e frescura, pisando sempre os verdadeiros
terrenos, e assim cravava no morilho dos touros
excelentes pares de bandarilhas, que os velhos
aficionados ainda hoje recordam com grande saudade.
Com a moleta, foi dos artistas portuguezes o primeiro,
que se dedicou a este toureio do vizinho reino, para o
que tinha muita habilidade, tendo tardes em que estava
primoroso.

60
Ainda inaugurou a praça do Campo Pequeno a 18 de
Agosto de 1892, em companhia dos seus colegas; ALFREDO
TINOCO, MINUTO, FERNANDO OLIVEIRA, VICENTE ROBERTO,
JOSÉ PEIXINHO, JOÃO CALABAÇA e RIO SANCHO, todos eles

já falecidos. Dos onze artistas, que há 28 anos


inauguraram a nova praça de Lisboa, apenas existem
ROBERTO JACOB DA FONSECA, JOÃO ROBERTO, RAFAEL
PEIXINHO e PESCADEIRO, este ausente em Hespanha, e

hoje retirado do toureio


. Depois da inauguração do Campo Pequeno, em
poucas corridas Roberto da Fonseca tomou parte,
despediu-se ao público aficionado, na festa artística que
seu sobrinho, João Roberto ali realizou, estando
magistral.
Dedicou-se depois à sua lavoura em Salvaterra,
encontrando-se ainda hoje à frente da sua casa
agrícola, o que foi um dos melhores ornamentos das
touradas em Portugal. Um grupo de amigos de Coruche,
pediu-lhe a sua presença na praça da terra e, em 18 de
Agosto de 1899, toureou pela última vez.
Já muito velhinho, apareceu em 17 de Novembro de
1921,a presidir a corrida organizada pela Associação dos
Toureiros Portugueses, no campo pequeno, amparado

61
por José Bento Araújo, desceu à arena e aí recebeu do
público que esgotava a praça, a maior ovação da sua
vida, pois a aficion não o havia esquecido.
Hoje, dia 1 de Agosto de 1920, vae inaugurar como
director da corrida, a nova praça, onde estará presente
o distinto e apreciado cavaleiro tauromáquico JOSE
CASIMIRO, outra glória da nova geração, e estamos

certos que a sua primeira sorte, será oferecida ao


respeitável toureiro, que com a sua presença, ali se vão
iniciar de novo as corridas de touros em Salvaterra.”

O SEU TESTAMENTO
Roberto Jacob da Fonseca, que na sua juventude foi
bandarilheiro, tal como seu irmão Vicente, granjeou
fama e fortuna, nas arenas de Portugal e Espanha. No
seu último testamento, deixou expresso toda a sua
vontade, várias vezes modificada, antes de falecer. Este
último desejo, foi fechado no dia 24 Agosto de 1920,
tendo o seu falecimento ocorrido no dia 8 de Maio de
1923, com 79 anos de idade.
. Uma certidão foi passada, por António Emiliano Garrido
da Silva, há época secretário da administração do

62
concelho de Salvaterra de Magos, a pedido do seu
testamenteiro, o sobrinho João Roberto da Fonseca.

“Eu, Roberto Jacob da Fonseca, solteiro, de setenta e nove


anos de edade, natural da freguesia da vila e concelho de
Salvaterra de Magos, onde resido, filho legitimo de António
Roberto da Fonseca e de Maria Gertrudes Roberto, já
falecidos, faço o meu testamento pela forma seguinte:
Seguinte: - Em primeiro lugar declaro que de mulher ser livre,
com quem podia casar: houve um filho que é Roberto da
Fonseca Júnior, casado, natural e morador em Salvaterra de
Magos e a quem pelo presente testamento eu reconheço e
perfilho, para que ele tenha e gose todos os direitos, que a lei
concede aos filhos perfilhados. – Pelas forças da metade livre
aliás, da metade, cuja livre desposição a lei me permite, deixo:
- A Dona Vitalina Pasehoa (da Fonseca), solteira, de Salvaterra
de Magos, o seu uso fructo, de todas as minhas terras, para que
o gose enquanto viva for, ficando a propriedade das mesmas
terras a seus filhos, se, casando, e do matrimónio os vier a ter;
e os não tendo, ficará do, aliás, ficará por sua morte a
propriedade dita a meu sobrinho João Roberto da Fonseca; no
caso de este ser falecido, ficará tal propriedade a seus filhos,

63
dele meu sobrinho. Ao dicto meu sobrinho João Roberto da
Fonseca deixo em plena propriedade todos os meus celeiros,
abegoarias e palheiros, incluindo o terreno das cavalariças, que
está por vedar, bem como a chamada casa da capela e da
machina.
Com o ónus de ser meu primeiro testamenteiro. Como
especial demoustração da minha amizade, deixou-lhe todos os
meus brindes e objectos artísticos, que passarão para a sua
posse nas trez victrines

que estão encerrados com os que pertenceram a meu irmão


Vicente Roberto, e a meu sobrinho já pertencem, segundo
disposição testamentaria do dito meu irmão. Se á data da
minha morte meu sobrinho fôr falecido ficarão estes legados a
seus filhos. – A cada um dos filhos de meu sobrinho João
Roberto da Fonseca, deixo a minha corrente e relógio de ouro.

64
– Aos filhos de Roberto Anica, deixo duzentos escudos. – A
Vicente Anica deixo cento e cincoenta escudos. – Deixo mais:
- cento e cincoenta escudos a cada um dos seguintes: António
Anica- A João Carvalho Anica duzentos e cincoenta escudos,
aos filhos do falecido Doutor Gregorio Fernandes, um conto de
reis para todos, e á Excelentíssima Senhora Dona Sofia
Rodrigues Fernandes trezentos escudos, pedindo desculpa a
todos da singela lembrança, que lhes deixo, signal apenas da
muito veneração em que tenho a memoria do Doutor Gregorio
Fernandes; a cada um dos meus afilhados: Dona Amélia
Garcia de Carvalho, Vicente Roberto Garcia de Carvalho, e
Roberto Isaac da Nazareth, cento e cincoenta escudos; - A
Vitalina Isaac, duzentos escudos; ao meu amigo Joaquim
Paulino Duarte, ou caso seja falecido, a sua esposa, duzentos
escudos, ao meu afilhado Armando Santos ficará pertencendo
o meu anel de brilhantes, que está em uma caixinha de metal
dentro da montra. A Manuel Aleixo de Carvalho, se á data do
meu falecimento estiver ao serviço da Sociedade Roberto &
Roberto, cento e cincoenta escudos; - aos meus velhos creados
Manoel Bernardino, Francisco Feijão, Miguel Galricho,
Roberto Gil e Francisco Morcego, se á data do meu
falecimento estiverem ao serviço da Sociedade Roberto &

65
Roberto, cem escudos a cada um; se alguns deles tiver falecido
no dito serviço, revertará a importância do seu legado para
seus legítimos herdeiros; - A cada creado que na minha casa,
ou na sociedade Roberto & Roberto, tiver mais de cinco anos
de serviço, cincoenta escudos; - ao abegão Lino da Silva
duzentos escudos, se
estiver de Roberto &
Roberto, e, caso tenha
falecido nesse serviço,
fica a mesma
importância cabendo a
seus filhos; aos meus
servidores Manoel
Ribeiro e Joaquim Almeida, se ainda o forem á data da minha
morte, cem escudos a cada; a Justa Pereira Lérias, duzentos
escudos, e a sua filha mais velha cincoenta escudos, a Maria
das Dores Carcereira, cem escudos; a Urbina Conceição e
Rosa Pirralha, se estiverem ao meu serviço, cem escudos a
cada uma; deixo ainda ao Hospital da Santa casa da
Misericórdia de Salvaterra de Magos, mil e quinhentos
escudos; ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia de
Coruche, mil escudos, ao Hospital de Jesus Christo da Santa

66
casa da Misericórdia de Santarém, Santarém, quinhentos
escudos, ao Hospital da Misericórdia da Figueira da Foz
quinhentos escudos; Quero que aos pobres de Salvaterra sejam
distribuídos cento e cincoenta escudos em esmolas; e que por
alma de meus paes e irmãos, se apliquem trinta missas, e por
minha alma vinte, todas de esmola não inferior a um escudo;
Se á data da morte existir Instituição que destribua
habitualmente sopa aos pobres de Salvaterra, quero lhe sejam
entregues duzentos escudos. Se por enfelecidade dos que
precisam, tal instituição não existir, será esta quantia devidida
por quinze jornaes, sendo nove de Lisboa, á escolha do meu
testamenteiro, e seis do Porto á escolha do meu amigo velho
amigo Júlio Gama, Redactor das Gasetas das Aldeias, a esses
jornaes espero dever a fineza da distribuição pelos seus pobres,
das quantias que lhes forem entregues, deixando eu aqui á
Imprensa do meu paiz o meu agradecimento, pelo carinho,
com que sempre se referiu á minha família, apreciando-nos
como artistas.
As contribuições a pagar pelo usofructo das propriedades que
fica a Dona Vitalina Paschoa da Fonseca, e a devida pelos
legados em dinheiro a particulares, ficam a cargo da minha
testamentaria. Todos os legados em dinheiro serão pagos em

67
moeda corrente no paiz e cumpridos dentro do ano posterior á
minha morte. Quero que por sua morte sejam depositados no
meu jazigo a já referida Dona Vitalina Paschoa da Fonseca e
meu sobrinho João Roberto da Fonseca, sua mulher e filhos, a
não ser que, por sua vontade ou de seus herdeiros hajam de o
ser em outro local. Nomeio meus testamenteiros: em primeiro
lugar meu sobrinho João Roberto da Fonseca, e em segundo
lugar o meu amigo Joaquim Ferreira Pedroza, a quem peço
aceite este encargo e a lembrança de trezentos escudos. Quero
que dos benefícios deste testamento seja excluído quem, sob
qualquer protesto, ou com qualquer intuito que não seja o de
fazer cumprir extremamente as suas, suas cláusulas. Tomar a
iniciativa de sobre ele levantar, aliás levantar letigio ou pleito.
E, no caso por mim não esperado, que tal se dê, se considedará
como não excripto tudo o que a esse referi. Quero que o meu
funeral, modesto, mas decente seja ordenado pelo meu
testamenteiro. E assim tenho feito o meu testamento, que quero
revogue qualquer outro que em data anterior, tenha feito.
E declaro que o mandei escrever, e que depois de o ter bem
lido e conferido e achado em tudo, conforme com a minha
ultima vontade, rubriquei as folhas e assigno no final,
conscientemente e livre de qualquer coacção ou imposição.

68
Em tempo declaro que os legados a Urbina Conceição e Rosa
Piralho serão de duzentos escudos, e não de cem, como por
lapso se escreveu. E tendo novamente lido todo o meu
testamento, achei em tudo conforme com a minha ultima
vontade e conscientemente e livremente o vou assignar depois
de ter rubricado as folhas, tendo tudo sido encripto a meu rogo.
Salvaterra de Magos, vinte e quatro de agosto de mil
novecentos e vinte. ainda em tempo uma declaração:
a meu sobrinho João Roberto da Fonseca, e na sua falta a seus
filhos, deixo como atrás digo todos os objectos artísticos e
brindes, com as vitrines em que estão guardados, tanto os
meus, como os que foram de meu irmão Vicente, quer sobre
este haja ou não disposição testamentária em favor do dito meu
sobrinho; porem quero que, comquanto se faça arrolamento e
avaliação desses objectos em qualquer tempo, para efeitos
convenientes, nunca a sua entrega possa ser exigida sem que
passe um ano sobre a minha morte. Uma vez mais li todo o
meu testamento, e parecendo-me nele deixar bem expresso o
meu pensamento o declaro a expressão da minha ultima
vontade, pelo que muito livre e espontaneamente o vou
assignar, depois de rubricar as folhas. Salvaterra de Magos,
vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e vinte aliás

69
Salvaterra de Magos, vinte e quatro de Agosto de mil
novecentos e vinte (assignado) Roberto Jacob da Fonseca”
- Saibam quantos virem este auto de aprovação de testamento
cerrado, que aos vinte e quatro dias do mez de agosto do ano
de mil novecentos e vinte, nesta vila de Salvaterra de Magos e
escriptório da Firma Comercial Roberto & Roberto, na rua
denominada do almirante candido dos reis, onde vim eu
Notário Francisco César Gonçalves. O chamado do testador;
aqui estava pessoalmente presente Roberto Jacob da Fonseca,
solteiro, proprietário, de maior edade; Sui guris, anarador nesta
mesma vila de Salvaterra, e as trez testemunhas edoneas,
adeante nomeadas e no fim assignadas; e tanto eu notario
como as ditas testemunhas conhecemos aquele testador
Roberto Jacob da Fonseca pelo próprio e nos certificamos de
que ele está em seu perfeito juízo e de livre de toda e qualquer
coação. E por ele testador Roberto Jacob da Fonseca me foi
apresentado neste acto, em presença das mesmas testemunhas,
este testamento e disposição, declarando como ela é a sua
ultima vontade, o qual testamento, que eu vi, sem o ler está
escripto por pessoa diversa do testador , está rubricado e
assignado pelo mesmo testador, contem cinco laudas e mais
trez linhas de outra lauda e não tem borrão algum, entrelinhas,

70
emenda, ou nota marginal. E por verdade lavrei este auto, que
principiei em logo em seguida á assignatura do testamento e o
continuei sem interrupção, sendo testemunhas a tudo presentes
desde o principio até ao fim. Carlos de Novaes Barreiros,
Chefe da Secretaria da Câmara Municipal deste concelho –
Manoel da Silva Robeiro, Chefe da Repartição de Finanças
deste mesmo concelho – e José de Vasconcelos, Thesoureiro
da Fazenda Publica deste concelho. Todos trez casados, de
maior edade, cidadãos portuguezes, hábeis para testemunhas,
residentes nesta vila de Salvaterra de Magos, os quaes todos
assignam, com os seus nomes a dita primeira testemunha
Carlos de Novaes Barreiros, o qual efectivamente o leu neste
acto, em voz alta pelo testador em lugar deste e vão agora
todos assignar, como fica dito. E eu referido Notário Francisco
César Gonçalves o escrevi e assigno em raso depois de
egualmente lida em voz alta esta declaração por mim Notário e
pela dita primeira testemunha para esse fim indicado pelo
testador. Declaro que li este auto de aprovação do meu
testamenteiro e o reconheci conforme a minha vontade – (ass)
Roberto Jacob da Fonseca. (assignados sobre duas estampilhas
fiscaes no valor total de um escudo e cincoenta centavos, e
devidamente inutilizadas) Roberto Jacob da Fonseca - Carda

71
Silva Ribeiro – José de Vasconcelos – O Notário Francisco
César Gonçalves. Emolumentos seis escudos e cincoenta
centavos. Tem mais coladas duas estampilhas de contribuição
industrial no valor total de oitenta e dois centavos e uma
estampilha fiscal de um centavo e meio todas devidamente
inutilisadas e assignadas pelo Notário Francisco César
Gonçalves . (Na capa do testamento) Testamento de Roberto
Jacob da Fonseca, aprovado nesta vila de Salvaterra de Magos
aos vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e vinte perante
mim Notário (ass) Francisco César Gonçalves. E nada mais
constava do dito testamento cerrado que bem e fielmente para
aqui fiz copiar em mão e poder do apresentante a quem o
entreguei do que dou fé . Foi lavrado nesta Administração o
respectivo auto de abertura apresentação e publicação deste
mesmo testamento, como consta do livro numero dois de autos
de abertura ou publicação de testamentos cerrados de folhas
um a folhas dois sob numero um. Administração do Concelho
de Salvaterra de Magos, oito de Maio de mil novecentos e
vinte e trez. António Emiliano Garrido da Silva. E por ser
verdade fiz passar a presente cópia de certidão que assigno e
vae autenticada com o selo branco desta secretaria”

72
JOÃO ROBERTO DA FONSECA

Nasceu em Salvaterra de Magos, no


dia 19 de Março de 1860, sendo
neto, de António Roberto da
Fonseca, foi-lhe dado o nome do
pai. Por ter ficado órfão muito cedo,
foram seus tios; Vicente e Roberto,
que o protegeram e foram seus mestres na vida artística.
Toureou pela primeira vez em Alcácer do Sal, a pedido
do avô de João Núncio. A partir daí os convites não mais
pararam. Toureou depois em Vila Franca de Xira,
Santarém e Coruche. Em 1878, apresentou-se no Campo
Sant`Ana, num espectáculo taurino, em benefício de
uma creche. Um ano depois, esteve na Barquinha,
alternou com seus tios e Marcel Botas, os toiros eram do
dr. Máximo da Silva Falcão. Esteve brilhante a tourear,
nas sortes de saída do curro e junto às trincheiras.

Os cartazes de algumas praças de Portugal


anunciavam-no em destaque e, em 1982, actuou em
Lisboa, com João Costa, afamado bandarilheiro. João
Roberto, nesta corrida esteve de tal sorte que deu um

73
brilharete a bandarilhar. Com a doença de seu tio
Vicente, começou a ser mais solicitado em Lisboa,
fazendo um contrato de seis épocas. Demolida a praça
de Sant`Ana, João Roberto passou a ser visto, na arena
do Campo Pequeno. Pelos êxitos alcançados, a sua
presença era muito solicitada em vários pontos do país,
pois deliciava os espectadores no capear na sorte de
“cadeira”, e na sorte de bandarilhar. Em Portalegre, no
ano de 1895, fez a sua despedida das arenas..
Um tempo depois, ainda pisou o recinto da praça da
sua terra - Salvaterra de Magos, num festival de
beneficência. Com a morte de João Roberto, terminou
a mais notável geração de toureiros, da mesma família,
em Portugal.
Foram seus filhos: Vicente Roberto da Fonseca,
nasceu em 2 de Dezembro de 1891, Dr. Roberto Ferreira
da Fonseca e João Roberto Fonseca

**************************

74
VII

BANDARILHEIROS
Nota Prévia
Muitos nomes dos salvatorianos ilustres que pelo seu
destemido valor, actuaram em praças do país, quer
como cavaleiros, quer como bandarilheiros, não tiveram
grande espaço nas crónicas taurinas, dos jornais da
época. Da nobre família Costa Freire, sabe-se Joaquim
Pedro da Costa Freire, foi um grande equitador, com
fama em todo o Ribatejo toureiro. Outros dos seus
membros, ainda no séc. XIX, foram amadores
tauromáquicos, disso atesta as recordações de
ramalhetes de flores, bem guardados no palacete da
família.

ROGÉRIO AMARO
Rogério Amaro, nasceu em Salvaterra de Magos, em
1943, conseguiu a alternativa de bandarilheiro.
Durante muitos anos foi peão de brega, dos
cavaleiros; Simão da Veiga Júnior e João Branco Núncio
e, dos matadores de toiros; Manuel dos Santos e

75
Diamantino Viseu, entres outros. Terminou a sua longa
carreira ligada aos toiros, como director de corridas.

JOAQUIM DA CONCEIÇÃO
Em 10 de Maio de 1953, numa
corrida realizada, em Salvaterra
de Magos, sua terra natal,
fez prova de alternativa de
Aspirante a Bandarilheiro.
Na comissão de apreciação
esteve presente o matador de
toiros Diamantino Viseu.

FRANCISCO FAZ-CORDAS
“El-Palhota”, nasceu em Salvaterra de Magos, foi viver
para Vila Franca de Xira, onde esperava encontrar,
espaço para a sua aficion, pois os toiros eram a sua
paixão. Entrou no mundo da tauromaquia, como
Bandarilheiro. A sorte não lhe sorriu, para sobreviver,
com um pouco de habilidade, lá foi vivendo, fazendo os
seus pequenos trabalhos artísticos, em ferro e arame,
com motivos taurinos.

76
ANTÓNIO CADÓRIO
Nasceu em 27 de Dezembro de 1921, ainda jovem, na
aprendizagem da arte de sapateiro, ficou a ser
conhecido pelo “Mestiço” . Foi aprendiz do mestre
daquela arte, João Ferreira, conhecido por João
Coxinho, por ter uma perna amputada.
Como as muitas tertúlias que
existiam dos 52 sapateiros existentes
na vila de Salvaterra de Magos, a do
mestre João Coxinho, torcia pelo
matador de toiros; Diamantino Viseu.
Cadório, grande aficionado, sempre viveu para a
tauromaquia, queria ser bandarilheiro. Desejando ter
lugar e brilhar nas arenas, sonhando abalou até Vila
Franca de Xira.
Ali, viveu toda a sua vida com a profissão de
sapateiro. Dos seus sonhos, mais não fez que ensinar a
arte de tourear, numa escola que montou. De lá saíram
toureiros de fama, como José Júlio e José Falcão, pois
queria que eles brilhassem mais nas arenas, que os seus
conterrâneos; Irmãos Vicente e Roberto da Fonseca.
Já entrado na idade, António Cadório, regressou à sua
Salvaterra. Comigo falou algumas vezes das suas

77
frustrações e, até da maneira como era ignorado pelas
gentes da sua geração, pois dos novos já o esperava. Ia
fazendo os seus “biscates” de sapateiro. Viajava muitas
vezes na carreira, pois ia levar/buscar calçado, aos seus
antigos fregueses (Vila Franca, Alhandra e arredores).
Era na estação das carreiras, que me falava da bela
arte de tourear a pé, como que tentando convencer-
me: “há muitos anos que não se toureia com sortes de
“gaiola” e de “navalha”, como ouvia dizer na nossa
terra, quando era miúdo, que aqueles brilharam e
tiveram glória, fama e proveito.
”António Cadório, faleceu no dia 20 de Outubro de
1979. Um dia a sua prima Conceição, que lhe dera
albergue, deu-me o seu BI, para aproveitar a fotografia,
afim de ilustrar um artigo que mais tarde publiquei no já
extinto jornal Vale do Tejo. Maurício do Vale, tendo por
Cadório, grande respeito e afeição, escreveu no jornal
“Vida Ribatejana”, um artigo que aqui registamos.

ANTÓNIO CADÓRIO, MUITO COLHIDO PELA VIDA


MORREU NOS CORNOS DA DOENÇA!
“Estou arrumado”, dizia-me há tempos no Campo
Pequeno, quando à hora do sorteio por ali apareceu,

78
conforme combinara com Mário Coelho. António
Cadório, toda uma face abalada, era a imagem da
amargura pelo que o destino lhe guardara. O bilhete que
o toureiro lhe ofereceu, apertou-o ele, Cadório com a
força de quem se agarra a algo querido pela última vez.
E quase o foi!...
Morreu António Cadório! Morreu um Ribatejano!
Morreu um coração aficionado! Morreu um simples-
grande Homem dos Toiros!!!
Um Homem do Ribatejo!
Desde o sonho que teve em ser toureiro ao não
consegui-lo, a vida pregou-lhe várias colhidas. A
incompreensão dos homens condena muitos
Homens!...Mas essa condenação é uma medalha com
outra face – a da nobreza de carácter e sentimento que,
tarde ou cedo (e, quase sempre, mais tarde…), lhes é
reconhecida e devidamente cantada! Muitos foram os
toureiros que passaram pelas suas mãos, pelos seus
olhos! Uns lograram voar para o êxito (José Falcão,
Vítor Mendes, Palhota, Boleiro e outros); uns

79
conseguiram sair da penumbra, mas não puderam ir
além: outros, nem uma coisa nem outra. Com uma vida
repartida por Vila Franca de Xira, Alhandra e Salvaterra
de Magos, António Cadório nunca soube fechar as portas
para quem quer que fosse! Moços pobres, sem
“padrinhos”, batiam-lhe à porta, e ele aí estava com as
suas ganas e o seu saber.
Uma vida que valia a pena historiar e que, só por si,
seria um romance, um drama. Vivendo pobremente,
arranjava sempre aquele tempo e aquele mínimo de
cifrões para andar com os seus “maletillas”, de tenta em
tenta, daqui para ali.
A

“Palha Blanco” viu-o muitas vezes encostado à


trincheira a ver seus pupilos treinar. E pedia aos
toureiros que aconselhassem os seus rapazes, dizendo a

80
estes que ouvissem aqueles. Tinha bom sentido toureiro,
pelo que também opinava quando observava treinos de
“maestro”, como acontecia, às vezes, com Mário Coelho.
Este, aliás confessou sensibilizado que era de Cadório a
primeira muleta com que citou um bezerro (numa ferra,
já lá vai um bom par de anos!), bem como o escutava
quando trocavam impressões sobre toureio.
Morreu António Cadório! Muito colhido pela vida,
morreu nos cornos da doença! Morreu um dos poucos
poetas do toureio! Sonhador que era diante dos seus
“maletillas”, sonhando neles os êxitos que em si não
viveram, António Cadório merece o respeito de todos
nós, da Festa! Porque viveu, sonhando! Porque amou a
Festa, sonhando! Porque, talvez morresse nos cornos da
doença, sonhando que um toiro o matara na mais
imponente Monumental ou… na sua linda “Palha
Blanco”

81
Sepultado, no cemitério de Salvaterra de Magos, sua
terra-natal, o “Mestiço” como era conhecido, tem na
sua pedra tumular, uma poucas palavras; “uma
lembrança dos aficionados de Vila Franca de Xira”. Os
aficionados da sua terra, continuaram a tê-lo no
esquecimento.

*****************
************
*****

82
VIII

CAVALEIROS TAUROMÁQUICOS

TRAVESSA FERNANDES
(Rogério Manuel Silva
Travessa Fernandes),tal
como seu irmão Cláudio
José, entrou como
cavaleiro tauromáquico,
depois de actuar em
praças de Portugal, Espanha e, nos EUA (Califórnia).
Fez a sua prova de cavaleiro praticante, em
Santarém, conforme noticiou o Jornal o Ribatejo, na sua
edição de 15 de Março de 1990.
Recebeu a alternativa, na monumental de Cascais,
no dia 24 de Julho de 1994, apadrinhado por José
Manuel Cortes. Daqui em diante, foram poucas as
corridas em que esteve presente. Com seu irmão,
associou-se na exploração de uma escola de ensino de
cavalos e cavaleiros.

83
CLAUDIO JOSÉ
(Cláudio José Silva Fernandes
Travessa). Tal como seu irmão
Rogério, desde muito novo teve o
sonho ser cavaleiro tauromáquico
e chegar à alternativa!
Depois de actuar, em Espanha,
durante alguns anos como Rojenedor, foi até aos EUA,
onde toureou na Califórnia. Em Salvaterra, no dia 30 de
Agosto de 1998, aos 23 anos de idade, obteve a
alternativa, sendo seu padrinho Joaquim Bastinhas. Nos
anos seguinte, ainda esteve presente nos cartazes de
corridas em Portugal e Espanha. Um Acidente, levou-o a
ficar ausente dos redondéis. Com seu irmão Rogério
montou, uma escola de ensinamento de cavalos e
cavaleiros.

ANA BATISTA

(Ana Cristina Marramaque Batista), natural de


Salvaterra de Magos, nasceu no dia 16 de Junho de
1978.

Ana Batista, desde muito nova quis ser cavaleira


tauromáquica.

84
A sua apresentação pública, vestindo de fato curto,
foi na praça de toiros da sua terra-natal, em 1988, onde
lhe foi destinado um novilho, toureando com o
Praticante Cláudio José.

A sua alternativa, ocorreu dois


anos depois, na praça de toiros de
Coruche, em 8 de Julho de 2000,
sendo seu padrinho; Joaquim
Bastinhas. A sua carreira tem sido
de grandes êxitos, tem estado
presente em todas as arenas de
Portugal.
Como figura do toureio a cavalo, também é muito
apreciada em Espanha, onde se desloca todas as
temporadas taurinas.

OUTROS CAVALEIROS AMADORES


Depois da praça de toiros de Salvaterra, ser
inaugurada, em 1920, alguns amadores, pelo gosto de
tourear a cavalo, não deixaram de ser solicitados a
actuar em arena, pois tinham angariado alguma
experiência. Passaram a constar em cartazes de festivais
taurinos em várias localidades do Ribatejo,
MÁRIO MARQUES
Mário Monteiro Marques, nascido a 17 de Maio de
1925, desde muito novo mostrou aptidões para a arte
equestre, era um artista na forma de ensinar os animais.

85
Um acidente de viação, ocorrido em 25 de Março de
1858, tirou-lhe a vida e com ele foi o seu grande sonho.

MONICA MONTEIRO
Mónica Monteiro, ainda menina, já manifestava o
gosto de andar a cavalo, pouco depois mostrava
grande tendência para a aficion, o toureio equestre era
a sua paixão. O Jornal o Ribatejo, na sua edição de 18
de Outubro de 1990, dava a
noticia que ela actuava,
com Cláudio Travessa, entre
outros amadores, num
espectáculo em Santarém.

A sua apresentação pública, em Salvaterra de Magos,


sua terra-natal, foi em 1992. Os empresários depressa
viram nela uma cavaleira tauromáquica com arte, que
podia empolgar o público aficionado, nas praças de
toiros portuguesas. Treinava afincadamente, esperando
a sua oportunidade, foi convidada num programa
especial da Rádio Ribatejo, coordenado pelo crítico,
Paulo Beja, esteve ao lado de Ana Batista e Sónia

86
Matias. Em 1993, na Nazaré, num festival taurino, em dia
de carnaval, Mónica caiu do cavalo e, foi internada de
urgência em Leiria, tinha fractura de crâneo. O estado
de coma durou alguns dias, já estava internada no
hospital de Santa Maria. Recuperada, na época
seguinte, foi a Lagos tourear fazendo a prova de
cavaleira praticante, apareceu vestida com uma casa
de cor bordeaux filada a oiro. O sonho de ser cavaleira
tauromáquica, era uma meta, treinava diariamente. Um
dia quando regressava a casa pela estrada, o
movimento de carros era imenso, um pesado, apitou por
detrás, o animal teve medo, a Mónica caiu, ficou
paraplégica. Andou de cadeira de rodas, depois com
duas canadianas, depois ainda, só apoiada numa
canadiana.
Não ficou esquecida, em 1997, o grande aficionado
salvaterrense; Manuel Fernandes Travessa, em conjunto
com um grupo de amigos, onde a família Telles esteve
presente, foi homenageado em Salvaterra de Magos.

*************
******

87
IX

CRITICOS TAUROMÁQUICOS
D. PACO
(ROBERTO FERNANDES)

Num dia de Agosto de 1959, com a tarde a despedir-


se do calor, a brisa já se sentia convidando os clientes
do Café Ribatejano, a aproveitarem as sombras
daquelas árvores em frente, iguais
a tantas outras em todo o jardim
do Largo dos Combatentes. Na
esplanada, debaixo de uma
dessas sombras, sentado numa
cadeira de ferro, um homem já
entrado na idade, refrescava-se com uma água fresca,
daquelas engarrafadas.
Andava eu, por ali pois esperava a chegada da
carreira das 17,00 horas, que tinha paragem em frente
ao edifício da escola. O homem, viu-me vestido a
preceito, fardado com boné (era a farda de

88
empregado da camionagem), dirigiu-me a palavra:
Então moço, esperas alguma coisa!
Lá respondi ao que estava e, porque estava, enfim a
conversa foi ao ponto de saber de quem eu era e, filho.
Enfim, todos aqueles pormenores de quem tem
alguma curiosidade. Lá respondi, chamo-me:
José Rodrigues Gameiro !!
Convidou-me para me sentar, e beber uma água,
fazer-lhe companhia. De chofre, disse-me; eu conheço
o teu pai, é o “Zé Pataco” (1), é jardineiro na câmara,
somo velhos amigos de juventude. Quando cá venho,
conversamos muito sobre a nossa terra. Também ouvi
falar e conhecia grande parte da tua família, o teu
bisavô, o teu avô e os irmãos dele, foram grandes
campinos. Naqueles meus 14 anos de idade, fiquei algo
confuso. Agora o curioso era eu! Então o senhor é de
cá de Salvaterra! Sou, venho cá passar uma semana de
férias todos os anos. Um ano de ausência, as saudades é
muitas da família, da minha terra e dos amigos. Olha,
********
(1) – A alcunha de Pataco, vinha de meu bisavô que a deixou a alguns
descendentes.

89
já perguntei ao meu amigo Zé Pataco, que me
confirmasse quem era aquele José Gameiro, que
escreve no jornal “Aurora do Ribatejo”, jornal que leio
todas as semanas. Afinal és tu…!

Estava eu, pronto para continuar a conversa, mas


com a chegada da carreira, lá me despedi, com um
aperto de mão.
O homem, ainda me disse, volto cá para o ano e,
temos muito que conversar….! À noite, em casa, lá fiz a
conversa sobre tal encontro, meu pai informou-me: É o
Roberto da Ferradora, é neto do Roberto que foi
toureiro. Olha, ele é muito apaixonado por toiros, julgo
que faz criticas das corridas.

Um ano se tinha passado !


Um dia estava eu, na Central das Carreiras, na rua
Heróis de Chaves, a preparar os volumes das
encomendas, para seguirem para Marinhais e Glória do
Ribatejo, quando do lado do Jardim do Lopes, vinha um
homem vestido a preceito, com chapéu preto na
cabeça, acercou-se de mim, cumprimentou-me e num

90
instante: “Já não se lembra de mim!...” Apresentou-se,
recordou o nosso encontro, no ano anterior. “Olhe,
trago-lhe aqui um livro que lhe quero oferecer, são os “
Anais de Salvaterra de Magos”. O ano passado, ainda
soube pelo seu pai e, por outras pessoas amigas, que
tem gosto em saber coisas da nossa terra!

De imediato, abriu o livro e nele fez uma pequena


dedicatória. Nessa noite e nas seguintes, o livro foi todo
lido página por página e agora faz parte do meu
espólio. Quanto ao Roberto Fernandes (D. Paco), nunca
mais o vi, nem soube quem era um tal RUI DE
SALVATERRA, que em 1935, fazia crónicas
tauromáquicas.

**********************
****************

91
X
MOÇOS DE FORCADO
Nota Prévia

O rei D. José, determinou em 1762, que no seu reinado


não haveria mais corridas reais, em Salvaterra foi a
última. Mais tarde, em 1836, a rainha D. Maria II, assinou
o decreto que seríamos proibidos os toiros de morte, em
praças de Portugal. O palácio real de Salvaterra, há
muito tinha desaparecido após alguns incêndios e, da
derrocada provinda do sismo, de 1858. O espaço onde
tinha ocorrido, a morte do Conde dos Arcos, estava
agora rodeado de construções, era conhecido pelo
Canto da Ferrugenta (1). Os toiros passaram a ser
pegados. Os monteiros da choça, foram convertidos em

*******
(1) - Joaquina Mendes, José Caleiro, Rosa Mendonça e Francisco
Costa(pessoas que viveram em dois séculos) – Foram por mim
entrevistados em 1989, para um trabalho “Em busca do Teatro Real
da Ópera de Salvaterra de Magos”.

92
moços de forcados. O povo fornecia os seus
elementos, aqueles mais destemidos, estavam sempre
na primeira fila
Quando da inauguração da praça de toiros de
Salvaterra de Magos, em 1 de Agosto de 1920, o grupo
de forcados, foi chefiado pelo capataz; Manuel Burrico,
de Vila Franca de Xira. Bastava haver um festival
tauromáquico em Salvaterra de Magos, ou em vilas dos
arredores, logo se formava um grupo de forcados, como
foi o caso de um que foi actuar a Leiria, em 1966, num
festival a favor do União de Leiria, entre outros figurou
António Santos Paulo, conhecido por António Béu.

1942 - Grupo de Forcados de Salvaterra numa corrida após o ciclone

93
Manuel Fróis Marques
(Manuel Lazão); morreu, em
1948, num acidente, num
circo, na Feira de Setembro
de Benavente, quando
agradecia ao público
depois de ter pegado um
bezerro, uma marrada,
pelas costas, fracturou-lhe a
coluna

grupo de forcados
profissional de Manuel
Faia, Manuel dos Reis
(Manuel Ferrador),
primeiro lado direito

94
1956 - Grupo de Forcados de Salvaterra

1969 – Grupo de Forcados de Salvaterra

95
ANTÓNIO LAPA
Nasceu em Salvaterra de Magos, desde jovem
manifestou o gosto pela pega dos toiros. Seu pai,
também já tinha pegado toiros nas arenas. Um dia veio
ter às minhas mãos uma página do já desaparecido
jornal “O Diabo”, era do dia 22 de Outubro de 1985 e,
tinha um artigo assinado por Miguel Alvarenga, que pela
sua importância e significado aqui o transcrevemos:

ADEUS DE ANTÓNIO LAPA


“ Dizem-me que te fostes embora, António Lapa.
Que entregaste a jaqueta ao Francisco Costa e te
despediste das arenas em Alcácer. Não pude lá estar.
Mas não quis deixar passar o
momento de aqui te prestar a
minha homenagem.
Ao teu valor, António Lapa. Ao
forcado completo que tu foste.
A mais que isso, António: à
amizade que se fez forte no
México e se foi prolongando por
estes tempos fora. Lembro-me desse mês inesquecível .

96
Dessa camaradagem sem fim que fui encontrar entre
vocês todos, nesse México que não esquecemos mais.
Comigo, com todos os outros. O Hilário, o Costa, o
Silvino, o Fazé, o António Santos. Todos. Agora; dizem-
me que te foste embora. Que disseste adeus a uma
carreira que abraçaras de alma e coração, durante o
qual nunca, mas nunca, esqueceste tudo o que devias
ao mestre Nuno Salvação Barreto. Dizia-lo com respeito.
Com admiração. Com a firmeza e a justiça que
caracterizam os homens de bom carácter. Como tu,
António Lapa. Recordar-te, daqui te enviar o maior dos
abraços que houver na terra, é a minha homenagem na
hora da tua partida. Simples, António Lapa. Mas sentida.
Adeus António Lapa! “
JOSE CARLOS HIPOLITO
Conhecia-o das brincadeiras das épocas carnavalescas
e, da fama que espalhava enquanto moço de forcado
Um dia pedi-lhe uma entrevista para eu publicar no
jornal “Aurora do Ribatejo”. Os dados que me
concedeu, foram publicados assim:
JOSÉ CARLOS HIPÓLITO
(O Timpanas)
- FIGURA TIPICA DA NOSSA TERRA –

97
Homem pequeno, com 53 anos de idade, dotado de
uma traquinice que o faz estar constantemente sempre
bem disposto.
Pelo Carnaval, desde há muitos anos, é o grande
animador das festas do nosso burgo, sendo tal a
imaginação e o talento nas figuras
por si encarnadas , que deixam sempre saudades.
No entanto o seu semelhante pode contar com ele nas
horas difíceis, estando sempre atento e vigilante no seu
posto de bombeiro voluntário, pois dá o seu contributo à
Associação de Bombeiros desta vila. Mas o seu grande
“martírio”, onde as saudades o vão corroendo, é a festa
brava. Quando fala de tauromaquia todo o seu
pequeno corpo se modifica, as contracções notam-se
na sua face, os seus nervos de aço com que ainda há
poucos anos empolgava multidões nas Praças de Toiros,
ficam fluidos – É um homem vencido, cheio de
saudades!... . Na esperança que nos identificasse uma
fotografia de foi publicada, em 1957, na edição especial
do Jornal – Vila Ribatejana. Logo que poisou os olhos no
retrato mostrou-se nervoso, a sua calma desapareceu e
nos seus olhos algo bulia, o que não evitou que mesmo
disfarçadamente tentasse limpar uma lágrima rebelde

98
que já o incomodava. E enquanto me ia informando
dos nomes dos componentes do Grupo, Disse-nos;
“Olhe, foi neste grupo que peguei toiros pela primeira
vez e, foi em Coruche, já lá vão cerca de 30 anos”. Uma
das suas salas está repleta de quadros, onde se podem
apreciar várias sequências de pegas de caras, por si
efectuadas em centenas de actuações nas Praças de
Toiros, tanto no País como no Estrangeiro. Hoje,
exercendo a profissão de metalúrgico, foi na sua vida do
campo que começou os seus
primeiros contactos com os toiros.
Naquele tempo, ainda havia a
grade – uma forma de trabalhar a
terra – onde os bois, alguns bravos,
depois de “bruxados”, tornavam-se
dóceis. Voltando à tauromaquia,
vai-nos dizendo: “ Tenho muita estima pelo Sebastião
Nabiço e, também pelo Manuel Faia. Olhe! já me ia
esquecendo do Albino Fróis Marques e do seu irmão, o
Manuel Lazão. A eles devo muito do que sei da difícil
arte de pegar toiros”.

99
“ No entanto não me posso esquecer do Manuel dos
Reis, o Manuel Ferrador, pois com ele tive tardes
inesquecíveis. Bom companheiro!...
Ao ver-mos uma foto, num daqueles imensos quadros
pregados na parede, onde José C. Hipólito esteve na
cabeça de um possante toiro (510 Kgs), diz-nos que esta
pega foi na Nazaré. Apontando para umas outras,
informa-nos “Aqui foi no Campo Pequeno, a critica da
época, por esta pega me chamou o Pegador de Toiros
mais pequeno de Portugal – O Pigmeu com braços de
aço. Esta aqui, foi em Salvaterra com um “bicho” dos
Robertos, também com cerca de 600 Kgs. Foi tão
grande o delírio do público que um espectador, nas
barreiras me levantou em peso, tal era o seu entusiasmo.
A um canto, num pequeno móvel, está a sua jaqueta,
o barrete, calção e os sapatos. Mostra-nos um álbum
com características orientais e, diz-nos: “ Aqui guardo
imensas recordações de algumas celebridades do nosso
mundo tauromáquico”, e mostra-nos actuações com o
mestre João Branco Núncio, mestre David Ribeiro Telles,
Manuel dos Santos, Diamantino Viseu, Ricardo
Chibanga, José Rosa Rodrigues e outros. “Olhe, aqui
nesta foto, foi quando o Manuel dos Santos fez a sua

100
festa de despedida, no Campo Pequeno. Neste grupo
(o de Adelino de Carvalho) estou eu e o Manuel
Ferrador. Esta fotografia, tem uma dedicatória do
Manuel dos santos, a mim”
“Numa digressão que fiz à China, onde o Manuel dos
Santos, nos levou – éramos três forcados – pois ele
organizou várias corridas em Hong-Kong, a praça foi
construída em canas de Bambu e, comportava cerce
de 8.000 espectadores. O Chibanga também foi.
“Olhe, em cerca de 5 meses que lá estivemos, peguei 36
toiros e, numa das corridas actuei com uma costela
partida, como pode ver por esta fotografia”. “ No
entanto por causa dos toiros, estive duas vezes em
Roma, uma no México e outra na Venezuela”.
Enquanto decorria a nossa conversa e nos mostrava
centenas e centenas de fotografias, vai-nos dizendo
que, no entanto depois destes anos todos a pegar toiros
e de muita “porrada” ter levado, não pode esquecer
tardes memoráveis que, viveu !
Um pequeno desgosto o acompanha e, diz-nos
“Ainda não fiz a minha festa de despedida !” “À cerca
de 5 anos, tentei organizar uma corrida. A então
Comissão da nossa Praça, depois de concordar, vai

101
criando dificuldades, e eu, já tinha a oferta de toiros,
cavaleiros e forcados e, se fosse necessário, alguns
toureiros também se me ofereceram. Tive de desistir, pois
a Comissão por ter começado a arrepiar caminho,
dificultou, dizendo que não poderia emprestar a Praça.
Olhe, que eu oferecia a receita para o Hospital. Não
chego a compreender como me puderam fazer aquilo.
E num tom magoado diz-nos, actuei em tantos festivais
graciosamente para a Misericórdia. No entanto não
perdi ainda a esperança de fazer a minha festa de
despedida e na minha terra, vou começar os meus
contactos novamente e espero que a actual Comissão
da Praça de Toiros me ajude, emprestando-me a praça,
pois em contrapartida, a receita será para o Hospital”.
E assim deixamos o José Carlos Hipólito – O Timpanas
de Salvaterra – entregue às suas recordações e tristezas.
O Pigmeu, com braços de aço, com alguém um dia lhe
chamou!
Que a sua ambição se realize, é o nosso grande desejo.
******
Muitos outros nomes perderam-se, porque envergaram
a jaqueta poucas vezes e, outros enveredaram por
outros grupos, como: António Rogério Amaro

102
XI
CAMPINOS
Nota Prévia
Moço Nogeiro, Roupeiro Novo, Roupeiro Velho,
Contra-Moiral, Moiral e Campino-Mor, era a hierarquia
do homem que guardava toiros no Ribatejo, ainda
conhecida por volta de 1930.
O Campino, era uma figura de grande respeito entre
os seus pares e, muito estimados pelos patrões. No
trabalhar os cabrestos para a recolha dos toiros em
praça. Na condução do gado nas pastagem e, a
caminho das localidades onde os curros de toiros iam ser
corridos, o povo respeitava-os por “grandes varas”.
No dobrar do séc. XX, os terrenos de pastagem
encurtaram. As ganadarias, passaram por uma lenta
mudança, notava-se mais naquelas alicerçadas em
hábitos que vinham de séculos anteriores. O Feitor,
Campino e Moiral, as três grandes figuras da Lezíria
ribatejana, estavam em desaparecimento.
UMA FAMILIA DE CAMPINOS
António da Silva Cantante, meu avô paterno, tinha
uma irmandade de cinco rapazes e uma rapariga. Uns
tinham no apelido; Silva e outros, Galricho.
A alcunha de “Pataco”, veio de meu bisavô, Miguel
Galricho, por ter recebido a oferta de mais um pataco,
para trabalhar na Casa do Barão de Salvaterra.

103
A notícia do pagamento de mais dois vinténs, correu
em toda a Lezíria, o que reconhecia no meio da
campinagem, o seu valor de grande vara. A inveja foi
tal, que não o livrou da alcunha de “Pataco” que deixou
à descendência.
Já o meu Trisavô, foi um respeitável Campino-Mor, nas
vacadas do rei D. Miguel, que pastavam em terras de
Salvaterra e Pancas.
O antigo bandarilheiro Roberto Jacob da Fonseca,
mais tarde lavrador e ganadeiro, contemplou o filho
deste no seu Testamento, entre muitos trabalhadores da
sua casa agrícola.

ALGUMAS HISTÓRIAS
Andava eu, pelos 14 anos de idade já escrevia para o
jornal “Aurora do Ribatejo”. Do meu avô ouvi relatos da
sua antiga vida de campino. Dessas recordações,
guardei alguns apontamentos,
Agora para este trabalho, lá fui “rebuscar” aquelas
informações, Meu avô, António da Silva Cantante,
conhecido por António Pataco, viveu toda a sua vida
de campino, no campo junto das manadas de toiros.
Um dia já entrado na idade, deixou a campinagem e
foi guardar uma éguada afilhada, com 50 cabeças, da
casa agrícola Menezes & Irmão, Ldª. No mês de S. Tiago,
de 1944, deixou de todo aquela actividade, mas os seus
dois irmãos, Éramos quatro rapazes, sendo todos filhos do
mesmo pai e mãe, mas tínhamos nomes diferentes, O
Manuel, morreu cedo.

104
O João e o José, continuaram na ganadaria Irmãos
Roberto.
Os anos tinham passado, a idade e as forças, já não o
deixavam “dar conta do recado”, como ele um dia me
disse: “Os toiros bravos que conhecia como a palma das
suas mãos, já não lhe obedeciam, aos gritos…É toiro
lindo…!
“Já não era aquela “vara” de outros tempos…”
“Estava farto de tanta canseira, tantos foram frios dos
invernos e os calores de muitos verões, anos a fio, em
que esteve sentado na sela, com a manta aos ombros -
a manta lombeira, quer cai-se geada, quer chovesse,
guardando tantas cabeças de gado, que lhe perdeu o
conto…”
A “velhice” tinha chegado !
Deixou na vila, a casa onde vivia, na rua d` água e,
recolheu-se, com minha avó Emília e, meus tios; Manuel
e Luís, numa pequena barraca de caniço, que construiu,
nos terrenos do Rego, que alugou ao Dr. José de
Menezes, seu antigo patrão. Ali vivia, do sustento de
algumas vacas leiteiras, com a venda de leite, pois
criava vitelos. Nos valados, perto dos poços onde as
mulheres lavavam roupa (1), eram o local onde
apascentava o gado, a erva fresca abundava.
Um dia sentado num pequeno banco, com fundo de
“sumaúma” por ele entrançada, como bem sabiam
fazer os campinos, além de esteiras e, fechar garrafões
de vidro com cordel - disse-me: “Quando fores grande
nunca queiras ser campino, aquilo é um trabalho dos
Diabos; ama-se mais os animais do que a família.

105
Teu pai, não quis ser campino, também não quis
aprender a endireitar a “Espinhela” (2) e fez bem!

*******
(1) – Pequenos tanques de cerca de um metro de fundo, onde a água
era constante, as mulheres esgotavam-no, na lavagem da roupa.
No fundo tinham pedra para assento dos pés, em cima no terreno,
uma laje para a lavagem da roupa. Estendiam a roupa branca pela
erva, para corar.
*********
(2) – Endireitar a Espinhela; era endireitar a coluna vertebral, que ele
aprendeu com os campinos mais antigos – Os bezerros ficavam com as
costas tortas porque o parto, algumas vezes acontecida com as vacas
em pé e, os bezerros nestas condições tinham dificuldade em começar a
andar. Depois da mãe, comer a placenta e limpar o animal com a língua,
os campinos tapavam o pequeno animal e puxavam-no com uma corda
(para evitar as marradas da vaca). O mais dextro, punha a cabeça do
vitelo entre as pernas e, com as mãos fazia massagens ao longo das
suas costas. Minutos depois o pequeno animal já andava para junto da
mãe. Cheguei a ver avô fazer isto a alguns homens que o procuravam
com dores nas costas.

Dizia-me, eu, comecei aos 10 anos a guardar os bois


da tralhoada, depois passei para as manadas de toiros
bravos.
Ao entrar nos 25 anos de idade, um dia cheguei a
campino-mor, numa casa agrícola da vila, de Salvaterra
de Magos. Ainda, trabalhei com meu pai e, os meus
irmãos João e o José, nos Roberto & Roberto, aqueles
irmãos que, ganharam uma fortuna a tourearem em
Espanha. As suas lembranças, eram sempre uma
“lengalenga” do seu tempo de campinagem.
“Aquela dos toiros que iam ser corridos em Santarém!

106
Saíram da Herdade dos Coelhos, atravessaram a vila,
ao cair da tarde de sexta-feira, foram toda a noite pela
estrada do meio, pelos campos de Muge e Benfica,
saíram para lá de Almeirim, quando o sol dava os
primeiros sinais de vida, estavam a atravessar a ponte do
Tejo, com todo aquele mar de gente, viam-se os
barretes, os chapéus, coletes e casacos, voavam no ar,
a querer tirarem os toiros que a gente mantinha entre os
cabrestos. Aquela malandragem não nos dava
descanso e, éramos para aí uns 30 campinos. O curro,
tinha de estar em Santarém, na tarde de sábado para a
corrida de domingo à tarde.
Eram dias de grande trabalheira, mas também a gente
se vingava, era cá cada varada naqueles costados.
Também me contou, uma outra de um curro de toiros,
que tinha de ser corrido em Vila Franca e, como era
costume, saiam dos Coelhos, ao inicio da tarde, para
aproveitar a maré do Tejo e, atravessar para Valada,
através dos mouchões, ia-mos pelos campos da
Azambuja e, a chegada a Vila Franca, a meio da tarde
de sábado, para serem corridos no domingo às cinco da
tarde. “A trabalheira começava logo depois do
Maçapez, ia-mos por Trás-Monturos, a rapaziada não
deixava os toiros descansados, alguém tinha passado o
segredo, queriam tirá-los do meio dos cabrestos, ao
passar da ponte da vala.
A gente percebia daquilo, já estávamos habituados e,
a vara trabalhava logo nos “costados” deles. Depois em
Valada e na Azambuja, era de ver gente a escorrer
sangue, aqueles diabos não deixavam os animais
sossegados e, davam-nos muito trabalho, para manter o
gado no meio dos cabrestos.

107
Varada neles..! Era a ordem do campino-mor. Lino
Garoto. Os nossos cavalos, os toiros e cabrestos,
babavam-se por todo o lado.
Meu avô, gostava de beber o seu copito e, quando
ficava um pouco “enxergado” como ele dizia, lá se
lembrava de tocar um vira do campo ou o fandango,
numa pequena gaita-de-beiços, já muito velhinha e
desafinada.

1936 – Quatro irmãos campinos

Com a música do fandango, ficava empolgado de


tal maneira, que não resistia a tentar fazer o jogo de
pernas. Era de ver e ouvir…!
Nunca se esquecia dos campinos, seus camaradas de
outros tempos. Hó, que grande gente!
Grandes varas….!
Os seus três irmãos; João da Silva Galricho, José da
Silva Galricho e Manuel da Silva, conhecido por (Manuel
Pataco), o seu primo João Vitorino, o Lino da Silva,

108
alcunhado por Lino Garoto, o Joaquim Quartilho, o
Francisco Almeida e o Fernando Nobre.
Muitos outros que vieram mais tarde como: Manuel
Luís, José Duarte Cantador, conhecido por “José da
Moira” e, o Manuel Bernardo, estes últimos acabaram no
José Lino.

TRAJE DO CAMPINO

No dobrar do século XX, os campinos, aquela gente


que lidava com o gado bravo em plena Lezíria
ribatejana, ainda mostrava a pele curtida por mil sóis.
Os mais novos, já usavam o boné na cabeça, colete e
calça de ganga ou cotim, em dias de trabalho e, lá se
via, muito poucos, com a cara ornamentada com uma
pequena e larga patilha na cara, um pouco abaixo da
orelha. As grandes suíças que
por vezes “beijavam” os
bigodes, com duas pontas
bem finas e enroladas, foram
caindo em desuso por volta
dos anos 30, época da última
geração de antigos campinos,
muitos deles conhecidos e
respeitados por grandes
“Varas”.

O Campino, homem de
têmpera rija, hábitos muito
antigos, ainda tinha e tem vaidade em mostrar o seu

109
vestuário. A jaqueta brincheta, barrete preto e cinta da
mesma cor, era vestuário em tempo de trabalho. Em
dias de festa, era substituído por um outro mais
sobranceiro e luzidio, como: Barrete verde, com
cercadura vermelha. Colete vermelho, ou azul, atado
com cordões na frente enfeitados com botões
metálicos, mostrando nas costas, desenhos genuínos,
feitos muitas vezes por familiares.
O ferro da casa agrícola (de que era trabalhador) é
usado, no peito (lado esquerdo), em ferragem
latão/cobre, em forma de brasão ou emblema.

A cinta vermelha, de lã com franjas, tem a função de


apertar o corpo do campino. A camisa branca justa de
colarinho redondo, pode ter efeitos desenhados, de
uma fina linha.

O calção, de fazenda rapada azul-escuro, ou preto,


enfeitado com botões metálicos do lado de fora da
perna. A meia branca é usada por cima do joelho,
arrendada, feita à mão. Os sapatos de salto de
prateleira, usados com fivelas e espora.

OS RANCHOS FOLCLÓRICOS
E A CONSERVAÇÃO DOS USOS E COSTUMES

Quando do aparecimento do
rancho da Casa do Povo de
Salvaterra de Magos, em 1980, sendo
o garante da preservação e
divulgação desta forma de vestir do

110
nosso povo, usa nas suas actuações, o vestuário de
campino e camponesa em dia de festa.

Para a confecção das roupas, recorreu-se a uma das


últimas costureira, que ainda sabia confeccionar este
tipo de roupa, na vila, a artesã, Elvira Santana.

Do vestuário do início do século XX e, muito usado


ainda em 1920, a saia da mulher tinha uma roda (4
panos), franzida na cintura por um cós. A saia de castor,
de cor vermelha, era usada por debaixo, na segunda
posição.

Nos anos seguintes já no início da década de 50


passou a usar-se nos dias festivos a saia de castor (hoje,
conhecido como feltro de 15) e, foi reduzido para três
panos, como foi mostrado
pelo Rancho dos
Trabalhadores do Núncio
Costa.

No rodado da saia, mais


tarde, já em 1960, era usual
ver-se o tecido de nome
“riscado”, na confecção das
blusas (camisas), das
mulheres e camisas dos
homens, entrava a “populine”. sendo o garante da
preservação e divulgação desta forma de vestir do
nosso povo, usa nas suas actuações, o vestuário de
campino e camponesa em dia de festa.

111
Agora por tudo quanto é recinto de feira, exposições
e corridas de toiros, o campino deixou o copo de vinho,
adaptou-se ao seu tempo, o copo de cerveja.

*********************
***************

XII

A ORIGEM DA PRAÇA DE TOIROS

Segundo algumas publicações dos últimos anos do séc.


XIX, em Salvaterra de Magos, foi inaugurada no dia 2 de
Agosto de 1891, uma praça de toiros construída em
madeira, com capacidade para cinco mil lugares,
sendo propriedade do hospital de Portalegre.

112
Se não fora uma reportagem, feita a José Luís das
Neves, para o jornal “Aurora do Ribatejo” quando da
passagem do meio século da inauguração da praça de
toiros, não estariam disponíveis ao conhecimento
público, alguns documentos sobre esta importante obra.
“A praça de toiros é devida à acção de um grupo de
beneméritos; FRANCISCO MARIA GONÇALVES, AUGUSTO
DA SILVA, MANUEL LOPES GONÇALVES, LUIZ GONÇALVES
DA LUZ, ANTÓNIO HENRIQUES ALEXRANDRE, AUGUSTO
GONÇALVES DA LUZ, CARLOS ALBERTO REBELO, PEDRO
DE SOUSA MARQUES e JOSÉ LUIS DAS NEVES, que se
constituíram em Comissão Construtora da Praça de
Toiros”.
A obra ficou concluída em 1920, mas só foi entregue à
Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, no
dia 16 de Março de 1924, conforme consta da acta que
faz referência ao ofício da “Comissão” que entregava a
chave da praça.
Num estudo editado em livro sobre a Misericórdia de
Salvaterra de Magos, levado a cabo pelo Dr. José
Asseiceira Cardador, em 1968, podemos ler algumas
cópias de actas e ofícios.

113
Naquela edição de José Cardador, ele referencia que
se serviu de documentos, que estavam na posse de
Fernando de Sousa Marques, filho de Pedro de Sousa
Marques, membro da comissão, onde transcreveu uma
Circular:
“De há muito que os salvaterrenses, e outros mais, cuja
longa permanência aqui os leva a considerar esta
também sua terra natal, vêm mostrando desejos, de
voltarem a possuir novamente uma PRAÇA DE TOUROS,
nesta localidade. E, para essa ideia se torne um facto,
combinaram os abaixo-assinados reunirem-se quanto
antes, o que fizeram ontem, em casa dum dos
signatários, deliberando o seguinte: Procurar levar a
efeito a construção, desse dito edifício e, uma vez
concluído, oferecê-lo ao Hospital da Misericórdia desata
vila; - Diligenciar falar e escrever a todos, sem excepção,
afim de angariar os donativos precisos para a
construção imediata do referido edifício, ficando todo e
qualquer desses donativos à responsabilidade dos
mesmos signatários, que prestarão contas a seu devido
tempo, ou antes mesmo, se lhes for exigido. Inútil seria
dizer que a construção de tal edifício de espectáculos
representará mais um engrandecimento para a nossa

114
terra e uma dádiva, cremos, de importante valor para o
nosso hospital, casa de caridade, esta que tão digna e
merecedora é que a ajudem. Assim, pois espera a
Comissão que todos a coadjuvem, por toda e qualquer
forma, procurando vencer sempre dificuldades que
apareçam, afim de se conseguir principiar e chegar à
conclusão de tão útil e desejado edifício. Nesta
esperança, e agradecendo, antecipadamente se
subscreve com toda a consideração e respeito.
Salvaterra de Magos, 18 de Setembro de 1919
* A Comissão *

Um oficio, com data de 18 de Setembro, dirigido ao


presidente da câmara Municipal de Salvaterra de
Magos, pedindo a cedência gratuita de terreno com
sessenta metros de diâmetro, no largo dos moinhos,
para nele se construir a praça de touros. Um outro com
a mesma data, enviado ao Ministro das Finanças, são
referidos no livro do Dr. Cardador, onde se pede que
sejam concedidos pinheiros, do Pinhal do Escaroupim.
Um outro documento do espólio de Sousa Marques, é o
original da ultima folha de férias semanal.”

115
O ofício, com o número 9 reza assim: A Associação de
Benemerência – Misericórdia de Salvaterra de Magos;
À Excelentíssima Comissão Construtora da Praça de
Touros desta Vila – Tendo chegado às minhas mãos o
ofício de V.Exª, que acompanhava a chave da Praça
de Touros, eu, em nome da Comissão Administrativa
tenho a honra de lhes agradecer a sua benemérita
intenção, e bem assim a todos os senhores que
concorreram para a construção, daquela propriedade,
que quiseram ser de grande humildade, colocando
apenas na sua frente, por cima da porta grande “
PRAÇA DE TOUROS DE SALVATERRA”
E, de lhes notificar que a acta da sessão de hoje lhes
fica exarado um voto de louvor pela sua bela intenção.
Saúde e Fraternidade.
Salvaterra de Magos, 16 de Março de 1924
(a) – O Presidente José Eugénio de Menezes

116
PRAÇA DE TOUROS DE SALVATERRA DE MAGOS
Folha de Férias - 14 de Agosto de 1920
Operários que trabalharam na praça de touros
Augusto da Silva …… 7 dias 19,000 réis 133,000 réis
Bernardino Silva ……..7 dias 17,000 réis 119,000 réis
Jozé Torroais ………. 7 dias 17,000 réis 119,000 réis
Jozé Vedigal ……….. 7 dias 17,000 réis 119,000 réis
Francisco Remundo 7 dias 17,000 réis 119,000 réis
Libório Netto ………. 7 dias 16,000 réis 112,000 réis
Francisco Almeida… 7 dias 16,000 réis 112,000 réis
Justiniano Valente… 7 dias 16,000 réis 112,000 réis
Manuel Faz-Cordas .. 4 e ¼ 16,000 réis 68,000 réis
Manoel Montoia …. 2e½ 17,000 réis 37,000 réis
Constantino……… 6 dias 17,000 réis 102,000 réis
Jozé Miguel …….. 2e¾ 17,000 réis 46,600 réis
Jozé Traveça …….. 7 dias 15,000 réis 105,000 réis
Beijamim Baranda 7 dias 11,000 réis 77,000 réis
Francisco Santana .. 1 dia 13,000 réis 13,000 réis

117
Manoel Borrego … 1e½ 6,000 réis 9,000 réis
Francisco Vitorino .. 6 dias 4,000 réis 24,000 réis
António Ferreira … 4 e ½ 4,000 réis 18,000 réis
António Baía ….. 7 dias 5,000 réis 35,000 réis
Manoel Boneco … 7 dias 5,000 réis 35,000 réis
António Remundo 7 dias 4,000 réis 35,000 réis
Manoel Figaredo .. 7 dias 13,000 réis 91,000 réis

O CICLONE DESTRUIU A PRAÇA DE TOIROS


Seis meses tinham passado, da comemoração dos 20
anos, da inauguração, quando no dia 15 de Fevereiro
de 1941, um forte ciclone que fustigou todo o país,
arruinou quase todo o edifício da praça de toiros. A sua
reconstrução ficou a dever-se aos beneméritos; Gaspar
da Costa Ramalho e Jorge de Melo e Faro (Conde de
Monte Real) e sua esposa D. Teresa Castro Pereira
Guimarães de Melo e Faro.

O primeiro, arcou com as despesas das bancadas, que


foram construídas em cimento, substituindo as de
madeira. O casal Monte Real, custeou as paredes
interiores, com seus pilares em tijolo e entre várias
divisões, os curros.

118
Para festejar a sua reconstrução, foram organizados
alguns festejos, onde se incluiu uma brilhante corrida,
com a participação graciosa dos toureiros espanhóis;
Domingos Ortega e Luís Miguel Dominguim. A este
espectáculo, assistiu o presidente da república, Óscar
Carmona.
Com a receita dos espectáculos, foi entregue ao
Hospital da Santa Casa, um valor de 13.851$50 e um
outro de 115.176$65.

A CONSERVAÇÃO DA PRAÇA
A praça de toiros, tem tido ao longo dos anos altos e
baixos no campo da sua conservação. Em 1939, A
Revista Ilustrada “A Hora”, numa reportagem sobre o
concelho, dava conta que o edifício dava mostras de
um estado de ruínas. Em 1976, uma comissão que
tomou conta do seu funcionamento, além de efectuar
obras nas bancadas, aproveitando o seu espaço para
mais 900 lugares de espectadores, apetrechou-a de
iluminação de grande potencia, dando origem à
realização de espectáculos nocturnos.

119
Em 1986, a Provedoria da Misericórdia, custeou a
instalação de coberturas, para o sector “Sombra”, e nos
lugares destinados às entidades oficiais. O Mesmo
aconteceu no espaço destinado à presença da banda
de música, por cima da zona dos curros.
Também, com uma série de homenagens que
ficaram registadas no interior da praça.
Na frente, no espaço, onde se encontrava a palavra
“DE”, foi colocada uma placa em mármore, com os
nomes dos seus obreiros. Daí para cá a provedoria sob a
presidência de Armando Rafael Oliveira, tem destinado
alguns cuidados na conservação de todo o edifício da
Praça de Toiros de Salvaterra de Magos.

A PRAÇA DE TOIROS FEZ 50 AN0S !


A Reportagem
“A convite de José Gameiro, colaborador, do
semanário “Aurora do Ribatejo”, com redacção em
Benavente, assumi há pouco tempo a direcção do
“Jornal de Salvaterra” uma página dedicada aos
assuntos do concelho.

120
A praça de toiros de Salvaterra, está prestes a fazer
meio século de inaugurada, justo é que dê aos seus
leitores alguns dados históricos da obra. O único
membro da Comissão Construtora, felizmente ainda vivo
e de boa saúde, encontra-se entre nós, é empregado
no Grémio da Lavoura local, José Luiz das Neves.
Contactado uns dias antes, ficou à nossa disposição
para uma entrevista. Eu, e o colaborador deste jornal,
José Gameiro, fomos encontrá-lo à sua mesa de
trabalho numa sala do rés-do-chão, do edifício, entre
guias de entrega de sementes e, lá se dispôs a transmitir-
nos as suas recordações. “A ideia da construção da
Praça surgiu no meu estabelecimento de mercearia e
vinhos, situado na rua Direita, onde mais tarde veio a
estabelecer-se Manuel Xavier da Silva,
ali mesmo junto ao cruzamento com a Trav. do Martins”

- “Pensamos na sua construção por inveja da que


havia em Benavente. Quando em 1918, depois de assistir
à inauguração desta, alguns aficionados de Salvaterra,
se juntaram na minha loja e mostraram “ferro” por
estarmos tão atrasados em relação aos nossos vizinhos.

121
Ali mesmo foi decidido que teríamos dentro de pouco
tempo uma praça melhor que a “deles”. O soco na
mesa, que frisou as últimas palavras, deu-nos a medida
certa da

122
vibração que ainda produz no nosso entrevistado a
recordação da cena passada em 1918.
-“E olhem, que ficou realmente melhor”, continuou o
Sr. José Luís das Neves, que não tivemos coragem para
interromper. Construída em alvenaria, enquanto que a
de Benavente era de adobes e desapareceu uns meses
depois, pelo tremor de terra, enquanto a nossa está aí
que se pode ver !”

123
“O grande problema como devem calcular”, continuou
o nosso entrevistado em resposta a nova pergunta,
“foram aonde arranjar dinheiro”.
“Depois de se conseguir por intermédio do então
Ministro do Comércio, Jorge Nunes, que a madeira
necessária fosse oferecida pelo estado e cortada no
Escaroupim, o dinheiro para o resto foi conseguido com
ofertas: dois tostões deste, três tostões daquele, um
cruzado do outro, foram as migalhas que juntas a ofertas
maiores formaram 74 contos de réis e picos que custou a
nossa praça”.
Quais foram as maiores e menor oferta em dinheiro que
conseguiram para a construção? Perguntámos !
“Olhem, se não me falha a memória, a maior foi do sr.
Porfírio Neves da Silva, que ofereceu um conto de réis,
que na altura era uma quantia choruda e a menor… “O
sorriso do nosso entrevistado faz-nos antever uma

124
revelação sensacional. “Foi do sr. José de Menezes, que
ofereceu 500 mil réis para não pensarem mais nisso! “.
Pessoa amiga tinha feito chegar à mão, do José
Gameiro, incansável nesta pesquisas, que supúnhamos
serem da inauguração da praça e, pedimos ao sr. José
das Neves que as identificasse; Eram realmente da
corrida inaugural e com uma lágrima teimosa a querer
fazer das suas, lá nos indicou o sr. Roberto Jacob da
Fonseca, inteligente da corrida; os srs. Henrique Avelar
da Costa Freire; Porfírio Neves da Silva; João Oliveira e
Sousa; João Vasco, Sílvio Moiro, Administrador; Manuel
Caetano Doutor, Corneteiro; Henrique José Ferreira
Martins, farmacêutico e animador do “Grupo do Ti
Martins” que se dedicava a patuscadas, Fernando Luís
das Neves, pai do nosso entrevistado, enfim um nunca
acabar de recordações. “Olhe, este aqui de chapéu,
sou eu!”.
José das Neves, mais à vontade e visivelmente
emocionado abre por sua vez o seu rosário de
recordações e mostra-nos jornais da época, programas
das corridas, e como curiosidade uma folha de férias;
Vimos, revimos tudo, e de repente “Olhem, tudo isto

125
ofereço ao Zé Gameiro, pelo interesse que tem nestas
coisas da nossa terra”
“Reparámos que na folha de férias, sendo a última da
semana na obra; os pedreiros ganhavam entre 15 e 17
tostões e os serventes, entre um cruzado e oito tostões e,
36 trabalhadores em 7 dias receberam 234.710 réis (dois
dias de ordenado dum pedreiro de 1970).
Um exemplar do jornal “A Elite”, chama-nos a atenção
por na página 2, numa lista de 11 nomes, 10 terem à
frente uma cruz. “É que todos esses já morreram, só falto
eu, ainda cá estou” explica o nosso entrevistado,
dizendo serem os componentes da Comissão
Construtora da Praça. “Neste último, já não serei eu a
pôr a cruz…!
- Eram o Pedro Sousa Marques, Luiz Gonçalves da Luz,
Augusto da Luz, Carlos Alberto Rebelo, Francisco Maria
Gonçalves, Augusto da Silva, Manuel Lopes Gonçalves,
Francisco Morais, António Henriques Alexandre, Augusto
de Almeida e José Luiz das Neves: Um grupo que
continha 5 operários, 4 comerciantes, 1 proprietário e 1
industrial de barbearia. A Comissão organizadora das
corridas era composta por: António de Sousa Vinagre,

126
Dr. Armando de Sousa Calado, Dr. Roberto Ferreira da
Fonseca, José Rebelo Andrade e Henrique Costa Freire.
- Apontando para os programas que tínhamos entre
mãos, actuaram nesta 1ª corrida: Cavaleiros; José
Casimiro e Adolfo Macebeiro Tomé, Vital Francisco
Rocha, Mateus Falcão e Manuel doa Santos, da Golegã.
- O grupo de Forcados; comandados por Manuel
Burrico.
Os 10 touros foram generosamente oferecidos pela
ganadaria Roberto & Roberto. - Não entregamos logo a
Praça à “Misericórdia”, afirma em resposta a uma nossa
nova pergunta.
- Durante um ano e tal, organizamos toiradas e
vacadas para arranjar dinheiro, para pagar as dividas
que ainda havia”.
- Nesse tempo era fácil organizar corridas, como fumar
um cigarro… Não havia tantos papéis e tantas coisas a
tratar e quando pensávamos fazer, fazíamos”.
- “Além de mais, não queríamos que aparecessem no
hospital contas para pagar
por despesas que nós fizemos.
A Praça foi entregue livre de
todos os encargos”. -

127
Sabendo o que lhe custou colaborar na obra, se voltasse
ao ano de 1918, faria parte da Comissão Construtora da
Praça? Perguntámos.
“Apesar das muitas canseiras e do trabalho que tive,
se voltasse atrás fazia exactamente o mesmo, juntava-se
as mesmas pessoas e construíamos a Praça que está ao
cimo da Avenida. Não dou por mal empregado o
tempo que me ocupou”.- O nosso entrevistado é
interrompido e chamado à realidade pelo “interfone”
(um tubo metido na parede que liga a sala onde
estamos, com o 1º andar, em cada terminal tem um
bocal, com tampa), perguntavam-lhe assuntos de
serviço.
Faziam-no voltar a 1970. Já na mesa do seu serviço,
observava mais uma vez as fotografias que lhe
trouxemos.
Abre a gaveta e pega numa lupa; “ Este esteve
muitos anos em Lisboa… Estoutro foi para Muge… A
mulher do Luiz Caleiro, tem ainda a mesma cara… dizia,
revivendo os 27 anos que tinha em 1920.

José António Teodoro Amaro (Tamaro) – José Gameiro


*****

128
Nota: Original da entrevista, entregue na redacção do Jornal “Aurora do
Ribatejo”, mas por motivos de paginação e outros, foi publicada, com algumas
alterações como se encontra publicada na edição de 1 de Agosto de 1970.

***********
Quando a praça de toiros fazia 72 anos de inaugurada, fiz sair no
dia 22 de Julho de 1992, no Jornal Vale do Tejo, uma artigo sobre a
efeméride, soube que José Luiz das Neves, depois de reformado, foi
de abalada com sua esposa, até Leiria, para casa de seu filho José
Luís. Aí faleceu e ali foi sepultado.

A CORRIDA INAUGURAL
Da edição do jornal “A Manhã” de 6 de Agosto de
1920, que já usamos anteriormente, transcrevemos as
crónicas do jornalista Batista Duarte, das corridas
inaugurais do Taurodromo que se encontra à entrada da
vila de Salvaterra de Magos.

“Com o cadáver do Conde dos Arcos estatelado na arena,


ensopado do seu sangue Marialva as almas opressas ainda
ante a figura romana, vestida de lenda, do velho fidalgo,
estribeiro-mor da corte, que de um golpe afundara a sua
espada, até aos copos, na nuca do toiro negro, nervoso e
brusco, que lhe estripara o filho, na própria tribuna onde
assistira ao espectáculo, “de toiros” ante a corte deslumbrante,

129
trapos à francesa constelados de pérolas, cabeleiras em
anéis, recamos de oiro e toucados milagrosos, o senhor rei D.
José prometeu a Sebastião de Carvalho e Melo:
-Foi a ultima corrida, Marquês. A morte do Conde dos
Arcos, acabou os touros reais em Salvaterra, enquanto eu for
rei…. O ministro, que vinha de levantar a luva que lhe lançara
D. José Torrero, embaixador espanhol, fitou o soberano e
retorquiu: -Assim o espero da sabedoria de vossa majestade.
Sucedeu isto no Verão de 1762. Estamos em 1920.
O Marquês de Pombal morreu há muito. Os reis passaram.
A promessa dos toiros passou também. O Ribatejano tem a
fidalguia, do sangue quente, o ar livre, criador: possue a
nobreza do trabalho, das searas e a visão sadia da Lezíria,
onde as terras frescas que orlam o rio Tejo, estão mescladas
de rebanhos e manadios pastando em sossego.
Salvaterra, ostenta pergaminhos; tem um Hospital da
Misericórdia, que é pobre como todos os hospitais, tem uma
mocidade destra e portuguesíssima, tem os homens feitos de
coração forte e mãos amigas, tem o respeito das suas
velhices e um grande amor às coisas tradicionais.
E Salvaterra, fez uma praça de toiros, imponente, hoje uma
das melhores da província, que custou cinquenta contos!
Inaugurou-a há três dias. A promessa do senhor D. José, está
absolutamente perdida para a história local. As duas touradas

130
de Domingo e Segunda-Feira passada foram duas “toiradas
reais!”…. “A praça é alegre, tem uma ordem de camarotes,
dois sectores sombra e dois sol e, comporta cinco mil
pessoas. A comissão organizadora das corridas era composta
por; António Sousa Vinagre, incansável trabalhador para a
organização das festas, Dr. Roberto Ferreira da Fonseca, Dr.
Armando dos Santos Calado, José Rebelo de Andrade e
Henrique da Costa Freire. A primeira corrida por profissionais,
foi brilhantíssima. Tudo quanto há conhecido de bons
aficionados, caiu em peso em Salvaterra de Magos.
À frente desses aficionados vimos o bom “velhote” e antigo
lavrador ribatejano; António Roberto Casaleiro, vulgo o
“Compadre Casaleiro”, decano dos aficionados, que apesar
dos seus 75 anos ainda corre lesto, com o seu grande
entusiasmo, a uma boa corrida de toiros. Dos Camarotes
pendiam lindas colchas, tudo numa decoração deslumbrante,
que juntamente com as toilettes das senhoras, davam um
conjunto encantador. A populaça que mostrava ter vindo dos
campos da lezíria, davam uma riqueza de cores garridas no
seu vestuário, que sombreava as casacas e chapéu alto de
muitos presentes. Mas eis que principia a função, a música dá
brilho ao espectáculo, na presidência está a veneranda
relíquia da tauromaquia portugueza, o grande bandarilheiro,
que o Campo de Sant`Ana aplaudiu freneticamente; Roberto

131
da Fonseca, com os seus 84 anos, mostra uma figura esbelta
vencendo a idade. Com um sorriso compassivo à rapaziada,
a praça a ir abaixo de tantas palmas, lenços e manifestações,
enquanto a banda executa o Hino Roberto da Fonseca.
Como o lindo circo ribatejano, fervia de entusiasmo febril.
De repente e a um sinal do director da corrida, o silêncio
trespassa os aficionados; sai dos curros o toiro com o nome
“Padeiro”. É um bicho de linda estampa, nobre e bravo, que
arranca de largo a largo, fino sangue. José Casimiro, que
brindara a Roberto da Fonseca, faz um toureio magistral, à
maneira Marialva, elegante e viril, inaugurando assim a praça
de Salvaterra, outrora corte de folguedos. Foram quatro ferros
cumpridos, dois à meia volta e dois à tira, e dois curtos a
fechar. O último dos quais de uma sorte digna de respeito.
O grupo de forcados entra no meio do redondel, e o seu
cabo Manuel Burrico, com o seu barrete oferece a pega a todo
o público.
De imediato perfila-se e vai para a cara do bicho, com uma
valente pega, que leva os espectadores ao rubro. E com este
começo foi a corrida por ali fora, como vamos descrever.
Se bravo e nobre foi o primeiro touro de cavalo, não
sabemos que dizer do sexto, “Cochicho” de seu nome, e que
lhe chama o moiral, touro de bravura, metendo a cabeça ao

132
estribo, do cavaleiro mal via o cite. José Casimiro, toureia
com alegria e arte, crava ferros com febril entusiasmo.

133
Grande ovação recebe do público, da qual compartilha com
lavrador, João Roberto, sobrinho dos ex-bandarilheiros;
Vicente e Roberto da Fonseca. O forcado, de seguida voltou a
fazer uma rija pega. O outro cavaleiro, foi o simpático artista,
Adolfo Macedo, que também teve dois touros muito bravos; o
“Casquinha” e o “Gavião”. Pena foi que o artista lhes tivesse
dado uma lide muito precipitada, quase sempre à meia volta.
Se toureia com mais calma e tem saído mais vezes à tira,
como lhe indicaram os seus amigos, tinha feito um figurão.
Os toiros-reais! Há muito que se não vê nas nossas
arenas, quatro toiros de cavalo tão bravos!....
Os nossos parabéns à firma Roberto & Roberto, por tão
bravo curro oferecido. Dos nossos bandarilheiros; Teodoro e
Tomé, muito bem em quites, e com bandarilhas tiveram bons
pares. – Rocha, Falcão, Vital e Manuel dos Santos, da
Golegã. O último toiro, de nome “Criminoso”, foi o mais bravo
touro de pé.Teodoro Gonçalves, dedicou a sua faena ao seu
colega e ex-bandarilheiro, João Roberto, que saiu magnifica.
A direcção do velho Roberto da Fonseca, foi uma grande
licção!...Ainda lá tem a ralé do toureador o bom velhote !

134
A arrelia dele, se os animais eram mal corridos!....

SEGUNDA CORRIDA
A segunda corrida, foi na Segunda – Feira, dia 2 de Agosto de 1920.
Logo pela madrugada, houve espera de gado. Os toiros saíram do
campo, cercados por cerca de 50 cavaleiros, bem montados, todos
de pampilho. À frente do gado, que vinha na ponta da unha, viam-se
o lavrador Francisco Ferreira Lino e o cavaleiro José Casimiro.
À entrada da vila, eram perseguidos por gente a pé, numa algazarra,
tentando acompanhar o cortejo. O povo que enchia o largo da
entrada da praça, logo vibrou, aos gritos de lá vêm eles!!
Os barretes e jaquetas no ar, tentavam tresmalhar algum toiro do
curro, que vinha entre os cabrestos.

Entrada de toiros no 2º dia da inauguração

135
A arte dos campinos, em conservar os animais bem juntos aos
cabrestos, era comentada aqui e ali. Que grandes homens, que
grandes varas !!
As várias facetas de uma entrada de toiros, por ser um espectáculo
esplêndido e cheio de alegria, onde o homem ribatejano, ali mostra a
sua galhardia nas esperas, são de uma descrição sempre
mesquinha. A condução do gado, desfez-se com a entrada pela
porta grande da praça, não houve problemas com os animais que
estavam seleccionados para a corrida que teria lugar pelas 5 horas
da tarde.
À hora marcada, a praça estava à cunha. Os cavaleiros amadores;
Adolfo Macedo e José Casimiro, apresentaram-se em arena, trajando
de curto, sendo acompanhados pelos bandarilheiros amadores:
D. Carlos Mascarenhas, D. Pedro de Bragança, Patrício Cecilio,
Francisco d`Oliveira, João Malhou da Costa e Rafael Gonçalves.
Os campinos de serviço eram; António Eugénio de Menezes
(Abegão), Joaquim Coimbra, Manuel Coimbra, Francisco Souto
Barreiros. Careca; António José Rebelo de Andrade. Papagaio; D.
Baltazar de Freitas Lino e ainda o Grupo Moços de Forcados de
Santarém. A corrida foi animada, os toiros que couberam a Adolfo
Macedo, não sendo bravos, não complicaram a lide, nem às pegas
dos forcados. José Casimiro, lidou com saber o primeiro bicho, que
saiu manso perdido e no qual cravou dois bons ferros compridos e
um curto. No segundo, ofereceu a sorte a Roberto da Fonseca que
era bravíssimo, e em seguida toureou bem, cravando dois soberbos
ferros compridos e três curtos magistrais. No sexto toiro, dedicou um
par dos ferros curtos aos seus amigos de Salvaterra, especialmente

136
ao grupo do “Ti Martins”. Os amadores; D. Carlos Mascarenhas, D.
Pedro de Bragança, Patrício Cecilio, Francisco d` Oliveira, João
Malhou da Costa e Rafael Gonçalves., todos tourearam e farpearam
bem. Foi ainda lidado um novilho, pelo filho mais novo do
bandarilheiro Teodoro, tendo dois pares de João Malhou, sido pouco
feliz. Os forcados amadores; tendo como capataz Jaime Godinho,
portaram-se á altura da sua fama; de caras e á cernelha.
A pega de cara do primeiro touro efectuada de recurso e feita pelo
cabo, Jaime Godinho, foi magistral.
Palmas e voltas ao redondel, do qual compartilharam; Moura,
Barreno e Matos, assim como os irmãos Coimbra. A Direcção da
corrida, esteve a cargo do amador da velha guarda, o salvaterriano,
Rui Rebelo de Andrade, executada, com maestria. Foi um primor ….!
Enfim assistimos a duas touradas famosas, que não sendo reais,
não tentaram desfazer a lenda que conta Rebelo da Silva, mas
ficaram nos anais da tauromaquia salvaterrense. O curro foi oferecido
pelo novo ganadero; Francisco Ferreira Lino, com toiros oriundos da
antiga ganadaria; António Ferreira Roquette. O fotógrafo “Gambeta” e
outros, tiraram a diversos grupos e, a vários aspectos da assistência,
algumas fotografias, que ficarão para a história local.”

**************************
***************
************

137
XIII

UMA VIAGEM DE VILA FRANCA DE XIRA,


ATÉ SALVATERRA
Foi um dia para não esquecer pelos seus
participantes.
Realizava-se a segunda corrida da inauguração da
praça de toiros de Salvaterra de Magos. Uma comitiva
de Vila Franca de Xira, foi convidada. Cerca de 50
rapazes, que vieram a

Grupo visitante, à chegada no cais da vala real

138
Salvaterra, deram o nome Vila Clube Taurino ao
agrupamento. Os simpáticos rapazes alugaram duas
grandes fragatas, que navegou através do rio Tejo e, da
vala real da vila.
Numa fragata, foi organizada uma casa de jantar, com
um grande toldo e, ali nada faltava; mesas cadeiras;
casa de banho ao fundo; relógio de parede – tudo
decorado com muito gosto. Um guarda-vento, servia de
guichet para a entrada das comidas, pois durante a

Desfile dos visitantes – Largo dos Combatentes

viagem de ida foi servido o almoço e lanche. As


refeições eram feitas numa cozinha e entravam para a
casa de jantar, pelo dito guichet. A despensa era um
encanto..!

139
Estava guarnecida, de cestos de verga com galinhas e
coelhos, além de um carneiro vivo, também para matar
e comer a bordo. O peixe para se conservar fresco,
estava metido em canastras, forradas a erva de
espadanas. A fruta era em grande quantidade. Algumas
caixas de cerveja estavam juntas a barris de vinho
(branco e preto). Para refrescar estes líquidos também se
preveniram de caixas com gelo. Uma cozinheira e duas
ajudantes, confeccionaram seis pratos em cada
refeição. Tendo a cozinha começado a laborar pelas 5
da manhã. A primeira refeição, foi servida pelas 10,00
horas e chegou até às 13,00 horas. A outra um pouco
mais frugal, começou pelas 15,00 horas e, havia quem
estivesse acabar pelas 17,00 horas, quando o cais da
vala de Salvaterra estava à vista e, uma multidão
acenava e gritava, sons ainda não percebíveis, pelos
visitantes.
A outra fragata, foi destinada a camarata, com uma
cama para cada passageiro, pois estava destinado

140
passar a noite na vila vizinha. Havia lavatório, espaço de
WC e guarda fato.
Chegados a Salvaterra e, com as embarcações já
atracadas, delas saiu o som da estudantina, sob a
direcção de Sabino Gomes, tocando a pandeireta, com
alegria e salero o dr. Genso. Iniciaram a caminhada
pela rua da Capela da Misericórdia, rodeados de muita
gente, passaram pela Igreja Matriz e do jardim do
edifício municipal.
A multidão acompanhante fez crescer o cortejo, até à
praça de toiros. Um tempo depois, com a praça
esgotada e em delírio, decorreu a corrida. A noite já
chegava, foram levantados muitos brindes pelos nossos
amigos de Vila Franca, não esquecendo o jornal “A
Manhã”, a quem todos os visitados dedicaram uma
estima. Endoidecido de alegria, perguntava Sabino
Gomes, com muita graça: - Gostaram do nosso lugre de
recreio?!... A noite foi passada em diversas casas
agrícolas, cujas famílias se empenharam em bem
receber.
Pela meia manhã de terça-feira, com a maré a
convidar o regresso, Carlos Gonçalves, lavrador de Vila
Franca e presidente do grupo e o “maitre d`hotel”, de

141
quem todos recebiam ordens, com grande prazer,
elogiando até os seus apetitosos menús. Despediu-se
das entidades e do povo de Salvaterra, com comovidos
abraços, dizendo: Até nisto foi à portuguesa antiga, a
festa de Salvaterra de Magos.”
* B. Duarte *
Os periódicos da época, deram destaque ao
acontecimento, especialmente o jornal “A Época” que
ilustrou as suas páginas, com fotografias, dos barcos a
navegarem na vala real de Salvaterra e, o grupo de
visitantes no cais e em frente ao edifício da escola, no
Largo dos Combatentes, a caminho da praça de toiros.”

********************

142
****************

XIV

TOIROS EM DIA DE FEIRA


NO DOBRAR DO SÉC. XX

No dobrar do século XX, o espectáculo taurino, tinha


na sua raiz emoções que vinham de tempos imemoriais.
Leis e mais leis, vieram condicioná-lo, a última foi com o
Decreto-Lei 306/91 de 7 de Agosto, completado com o
Decreto Regulamentar Nº 62/91 de 29 de Novembro,
que queria harmonizar o espectáculo taurino aos
tempos que corriam.
Um novo “espartilho”, para a festa taurina, pois tudo
mudou e nada passaria a ser como dantes!
A tauromaquia vinha deixando de ter aquele
encanto, mesmo para os aficionados. Para os outros
ainda era uma festa ver todo aquele aparato, fora da
praça de toiros. Em 1950, a feira franca de Salvaterra,
ocorria como todos os anos em Maio e, nesse dia,
realizava-se uma das muitas corridas que tinham lugar

143
anualmente na praça de toiros da vila. No mês de
Setembro, realizava-se a feira da vizinha vila de
Benavente e, uma semana depois, a de Salvaterra.
Este dia festivo, contava sempre com uma corrida de
toiros. Há já algum tempo, o cartaz estava na rua onde
anunciava que vinham actuar os mestres cavaleiros;
João Branco Núncio e Simão da Veiga. Os espadas,
eram os matadores de toiros; Diamantino Viseu e Manuel
dos Santos. Abrilhantava a corrida a banda de música
dos bombeiros da vila. Os toiros eram da ganadaria
Irmãos Roberto e, os forcados, eram do grupo de
Manuel Faia, onde pegavam O Timpanas e Manuel
Ferrador, homens da terra. As “claques de aficionados”
que aqui existiam, tinham agora mais uma vez
oportunidade de ver actuar os seus ídolos, pois ao longo
do ano, dividiam-se em acérrima discussão. Um grupo;
apoiava João Núncio, um outro Simão da Veiga.
Quanto aos matadores de toiros; era de ouvir qual o
grupo de aficionados, que sobrepunha o seu toureiro,
em relação aos outros.
As discussões tinham lugar, nas oficinas dos mestres
sapateiros, nas oficinas dos barbeiros e, continuava na

144
sede do Clube Desportivo local, pois aí à noite nos jogos
das cartas, lá vinha à baila a aficion.
Naquele domingo de Setembro, os aficionados
visitantes que enchiam por completo as “tascas” da
feira e, as tabernas na procura dos bons “petiscos” da
terra, na hora da entrada param a corrida perdiam-se
entre a multidão.
O muro da Horta do Sopas, estava repleto de curiosos
vendo os cavaleiros “passeando” os cavalos.. Nas
janelas da praça, os espectadores, empoleirados no
gradeamento, tinham os olhos postos no mar de gente
que enchia a avenida, na esperança de verem chegar
os toureiros. De repente, gritam, lá vêm eles !!
Eram os matadores, entre o seu stafe, que vinham à
“paisana”, com os trajes de luces por baixo. Vinham da
Pensão do Café Ribatejano, onde estavam alojados.
De imediato foram rodeados por aquele multidão de
aficionados, até entrarem na praça. A corrida, estava
esgotada de espectadores e, durou cerca de três horas.
No final o matador, Manuel dos Santos, que foi o
triunfador, saiu pela porta grande, levado em ombros,
entre o delírio da multidão, que percorreu a avenida, a
rua Marquês de Pombal, a rua Heróis de Chaves e, por

145
fim chegou à Pensão. De imediato, numa das janelas,
agradeceu os aplausos daqueles aficionados que
delirantemente lhe batiam palmas.

*************
EMBOLADORES /FARPEADORES

José Venscelau, já no início do século XX, esmerava-


se na feitura, de farpas/ ou bandarilhas, embolando
também os toiros em dias de corria. As embolas,
construídas à base de couro e que servem para cobrir os
cornos dos toiros, pois as pegas, aconselhavam o seu
uso. Este trabalho artesanal, transmitiu a seu filho
António, com quem trabalhou durante muitas dezenas
de anos a difícil maneira de ornamentar os ferros
(farpas),que são acessórios necessários nos espectáculos
taurinos, Tal artesanato, foi continuado na família, por
João Aleluia (João Venscelau), sendo as farpas, muito
procuradas especialmente por emigrantes, para
decoração das suas tertúlias.

146
XV

A ORIGEM DO TOIRO DE LIDE


Da pena de António Relvado, colaborador que foi
do extinto Jornal Vale do Tejo, JVT, transcrevemos com a
devida vénia, o seu artigo.
“O toiro de lide constitui a maior inovação Espanhola
na criação de animais. Antes que os Ingleses
começassem a formar importantes raças Vacuns e
Porcinas, durante os séculos XVII e XVIII, inclusive antes
de 1791, criou-se o LIVRO GENEALOGICO DO CAVALO,
de puro sangue Inglês, ia-se seleccionar em Espanha o
toiro de lide, pois os primeiros ganadeiros espanhóis
controlavam e anotavam a sua genealogia,
comportamento e características nos primeiros livros de
ganadarias.
Das civilizações do passado chegou-nos alguns enigmas
difíceis de decifrar. Em torno do toiro existem pinturas
rupestres e representando o toiro desde o V ao III milénio
antes de Cristo.

147
Segundo numerosos arqueólogos, estas figuras foram
realizadas com a finalidade de indicar a existência de
caça abundante.
A fauna predominante ma Península Ibérica, durante
o Paleolítico era composta por cavalos, toiros, veados,
javalis e outras espécies de menor porte. O toiro
selvagem da Pré-História tinha como finalidade
alimentar o homem, caçá-lo, e usá-lo como elemento
de trabalho. O uro ou toiro selvagem, estava
domesticado no oriente desde épocas mais remotas.
Assim, chegou à Europa Central e Nórdica formaram-se
muitas raças alpinas e centro europeias actuais.
As sucessivas variações climatéricas determinaram as
trocas de flora e fauna, eliminando numerosas espécies.
Na Península Ibérica o clima nunca foi demasiado
rigoroso não alterando a flora e a fauna originando
migrações de gado vacum da Europa Central e Norte
de África, pois a Península estava unida ao Norte de
África.
A ERA DO TAURO

A era do Tauro corresponde aos anos 4513 a 2353


antes de Cristo, caracteriza-se pelas diversas civilizações

148
históricas por culto a divindades taurinas. Em todas as
culturas Mediterrâneas e no mundo Celta a crença
mágica das virtudes genéticas do toiro e a sua
transmissão ao homem fizeram dele figura sacra e
objecto de culto e de numerosos ritos religiosos e
celebrações festivas. Assim, na Mitologia Grega aparece
em forma de Minitauro. No Egipto, o Boi Ápis e o deus
da fecundação e da abundância, os Hebreus
adoravam o bezerro de ouro, na Babilónia são os toiros
alados e ainda temos o Celta Tamos e o toiro Irlandês
Cualungé. O mundo romano adoptou o culto de origem
Persa Mitra, o jovem deus que sacrifica o toiro primordial
para fazer surgir o mundo. Há 2000 anos Júlio César
descrevia o Uro que habitava na selva Hercínia na
Alemanha, junto ao rio Danúbio de carácter indómito,
enorme bravura e ligeireza assim como o divertimento
que constitua a sua caça pelos jovens. Era um animal
enorme e perigosíssimo que povoava os bosques da
Europa Central e Nórdica. Os Alemães chamavam-lhe
Auerochs ou toiro selvagem. Foi Júlio César que
introduziu o vocábulo uros na língua latina. O uro foi
extinto na Europa na Idade Média, é o antepassado
selvagem de todas as raças bovinas existentes.

149
O toiro de lide actual é de todos os descendentes
directos o que melhor conserva as suas características.

O TOIRO NA HISPÃNIA

O toiro bravo descendente do uro ou toiro selvagem


da idade média, que abundava em toda a Europa,
trazido pelos Celtas. Situou-se no Norte de Espanha e
Portugal, tendo-se juntado com o gado procedente do
Norte de África durante o período glaciar.
Como na cultura Greco-Romana, o toiro está muito
ligado às raízes culturais Hispânicas. É o animal mais
emblemático, ao ponto de simbolizar a festa popular, e
a sua figura traduz todas as artes, desde as pinturas
rupestres aos toscos verracos ibéricos, as tendências
modernas da cultura Espanhola e Portuguesa,
representado em desenhos, gravados, pinturas,

150
esculturas e por pressuposto na nossa literatura. O toiro
representa um papel fundamental na economia da
península ibérica, pois modifica a paisagem devido à
necessidade das grandes vacadas, e propicia à criação
de feiras de gado que tanta importância tem para o
desenvolvimento dos povos e cidades.
O toiro de lide teve como, origem e solar em
Espanha, e desde aqui se estendeu e exportou a
Portugal, a França e numerosos países do Continente
Americano, principalmente durante o no séc. XX.
Graças à concorrência de interesses de uma cultura
popular com profunda raiz taurina, as práticas equestres
dos nobres e cavaleiros da Idade Média. A destreza
para o jogo com toiros do pessoal encarregado do seu
manejo nas herdades e nos matadouros, assim como a
inteligente arte de criar e seleccionar dos ganaderos,
criou-se um belo animal, uma das maiores jóias da
zootécnica mundial.”

**************************
P.S. - Muitos anos já passaram, as tertúlias nas pequenas
oficinas de Sapateiros e Barbeiros desapareceram. Agora em
Salvaterra de Magos existe a Tertúlia do Clube Taurino
Salvaterrense, com sede na rua do Rossio

151
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
- Revista” Branco e Negro” ………………….. 1897
- Jornal “A Elite” ……………. 1 de Agosto de 1920
- Jornal “A Manhã” ……… 6 de Agosto de 1920
- Revista ”Touros e Toureiros” ………………. 1932
- Revista “A HORA” …………………………… 1939
- Jornal “Aurora do Ribatejo” ………………… 1970
* Reportagem dos 50 anos da inauguração
da Praça de Toiros)
- Livro “Contos e Lendas” edição “Colecção Civilização”
Última Corrida de Touros em Salvaterra * Rebello da Silva
- Livro “A Misericórdia de Salvaterra” – Dr. José Asseiceira
Cardador * Edição: 1968
* Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide –
Edições: 1986 e 1990
* A Origem do Toiro de Lide *Jornal Vale do Tejo, 1999
23.03.2000 – Pág. 15
* Jornal Vale do Tejo (António Cadorio) ……. Ano 1999
- Artigo de José Gameiro

152
CAPITULOS:
Pág. 3–I Última Corrida de Toiros em Salvaterra
Pág. 21 - II O Conde dos Arcos – Sua Origem
Pág. 20 – III Toiros de Morte em Salvaterra
Pág .32 – IV Criadores de Toiros de Salvaterra
Pág. 41 – V Criadores de Cavalos em Salvaterra
Pág. 47 – VI A Dinastia Roberto
Pág. 75 – VII Bandarilheiros
Pág. 83 - VIII Cavaleiros Tauromáquicos
Pág. 88 - IX Críticos Tauromáquicos
Pág. 92 - X Moços de Forcado
Pág. 103 - XI Campinos
Pág. 112 -XII A Origem da Praça de Toiros
Pág. 138- - XIII Uma viagem de Vila Franca de Xira
Até Salvaterra
Pág.142 - XIV Toiros em dia feira, no dobrar do séc. XX
Pág.147 - XV A Origem do Toiro de Lide

153
Fotos:
Pág. 9 – Escritor Rebello da Silva – Foto a/d
Pág. 13 – Painel em Azulejo – Morte do Conde dos
Arcos * Foto do Autor
Pág. 23 – 1950, Pintura, embalagem da caixa de bolos
“Marialvas” Produto fabricado por Francisco Fonseca
- Pintura de Martin Maqueda
Pág. 25 – Certidão de Óbito Conde dos Arcos
Pág. 31 - Noticia da Morte de Toiros em Salvaterra, com
bilhete de entrada na corrida
Pág. 45 – Jogo de Cabrestos, da Casa Agrícola José
Lino, trabalhados pelos campinos num jogo de
Perícia, na Avenida da vila, pelas “Festas dos
Toiros e do Fandango” – 1966 * O Lavrador,
José Lino acompanha o desenrolar do trabalho dos
campinos José da Moira e Manuel Bernardo -
Foto Autor- 1988
Pág. 49 –António Roberto da Fonseca * a/d
Pág. 50 – Vicente Roberto da Fonseca * a/d
Pág. 59 – Vicente Roberto da Fonseca * a/d
Pág. 64 –Jarras de Porcelana, com Baquetes de Flores,
Troféus conquistados pelos toureiros Irmãos
Roberto - Autor
Pág. 66 – Um dos três Armários dos Troféus dos
Bandarilheiros – Irmãos Roberto (s) – Autor
Pág. 73 – João Roberto da Fonseca (Lavrador) – a/d
Pág. 74 - Irmãos; Vicente Roberto da Fonseca, Roberto
Ferreira da Fonseca (Dr.) e João Roberto da
Fonseca ª a/d

154
Pág. 76 – Joaquim da Conceição, Bandarilheiro ª a/d
Pág. 77 – António Cadório * a/d
Pág. 80 – António Cadório e seus alunos; José Julio
e José Falcão * Foto Jornal …..
Pág. 83 - Rogério Travessa, Cavaleiro Tauromáquico,
no dia da sua alternativa, em Cascais ª a/d
Pág. 84 - Cláudio José, no dia da sua alternativa, em
Salvaterra de Magos * a/d
Pág. 85 – Ana Batista, Cavaleira Tauromáquica,
no dia da sua alternativa, em Coruche * a/d
Pág. 86 - Mónica Monteiro, Aprendiz de Cavaleira
Tauromáquica * a/d
Pág. 96 - António Lapa, Pegador de Toiros * a/d
Pág. 99 – José Carlos Hipólito, Pegador de Toiros ª a/d
Pág. 112 – José Luiz das Neves – Membro da Comissão
que construiu a Praça de Toiros em Salvaterra
Pág. 122 – 1ª Roberto da Fonseca, Director da Corrida
Inaugural da Praça de Toiros de Salvaterra
– 1 de Agosto de 1920 * a/d
2ª Público assistindo à corrida inaugural
da Praça de Toiros de Salvaterra * a/d
- Entrada de Toiros para a Corrida Inaugural
da Praça de Toiros de Salvaterra * a/d
Pág. 123 - 1970 - Página de Salvaterra, no Jornal
“Aurora do Ribatejo –Benavente, publicando
a reportagem dos 50 anos da inauguração
da Praça de Toiros de Salvaterra * José Amaro
e José Gameiro
Pág. 127 – Manuel Burrico, Forcado que chefiou o grupo

155
na inauguração da Praça de Toiros de Salvaterra
Pág. 133 – Cartaz da 1ª Corrida inaugural da Praça de
Toiros de Salvaterra * a/d

Pág. 109 - Campino do Ribatejo, em traje de trabalho * a/d


Pág. 111 - Campino* “A Tradição já não é o que era”?
* mgomes,blogspot.com/…/campino-doribatejohtml

***********************

156
EDIÇÕES PUBLICADAS PELO AUTOR:
*Salvaterra de Magos, “Vila Histórica no coração
do Ribatejo” – Monografia
1ª Edição 1985 – 2ª Edição 1992 Esgotadas)

” RECORDAR, TAMBÉM É RECONSTRUIR “


Colecção de Apontamentos Nº 0 – Nº 45

Online:
http://www.historiadesalvaterra.blogs.sapo.pt
* História do Clube Desportivo Salvaterrrense
* Os Bombeiros Voluntários de Salvaterra de Magos,
e a sua Banda de Música
* Subsídios para História da Freguesia dos Foros de
Salvaterra
*Subsídios para a História de Salvaterra de Magos
Séc. XIII – Séc. XXI * Primeira Parte
(Colectânea Incompleta)

157

Você também pode gostar