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Resumo:
Renata Udler Cromberg é psicanalista, formada em filosofia e psicologia pela Universidade de São
livros Paranóia (Casa do Psicólogo, São Paulo, 2000) eCena Incestuosa (Casa do Psicólogo, São Paulo,
2001). Escreveu vários ensaios, artigos e resenhas para livros, revistas e jornais, entre os quais, Tornar-se
autora, para o livro Psicanálise, cinema e estéticas de subjetivação (Imago, Rio de Janeiro, 2000)
e Un corps que tombe un corps que se réléve, para o livro Féminilité autrement (PUF, Paris,1999). É
morte.Endereço: Rua Eugênio de Medeiros 168 – casa 3 - Cep 05425-000 - São Paulo – São Paulo/
palavra e nós não vemos o papel que, mesmo nos textos escritos, podem ter os recursos que
pontos de interrogação etc. Estes modos melódicos de expressão entram ainda mais em
jogo num discurso; e um terceiro fator aí é agregado: a mímica dos gestos que se pode
qualificar de linguagem visual, que possui, enquanto linguagem de imagens, um papel tão
linguagem visual (imagem), a linguagem do ato, etc. Em sua qualidade de meios de se fazer
remodeladas em linguagens artísticas. Do ponto de vista genético, a linguagem verbal não foi por
muito tempo a primeira, nem nos humanos, nem nos animais. Ela foi amplamente antecipada pela
linguagem da melodia, da música, sob a forma a mais primitiva da rítmica e das inclinações do
som; bem antes que surgissem os primeiros sinais da linguagem verbal, o grito é um meio de
compreensão experimentado entre a criança e a pessoa que a cuida. As mães atentas e as babás
sabem muito bem, que seu protegido grita de diferentes modos , segundo ele esteja molhado, que
ele tenha fome, que ele sofra ou simplesmente deseje que se aproxime a pessoa que o está
cuidando. O bebê começa a exprimir - intencionalmente ou não - seu estado e seu desejo, pelas
melódica primitiva. Ele começa a compreender a entonação e a palavra bem mais tarde. Os
Papai e Mamãe
O ensaio irá se ocupar da linguagem verbal somente na forma das
palavras “mamãe” e “papai”, que a opinião popular considera como as
primeiras palavras infantis. Para ela, as experiências psicanalíticas podem dar
alguma luz numa questão controversa nunca resolvida: Quem descobriu a
linguagem verbal? O ser adulto ou a criança? A criança é capaz de uma
criação espontânea na linguagem, ou ela simplesmente se apropria da
linguagem transmitida pelos adultos que ela então deforma?
“Fundamentalmente, a linguagem é inventada a partir do inconsciente (mais exatamente:
comunicação, se ela pertence aos povos falantes, ela herdou uma necessidade de linguagem que a faz
procurar e encontrar.”
pelas suas maneiras de falar e suas imitações da criança; instintivamente mães e babás se adaptam às
elas encontram em outro o material pré-formado na profundeza de sua própria psique, no estado precoce
de desenvolvimento pessoal, este material que lhes faz falar à criança a partir dos impulsos
significação que nós compreendemos ou ao menos deveríamos compreender, porque ela foi pronunciada
fisiológicas, esta lalação traz prazer à respiração em uma certa detenção dos músculos”... Para Stern, ‘a
pessoa”. Passa-se com o nome o mesmo que com a imagem. Ela dá certos
exemplos do mundo do homem primitivo e diz que Freud explica esta
colocação no mesmo plano do nome e da pessoa, da palavra e do ato, da
maneira evocada antes no texto: a representação, o pensamento é aqui
supervalorizado como na criança, face à realidade; originalmente todo o
desejo é realizado de forma alucinatória; é a posteriori que a criança aprende
que há uma realidade, que torna as coisas impossíveis e que ele deve em
princípio conquistar.
É no próprio cerne da origem da palavra que ela encontra a razão da
transformação de um estado a outro; a palavra no início é um ato, um fato
positivo ao qual a magia retorna na sua crença:
“A gênese das primeiras palavras infantis mostra que nós não temos a necessidade de
admitir na origem uma satisfação de desejo alucinatória provocada intencionalmente. Quando a
criança lança “mö-mö-mö”, ela, no início, só o faz porque esta palavra chama uma ação ligada às
sensações agradáveis, o mamar; originalmente a palavra significava o grupo de sensações, não
uma ação, ela mesma era a ação. É este fato positivo que a magia faz retorno na sua crença: a
palavra pode substituir uma ação, porque na origem a primeira palavra era uma ação. No sentido
de um objeto separado, a palavra ‘mö-mö’ só se diferencia a posteriori de um grupo de sensações
determinadas que se formam no ato de mamar. ”
movimentos da boca no mamar, porque esta palavra resulta diretamente destes movimentos, age
identicamente a eles. Quando, com o tempo, o conceito de um objeto, a mãe, se diferencia a partir
(mais tarde: mamãe) que esta palavra designa, se torna constituída. Ao pronunciar o nome, se
poderá realmente evocar um grupo determinado de sensações que, mais tarde, é representado por
uma pessoa. Se esse nome é mudado ou prejudicado de alguma forma, se lesa o conteúdo psíquico
que lhe está ligado (no nosso caso: uma pessoa). Vê-se, então, como o nome representa na magia a
origem era uma unidade. Há de novo uma unidade na magia, naquilo que o nome substitui uma
tenhamos desde este primeiro estado as percepções e as representações). A relação tornada constante
entre o som e um grupo determinado de elementos intelectuais e afetivos nos permite dizer que este grupo
sonoro se torna uma palavra.” Afetivo quer dizer ligado à sensação, com a reação
própria do sentimento que a acompanha. É das sensações que surge a idéia por
meio da abstração do essencial. Ela não quer dar uma definição exata da
“idéia”. Ela anuncia, então seu próximo trabalho sobre o símbolo, onde ela
fala da maneira como este processo vem a luz. Só que em seu próximo
trabalho, que continua as idéias deste (Algumas analogias entre o pensamento
da criança do afásico e do sub-consciente, de 1923), ela também anuncia um
próximo trabalho sobre o símbolo. Então, ou ela nunca escreveu este trabalho
ou ele se perdeu na U.R.S.S.. Ela não se obstina em designar palavra neste
estado. Propõe que se fale de “núcleos de palavra”.
Ela irá, então, finalizar o texto, refletindo sobre a origem da palavra
“pö-pö”; Como “mö-mö, ela também experimenta uma mudança de
significação. Origina-se também do ato de mamar. As babás russas chamam o
pão de “papa”. Esta analogia de Papa= pão, também se encontra na crença
cristã de com o pão gozar do corpo de Cristo. Não é uma
crença racionalizante, que o pai dá o pão, mas uma relação mais antiga, mais
interior, que vem dos povos antigos que acreditavam que se é o que se come ,
mostrando que a mais íntima comunidade é simbolizada pelo ato de absorver.
Vem da mãe que nutriu nos inícios, com quem se fez uma unidade por bom
tempo. A identificação é simbolizada pelo ato de comer.
Spielrein apontará uma diferença característica entre as ocasiões em
que a criança balbucia “mö-mö” e aquelas em que balbucia “pö-pö”. Em sua
própria filha de dez meses, ela observou que quando ela está feliz, ela diz
“papa”, quando está infeliz ou quer qualquer coisa, ela diz “mama”. Para
Stern, Papa designa satisfação e Mama, tristeza. Muitas mães disseram a ela a
mesma coisa. Discordando de uma observação de Mme Hug-Hellmuth, quem
escutou sua comunicação no congresso de Haia, em 1920, quando foi
proferida pela primeira vez, e pensou que ela teria tirado este fato da boca, ela
dirá que os diferentes sons em questão não correspondem às mesmas posições
da boca; eles correspondem às diferentes fases do mamar. A palavra “mö-mö”
reproduz a sucção mais fielmente. “Pö-po”, “bö-bö” correspondem muito
mais a uma época em que a criança, saciada, brinca com o seio, abandonado-o
e depois pegando-o novamente. Se a criança não está muito faminta e, logo,
de bom humor, ela se compraz em perseguir os movimentos que produzem os
sons “pö-pö”, “bö-bö” e outros semelhantes. Mas se o sentimento de fome se
torna imperativo, os movimentos de sucção se fazem mais enérgicos e a
pequena boca toma a posição que lhe é própria no mamar abarcando
firmemente o seio. A posição da boca dá o som “mö”. Se a fome se anuncia
demasiado forte, todo som ‘razoável’ cessa, um processo reflexo se produz, o
grito. As manifestações que consistem em sons labiais permanecem por toda a
vida a única linguagem em diferentes mamíferos.
Comentário analítico
Tentemos compreender o tamanho da novidade expressa aqui, no
contexto da comunicação inicial do Congresso Internacional de Haia, de 1920.
Simultaneamente a ela, Freud apresenta Mais Além do princípio do prazer.
Neste texto, além dele se inspirar nas próprias concepções de Spielrein de
1911, ele também chega a uma importante observação sobre a origem da
linguagem que se tornará paradigmática: o fort/da emitido por seu neto de um
ano e meio simultaneamente com o jogo do carretel para longe e para perto,
para dominar as sensações desprazerosas provocadas pela partida da mãe à
sua revelia, onde ele ludicamente, ou seja, magicamente, passa a controlar, de
maneira criativa, este movimento da mãe, fora de seu controle, substituindo-a
pelo carretel. Poderíamos imaginar o desconcerto de ambos. Freud elabora
uma teoria negativa da origem da linguagem, onde a palavra emerge para
simbolizar o objeto ausente, a mãe e tentar controlar ativamente
o desprazeroso que age como traumático de não poder controlar os
movimentos de aproximação/ afastamento, presença/ausência da
mãe. Spielrein parte do próprio Freud para dialogar com teorias de outros
campos, psicologia, biologia e pedagogia sobre a origem da linguagem,
tentando afirmar sua origem psíquica. Utiliza o próprio caminho freudiano de
acesso ao princípio de realidade, através de dois textos seus, Formulações
sobre os dois princípios do suceder psíquico e especialmente Totem e
Tabu indo mais além deles. Se Freud terminará seu Totem e Tabu, após falar
do assassinato do pai primordial e da sua proibição geradora de cultura junto
com o tabu do incesto, dizendo “No início era o ato”, substituindo a
formulação religiosa “No início era o Verbo”, Spielrein dirá, à sua maneira,
“No início do verbo era a ação”. Spielrein irá mais além de Freud, a partir do
próprio Freud, dizendo que há um longo caminho positivo antes que a
linguagem substitua a coisa. Caminho sensório-motor e perceptivo, caminho
da positividade do corpo. Aquilo que Piaget chamou de fato positivo. Mas de
maneira semelhante a Freud, será a partir da tensão entre outro corpo, seio,
corpo da mãe e as próprias sensações corporais, que se construirá a concepção
de ob-jeto, o que está colocado fora de si. Somente a partir daí, a linguagem
como apelo dirigido a outro pode se originar. Há todo um complexo caminho
antes disso acontecer. Mas a linguagem social não suprime as outras
linguagens, elas apenas se tornam menos conscientes. Mas participarão da
linguagem social para que ela se enraíze na subjetividade, ou seja, no corpo
sensorial perceptivo erótico e afetivo, que afeta e é afetado, que produz
pensamentos de desejo e sensações de prazer/desprazer.
É importante notar que quando Spíelrein escreve “a palavra pode
substituir uma ação, porque na origem a primeira palavra era uma ação”, ela
antecipa uma premissa fundamental da teoria piagetiana da linguagem,
premissa que será, evidentemente, formalizada por ele no sentido de que as
palavras têm um funcionamento inicial indissociável das ações sensório-
motoras, apenas posteriormente passam a ser representaçoes de ações e
objetos.
Ela irá mostrar em seu texto de 1923, Algumas analogias entre o
pensamento da criança, do afásico e do sub-consciente, três coisas que estão
sinalizadas já neste texto: a) A palavra não é algo isolado e independente da
inteligência. A linguagem falada é uma linguagem socializada por
excelência pois, graças à palavra, nosso pensamento chega a ser um
pensamento lógico, adaptado às exigências da realidade. A criança adquire a
palavra no momento onde ela começa a sair do estado autista, abandonando
pouco a pouco os mecanismos do pensamento primitivo que se tornam menos
conscientes. A linguagem falada evolui antes das outras linguagens, mas estas
passam pelos mesmos estágios no seu desenvolvimento (a linguagem do
desenho, por exemplo). Estes estágios estão no sub-consciente (o não
consciente, para ela), onde, como Freud o demonstrou, o princípio do prazer
sobrepuja a função do real. b) As imagens kinestésicas estão na origem do
símbolo e são a base do pensamento. Por isso, nosso pensamento consciente é
principalmente um pensamento verbal e nosso pensamento sub-consciente um
pensamento, sobretudo, kinestésico-visual. Nosso pensamento consciente é
sempre acompanhado de um pensamento paralelo orgânico, alucinatório, que
traduz o pensamento consciente em imagens. c) As imagens sub-
conscientes kinestésico-visuais dão a seiva de nosso pensamento consciente.
Sem elas, nosso pensamento será desenraizado, “descorticado”. Por isso, o
pensamento sub-consciente é nosso pensamento principal. Só temos
consciência do começo e do fim de nosso pensamento. O resto se desenvolve
no sub-consciente. Isso não quer dizer que ele é superior ao pensamento
consciente. Abandonado a si mesmo, ele é suficiente para uma certa adaptação
no mundo, mas perderá seu caráter de um pensamento criador, pois o élan de
criar qualquer coisa, de fazer qualquer coisa no mundo, a direção absoluta e a
concentração em direção das funções do real faltam ao pensamento sub-
consciente, já que ele não é necessariamente um pensamento dirigido, pois ele
se destina a trabalhar mais para si mesmo que para os outros. É somente da
colaboração do pensamento sub-consciente com o pensamento consciente que
se pode engendrar uma obra criadora no mundo: o pensamento consciente
deve apoderar-se do que nos oferece o pensamento sub-consciente e utiliza-lo.