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ISSN 2177-3548
[1] [3] Universidade Federal do Paraná [2] Faculdades de Administração, Ciências, Educação e Letras | Título abreviado: Treino de comportamentos de intimidade
| Endereço para correspondência: | Email: marianasampaiodealmeida93@gmail.com | DOI: 10.18761/pac.2016.020
O comportamento de interagir intimamente com Dias & Silveira, 2016; Sousa & Vandenberghe, 2007;
outras pessoas frequentemente relaciona-se com Wetterneck & Hart, 2012). Segundo Cordova e
a severidade de problemas psicológicos. Abbey, Scott (2001), a intimidade se refere a um processo
Clopton e Humphreys (2007), por exemplo, con- interpessoal, que se desenvolve a partir de uma se-
duziram uma pesquisa com pessoas diagnostica- quência de eventos nos quais um comportamento
das com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) interpessoal vulnerável à punição (CIVP) é emitido
e que apresentavam grau moderado de estresse em e, ao invés de ser punido, é reforçado pelo ouvinte/
relação ao transtorno (N=64). Instrumentos que outro membro da díade.
mediam a severidade do transtorno (Obsessive– O CIVP é idiossincrático, uma vez que é de-
Compulsive Inventory-Revised, Foa et al., 2002) e finido como o comportamento historicamente
a intimidade (Personal Assessment of Intimacy in punido na vida de uma pessoa (Cordova & Scott,
Relationships, Schaefer & Olson, 1981) foram pre- 2001). Sua emissão envolve o risco característico
enchidos pelos participantes e os resultados indi- de qualquer relação de intimidade e, quando refor-
caram uma correlação negativa entre as duas variá- çada e sucedida por reforços positivos em vez da
veis investigadas. Assim, parece que quanto menor apresentação da estimulação aversiva, consolida-se
o número e/ou intensidade de interações íntimas uma interação íntima (Kohlenberg, Kohlenberg, &
vivenciadas por uma pessoa com TOC, maior pode Tsai, 2011; Vandenberghe & Pereira, 2005). A reci-
ser a severidade do transtorno. procidade nessa interação acontece quando ambos
A falta de relacionamentos íntimos também está os membros emitem e reforçam CIVPs e há dados
associada ao desenvolvimento da depressão. Este que indicam que relações assim estruturadas pro-
dado foi encontrado a partir de uma revisão de li- movem sentimentos mais intensos de afeição e pro-
teratura que examinou se alguns fatores específi- ximidade entre as pessoas, quando comparadas a
cos – perda da mãe antes dos 11 anos, mais de três relações nas quais apenas uma pessoa emite CIVPs
crianças com menos de 14 anos dentro de casa, falta e é reforçada por essa emissão (Sprecher, Treger,
de relacionamentos íntimos e falta de um trabalho Wondra, Hilaire, & Wallpe, 2013).
fora de casa –, podem indicar risco para o desenvol- Quando a emissão do CIVP é reforçada em uma
vimento da depressão (Patten, 1991). Os resultados interação social, os relatos de intimidade e conexão
indicaram que apenas a falta de relacionamentos ín- entre as pessoas são mais prováveis. Essa relação
timos foi identificada significativamente como fator foi observada no estudo de Haworth et al. (2015),
de risco para a doença. Há, ainda, outros estudos que no qual estudantes de uma Universidade recebe-
indicam a relação entre a falta de intimidade e o de- ram a tarefa de se tornar próximos de um assistente
senvolvimento de transtornos psiquiátricos (Newth de pesquisa, com o qual passariam algum tempo
& Rackman, 2001; Stemberger, Thomas, Mansueto, juntos. Os participantes foram distribuídos aleato-
& Carter, 2000; Wetterneck & Hart, 2012). riamente em três grupos: grupo controle (N=34),
O estudo da intimidade, portanto, parece ser grupo da condição de evocar (N=32) e grupo da
indispensável frente a questões de tratamento e condição de evocar e responder (N=33). Enquanto
prevenção de transtornos psiquiátricos. Uma agen- no grupo controle o tempo passado com o assisten-
da para o estudo da intimidade prevê a definição te de pesquisa consistia na atividade de assistirem a
precisa sobre os comportamentos nela envolvidos, um vídeo juntos, nos outros grupos os participan-
o desenvolvimento de medidas que a avaliem e de tes deviam responder a um conjunto de 20 questões
estratégias para seu incremento (Wetterneck & pessoais que evocavam CIVPs e que foram realiza-
Hart, 2012). das pelos assistentes de pesquisa. Na condição de
No que diz respeito a estudos analítico-compor- evocar, os assistentes de pesquisa foram instruídos
tamentais, a definição de intimidade proposta por a apenas ouvir as respostas dos participantes, sendo
Cordova e Scott (2001) tem recebido destaque por objetivos nessa escuta. Já na condição de evocar e
diversos estudos (Guenzen & Silveira, 2013; Knott, responder, eles foram orientados e treinados a for-
Wetterneck, Derr, & Tolentino, 2015; Kohlenberg, necer uma resposta natural aos CIVPs dos partici-
Kohlenberg, & Tsai, 2011; Silva-Dias, 2015; Silva- pantes, com o objetivo de reforçar a sua emissão.
Antes e depois da intervenção, os participantes zar numa relação (Tsai, Callaghan, & Kohlenberg,
preencheram instrumentos que mediram a conexão 2013; Wetterneck & Hart, 2012).
e proximidade com o pesquisador (Connectedness O foco do trabalho de um terapeuta FAP está
Scale-Research Assistant, Haworth et al., 2015). na evocação e consequenciação de comportamen-
Houve uma diferença estatisticamente significativa tos clinicamente relevantes (CRBs), comportamen-
entre o grupo da condição de evocar e responder e tos interpessoais que o cliente expõe no contexto
os grupos das demais condições. Os participantes terapêutico, e que podem representar problemas
que tiveram como resposta a seus CIVPs o refor- (CRBs1) ou melhoras (CRBs2), de acordo com os
ço natural se sentiram mais conectados e próximos objetivos do cliente na terapia. Ainda que os CRBs
dos assistentes de pesquisa e os mesmos resultados de cada cliente sejam idiossincráticos, é prová-
se mantiveram nas coletas de follow-up 48h e 2 se- vel que um cliente com problemas de intimidade
manas após a intervenção. Haworth et al. (2015) apresente CRBs1 com a função de evitar a vulne-
sugeriram, portanto, que a resposta natural e refor- rabilidade, não revelando informações pessoais ou
çadora para a emissão de um CIVP é uma variável compartilhando emoções, e CRBs2 com a função
significativa que determina a sensação de conexão de se vulnerabilizar, compartilhando sentimentos,
entre indivíduos. pensamentos e medos (Wetterneck & Hart, 2012).
Há dados que indicam que a própria emissão A resposta natural e contingente do terapeuta aos
do CIVP já é importante em uma relação íntima. CRBs é o que possibilita a mudança clínica e há al-
No estudo de Tsai, Plummer, Kanter, Newring, e guns estudos recentes que têm demonstrado isso de
Kohlenberg (2010), a emissão de CIVP por uma maneira sistematizada (Freitas, 2011; Mangabeira,
terapeuta – autorrevelação de informações pessoais 2014; Meurer, 2011; Oshiro, Kanter & Meyer, 2012;
– apresentou efeitos positivos para 91% dos clientes Villas-Bôas, 2015).
atendidos, estando inclusos em tais efeitos a sensa- Alguns autores apresentaram contribuições im-
ção de proximidade da terapeuta e a confiança no portantes acerca da sistematização dos comporta-
relacionamento terapêutico. Os autores sugeriram mentos de intimidade que um terapeuta FAP pode
que a autorrevelação do terapeuta pode aumentar emitir no contexto terapêutico. Dentre tais compor-
a intimidade no relacionamento terapêutico. A au- tamentos, o terapeuta pode emitir CIVPs, reforçar
torrevelação de eventos privados do terapeuta, por naturalmente a emissão de CIVPs pelo cliente e mo-
sua vez, ainda não foi avaliada em relação a seus delar o comportamento do cliente para que ele refor-
efeitos em comportamentos de intimidade do clien- ce os CIVPs do terapeuta (Fugita, 2014; Kohlenberg,
te, mas há dados indicando que a sua emissão evoca Kohlenberg, & Tsai, 2011). Comportamentos de in-
comportamentos clínicos de melhora dos clientes timidade do terapeuta também podem ser pensados
em sessão (Guenzen, 2014). Assim, o contexto te- em termos das cinco regras da FAP: observar CIVPs
rapêutico parece ser adequado para a emissão de do cliente (Regra 1), evocar CIVPs (Regra 2), refor-
CIVPs pelo terapeuta (Guenzen, 2014; Tsai et al., çar a sua emissão (Regra 3), verificar o efeito da res-
2010). Além disso, a modelagem dos comporta- posta no comportamento do cliente (Regra 4) e for-
mentos de intimidade do cliente pode ser pertinen- necer interpretações funcionais do comportamento
te nesse contexto, dada sua natureza interpessoal e de intimidade do cliente (Regra 5) (Wetterneck &
a possibilidade de o terapeuta diretamente observar Hart, 2012). Ficar sob controle das variáveis rele-
e intervir sobre os comportamentos do cliente em vantes identificadas na formulação de caso do clien-
tempo real (Wetterneck & Hart, 2012). te e das variáveis que controlam o comportamento
Considerando o contexto clínico, a Psicoterapia do cliente e do terapeuta no aqui/agora do contexto
Analítica Funcional (FAP; Kohlenberg & Tsai, 1991; terapêutico também são importantes comportamen-
Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, & Follette, tos de intimidade a serem emitidos pelo terapeuta
2011) é uma terapia privilegiada por focar nos pro- (Fugita, 2014).
blemas interpessoais do cliente e em questões de Dentre esses procedimentos, apenas a evocação
intimidade, como a habilidade de confiar profun- e o reforço de CIVPs foram estudados quanto a seus
damente nos outros, ser autêntico e se vulnerabili- efeitos no comportamento de intimidade do cliente
(Silva-Dias, 2015; Siva-Dias & Silveira, 2016). No midade no contexto terapêutico que terapeutas não
tratamento de um casal com problemas conjugais, treinados em FAP, principalmente no que diz res-
duas intervenções foram programadas e apresen- peito à expressão de sentimentos positivos e à emis-
tadas alternadamente na ordem ABAB, cada qual são de comportamentos de honestidade e genuini-
com duas sessões. Na condição A, a terapeuta uti- dade (Knott, Wetterneck, Derr, & Tolentino, 2015).
lizou como procedimentos o treinamento de co- Isso pode ser explicado pela estrutura dos treinos da
municação e a resolução de problemas, enquanto FAP que, ao enfatizar a tomada de riscos interpes-
na condição B foi aplicada a FAP com ênfase na soais do terapeuta e o uso de comportamentos pro-
evocação e consequenciação dos CIVPs para cada motores de intimidade, está diretamente associada
membro do casal. O aumento na emissão de com- ao comportamento de intimidade do terapeuta no
portamentos de melhora de ambos os parceiros foi contexto terapêutico (Knott et al., 2015).
mais sensível nas condições B e a emissão de CIVPs Assim, os comportamentos de intimidade são
de ambos ocorreu somente nas condições B, evi- passíveis de serem treinados pela Psicoterapia
denciando que a ênfase na evocação e consequen- Analítica Funcional, uma vez que para que ela seja
ciação dos CIVPs pelo terapeuta promove melhoras bem conduzida torna-se importante o conheci-
no repertório de intimidade do cliente. mento dos princípios dessa terapia e a emissão de
Ainda que esses resultados sejam promissores, comportamentos que envolvam a tomada de risco
é pertinente o questionamento sobre como terapeu- corajosa e estratégica do terapeuta (Kanter et al.,
tas analítico-comportamentais entendem a intimi- 2012). Os supervisionandos em FAP são, portanto,
dade no contexto terapêutico. Guenzen e Silveira estimulados a desenvolver comportamentos ligados
(2013) aplicaram um instrumento para terapeutas a um “saber que” e a um “saber como”, que se carac-
analítico-comportamentais (N=74), a fim de inves- terizam, respectivamente, por apresentar repertório
tigar a acepção do termo intimidade por parte dos verbal sobre os acontecimentos da terapia e efeti-
terapeutas. A maioria dos participantes (89%) indi- vamente perceber, evocar e fortalecer os CRBs dos
cou a intimidade como um processo bidirecional, clientes no contexto terapêutico (Tsai, Callaghan,
mas respondeu a outras questões do questionário Kohlenberg, Follette, & Darrow, 2011).
a caracterizando como um processo unidirecional, Os estudos sobre treino de terapeutas e super-
ou seja, não envolvendo a figura ativa do terapeuta. visão na FAP ainda estão em fase inicial. Há es-
Mais da metade dos terapeutas (58%), por exem- tudos que utilizaram a relação entre supervisor e
plo, não apresentou respostas precisas e adequadas supervisionando para ilustrar momentos de apren-
quando solicitados a listar três ações terapêuticas dizagem proporcionados pela supervisão (Sousa &
que caracterizassem intimidade, seja deixando a Vandenberghe, 2007; Wielenska & Oshiro, 2012) ou
questão do questionário sem responder, seja indi- para verificar seus efeitos nos comportamentos do
cando ações do cliente ou ações ligadas a fatores supervisionando e do cliente em sessão (Lepienski,
terapêuticos comuns – que se configuram como 2015). Alguns utilizaram técnicas de feedback sobre
condições importantes para que a intimidade se es- o desempenho do terapeuta em sessão (Follette &
tabeleça, mas não como comportamentos próprios Callaghan, 1995; Meurer, 2011) e há ainda um estu-
que a caracterizam (Guenzen & Silveira, 2013). do que avaliou os efeitos de uma supervisão FAP na
Além disso, os participantes que apresentaram res- identificação de CRBs por um terapeuta (Silveira et
postas precisas (38%) citaram grande variedade de al., 2009). Nesse estudo, foi realizada a modelagem
ações, o que fez com que as autoras sugerissem que direta pelo supervisor, no aqui-agora da supervisão,
há inconsistência na compreensão do fenômeno. de comportamento interpessoais relevantes do su-
Tendo isso em vista, é pertinente o desenvolvi- pervisionando, associada ao preenchimento do ins-
mento de um treino de terapeutas para o comporta- trumento FIAT-T (Functional Idiographic Assessment
mento de intimidade no contexto da FAP. Há dados Template – Therapist, Callaghan, 2006), que investi-
que apoiam a necessidade de desenvolver um treino ga padrões de comportamento interpessoal do te-
com esse objetivo, uma vez que terapeutas treinados rapeuta. Por fim, Kanter et al. (2012) avaliaram os
em FAP apresentam mais comportamentos de inti- efeitos de um treino FAP, composto por exercícios
Método Local
Sala de aula do Departamento de Psicologia de uma
Participantes Universidade pública, reservada para a execução do
Os participantes foram seis alunos do quarto ano treino. Os cenários de role-playing pré-treino e pós-
do curso de Psicologia de uma Universidade pú- -treino e suas avaliações ocorreram na mesma sala,
blica brasileira, os quais estavam iniciando seus em horários diferentes.
primeiros atendimentos clínicos na perspectiva
da Análise do Comportamento, e não tinham ex- Procedimentos
periências anteriores com a prática clínica. Os cri- Fase I – Medidas coletadas antes do treino: ava-
térios de seleção para os participantes foram: a) já liação dos comportamentos ligados ao “saber
ter cursado uma disciplina do currículo do curso que” e ao “saber como”
de Psicologia de uma Universidade Pública que Duas medidas foram coletadas antes do treino,
abordava os princípios da Psicoterapia Analítica uma para avaliar os comportamentos ligados ao
Funcional; b) não possuir experiência clínica ou “saber que” e outra para avaliar os comportamentos
possuir no máximo um mês de experiência clíni- ligados ao “saber como”. Uma descrição detalhada
ca supervisionada na perspectiva da Análise do e exemplificada dos comportamentos constituintes
Comportamento. das classes “saber que” e “saber como” pode ser vi-
sualizada na Tabela 1.
Colaboradores A avaliação dos comportamentos da classe “sa-
Os colaboradores do estudo foram: uma treinadora ber que” foi realizada por meio da aplicação de um
qualificada – que aplicou o treino–; uma atriz que instrumento imediatamente antes do início do trei-
dramatizou o papel de cliente nos cenários de role- no. Os participantes receberam uma folha de registro
-playing pré-treino e pós-treino; e dois juízes que e foram orientados a preenchê-la. Na folha, constava
avaliaram o desempenho dos participantes nos ce- a seguinte instrução: “Por favor, indique quais são
nários de role-playing. A treinadora foi uma tera- os comportamentos de intimidade que um terapeuta
peuta com 15 anos de experiência clínica e um ano FAP pode emitir no contexto terapêutico para esta-
de experiência como supervisora FAP, e que lecio- belecer a intimidade com o cliente”.
nava aulas de Análise do Comportamento em uma A avaliação dos comportamentos da classe “saber
faculdade de Psicologia. Os demais colaboradores como” foi realizada por meio da atuação dos partici-
foram alunos do quinto ano do curso de Psicologia pantes em um cenário de role-playing, que aconteceu
de uma Universidade pública. Os colaboradores no dia anterior ao treino. Foi solicitado que os parti-
que atuaram como juízes já haviam realizado estu- cipantes atuassem em um cenário de role-playing de
dos de decomposição de comportamentos no con- um contexto terapêutico, no qual desempenhariam
texto clínico com uso da FAP, eram habilitados a re- o papel de terapeuta FAP. Eles foram orientados a
alizar a categorização na escala da FAP (Functional emitir comportamentos de intimidade nesse contex-
Analytic Psychotherapy Rating Scale, Callaghan & to. Apenas essa instrução foi fornecida, não havendo
Follette, 2008) e tinham um ano de estágio super- qualquer orientação sobre quais são os comportamen-
visionado em FAP. tos de intimidade que um terapeuta pode emitir em
sessão. Para isso, receberam uma breve Formulação
Instrumentos e materiais de Caso (identificação do cliente, da queixa e dos
Filmadora para gravar os cenários de role-playing CRBs e uma breve história de vida) de uma cliente
pré-treino e pós-treino. com queixas de intimidade. A cliente era atendida na
Notebook para exibir os cenários de role-playing clínica escola da Universidade, pela colaboradora que
pré-treino e pós-treino aos juízes. atuou como cliente nos cenários de role-playing. O
caso foi adaptado a fim de garantir as questões de si-
gilo que envolviam a cliente. Os participantes tinham,
no máximo, dez minutos para desempenhar a tarefa.
Os cenários de role-playing foram gravados.
Tabela 1
Definição exemplificada de comportamentos das classes “saber que” “e saber como”
Nota: CIVPs – Comportamentos interpessoais vulneráveis à punição. Definição das classes “saber que” e “saber como” –
Retirada de Tsai et al. (2011).
Além da tarefa de emitir comportamentos de in- descrição de emoções sobre tal dificuldade. Além
timidade, os participantes foram orientados a infor- disso, ela foi instruída a emitir CIVPs sempre que
mar a cliente, em algum momento do role-playing, conseguisse.
que não poderiam atendê-la na semana seguinte.
Três participantes forneceram como motivo para a Fase II – Aplicação do treino de intimidade
cliente a ida a um Congresso de Psicologia, enquan- O treino teve duração de cinco horas e foi progra-
to os outros três informaram período de férias. Essa mado para permitir que os participantes desen-
instrução foi necessária para garantir que a atriz, volvessem os seguintes comportamentos: 1) Ficar
no papel de cliente, tivesse oportunidades suficien- sob controle das variáveis relevantes identifica-
tes para emitir comportamentos interpessoais vul- das na formulação de caso do cliente; 2) Modelar
neráveis à punição (CIVP) – que, de acordo com comportamentos de intimidade do cliente; 3)
a Formulação de Caso fornecida aos participantes, Identificar CIVPs; 4) Dirigir ações sob controle
eram qualquer expressão de afeto direcionada a fi- das variáveis relevantes do aqui/agora da sessão; 5)
gura do terapeuta. Por exemplo, diante da fala dos Tatear eventos privados nesse contexto; 6) Reforçar
terapeutas sobre a interrupção das sessões devido ao naturalmente a emissão de CIVPs pelo cliente. Os
período de férias, a atriz no papel de cliente emitia procedimentos metodológicos utilizados para o en-
frases como “Mas como vou ficar tanto tempo sem te sino desses comportamentos variaram entre breves
ver? Eu preciso conversar com você toda a semana, apresentações teóricas, exercícios experienciais e
apenas aqui me sinto bem”. A escolha dos motivos teóricos e estudo de caso. Cada exercício experien-
apresentados pelos terapeutas em treino (Congresso cial durou cinco minutos e foi realizado em duplas.
ou período de férias) foi baseada no próprio atendi- Esses exercícios deveriam ser realizados duas vezes,
mento que a colaboradora, no papel de atriz, realiza- a fim de que ambos os membros das duplas pudes-
va na clínica-escola da Universidade. sem realizar as atividades propostas, invertendo
A atriz foi instruída a iniciar os cenários de seus papeis. Uma descrição mais detalhada dos
role-playing apresentando relatos sobre alguma procedimentos metodológicos utilizados no treino
dificuldade diária da sua vida, acompanhada da pode ser visualizada na Tabela 2.
Tabela 2
Procedimentos Metodológicos Utilizados no Treino
Modelar o comportamento Em duplas, um participante recebeu a tarefa de falar sobre “O que na minha vida contri-
buiu para eu estar aqui?”, enquanto o outro deveria modelar o comportamento verbal de
seu colega visando um comportamento objetivo (ex: detalhamento dos fatos; relatos de
eventos frustrantes e etc.).
Dirigir ações sob controle das Em duplas, um participante recebeu a tarefa “Fale sobre o seu dia de hoje”, enquanto
variáveis relevantes do aqui/agora o outro deveria trazer o relato do seu colega para o aqui-agora. O instrutor auxiliou os
da sessão participantes a usarem frases específicas (ex:“Como você está se sentindo contando
isso aqui para mim?”)
Reforçar naturalmente CIVPs As duplas foram instruídas a fazer o exercício de conexão do 1 minuto. As duplas fica-
ram em silêncio, enquanto se olhavam nos olhos, e procuravam desviar qualquer aten-
ção de outro evento que não a existência de seu par no aqui-agora. No fim, foi orientado
para que expressassem amor e vulnerabilidade com o olhar, além de respeito pelo que o
outro desejava fazer naquele momento do aqui-agora.
Tatear eventos privados no contexto As duplas foram instruídas a fazer uma revelação que dizia respeito à interação com o
terapêutico parceiro da dupla. O instrutor ajudou fornecendo frases como: “o que sinto agora é...” e
etc. Foi instruído que a revelação deveria ser acolhida pelo outro membro da dupla por
meio de expressões não verbais (olhar, gestos e etc.).
Nota: FAP – Psicoterapia Analítica Funcional. CIVP – Comportamento interpessoal vulnerável à punição. Formulação de Caso da
FAP com cliente com queixas de intimidade – Retirada de Freitas (2011).
Fase III – Medidas coletadas após o treino: ava- informar sobre o período de férias no cenário de
liação dos comportamentos ligados ao “saber role-playing pós-treino. Esse procedimento foi ado-
que” e ao “saber como” tado a fim de garantir alguma discrepância entre
Os mesmos procedimentos da Fase I foram adota- os cenários de role-playing e minimizar efeitos de
dos: uma avaliação dos comportamentos da classe aprendizagem prévia.
“saber que”, aplicada imediatamente após o treino, Nessa Fase, também foram adotados procedi-
e uma avaliação dos comportamentos da classe “sa- mentos específicos quanto à avaliação dos cenários
ber como”, aplicada quatro dias após o treino. de role-playing. Foi sorteado o participante a ser
A avaliação dos comportamentos da classe “sa- avaliado e a ordem de apresentação das gravações
ber como” também foi realizada por meio de um de role-playing que ele participou. Assim, os dois
cenário de role-playing, que seguiu as mesmas dire- juízes que avaliaram os cenários de role-playing
trizes do cenário de role-playing descrito na Fase I, puderam comparar o desempenho de um mesmo
exceto por um detalhe na tarefa fornecida aos par- participante, sendo cegos em relação ao momento
ticipantes. Assim como no cenário de role-playing dos cenários de role-playing que ele participou –
pré-treino, os participantes deveriam informar a pré-treino ou pós-treino.
cliente que não poderiam atendê-la na semana se- Os juízes, hábeis na categorização em FAPRS
guinte devido a um Congresso de Psicologia ou de- e treinados para análise e derivação de compor-
vido à entrada no período de férias. Nos cenários tamentos da FAP (ambos realizaram trabalhos de
de role-playing pós-treino ocorreu uma inversão decomposição de comportamentos da FAP), ape-
desses motivos. Os três participantes que informa- nas foram orientados a avaliar os seguintes com-
ram sobre o Congresso no cenário de role-playing portamentos do terapeuta em treino: dirigir ações
pré-treino, por exemplo, receberam a tarefa de sob controle das variáveis relevantes do aqui/agora
da sessão do contexto terapêutico; tatear eventos vista, ainda que não no mesmo grau. Por exemplo,
privados nesse contexto; e reforçar naturalmente os dois juízes concordaram que o comportamento x
a emissão de CIVPs pelo cliente. Todos os com- não foi emitido por um participante no cenário de
portamentos foram avaliados de acordo com a se- role-playing pré-treino, mas foi emitido no cenário
guinte escala: não emitiu o comportamento (nota de role-playing pós-treino. Os dois juízes concor-
0); emitiu o comportamento aquém do necessário daram, portanto, que houve uma melhora no de-
(nota 1); emitiu o comportamento na medida do sempenho do participante, ainda que um juiz te-
necessário (nota 2). As notas foram atribuídas pelos nha considerado que o comportamento foi emitido
juízes ao final da visualização de cada cenário de aquém do necessário, enquanto o outro considerou
role-playing. que a emissão ocorreu na medida do necessário.
Tabela 3
Exemplos de Comportamentos Citados nos Registro Pré-Treino e Pós-Treino
No que diz respeito às mudanças individuais participantes que apresentaram melhoras de acordo
de cada participante, o número de vezes em que com os juízes. O comportamento de tatear eventos
comportamentos de intimidade do terapeuta FAP privados no contexto terapêutico, por sua vez, foi
foram citados aumentou para todos os participan- aperfeiçoado apenas pelo participante 4, enquanto
tes no registro pós-treino. Os participantes 3, 4 e o comportamento de reforçar naturalmente a emis-
6 citaram, no registro pós-treino, menos compor- são de CIVPs pelo cliente foi aperfeiçoado apenas
tamentos representativos de fatores terapêuticos pelo participante 1.
comuns, enquanto os participantes 1, 2 e 5 citaram De acordo com a avaliação dos juízes, o partici-
a mesma quantidade desses comportamentos nos pante 2 emitiu todos os comportamentos desejáveis
dois registros. Os comportamentos de intimidade nos cenários de role-playing pré-treino e pós-treino.
do terapeuta FAP descritos funcionalmente aumen- Em relação ao participante 5, os juízes não con-
taram no registro pós-treino dos participantes 2, 3 cordaram com as suas avaliações, uma vez que o
e 4 e se mantiveram iguais nos registros pré e pós- juiz 1 considerou que o desempenho do partici-
-treino dos participantes 1, 5 e 6. Os participantes pante foi equivalente nos cenários de role-playing
5 e 6 fizeram descrições após o treino sobre o que a pré-treino e pós-treino, enquanto o juiz 2 conside-
intimidade demanda emocionalmente do terapeuta rou que houve uma melhora nos comportamentos
FAP. de tatear eventos privados no contexto terapêutico
Quanto aos comportamentos ligados ao “saber e reforçar naturalmente a emissão de CIVPs pelo
como”, os juízes concordaram nas avaliações de cliente.
quatro participantes. Os participantes 1, 3 e 4 ha- Os juízes também não concordaram em rela-
viam melhorado seus desempenhos no role-playing ção ao desempenho do participante 6, uma vez que
pós-treino, enquanto o participante 2 manteve seu o juiz 1 o considerou equivalente nos cenários de
desempenho constante nos dois momentos do role- role-playing pré-treino e pós-treino, enquanto o juiz
-playing. 2 considerou que houve piora na emissão do com-
O comportamento de dirigir ações sob controle portamento de reforçar naturalmente a emissão de
das variáveis relevantes do aqui/agora da sessão foi CIVPs pelo cliente. Os dados de cada participante
aperfeiçoado no role-playing pós-treino pelos três estão apresentados na Tabela 4.
Tabela 4
Comportamentos Apresentados nos cenários de role-playing
Notas: RP – Role-Playing. Comportamento 1 – Dirigir ações sob controle das variáveis relevantes do aqui/agora da sessão.
Comportamento 2 – Tatear eventos privados no contexto terapêutico. Comportamento 3 – Reforçar naturalmente a emissão dos
comportamentos interpessoais vulneráveis à punição pelo cliente.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi verificar os efeitos Pareceu haver uma similaridade no entendi-
de um treino de comportamentos de intimidade no mento acerca da intimidade que os participantes
repertório comportamental de terapeutas em for- do presente estudo tinham antes da realização do
mação. A primeira hipótese admitiu que o treino treino e que os terapeutas analítico-comportamen-
influenciaria os comportamentos do participante tais (N=74) do estudo de Guenzen e Silveira (2013)
de sistematizar a intimidade que o terapeuta FAP apresentaram. Nos dois estudos, os participantes
pode emitir no contexto terapêutico. Os resultados citaram comportamentos que representam fatores
indicaram que os participantes registraram após terapêuticos comuns como comportamentos de in-
o treino mais comportamentos de intimidade do timidade, deixando pistas de que pode haver pouca
terapeuta FAP, menos comportamentos que repre- compreensão, por parte de uma comunidade mais
sentam fatores terapêuticos comuns e mais descri- ampla de terapeutas, das características comporta-
ções funcionais dos comportamentos de intimidade mentais da intimidade.
do terapeuta FAP.
cepção pelos juízes, uma vez que foram trabalha- pode emitir no contexto terapêutico. Após o trei-
das no treino algumas topografias sutis para a sua no, os participantes foram capazes de identificar
emissão, como expressões com o olhar. Além disso, adequadamente comportamentos de intimidade do
topografias mais visíveis de reforçamento, como terapeuta FAP no contexto terapêutico e descrever
uma fala do terapeuta, podem soar artificiais – so- esses comportamentos funcionalmente. O treino
bretudo no cenário de role-playing. promoveu também a capacidade dos participantes
O comportamento de dirigir ações sob controle de diferenciar comportamentos que representam
das variáveis relevantes do aqui/agora da sessão do fatores terapêuticos comuns de comportamentos
contexto terapêutico, por sua vez, foi o mais desen-de intimidade do terapeuta FAP.
volvido pelos participantes do estudo. Isso pode ter Não foi possível verificar mudanças nos com-
acontecido por ele ser um comportamento de fácil portamentos de intimidade dos participantes, ha-
identificação, estritamente verbal e passível de servendo apenas indícios de que o comportamento de
aplicado num contexto artificial. dirigir ações sob controle das variáveis relevantes
A análise dessas possíveis variáveis que po- do aqui/agora da sessão do contexto terapêutico
dem ter influenciado os resultados permitiu o pode melhorar. Contudo, acredita-se que uma ré-
desenvolvimento de uma conclusão pertinente plica desse treino com as variações metodológicas
aos estudos sobre treinos de terapeutas FAP. Tais sugeridas possa obter resultados diferentes.
estudos avaliaram de maneira negativa a medida O estudo teve limitações quanto ao número
dos resultados dos treinos por meio de medidas de de participantes e quanto ao fato de ter verificado
autorrelato (Kanter et al., 2012), indicando como apenas os resultados imediatos do treino. Assim,
mais desejáveis as medidas do comportamento do não foi possível realizar o cálculo de concordân-
terapeuta no contexto terapêutico (Kanter et al., cia entre os juízes sobre o desempenho dos par-
2012; Knott et al., 2015) e o uso de cenários de ro-ticipantes e não há clareza sobre se as eventuais
le-playing como possíveis alternativas, caso a me- melhoras obtidas pelos participantes se mantêm
dida do comportamento do terapeuta no contex- ao longo do tempo. Além disso, o estudo apre-
to terapêutico seja inviável (Fairburn & Cooper, sentou limitações quanto à forma com a qual os
2011; Kanter et al., 2012). comportamentos passíveis de aplicação pelo tera-
Acreditamos, contudo, que o método de ava- peuta em sessão foram avaliados. Apesar dessas
liação dos resultados de um treino de terapeutas limitações, os resultados ressaltam que o treino de
depende do comportamento a ser treinado. O role- comportamentos de intimidade para terapeutas é
-playing pode ser uma alternativa viável e efetiva, viável e promissor.
como indicaram Fairburn e Cooper (2011) e Kanter Sugere-se que estudos futuros apliquem o trei-
et al. (2012), mas para alguns comportamentos ele no de intimidade proposto nesse trabalho para um
pode não ser o contexto ideal. É recomendável, número maior de participantes, a fim de possibili-
portanto, que um treino de várias habilidades tera- tar análises estatísticas que revelem se as eventuais
pêuticas utilize mais de uma medida para verificar mudanças são significativas. Sugere-se também que
seu efeito no repertório comportamental de seus sejam utilizadas medidas de seguimento (follow-up)
participantes. após o treino, a fim de verificar se as mudanças
observadas se mantêm ao longo do tempo. Além
disto, parece importante que o treino seja aplicado
Considerações Finais a participantes com diferentes graus de formação
– estudantes de psicologia com e sem experiência
Os resultados do presente estudo indicaram que clínica, terapeutas com pouco e muito tempo de
o treino de comportamentos de intimidade para experiência e etc. – a fim de melhor avaliar e com-
terapeutas FAP é capaz de produzir melhoras no parar seus efeitos.
repertório ligado ao “saber que” dos participantes,
especialmente na capacidade de sistematizar com-
portamentos de intimidade que o terapeuta FAP
Informações do Artigo
Histórico do artigo:
Submetido em: 07/03/2016
Primeira decisão editorial: 13/07/2016
Aceito em: 10/08/2016
Editor Associado: Jan Leonardi